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Não docentes têm de lutar pelo seu papel relevante na escola

pública

Com o decreto-lei 515/99 a criar “expectativas” sobre o reconhecimento


dos não docentes, cujo enquadramento normativo remontava a 1987 (DL
223/87), ao afirmar que, “no processo de construção de uma escola de
qualidade, todos os profissionais da educação desempenham um papel
relevante. Além dos docentes, a escola integra um conjunto diversificado e
relevante de outros profissionais, cuja acção é essencial na organização e
funcionamento dos estabelecimentos de ensino e no processo educativo. A
evolução que tem vindo a verificar-se na organização escolar traduz-se
igualmente em maior complexidade das funções atribuídas ao pessoal não
docente, pelo que importa proceder à revisão do estatuto profissional a que
aquele se encontra sujeito, de modo adequado à actual realidade do serviço
público de educação”. Mas o que acabou por acontecer, foi o desencadear
de um processo de sucessiva «produção» legislativa que veio acossando os
não docentes, neste caso, começando por considerar haver um
desajustamento no regime jurídico do pessoal não docente, que deixou
porta escancarada para desmembrar o próprio 515/99 e aprofundar o
ataque aos direitos dos trabalhadores ao mesmo tempo que era lançada
uma campanha pública insidiosa, através de uma estratégia
governamental, contra os serviços públicos e os seus agentes.

O novo regime jurídico apontava para a extinção de carreiras e criação de


novas, como assistentes de administração escolar e de acção educativa,
assim como, a reconversão profissional dos auxiliares de acção educativa
(assistentes operacionais) para a carreira de assistentes de acção
educativa, o que não passou do papel. Ainda através deste regime jurídico,
foi introduzido o novo sistema de avaliação do desempenho, que viria a ser
sistema para toda a Administração Pública através das diferentes versões
do SIADAP, substituindo a classificação de serviço, promovido e incentivado
que foi um modelo igualmente burocrático (tal como o dos docentes),
injusto e sem qualquer resultados práticos no melhoramento dos serviços
públicos, a não ser o congelamento de progressões salariais ou seja, tem-se
comprovadamente assumido como um mecanismo meramente
economicista e ainda fomentador da divisão e o medo entre os
trabalhadores.

A prova do retrocesso ao nível do Ministério da Educação reflectia-se no


novo Estatuto do Pessoal Não Docente (D.L. 184/2004 de 29 de Julho), que
inverteu as expectativas em termos das novas carreiras profissionais, e
iniciando uma cínica afronta à dignificação dos não docentes e
desvalorizando o indispensável papel dos assistentes operacionais no seio
das comunidades escolares.

Órgãos de Gestão Escolar: espaços de intervenção que exigem


participação activa

Pela sua especificidade, o sector da educação tem espaços de intervenção,


para além naturalmente do sindical, a que nem sempre tem sido dada a
devida a tenção, correndo-se mesmo o risco de ainda recentes conquistas
se perderem como resultado das políticas que vêm sendo seguidas na
escola pública através da centralização de poderes, que vêm esvaziando as
competências que a lei estabelece a órgãos de gestão, como o conselho
pedagógico ou conselho geral dos agrupamentos e escolas não agrupadas.

Alcançado que foi o direito de participação por parte dos não docentes nos
órgãos de gestão (conselho pedagógico e na altura assembleia geral) a
quando da aplicação da lei 115 A/98 (autonomia e gestão das escolas), cujo
projecto inicial para debate público não contemplava a sua participação no
conselho pedagógico, acabou por consagrar tal abertura aos não docentes.
Uma década depois, esta conquista de participação no pedagógico foi
colocada em causa pela nova lei de autonomia e gestão das escolas
75/2008 de 22 de Abril, que restringiu a intervenção dos não docentes nos
órgãos de gestão ao conselho geral e deixou a possibilidade de participação
no pedagógico a critérios de interpretação e decisão da direcção das
próprias escolas.
Ainda que nem sempre tenha sido dada a devida atenção a uma
intervenção activa e organizada nestes órgãos, particularmente ao actual
conselho geral, perante os ataques que vem sendo feitos,
descaracterizando a escola pública como espaço democrático, agora é a
própria teia legislativa que pesa sobre a administração pública, que faz
despertar a necessidade de uma outra atenção por parte dos trabalhadores,
quando, como acontece no caso da educação, os não docentes têm
representação nos conselhos gerais, que têm entre as suas competências, a
definição das linhas orientadoras para a elaboração do orçamento.
Competência que obriga a uma redobrada atenção, para que este
documento contenha a previsão de eventuais alterações remuneratórias,
que têm de estar salvaguardadas no orçamento dos agrupamentos e que
habitualmente não são tidas em consideração pelos restantes componentes
deste órgão, a quem por isso mesmo os trabalhadores não docentes não
podem deixar confiado o papel de defesa dos seus direitos e interesses
profissionais. Particular atenção merece a discussão e aprovação dos
regulamentos internos no que toca nomeadamente ao capítulo dos não
docentes.

A intervenção no conselho geral é tanto mais merecedora da atenção dos


não docentes, quando, com a introdução da figura do director, que fez de
certa forma retroceder a democracia nas escolas, ao ter evoluído para o
modelo de gestão unipessoal, sem a participação dos vários elementos da
comunidade escolar na eleição directa de um órgão, como eram os
conselhos gerais. A tendência tem sido para desvalorizar o conselho geral,
transformando-o num simples órgão para legitimar o processo de escolha
do director, deixando de ter o papel que a própria lei lhe confere e assim
tornando-se um órgão de desgaste e descrédito para todos os seus
conselheiros, cada vez mais à mercê das estratégias dos directores e das
políticas que vão sendo impostas às escolas pelo Ministérios da Educação
sem discussão e sem o envolvimento das comunidades escolares.

