Estudos Jurídicos

40(1):5-15 janeiro-junho 2007

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O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do

governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
The Brazilian Supreme Court of Justice and the state’s reform during Cardoso administration (1995-1998):
criteria of admissibility as part of Court’s political strategy

Cristina Carvalho Pacheco1

Resumo: Como atuou a Corte máxima de Justiça do Brasil diante das modificações que
ocorriam no Estado brasileiro ao longo do primeiro mandato de Fernando Henrique Car-
doso? As mudanças constitucionais promovidas pelo Executivo central, com o apoio do
Parlamento, poderiam esbarrar no Judiciário. Algumas medidas apontadas como indispen-
sáveis ao ajuste fiscal do Estado, como o fim da estabilidade do funcionalismo público e as
modificações das regras previdenciárias, poderiam ser canceladas pelo Supremo, por atin-
girem regras constitucionais consideradas intangíveis. Foram analisadas 513 Ações Diretas
de Inconstitucionalidade julgadas ao longo do primeiro mandato, de modo a tentar identi-
ficar as relações entre o processo político de reforma e o padrão de atuação da Corte. Foi
possível identificar uma estratégia decisória na qual a Corte se permite julgar o mérito de
questões de pequena relevância nacional, ao mesmo tempo em que se utiliza sistematica-
mente de argumentos formais para o não-julgamento de questões de grande relevância para
o país.

Palavras-chave: Supremo Tribunal Federal, reforma do Estado, governo Fernando Henrique

Cardoso.

1
Doutora em Ciências Sociais
pela Unicamp. Professora de
Ciência Política do Curso de
Relações Internacionais da
UEPB (Universidade Estadual
da Paraíba).
E-mail:
criscpacheco@yahoo.com.br
Abstract: How did the Brazilian Supreme Court of Justice act during the modifications that
occurred in the Brazilian state in Fernando Henrique Cardoso’s first term of office? The
constitutional changes promoted by the Executive, with the support of Parliament, could be
vetoed by the Supreme Court. Some measures considered essential for the fiscal adjustment of
the state, such as the end of tenure for state employees and changes of social security rules,
could be cancelled by the Supreme Court because they affected intangible constitutional rules.
513 lawsuits that challenged the constitutionality of government judged acts during that term
have been analyzed, in order to try to identify the relations between the process of political
reform and the Supreme Court’s pattern of action. It is possible to identify a decision-making
strategy of the Court that allows it to judge the merit of issues of little national relevance and
at the same time to use formal arguments in order not to judge issues of great relevance for the
country.
Key words: State reform, judiciary, Cardoso administration.

A era Fernando Henrique (1995-2002) pretendeu colocar
um ponto final no modelo de Estado nacional-desenvolvi-
mentista iniciado com Getúlio Vargas. Reestruturou o Esta-
do, através da implementação de reformas liberalizantes vol-
tadas para o mercado. A composição de uma aliança governa-
mental majoritária e forte foi determinante para que Fernan-
do Henrique obtivesse êxito na reestruturação, feita através da
aprovação de um conjunto de emendas constitucionais.
Essa verdadeira “agenda constituinte”2 origina-se, em
grande parte, no formato da Constituição Federal de 1988,
que não só cristalizou o modelo nacional desenvolvimentista
enquanto o mundo avançava para o resgate de valores libe-
rais, como também elevou à categoria de matéria constitucio-
nal diversos direitos e garantias previstos na Carta.
As mudanças constitucionais promovidas pelo Executivo
central, com o apoio do Parlamento, poderiam esbarrar no

