No estudo do painel histórico acerca do instituto da família no Brasil faz-se
mister destacar que, por ser um país bastante diversificado no tocante às culturas que o compõe, estão presentes as mais variadas formas de entidades familiares, desta maneira, não podemos nos ater a determinados modelos de família como bem destaca a especialista Ana Carla Harmatiuk Matos:
Entende-se não ser possível estudar a história da família de forma linear e,
outrossim, onde a transformação representa uma evolução diretamente relacionada à reflexão dos seres humanos para a escolha da melhor forma de convivência familiar.
Consoante ainda a mestre, é possível percebermos na realidade brasileira 3
tipos distintos de família: a) Família patriarcal existência do patriarca como chefe de uma família grande e numerosa que compreendia não só a esposa e os filhos, como também outros parentes e agregados. Este tipo de família ocorreu, principalmente no Nordeste. b) Família nuclear pai como provedor do lar, aquele que busca sustento fora da casa e a mulher como indivíduo frágil incumbida da função de cuidar do lar e dos filhos, desenvolvendo também diversas habilidades manuais para ajudar no sustento da casa e cuidar da aparência dos filhos e do marido. c) Família pós-nuclear família composta por apenas um dos pais que tem que prover o sustento do filho, ou até mesmo a família da mulher ocupada que tem que sustentar a casa pelo seu trabalho. Aplicando-se o conceito aos moldes atuais, pode-se vislumbrar o filho como sendo advindo de inseminação artificial.
Todavia, para a apresentação da evolução histórica do conceito de família
no Brasil antes da Carta Magna de 1988, é necessário delimitar um período de tempo da nossa história para facilitar a compreensão, em virtude dos diversos acontecimentos envolvendo diversos povos e culturas.
Assim, abordaremos, principalmente, a evolução ocorrida desde a outorga
da Constituição de 1824 até a promulgação da Constituição de 1988.
2. Influências do Direito Romano e do Direito Canônico
A Constituição de 1824 nada descreveu sobre as relações familiares no
Brasil, predominando os interesses do Estado Português e da Igreja Católica. A exemplo de Portugal, o Brasil adotou o modelo de organização familiar patriarcal, tendo como fonte inspiradora o modelo de organização do antigo Estado Romano, onde de inicio sofria fortes intervenções do Estado e da Igreja Católica, onde o principal elemento era o casamento indissolúvel, o patrimônio, a hierarquia e o heterossexualismo.
O casamento era indissolúvel e perpétuo (pois o que Deus uniu, o homem
não separa), aos moldes do casamento Romano, o qual foi adotado no século IV, quando o cristianismo passou a ser adotado como religião oficial do Estado Romano.
3. O advento do casamento civil
Somente na República, com o decreto Nº 181, de 1890, efetiva-se o
casamento civil no Brasil, quebrando assim a hegemonia do casamento religioso, retirando-o seu valor jurídico e punindo severamente com prisão e multa, a quem efetivasse o casamento religioso, antes do civil. Salientamos que o casamento civil nasceu no século XVI, na Holanda, com a reforma protestante e consolidou-se na França com a revolução Francesa.
Já a Constituição Federal de 1891, em seu artigo 72 § 4º, visando separar a
atividade Estatal e o controle da Igreja Católica (tal medida foi tomada devido à questão religiosa-bula Syllabus que impedia as relações entre igreja e maçonaria da qual fazia parte Dom Pedro II- foi um dos pontos além das campanhas abolicionista, republicana e a questão militar que culminaram com a derrocada do Império), estabelecia que o único casamento reconhecido na nova República era o civil, sendo gratuita a sua celebração. 4. Evolução histórica da família e filiação antes da CF de 1988
As leis que surgiram antes da Constituição de 1988 visavam à
sistematização da família clássica, ou patriarcal.
Apesar de a Carta outorgada de 1824 nada descrever sobre as relações
familiares no Brasil, fazendo assim predominar única e exclusivamente os interesses do estado português e da Igreja, a constituição da républica(1891) estatuiu o casamento civil no Brasil. Desta maneira, a instituição do casamento civil fez com que a hegemonia do casamento religioso sucumbisse, retirando o seu valor jurídico e punindo severamente com prisão e multa quem efetivasse a cerimônia religiosa antes do casamento civil.
O grande marco histórico concernente à legislação que disciplinasse o
direito de família, contudo, foi a promulgação da Lei nº 3.071(Código de 1916/ Beviláqua). O sistema adotado pelo código civil de 1916 era hermético e abordava apenas disposições que favoreciam à classe dominante. O sujeito de família era, respectivamente, sujeito de direito, sujeito de patrimônio e sujeito de contrato, o que refletia os ideais patrimonialistas da época, na qual mais importava o TER do que o SER.