Ao contrário da desvalorização da intervenção neste órgão, que não tem


merecido a atenção que um tal espaço de debate e discussão pode
proporcionar, assim os seus membros (incluindo desde logo os docentes
pelo peso da sua representatividade, e restantes elementos das
comunidades escolares) assumam e encarem o conselho geral, de facto,
como órgão de direcção estratégica, como é caracterizado pela lei. Um
espaço que pode e deve ser de aprofundamento das políticas educativas, e
sobretudo de muitas das medidas, tantas vezes tomadas à revelia dos
órgãos de gestão, que se traduzem em verdadeira afronta à escola pública
que os não docentes devem estar também na primeira linha da sua defesa.
Este órgão não pode continuar a ser um instrumento de simples legitimação
das políticas do Ministério da Educação e da gestão do Director sem o
devido exercício das suas competências, devendo para tal, requerer a
informação necessária aos restantes órgãos de gestão, para realizar
eficazmente o acompanhamento e a avaliação do funcionamento do
agrupamento ou da escola não agrupada, a fim de serem dirigidas
recomendações. Não pode, por diferentes tipos de medos que se vão
instalando nas escolas, abdicar do seu verdadeiro papel, porque como a
própria lei lhe confere, no final do ano lectivo o mandato do director pode
cessar por deliberação do conselho geral, em caso de manifesta
desadequação da respectiva gestão. Cabe igualmente ao conselho geral
deliberar a recondução do mandato do director, não sendo permitida a sua
recondução para um terceiro mandato consecutivo.

Combater a desvalorização dos não docentes

Alarmes e videovigilância ganham agora preponderância no espaço escolar


com o argumento de garantir maior segurança ao mesmo tempo que se
desvaloriza o importante papel dos assistentes operacionais numa relação
mais próxima com os alunos, como factor de humanização da escola.

A lógica do mais recente investimento nas escolas em alarmes e


videovigilância quer acabar por reduzir ainda mais os não docentes nas
escolas, substituindo-os por câmaras, que através de “olhos digitais” das
câmaras de filmar colocadas em pontos estratégicos, intimidarão mais o
espaço democrático que deve ser a escola pública do que a dissuasão de
intrusões, furtos, roubos e outros actos de vandalismo como factores para
justificar tais medidas.
O caminho da desumanização das escolas torna-se mais evidente e
preocupante, ao mesmo tempo que na prática, vão ganhando espaço as
medidas que contrariam algumas considerações do sistema educativo,
quando referem, relativamente aos assistentes operacionais, que não se
pode deixar de ter em conta, como recursos humanos, que, não
directamente implicados no processo educativo em si, constituem um factor
indispensável ao sucesso deste, na vertente da organização e
funcionamento dos estabelecimentos de ensino e do apoio à função
educativa. Ao contrário da valorização destes não docentes na realidade da
escola de hoje, a verdade é que cada vez mais a sua desvalorização é
notória, até ao nível da formação, cada vez mais secundarizada.

Ao contrário de um agente, que deveria ser encarado como de apoio à


escola, que interfere na formação e transformação da sociedade. Esta visão,
não só se vai perdendo preocupantemente, como as consequências de tal
marginalização dos trabalhadores não docentes das escolas, e na lógica da
negação do seu verdadeiro papel na relação com os restantes elementos da
comunidade escolar, levam à estigmatização destes trabalhadores, cada
vez mais contratados de forma precária e temporária, tornando ainda mais
frágil o seu papel profissional na escola pública que recorre cada vez mais a
trabalhadores desempregados dos planos ocupacionais e contratos de
trabalho parcial de 2 ou 4 horas. Recurso laboral que contraria toda a
filosofia da legislação sobre a importância dos assistentes operacionais em
meio escolar.

Contrariar este caminho que faz retroceder o verdadeiro papel destes


trabalhadores, é o desafio a que temos que responder de forma mais
organizada, através de uma intervenção regular e activa, nos vários
espaços possíveis de combate político como são objectivamente os
conselhos gerais. Órgãos que também vão afunilando a representatividade
com a continuada politica de constituição dos mega-agrupamentos, que
começaram a ganhar forma no despacho 13.313, de 13/06/2003 no âmbito
de uma política de reforma estrutural no ensino básico, que voltou a
inquietar as comunidades escolares no final do ano lectivo transacto e
segundo a teimosia da actual ministra da educação mesmo na fase de um
governo de gestão, insiste em transtornar mais um final de ano lectivo, com
a intenção manifestada de querer impor de novo a aplicação da Resolução
do Conselho de Ministros n.º 44/2010 sobre um novo reordenamento da
rede escolar do ensino básico, ainda que os conselhos gerais tenham que
dar parecer, o que não pode ser descurado, quando em alguns pontos do
país o patamar preocupante de evolução da rede escolar, já se coloca ao
nível de giga-agrupamento. Cenários megalómanos para a área da
educação que não podem ficar na expectativa de melhorias vindas de
governações em alternância ou em bloco central, que no essencial estão de
acordo na lógica liberal, de redução de custos que querem intensificar e
aprofundar no actual momento de compromissos com Bruxelas e o FMI
como contrapartida aos apoios externos dos quais, sectores fundamentais
no desenvolvimento do país, como a educação não beneficiarão, bem pelo
contrário.

José Lopes (Ovar)

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