2
Expressão cunhada por Couto (1997).

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 Cristina Carvalho Pacheco
Judiciário. Algumas medidas, apontadas como indispensáveis
ao ajuste fiscal do Estado, como o fim da estabilidade no em-
prego do servidor público e mudança nas regras previdenciári-
as, poderiam ser canceladas pelo Supremo Tribunal Federal,
por atingirem regras e princípios apontados como intangíveis
da Constituição. Associações do funcionalismo público e pa-
tronais, sindicatos, partidos políticos, governadores, legislati-
vos estaduais, Procurador Geral da República, dentre outros,
mobilizaram-se através, dentre outras medidas legais, das Ações
Diretas de Inconstitucionalidade3 e acionaram o Judiciário.
Como se deu a atuação política do Supremo ao longo do
primeiro mandato do Governo Fernando Henrique, caracte-
rizado por uma expressiva modificação no papel do Estado
brasileiro e, por conseqüência, da Constituição Federal?
Esta é a pergunta principal que se pretendeu responder na
tese, espaço adequado ao desenvolvimento de uma questão
tão complexa.
Neste artigo, a discussão volta-se para a análise de uma
questão mais pontual, extraída das insuficiências encontradas
nos estudos de Ciência Política que focaram o Judiciário, mais
genericamente, ou o Supremo Tribunal Federal de modo es-
pecífico nos últimos anos.
A pergunta que se pretende responder aqui é: em que
medida os critérios de admissibilidade não compõem parte
da estratégia política da Corte de, sistematicamente, restringir
o acesso ampliado com a Constituição Federal de 1988 a no-
vos agentes, procurando lidar somente com questões de bai-
xa relevância nacional e pouco impacto territorial?
Tais limitações abrem espaço para a sugestão de cami-
nhos para a análise da Corte enquanto instituição política,
inserida no processo político, e oferecem resultados que insti-
gam reflexões relevantes. E um destes caminhos consiste na
inserção das decisões baseadas em critérios formais, excluídas
de análises anteriores, mas que produz resultados significati-
vos para análise do tema.
O artigo estrutura-se em três partes, assim divididas: uma
breve revisão bibliográfica, na qual são apresentados os argu-
mentos desenvolvidos na Ciência Política brasileira sobre o
estudo do Judiciário ou, mais especificamente, da Suprema
Corte, para em seguida apontar as limitações destes trabalhos
e sugerir alguns caminhos para análises posteriores.
Revisão da literatura em ciência política sobre o
Judiciário brasileiro
Os estudos desenvolvidos ao longo dos anos 90 na Ci-
ência Política acerca do Judiciário voltaram-se para as mudan-
ças ocorridas na Corte após 1988. As problemáticas desenvol-
vidas nestes estudos podem ser agrupadas da seguinte ma-
neira: (1) a tensão entre Constitucionalismo e Democracia,
num momento histórico cuja preocupação principal se resu-
mia à garantia da consolidação democrática no país; (2) a judi-
cialização da política, tratada como tendência mundial, pre-
sente em diversas sociedades contemporâneas e (3) as ferra-
3
Foi construído um banco de dados no Excel composto pelas 513 Adins julgadas durante o período referido. Todas as ações foram extraídas do site do Supremo
Tribunal Federal (www.stf.gov.br). Em anexo encontram-se informações adicionais referentes a este banco de dados.
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mentas neo-institucionais de análise do Judiciário brasileiro.
Vieira (1994) e Arantes (1997) encontram-se no primeiro gru-
po. Ambos partiram da reestruturação do controle de consti-
tucionalidade e do impacto político produzido por essa rees-
truturação para avaliar o papel político da Corte em decisões
de grande relevância nacional.
Vieira analisa a atuação da Corte nas novas competências
a ela atribuída pela Carta de 1988, como a defesa da ordem
democrática, a defesa da Constituição em face dos poderes
Legislativo e Executivo e defesa dos direitos e valores funda-
mentais em face do poder constituinte reformador.
Os casos estudados incluem o Plano Collor 1 e a concessão
de liminares, o desbloqueio dos cruzados, o processo de ‘impe-
achment’ de Fernando Collor, a questão da sub-representação
do Estado de São Paulo no Congresso Nacional, o desrespeito
ao princípio da anterioridade na criação do IPMF (Imposto Pro-
visório sobre Movimentação Financeira), para citar alguns.
Após analisar estes casos, a avaliação final é negativa. A atua-
ção da Corte caracteriza-se como omissa e ambígua na resolução
dos conflitos constitucionais, ora privilegiando a realização de
direitos, independentemente dos resultados para o sistema po-
lítico, ora privilegiando a governabilidade, independentemente
da lesão a direitos constitucionais, e em alguns momentos bus-
cando conciliar estas duas perspectivas (Vieira, 1994, p. 147).
Arantes (1997) faz uma análise do sistema do controle de
constitucionalidade usado no Brasil para defender que o con-
trole de constitucionalidade molda-se aos interesses políticos
(autoritários ou democráticos) do poder central e tem função
estratégica para o Executivo brasileiro, caracterizado por ser
historicamente forte, centralizador e autoritário. Para isso, cos-
tura seu argumento a partir dos diversos tipos de controle de
constitucionalidade presentes nas diversas cartas políticas bra-
sileiras, pressupondo uma espécie de evolução do controle de
constitucionalidade, iniciado abstrato e, na definição consti-
tucional mais recente, e ainda não modificada, híbrido (acu-
mulando tanto os tipos de controle difuso como concentra-
do). A evolução do controle de constitucionalidade no Brasil,
argumenta Arantes (1997, p. 67), coincide com a evolução de
um dos dilemas da historia republicana, qual seja, a da cons-
trução do Estado brasileiro, e da tensa relação entre poder
central e particularidades regionais e econômico-sociais.
As pesquisas seguintes avaliaram a questão a partir da
judicialização da política (Castro, 1997; Vianna et al., 1999;
Oliveira, 2002). Em comum, a preocupação com a consolida-
ção da democracia no Brasil.
Castro (1997) foi o pioneiro na inserção deste conceito na
Ciência Política brasileira. Preocupado em analisar o impacto
político da Suprema Corte na construção da democracia, tendo
como pano de fundo a referida categoria, Castro constrói um
banco de dados com 1.240 ementas de acórdãos publicados no
Diário de Justiça da União (DJU), no primeiro semestre de
1994. Estas ementas compreendem todos os tipos de proces-
so julgados pela Corte no período – exceção feita apenas ao
“Habeas Corpus” e aos processos de natureza penal.
 O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
A análise dos dados permite caracterizar a atuação dos
tribunais superiores, cujo excesso de formalismo retarda o
proferimento da decisão de mérito, ou desloca o foco do
julgamento de questões essenciais para questões meramente
procedimentais. Das matérias julgadas pelo Supremo, 23,2%
tratavam de questões exclusivamente processuais, a ponto de
justificar a criação de uma categoria para esse item e de levantar
a questão se uma Corte encarregada em exercer o controle de
constitucionalidade deveria despender tanto recurso institu-
cional para essa finalidade (Castro, 1997, p. 152).
Agregar os dados com base na natureza das tensões entre
público e privado permitiu verificar que se, por um lado, a
quase totalidade dos conflitos é entre autoridade pública e
parte privada (94,54%), por outro lado, as decisões da Corte
têm apontado para a garantia da proteção dos interesses pri-
vados em contraposição às políticas governamentais em 3/4
dos casos julgados. Isso quer dizer que o Supremo tem julga-
do contrariamente à implementação de políticas públicas por
parte do poder público (Castro, 1997, p. 152).
A leitura de Vianna et al. (1999) aponta a presença da judici-
alização da política no Brasil a partir da adoção do modelo con-
centrado de constitucionalidade, com a intermediação de uma
comunidade de intérpretes, e não com os novos papéis atribuí-
dos a antigas instituições, como o ocorrido em outros países.
Destes novos intérpretes, os partidos políticos e as enti-
dades de classe convocam o Judiciário a desempenhar um
papel ativo no processo decisório, confirmando a hipótese de
Tate e Vallinder (1995) sobre a judicialização da política como
um recurso das minorias contra as maiorias parlamentares. A
iniciativa deles estaria induzindo uma atitude mais favorável
por parte do STF na assunção de novos papéis, que desocupa
seu tradicional papel secundário na história política brasileira
para tornar-se um ativo guardião da Carta e dos direitos fun-
damentais da pessoa humana (Vianna et al., 1999, p. 53).
Não há no trabalho de Vianna et al. um questionamento
da existência do fenômeno da judicialização da política no
Brasil; esse é simplesmente um pressuposto aceito. Preocu-
pa-se apenas em avaliar sua adequabilidade, na medida em
que mostra um fenômeno com traços peculiares: tido como
um recurso das minorias contra as maiorias parlamentares,
adquire prestígio e legitimidade através de duas grandes figu-
ras do federalismo brasileiro: os Governadores e a Procura-
doria Geral da República.
Mas será que é possível falar em judicialização da política
no Brasil? Castro exclui as questões processuais e penais para
então confirmar que, sim, o Judiciário tem implementado
políticas públicas no país, um dos elementos caracterizadores
deste fenômeno. Vianna et al. (1999) apontam uma judiciali-
zação singular, não dos partidos políticos, mas de Governa-
dores de Estado e da Procuradoria Geral da República. Mas
será pertinente falar em judicialização em função somente
dos índices de acionamento do Judiciário pela sociedade civil,
sem se levar em consideração a resposta oferecida pelo Judici-
ário, traduzida aqui no julgamento do mérito da ação?
Uma das possibilidades de se verificar a presença ou ausên-
cia deste fenômeno consiste em verificar se cumprem as etapas
que compõem o seu ciclo4: (1) o acionamento do Judiciário
através do ajuizamento de processos; (2) o julgamento do
pedido de liminar (quando houver); (3) o julgamento do mé-
rito da ação, não importando aqui se a resposta foi favorável ou
contrária ao pedido do autor, mas sim se o Judiciário respon-
deu à sua demanda quando acionado. O espectro da análise é o
conjunto das ações judiciais – Ação Popular, Ação Civil Públi-
ca, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de
Constitucionalidade, Mandado de Segurança e Mandado de
Injunção – que foram ingressadas objetivando evitar, especifi-
camente, o processo de implementação da reforma do Estado
através da privatização de empresas públicas durante o gover-
no Fernando Henrique. No tocante às Adins, especificamente,
Oliveira (2002, p. 72) mostra que, das 39 ações ingressadas,
apenas uma passou pelas três fases e teve seu mérito julgado
improcedente. As outras 97,5% ou aguardam julgamento ou
tiveram seu mérito prejudicado, não conhecido ou com o se-
guimento negado e, neste caso, também não foi julgado.
Um outro conjunto de análises volta-se para a compreensão
do processo decisório do Supremo Tribunal Federal (Maranhão,
2003; Taylor, 2004). Têm como ponto de partida estudos desen-
volvidos pela Ciência Política norte-americana que busca, entre
outras questões, compreender como os tribunais e os juízes
produzem suas decisões. Tais estudos destacam-se pela inova-
ção metodológica e teórica e utilizam como base um conjunto de
teorias5, tais como a Teoria Econômica do Voto e a Teoria dos
Jogos, a partir dos quais analisam tanto individualmente como
em conjunto a atuação da suprema Corte norte-americana.
Maranhão (2003) analisa essas teorias e as aplica no caso
brasileiro para compreender como atuam os ministros da Su-
prema Corte brasileira. Com a redefinição dos limites instituci-
onais atribuídos ao Supremo pela Carta de 1988, bem como a
ampliação dos agentes autorizados a questionar a constitucio-
nalidade de leis e atos normativos federais, os presidentes elei-
tos têm procurado nomear ministros que, ainda que atendam
às exigências formais da função, apresentam preferências políti-
cas condizentes com a agenda presidencial e com a formação de
uma maioria no tribunal que mantenha o status quo. Em vista
disso, pretende-se descobrir como decide a Corte quando um
dos agentes questionados é o Presidente da República.
As teorias neo-institucionalistas são sistematizadas de
modo a produzir um modelo integrado6 a partir do qual a
análise das Ações Diretas de Inconstitucionalidade é feita. São
excluídas da contabilização as ações julgadas por decisão mo-