O Código de Beviláqua regulava a vida privada das pessoas tratando a
família no modelo patriarcal fundada no casamento, no patrimônio, hierarquizada e heterossexual, em que o homem detinha todo o poder familiar, reservando-se a mulher apenas a função de cuidar da casa e procriar.
Consoante o artigo 223 do CC de 1916, ficava estabelecida a indissolubilidade
do casamento e a capacidade relativa da mulher. O marido era o único chefe da sociedade conjugal e a esposa dele dependia como representante legal(assistente).
Ademais, no respeito à filiação, havia evidente distinção entre filhos legítimos,
ilegítimos, naturais e adotivos, registrado no assento de nascimento a origem da filiação. Quanto aos bens, caso o adotante tivesse filhos legítimos, o adotado não teria direito à sucessão hereditária. Se tivesse filho ilegítimo, este não poderia residir na mesma casa da família sem o consentimento do outro cônjuge.
Quanto ao instituto da guarda, caberia ao cônjuge não responsável pelo desquite,
ou seja, o fato a ser analisado para a concessão da guarda era a culpa pela separação e não o bem estar dos filhos.
A Constituição de 1934 dedicou um capitulo inteiro ao direito de família,
enfatizando ser assegurada a proteção especial do Estado à família, servindo como exemplo para constituições seguintes. Por ter sido promulgada em um momento de crise na qual a questão social estava sempre em destaque, ocorreram vários avanços, principalmente, no âmbito trabalhista, o voto secreto feminino e o mandado de segurança também constituíram conquistas bastante relevantes.
Já a constituição de 1937 (outorgada), apesar de ter consagrado alguns
retrocessos, posto que centralizava o poder e conferia exageradas atribuições ao Executivo, no âmbito do direito de família, tutelava o dever dos pais de educarem os filhos, equiparava os filhos naturais aos filhos legítimos e assegurava que o Estado cuidaria das crianças abandonadas pelos pais. Reintroduziu também efeitos civis ao casamento religioso.
Com a queda do Estado Novo e fim da Segunda Guerra Mundial, adveio a
Constituição de 1946 cujo principal objetivo era a redemocratização do país. No tocante à família brasileira, foi estimulada a prole numerosa, assegurando-se a assistência à maternidade, à infância e à adolescência.
Em meados de 1949, entrou em vigor a Lei nº 883/ 49(Lei da Filiação) que
tratava sobre o reconhecimento dos filhos ilegítimos, permitindo seu reconhecimento através de uma ação de reconhecimento de filiação tendo direito inclusive a alimentos provisionais. Aos filhos foi reconhecida a igualdade de direitos, independente da filiação, inclusive o direito de herança e pedido de alimentos em segredo de justiça.
Com o passar do tempo e, principalmente, nas décadas de 50 e 60 como
contestação aos padrões estabelecidos o movimento feminista organizou-se contra a discriminação de gênero. Ocorreram assim, mudanças relacionadas à posição da mulher dentro da própria sociedade. As donas de casa conquistaram o mercado de trabalho, foi inventada em 1967 a pílula anticoncepcional e várias outras inovações surgiram. Quanto à Legislação, importante salientar a vigência da Lei nº 4121/62 conhecida como o Estatuto da Mulher Casada. Esta, revogou vários dispositivos constantes no Código de 1916, que já se mostrava incoerente com a realidade brasileira, e, dentre outros direitos estabeleceu que a mulher mudava a sua posição familiar passando a participar efetivamente da administração do lar, apesar de ter o genitor ainda a prevalência de opiniões no tocante à educação dos filhos, a esposa podia recorrer ao juiz caso não concordasse.
Com a ocorrência do Golpe Militar, entretanto, foi imposta a Carta
Constitucional de 1967 que descrevia o casamento religioso, podendo ter efeitos na esfera civil.
Finalmente a Lei 6515/77, também conhecida como a lei do divórcio que
desmitificava a idéia anteriormente defendida de indissolubilidade do casamento, concedeu à mulher o direito de optar pelo uso do nome do marido ou não e ainda conferiu aos filhos o direito de serem reconhecidos, independentemente do estado civil dos genitores e, ao mesmo tempo, conferiu-lhes direito sobre o patrimônio do pai.
5. Conclusão
A partir do exposto, podemos concluir que, apesar de os dispositivos
legiferantes anteriores à CF de 1988 terem sistematizado o modelo de família clássica como sendo a família brasileira, tal classificação mostra-se equívoca tendo em vista a pluralidade de famílias existentes no país nas diferentes épocas.
Fica patente também que há um grande distanciamento entre o socialmente
verificável e o legalmente contemplado, fazendo com que, não raras vezes a legislação mostre-se defasada quando comparada à realidade dos fatos, o que pode ser vislumbrado pelas inovações sociais na década de 60 e a vigência do antigo Código de 1916, por exemplo.