4
Esta proposta foi elaborada e aprofundada por Oliveira (2002).
5
Estas teorias compõem em conjunto uma corrente de pensamento, definida como “neo-institucionalismo”. Essa corrente é composta por três escolas de
pensamento (neo-institucionalismo histórico, institucionalismo da Escolha Racional e institucionalismo sociológico) e busca esclarecer qual o papel
desempenhado pelas instituições na determinação de resultados políticos e sociais. A diferença reside no modo pelo qual cada uma delas compreende o
mundo político. Para mais detalhes, ver Hall e Taylor (2003).
6
O modelo integrado de análise do comportamento judicial é desenvolvido por Maranhão a partir das principais variáveis presentes nos modelos de
personalidade (attitudinal model) e de separação dos poderes. Para mais detalhes, ver Maranhão (2003, p. 74ss.).

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 Cristina Carvalho Pacheco

nocrática7 bem como aquelas nas quais o requerente é desau-
torizado pela Corte a ingressar com a ação (ilegitimado ativo).
Se é verdade que os presidentes nomeiam os ministros
com vistas à manutenção de seus interesses e, de maneira mais
indireta, do “status quo”, a expectativa é que seja retratada uma
situação na qual o STF vote consistentemente com as preferên-
cias políticas do Presidente da República. Isso efetivamente
ocorre em 85,9% das Adins analisadas. O comportamento
dissidente está em 14,1% dos julgamentos, julgados proce-
dentes (total ou parcialmente) em detrimento da posição presi-
dencial e da maioria do Congresso (Maranhão, 2003, p. 79).
Um segundo trabalho voltado para a análise da Corte a
partir de pressupostos neo-institucionais é o de Taylor (2004),
que procura compreender de que modo os fatores relaciona-
dos à estrutura institucional das Cortes influenciam o uso
que esta faz das políticas públicas. Para isso, centra-se nas
características institucionais do sistema judiciário federal e no
modo através do qual estas características estruturam o deba-
te sobre políticas públicas dentro do Judiciário brasileiro. Para
Taylor, no Judiciário, da mesma maneira que no Executivo e
no Legislativo, as políticas são moldadas a partir das estrutu-
ras normativas e institucionais dentro das quais juízes e fun-
cionários operam. Esse mecanismo de funcionamento afeta
os resultados das políticas públicas, ao definir quem tem acesso
à Corte, o local em que esse acesso é fornecido, e como e sob
quais condições as Cortes tomam suas decisões.
Parte do pressuposto de que as atitudes e preferências
pessoais dos juízes (enquanto externos aos fatos inseridos
em qualquer caso) moldam o modo pelo qual as decisões são
tomadas, independentemente de seu conteúdo jurídico. Mas
a corrente neo-institucionalista adotada almeja fornecer uma
perspectiva complementar na construção dos fatores formais
e informais que analisam como o Judiciário interpreta os pro-
cessos, como decide, onde isso é decidido e, dessa maneira,
como, quando e onde o Judiciário influencia a política.
Sua análise estrutura-se em duas partes, uma voltada para a
apresentação do objeto, o Judiciário Federal brasileiro, e outra
para as políticas públicas implementadas naquele setor. Para o
presente estudo serão focados os dois trabalhos que se voltam
para o estudo do Supremo Tribunal Federal, primeiro como
ponto de veto e segundo pela análise dos custos e benefícios de
uma política pública implementada. A idéia de ponto de veto
sugerida por Taylor a partir do “veto player” de Tsebelis (2002,
p. 19) surge com a análise dos mecanismos oriundos do hibri-
dismo que caracteriza a revisão judicial brasileira. A estrutura da
Corte oferece vantagens para determinados atores que buscam
o Judiciário visando bloquear ou aprovar políticas públicas que
venham a alterar o status quo. Essas vantagens encontram-se no
contraponto entre o controle difuso de constitucionalidade
exercido pelo Judiciário Federal, por exemplo, e o concentrado,
exercido pela Corte. As regras institucionais que permitem o
questionamento de uma política pública no Judiciário Federal
oferecem menos garantias do que as que permitem o questio-
namento direto no STF e, neste caso, não se encontram dispo-
níveis ao cidadão comum, mas apenas a agentes autorizados
pela CF-88 a ingressar com Ação Direta de Inconstitucionalida-
de. Quanto antes um caso for julgado pelo STF, antes a cons-
titucionalidade da política pública será resolvida de maneira
definitiva. O mesmo já não ocorre no Judiciário Federal, só que
a primeira não está acessível ao cidadão comum. Alguns reque-
rentes, contudo, estão aptos a diminuir estrategicamente estas
condições para alcançar seus objetivos na implementação ou
rejeição de uma política pública determinada.
Limitações presentes nos trabalhos
Sem desconsiderar sua importância em colocar a Corte e o
Judiciário como objeto central na pesquisa em Ciência Política,
estas análises apresentam algumas insuficiências. O primeiro con-
junto ainda se encontra preso a um modelo de análise do Judiciá-
rio a partir do controle de constitucionalidade, sua modificação e
presumida evolução. Talvez por se aterem ao controle de constitu-
cionalidade, em suas análises inexiste a utilização de categorias po-
líticas, as reflexões resultam em algo excessivamente formal e as
decisões de mérito ficam restritas àquelas proferidas em momen-
tos políticos de destaque no cenário nacional. Não situam a Corte
enquanto instituição política inserida dentro de um processo polí-
tico, no qual o diálogo com as outras instituições é constante.
O segundo conjunto não questiona a judicialização da
política no Brasil e sustenta sua existência com base no índice
de acionamento do Judiciário pela sociedade civil. Mas será
possível falar em judicialização da política sem ao menos levar
em consideração, por exemplo, as respostas produzidas pelo
próprio Judiciário, não importando se favoráveis ou não, às
ações impetradas? (Oliveira, 2002).
Vianna et al. (1999, p. 115-117) separa os dois momentos
do fenômeno e trata o acionamento do Judiciário como uma
dimensão ativa do processo de judicialização, mas seus dados
também destacam um conjunto expressivo de ações que não
mereceram qualquer resposta por parte do Supremo, tanto na
liminar quanto no mérito.
A análise do conjunto de ações judiciais8 que visaram
impedir o processo de implementação da reforma do Estado
pela privatização das empresas públicas durante o Governo
Fernando Henrique aponta para o não cumprimento do ciclo
da judicialização da política.
Inserção das decisões baseadas em critérios
formais nas análises
O que leva à apresentação da última deficiência presente,
com pequenas diferenças, em quase todas as análises feitas:
reduzir a análise apenas aos casos em que a norma foi julgada
no seu mérito, tanto qualitativa quanto quantitativamente,
não considerando parte do processo político também as
Adins negadas por questões meramente formais.

7
As decisões monocráticas são aquelas nas quais o relator do processo, com base na jurisprudência consolidada pelo tribunal e no poder que lhe foi designado
pelo Regimento Interno, decide sobre a impugnação ou manutenção da norma questionada de ofício em despacho (Maranhão, 2003, p. 68).
8
Inclui um conjunto diverso de ações, entre elas a Ação Popular, Ação Civil Pública, Ação Direta de Inconstitucionalidade, Ação Declaratória de
Constitucionalidade, Mandado de Segurança e Mandado de Injunção. Para mais detalhes, ver Oliveira (2002).

8 Estudos Jurídicos

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 O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
Maranhão alega ter sido preciso excluir as ações julgadas
por decisão monocrática pela impossibilidade de se comparar
os votos individuais de cada ministro. E nenhuma decisão
resultou em declaração de inconstitucionalidade. Isso reduziu
o total de casos a serem analisados de 772 para 213, estes,
portanto, julgados por unanimidade ou maioria dos minis-
tros entre 1988 e 2001 (Maranhão, 2003, p. 68-69). Uma outra
interferência feita pela autora de modo a prejudicar, na linha
argumentativa aqui desenvolvida, a análise final dos dados diz
respeito ao agrupamento dos ilegitimados ativos (56 casos ou
26,3% nas decisões de mérito) em uma nova categoria, assim
considerados pelo Tribunal por não atenderem a critérios for-
mais construídos pela jurisprudência do Tribunal e finalmente
regulados, com a homologação da Lei 9858/99, que regula as
Adins e Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC).
A justificativa apresentada é que a norma questionada por
um requerente assim considerado pelo tribunal nem sequer
seria apreciada; o Tribunal a considera prejudicada (Maranhão,
2003, p. 107). Este conjunto de requerentes, pela mesma razão
das decisões monocráticas e baseadas em critérios formais,
merece reflexão sobre os mecanismos de restrição da aplicabili-
dade da Adin pelo Supremo. Sua exclusão do processo analíti-
co compromete diretamente a própria análise política.
O que se pretende sugerir nesse trabalho é que as decisões
baseadas em critérios formais também precisam ser considera-
das na análise política. E que, para além disso, compõem em
conjunto com as decisões baseadas no pedido, uma estratégia
política da Corte que, ao basear-se em critérios formais, não só
retira destes novos legitimados ativos a possibilidade de utili-
zar-se deste novo instrumento, como também indica uma es-
tratégia maior, na qual a Corte tende a voltar-se apenas para a
apreciação de questões de baixa relevância nacional e pouco
impacto territorial.
As Adins julgadas durante o primeiro mandato
de Fernando Henrique
Não há uma forma simples de caracterizar o primeiro man-
dato de Fernando Henrique Cardoso. Do ponto de vista eco-
nômico e sociopolítico, sua gestão forma uma unidade que
cobre um período superior ao mandato oficial: começa com o
Plano Real, antes da posse oficial, e termina em seu segundo
mandato, em 1999, com a alteração radical do regime de câmbio
do país. FHC foi eleito com uma campanha eleitoral baseada
em promessas na área social. Eram cinco áreas prioritárias: saú-
de, educação, emprego, agricultura e segurança.
As propostas de FHC podem ser sintetizadas na seguin-
te maneira:
 fim da figura do Estado-empresa, com a transferência
destas funções para a iniciativa privada;
 reequilíbrio das finanças do Estado;
 estímulos a serem dados para empresas privadas seri-
am parcimoniosos;
 fim dos privilégios do funcionalismo público;
 em lugar das funções empresariais, mais políticas sociais;
 ampliação da relação com o exterior, com prioridade
para o Mercosul.
Isso implicava quebrar alguns dos alicerces legais do Esta-
do nacional desenvolvimentista, condensado na CF-88:
 redução da participação estatal nas atividades econômicas;
 tratamento igual entre as empresas de capital nacional e
estrangeiro;
 concessão de serviços públicos para iniciativa privada;
 privatização de empresas públicas;
 modelo gerencial-burocrata de administração do Estado.
Mas, para reformar a CF-88, FHC precisava de quórum
qualificado: reformar a Constituição requer 3/5 de votos no-
minais, nos dois turnos de votação em cada uma das casas do
Congresso. A coalizão eleitoral9 teve que ser ampliada, pois
era insuficiente implementar as reformas. O passo seguinte
foi, uma vez assumida a presidência, adicionar o PMDB e o
PPB, com os quais alcançava 73,7% dos votos da Câmara e
82,8% do Senado. Tal opção é fundamental para dar início ao
processo de implementação das reformas tidas como neces-
sárias ao novo modelo de Estado.
O reflexo destas modificações no Judiciário é imediato
conforme mostra a Tabela 1. A Tabela 1 apresenta os assuntos
contidos nas normas questionadas pelas ações. A classificação do
conteúdo se deu em cinco diferentes áreas de regulamentação
legislativa: administrativa, social, econômica, político-institucional
e orçamentária10.
As normas de conteúdo administrativo foram o con-
teúdo por excelência questionado nas Adins. Esse questio-
namento tem reflexo direto com a política de reforma do
Estado iniciada por Collor de Mello e implementada de
maneira vigorosa ao longo dos dois mandatos de Fernando
Henrique Cardoso. Sob a perspectiva da agenda constituin-
te, confirma-se a grande variação temática nos assuntos que
chegam, apenas pela via do controle direto de constitucio-
nalidade, ao Supremo. Assuntos que poderiam ser resolvi-
das através de leis infraconstitucionais, como sugerem Cou-
to e Arantes, tornam-se objeto de questionamento no Ju-
diciário.
Mas por que o estudo das decisões baseadas no pedido
sugere uma restrição no conteúdo e, portanto, no compro-
metimento da análise política sobre a atuação da Corte?

9
A ordem política brasileira guarda certas singularidades importantes. Uma delas, elaborada por Abranches, consiste num padrão de governança cujo principal
eixo reside na relação entre os Poderes Executivo e Legislativo. Por ser presidencialismo, esse regime de governança reserva à presidência um papel crítico e
central, no equilíbrio, gestão e estabilização da coalizão. Para isso, é preciso que o presidente seja capaz de cultivar o apoio popular – o que requer a eficácia de
suas políticas, sobretudo as econômicas – para usar a popularidade como pressão sobre sua coalizão; ter uma agenda permanentemente cheia, para mobilizar
atenção da maioria parlamentar e evitar sua dispersão; ter uma atitude pró-ativa na coordenação política dessa maioria, para dar lhe direção e comando. O
Presidencialismo foi reforçado com EC 16/97, que autoriza a reeleição do chefe do Executivo.
10
Foram classificadas como administrativas as normas que regulam as entidades e seus funcionários pertencentes à administração pública tanto genérica
como particular, nos três níveis da federação. As sociais referem-se a programas sociais específicos, nas áreas da saúde, previdência, habitação, educação,
trabalho. As normas de conteúdo econômico envolvem salários (tanto de categorias como de servidores públicos), instituição de tributos, isenção de taxas e
regulamentação econômica geral e de entidades específicas, como aquelas sujeitas, após a privatização das empresas públicas, a concessão. As normas de
conteúdo político institucional voltam-se para o processo eleitoral, a alteração específica e pontual de normas de conteúdo geral, ou voltadas para o Judiciário,

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 Cristina Carvalho Pacheco

Porque as decisões baseadas no pedido compõem apenas Não atendidos Atendidos

uma parcela do conjunto de decisões proferidas pela Corte, Julgamento da Forma Julgamento do Pedido
tanto nas liminares quanto no mérito. Decisão baseada na forma Decisão baseada no pedido
Quando o STF (e isso ocorre em todo o Judiciário) julga
Não conhecimento da ação Favorável Desfavorável
uma ação, preliminarmente ele verifica se essa ação atende a
Negado seguimento Procedente Improcedente
alguns requisitos formais, denominados “condições da ação”,
Prejudicada Procedente
necessários para que ela se encontre apta a receber o julgamen- em parte
to de mérito. A ação é julgada, portanto, em dois momentos Extinto o processo sem
subseqüentes: a análise dos requisitos formais e, caso estes o julgamento do mérito
tenham sido preenchidos, o julgamento do mérito, do pedi- Figura 1. Requisitos formais da ação
do propriamente dito. É o que mostra a Figura 1.
Para compreender as decisões tomadas quando os requi- possível sua solução. Estas condições são a possibilidade ju-
sitos formais não são atendidos, é preciso olhar com mais rídica do pedido, a legitimidade de agir e o interesse de agir.
cuidado as condições da ação. Um pedido será analisado no Um pedido é considerado possível juridicamente quando a
seu mérito se reunir um mínimo de condições que tornem situação afirmada pelo autor esteja, em tese, protegida pelo
ordenamento jurídico estatal. A legitimidade para agir consis-
te em verificar se ambas as partes (requerente e requerido) são
Tabela 1. Assunto das normas questionadas nas Adins
titulares da ação. E, por fim, o interesse de agir, traduzido na
Classificação do Assunto Incidência %
necessidade de se recorrer ao Estado para que este proteja um
Administrativo 313 61,0
Cargos 144 direito violado ou ameaçado de violação. Quando uma des-
Vencimentos e gratificações 74 tas condições é considerada descumprida por uma das partes,
Órgãos 48 o Tribunal ou juiz fica impedido de pronunciar-se sobre o
Municípios 18
Competência/atividade de órgãos 16 problema que lhe é colocado pelo autor. Nestas situações, o
Outros 13 Tribunal toma uma decisão desfavorável para o requerente.
Social 82 16,0 A extinção do processo sem julgamento do mérito não é
Regulamentação de atividades, considerada conceitualmente como uma decisão desfavorável
serviços e direitos
Gerais 38
na medida em que o Tribunal põe fim à relação processual
Categorias 11 sem dar uma resposta (positiva ou negativa) ao pedido do
Pessoais 3 autor. A extinção é aplicada nos casos em que uma das situa-
Concessão de benefícios (abonos,
pensões, reajuste de benefícios)
ções dispostas no art. 267 do Código de Processo Civil11
Gerais 10 ocorre, como, por exemplo, o indeferimento da inicial ou o
Categorias 1 abandono da causa pelo autor.
Pessoais 14 Nas 513 Adins julgadas durante o primeiro mandato de
Fundos Sociais (FGTS, FAT, FDS, FNS, Finsocial) 5
Fernando Henrique Cardoso, as decisões de mérito podem
Econômico 85 16,5
Regulamentação da Atividade Econômica 27 ser agrupadas de acordo com a Tabela 2.
Política Tributária Geral 30
Regulamentação Econômica e Financeira 23 Tabela 2. Decisões de Mérito em Adins julgadas entre 1995 e
Política Salarial Geral 4 1998, agrupadas com base na forma e no pedido
Isenção de taxas, impostos, Decisões de Mérito baseadas na forma 359 70,0
incentivos fiscais, subvenções 1 Não conheceu da ação 140
Político Institucional 22 4,3 Prejudicada 114
Alteração de Legislação 9
Negado seguimento 99
Reorganização do sistema político eleitoral 5
Medida Provisória ou norma de outra Extinto o processo 04
natureza regulando o Judiciário 3 Extinto sem apreciação do mérito 02
Exclusão da aprovação pela Assembléia Decisões de Mérito baseadas no pedido 154 30,0
Legislativa de atos do Governador do Estado 3 Procedente 115
Lei ou norma de qualquer natureza
Procedente em parte 26
alterando dispositivos de Constituição
Estadual (exceto Emenda Constitucional) 1 Improcedente 13
Norma regulando regras do Parlamento 1 Total 513 100,0
Orçamentário 11 2,1
Leis Orçamentárias 7 A Tabela 2 aponta as decisões de mérito com base na
Crédito para Ministério 2 forma e no pedido. Ao agrupar as ações a partir desses critéri-
Crédito para programas, conferências, etc. 2 os, é possível verificar que a Corte tende a decidir pouco o
Total 513 100,0 mérito das Adins. Dito de outra maneira, a porcentagem de

11
Determina o Art. 267, do CPC: “Extingue-se o processo, sem julgamento do mérito: I – quando o juiz indeferir a petição inicial; II – quando ficar parado durante
mais de 1 (um) ano por negligência das partes; III – quando, por não promover os atos e diligencias que lhe competir, o autor abandonar a causa por mais de 30
(trinta) dias; IV – quando se verificar a ausência de pressupostos de constituição e de desenvolvimento válido e regular do processo; V – quando o juiz acolher a
alegação de perempção, litispendência ou de coisa julgada; VI – quando não concorrer qualquer das condições da ação, como a possibilidade jurídica, a
legitimidade e o interesse processual; VII – pelo compromisso arbitral; VIII – quando o autor desistir da ação; IX – quando a ação for considerada intransmissível
por disposição legal; X – quando ocorrer confusão entre autor e réu; XI – nos demais casos prescritos neste Código.”

10 Estudos Jurídicos

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 O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
Tabela 3. Decisões de Mérito em Adins julgadas entre 1995 e O caso dos partidos políticos diz respeito ao ingresso de
1998, agrupadas com base na forma e no pedido
uma ação pelo diretório municipal destes dois partidos, en-
Decisões de Mérito baseadas na forma 359 70,0 quanto a lei autoriza somente o Diretório nacional. As asso-
Não conheceu da ação 140
ciações do funcionalismo público são atingidas diretamente
Prejudicada 114
com a impossibilidade da utilização desse caminho judicial,
Negado seguimento 99
Extinto o processo 04
em pleno momento político de alteração profunda dos direi-
Extinto sem apreciação do mérito 02 tos do setor trabalhista. As Câmaras de Vereadores também
Decisões de Mérito baseadas no pedido 154 30,0 não se incluem no rol dos legitimados, uma vez que os atos
Procedente 115 normativos municipais não estão sujeitos ao controle con-
Procedente em parte 26 centrado de constitucionalidade, destinado apenas aos atos
Improcedente 13 com conteúdo normativo de dimensão federal e estadual.
Total 513 100,0 A “Ausência de Pertinência Temática” é aplicada aos casos
nos quais as entidades de classe são o agente questionador da
processos que chegam até o final em relação ao total de Adins constitucionalidade de uma norma. A jurisprudência do Tri-
julgadas durante aquele período, nas Adins julgadas durante bunal entendeu que as entidades de classe, como são corpora-
o primeiro mandato de Fernando Henrique, é de 0,30. tivas, desviam a finalidade objetiva da Adin e, por isso, só
A Tabela 3 detalha em cada uma das decisões de mérito o
motivo oferecido pela Corte para o proferimento daquela deci- Tabela 4. Justificativa da Corte nas decisões de mérito baseadas
são. Destaca-se aqui a presença de justificativas como “perda do na forma
objeto”, “ausência de legitimidade ativa”, recorrentes nas mais Decisões de Mérito baseadas na Forma 359
diversas alcunhas, seja na decisão baseada na forma, seja no pedi- Inteiro teor não disponível 156
do. Essa recorrência levou ao agrupamento de todos os motivos Ausência de legitimidade ativa 60
Perda do objeto 52
em uma só tabela, para que fossem mais facilmente analisados.
Não cabe Adin contra ato normativo questionado,
A Tabela 4 expõe cada um dos motivos para a decisão hierarquicamente inferior à lei, que só será
proferida pela Corte. Serão explicados aqui os casos de maior confrontado de maneira indireta com a
incidência, ou aqueles que de uma maneira ou outra se reme- Constituição Federal 17
tem aos mais recorrentes. Revogação superveniente do ato impugnado 15
Nos casos em que a Corte declara “Ausência Conteúdo Ausência de conteúdo normativo 12
Normativo”, o faz porque a norma questionada pela Adin é Ausência de pertinência temática 8
Ausência de relevância jurídica 5
ato administrativo sem conteúdo normativo, como, por exem-
Impossibilidade jurídica do pedido 5
plo, a resolução, que visa apenas disciplinar matéria de compe-
Pedido muito genérico 5
tência específica das altas autoridades do Executivo, não pas- Questão de ordem suscitada pelo relator 5
sível, portanto, de Adin. Em alguns casos, contudo, o Tribu- Não cabe adin para examinar invasão de
nal reconhece o caráter normativo do ato administrativo ques- competência entre União e Estados membros 4
tionado e julga o pedido da ação. Nos casos em que se alegou Decisão sobre Adin depende do exame de outros atos 3
“Ausência de Relevância Jurídica do Pedido”, a norma questi- Reedição de Medida Provisória com
onada, uma medida provisória, por exemplo, já perdeu sua alteração substancial 3
Não cabe Adin contra ato normativo
eficácia por não ter sido convertida. Aproxima-se, com isso, municipal ou distrital 2
dos casos de perda do objeto, que serão vistos a seguir. Não cabe Adin de lei editada anteriormente a ela 2
Quando o motivo é “Ausência Legitimidade Ativa”, sig- Norma Inexistente 2
nifica dizer que quem entrou com a ação não está autorizado Por ser norma estadual e não federal 2
pela Constituição a ingressar com a ação. O leque dos autori- Impossibilidade de exercício “ex officio” da jurisdição 1
zados (legitimados ativos) encontra-se no artigo 10312 da Impugnação in abstrato de lei editada pelo Distrito
Carta. Mas a jurisprudência do Supremo13 limitou as ações Federal, com fundamento em competência legislativa
inerente aos Municípios 1
diretas das entidades de classe de âmbito nacional a um con-
Julgamento por Despacho 1
junto de critérios que significou, na prática, a utilização da
Não cabe Adin em dispositivo constitucional
Adin apenas nos casos que atendessem aos interesses parti- auto-aplicável 1
culares destas entidades. Não há como converter Adin em Adin por Omissão 1
No conjunto de Adins julgadas, são tidas como entida- Não se trata de decreto autônomo 1
des sem legitimidade ativa para ingressar com ação as seguin- Transcurso o prazo de validade da lei 1
tes associações, confederações, tanto patronais como traba- Decisões de Mérito baseadas no Pedido 154
lhistas, como mostra a Tabela 5. Total 513

12
Assim determina o art. 103, CF-88: “Podem propor a ação de inconstitucionalidade: I - o Presidente da República; II - a Mesa do Senado Federal; III - a Mesa da
Câmara dos Deputados; IV - a Mesa de Assembléia Legislativa; V - o Governador de Estado; VI - o Procurador-Geral da República; VII - o Conselho Federal da
Ordem dos Advogados do Brasil; VIII - partido político com representação no Congresso Nacional; IX - confederação sindical ou entidade de classe de âmbito
nacional.”
13
Consolidada posteriormente na Lei 9868/99, que disciplina as Adins e as ADC.

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 Cristina Carvalho Pacheco
Tabela 5. Entidades consideradas sem legitimidade ativa para ingressar com Adin, de acordo com o STF
Associação
Trabalhistas
Associação Brasileira dos Fiscais Tributários
Associação Brasileira de Biomedicina
Associação Brasileira de Criminalística
Associação dos Delegados de Polícia do Brasil
Associação dos Notários e Registradores do Brasil
Associação dos Servidores Ocupantes de Cargos de Nível
Superior do Ministério das Relações Exteriores
Associação Nacional dos Delegados de Polícia Federal
Associação Nacional dos Funcionários da Polícia Federal
Associação Nacional dos Juizes Classistas da Justiça do
Trabalho
Associação Nacional dos Registradores de Pessoas Naturais
Empresariais
Associação Brasileira da Indústria de Máquinas e
Equipamentos
Associação Brasileira das Empresas Locadoras de Auto
Veículos
Associação Brasileira de Supermercados
Associação Brasileira dos Jornais do Interior
Associação Brasileira dos Concessionários Mercedes-Benz
Associação das Empresas Brasileiras de Software e Serviços
de Informática
Associação Técnica Brasileira das Indústrias Automáticas de Vidro
Associativas
Associação Brasileira de Consumidores
Confederação
Trabalhistas
Confederação Democrática dos Trabalhadores do Serviço
Público Federal/Federação das Entidades dos Trabalhadores
do Ministério da Saúde/Sindicato dos Servidores Públicos
Federais do Distrito Federal
Confederação Nacional do Ministério Público
Confederação Nacional dos Integrantes e Beneficiários das
Forças Armadas e Auxiliares
Confederação Nacional dos Profissionais Liberais/Federação
Nacional dos Engenheiros/Federação Nacional dos
Advogados
podem questionar as normas que se relacionam tematica-
mente com a sua entidade. Sob o motivo “Decisão sobre
Adin Depende do Exame de Outros Atos”, estão os casos
nos quais a norma questionada é resolução, que apenas disci-
plina matéria de conteúdo específico e, por isso, a Adin não
está se remetendo diretamente ao ato que criou o conteúdo
disciplinado pela resolução. Esse caso se assemelha bastante a
outro motivo cunhado pela Corte: “Não cabe Adin contra
ato normativo questionado, hierarquicamente inferior à lei,
que só será confrontado de maneira indireta com a Constitui-
ção Federal”, cuja incidência é bem maior.
Nos casos de “Perda do Objeto”, ocorre algo semelhante
aos casos de “Revogação Superveniente de ato impugnado”
e “Transcurso prazo de validade da lei”. A norma questiona-
da já não existe mais, não fazendo mais sentido emitir uma
decisão de mérito para estes casos.
O agrupamento dos motivos dispersos nas mais diversas
alcunhas dentro de um só conjunto permite verificar a constru-
ção de uma interpretação clara sobre o que é permitido ou não
se questionar através da Adin. Na mesma linha, permitem
também verificar a presença do que Veiga da Rocha (2004, p.
12
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Confederação Nacional dos Servidores Públicos do Brasil
Confederação Nacional dos Trabalhadores Metalúrgicos
Conselho Federal de Serviço Social
Empresariais
Câmara Brasileira da Indústria da Construção
Confederação Nacional de Saúde Hospitais Estabelecimentos
e Serviços
Confederação Nacional de Transporte Alternativo
Confederação Nacional do Transporte
Associativas
Confederação Nacional de Saúde
Câmara de Vereadores
Câmara Legislativa do Distrito Federal
Mesa da Câmara de Vereadores de Cruzeiro, SP
Federação
Trabalhistas
Federação Brasileira dos Trabalhadores da Área da Segurança
Penal
Federação das Associações dos Engenheiros Agrônomos do
Brasil
Federação Nacional da Polícia Civil
Federação Nacional dos Servidores do Poder Judiciário nos
Estados e Distrito Federal
Empresariais
Federação Brasileira dos Exportadores de Café
Federação Nacional das Empresas de Navegação Marítima,
Fluvial, Lacustre e de Trafego Portuário.
Federação Nacional dos Bancos
Federação Nacional dos Corretores de Imóveis
Partidos Políticos
PDT/PFL
Sindicatos
Trabalhistas
Sindicato Nacional dos Trabalhadores em Resseguros
Empresariais
Sindicato Nacional da Indústria de Cimento
Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima
124) denominou de “estratégias informais de decisão”. Identi-
ficada pelo autor em casos de política econômica de grande
relevância para o país, neste trabalho se estendem a todo o
conjunto de ações nas quais ocorre o adiamento das decisões
finais de mérito, com ou sem a tematização “obter dictum” da
inconstitucionalidade não declarada, mas sinalizada até que se
consuma ou se acomode uma situação de fato que faça a ação
perder seu objeto. Como essa estratégia informal, via de regra,
leva ao arquivamento da ação, permite que o Supremo resolva
tanto os casos difíceis, ou, como se verifica aqui, um conjunto
relativamente expressivo de ações, de modo a evitar a abertura
de precedentes que comprometeriam a coerência da ordem ju-
rídica e da jurisprudência do Tribunal. Nas palavras de Veiga da
Rocha (2004, p. 131): “A engenhosidade dessa estratégia con-
siste uma modalidade informal de self-restraint do Tribunal,
que não cria precedentes inaceitáveis para a ordem jurídica”, e,
com isso, permite que as normas sigam gerando efeitos jurídi-
cos. Considerando as análises anteriores como uma possível
estratégia que a Corte vem construindo para os casos em que
não decide, como se dá a atuação da Corte nos casos em que ela
efetivamente profere a decisão de mérito?
Estudos Jurídicos
26/10/2007, 15:49
 O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
Para isso, é preciso olhar as decisões a partir de outro critério, o
do agrupamento das normas questionadas a partir do impacto da
decisão em termos territoriais (Tabela 6)14. O que essa tabela apon-
ta é uma Corte que julga o mérito de questões de pequena relevân-
cia nacional ao mesmo tempo em que se utiliza sistematicamente,
conforme exposto anteriormente, de argumentos formais para o
não julgamento de questões de grande relevância para o país.
Nas Adins cujo pedido foi efetivamente julgado, as deci-
sões de mérito baseadas no pedido, o resultado favorável se
deu em 141 dos 154 casos, com 115 decisões nas quais a Corte
julgava totalmente procedente o pedido do requerente e par-
cialmente procedente em 26 delas. Os resultados improce-
dentes ocorreram em 13 ações.
O passo seguinte consiste em identificar, nestas ações,
quais requerentes têm obtido resultados favoráveis quando
ingressam com as ações. A Tabela 7 procura mostrar isso.
Os cinco principais requerentes são o Procurador Geral da
República, os partidos políticos, os Governadores de Esta-
do, as Confederações e as Associações, correspondendo a 90%
dos casos ingressados.
O Procurador Geral da República é o requerente que não
só ajuizou mais ações perante a Corte (134), como também
foi quem mais teve seu pedido não só julgado como tam-
bém atendido – as alegações de forma se deram apenas em
41,9% dos casos. Das 154 decisões de mérito baseadas no
pedido, 78 foram ajuizadas pela Procuradoria, que obteve
resultado totalmente favorável em 66 delas e parcialmente
favorável em 10; apenas duas ações foram consideradas im-
procedentes pela Corte. É a Procuradoria também quem tem
o maior índice de aprovação do pedido, com 56,7% dos casos
– nas liminares esse índice aumenta para 76,5%.
Questionaram principalmente normas de conteúdo ad-
ministrativo (69,9%), produzidas pelos Legislativos estadu-
ais (71,6%)15. Os resultados procedentes se deram em duas
normas distritais, 51 estaduais e 13 federais. As normas esta-
duais referiam-se majoritariamente ao questionamento de

Tabela 6. Resultado das decisões de Mérito agrupadas pela forma, pedido e territorialidade da norma
Decisões de Mérito baseadas na Forma (359) Decisões de Mérito baseadas
no Pedido (154)
EXPR EXSM NACA NGSG PRJD IMPR PDEP PDTE T
Distrital —- —- 7 3 1 —- 1 3 15
Estadual 2 2 76 33 48 8 20 95 284
Federal 2 —- 56 53 65 5 5 17 203
Municipal —- — 1 10 — — — — 11
Total 4 2 140 99 114 13 26 115 513
Onde: EXPR – Extinto o Processo; EXSM – Extinto o Processo sem Julgamento do Mérito; NACA – Não conhecimento da Ação; NGSG –
Negado Seguimento; PRJD – Prejudicada; IMPR – Improcedente; PDEP – Procedente em parte; PDTE – Procedente.

Tabela 7. Decisão de Mérito proferida nas Adins, por categoria de requerente

Decisões de Mérito baseadas na Forma Decisões de Mérito
baseadas no Pedido
Requerente EXS EXP NAC NGS PRJ IMP PDT PDE Total
Associações 01 35 14 08 06 03 67
Câmara de Vereadores 02 01 03
Confederação 29 14 14 01 03 01 62
Conselho Federal da OAB 01 01 05 03 01 11
Empresa 01 01
Federação 10 05 15
Fundação 01 01
Governador de Estado 12 06 19 06 35 09 87
Mesa de Assembléia
Legislativa dos Estados 03 01 01 05
Partidos Políticos 01 02 32 35 34 04 01 02 111
Pessoa Física 02 02
Prefeito de Município 04 04
Procurador Geral
da República 01 01 11 09 34 02 66 10 134
Sindicato 04 06 10
Total 02 04 139 88 126 14 114 26 513
Onde: EXS = Extinto sem apreciação do mérito; EXP = Extinto o processo; IMP = Improcedente; NAC = Não conheceu da ação; PRJ = Prejudicado;
PDT = Procedente; PDE = Procedente em parte.

14
Ainda que não exposto aqui devido ao espaço e pertinência do tema, esse critério se baseia em extensa construção teórica e analítica feita por Ricci (2002).
15
Destas, 19 ações alegavam a inconstitucionalidade de um mesmo dispositivo, presente nas constituições estaduais do Acre, Alagoas, Amazonas, Bahia,
Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Minas Gerais, Mato Grosso, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rondônia, Roraima, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, São Paulo
e Tocantins. Com pequenas variações, dizia o dispositivo: “Enquanto não sobrevier sentença condenatória nas infrações penais comuns, o Governador não estará
sujeito à prisão. Parágr. O Governador, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.” Em todas
estas ações, o resultado do mérito foi julgado procedente.

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 Cristina Carvalho Pacheco
conteúdos da Administração Pública (42 casos). Os três casos
econômicos cuja inconstitucionalidade foi declarada envolvi-
am a redução de alíquota da contribuição dos servidores e
juízes para o Plano de Seguridade Social de 12% para 6%, a
concessão de reajuste no percentual de 47,94% dos venci-
mentos de magistrados e servidores e representação do Sin-
dicato da Justiça Federal sobre a concessão da URP relativa aos
meses de fevereiro a dezembro de 1989. Chama a atenção o
fato de que, nestes três casos, nenhum se referia a ato norma-
tivo no sentido estrito: os dois primeiros eram resoluções, e
o terceiro, um acórdão do TRE de São Paulo. Os quatro casos
sociais referem-se a um mesmo conteúdo: autorização a me-
nores com 16 anos de idade completos do uso e condução de
embarcações, aeronaves e veículos automotores. O caso polí-
tico-institucional diz respeito à definição de quórum de qua-
tro quintos para aprovação de novas Emendas Constitucio-
nais no Estado do Espírito Santo. As normas federais ques-
tionadas pelo Procurador e reconhecidas como inconstitucio-
nais pela Corte também envolvem majoritariamente o con-
teúdo administrativo (oito casos). Referiam-se basicamente
ao Judiciário, regulando ocupação de cargos, criação de TRT,
vencimento de juízes. Aqui também as normas reconhecida-
mente inconstitucionais são atos não enquadrados direta-
mente na tipificação das Adins. Eram quatro decisões judici-
ais e duas resoluções.
Os Governadores de Estado tiveram seu pedido julgado
em 50 das 87 ações que ingressaram na Corte. Compartilham
com os Procuradores as mesmas tendências apontadas aci-
ma: o índice de aprovação é de 50,6% das ações ingressadas –
índice que sobe para 60,0% nas liminares. Das 44 ações consi-
deradas inconstitucionais, em 40 a norma era estadual, ema-
nadas pela Assembléia do Estado, com exceção apenas de
dois casos nos quais a norma era distrital e um envolvendo
artigo do regimento interno do Tribunal de Justiça do Esta-
do de São Paulo que regula os pagamentos devidos pelas
Fazendas Públicas (Precatórios) e outro questionando reque-
rimento dos Auditores do Tribunal de Contas do Amazo-
nas, requerimento este que solicitava a garantia do pagamen-
to de remuneração destes auditores, “ressalvadas as vanta-
gens de caráter individual”. O assunto questionado também
é majoritariamente administrativo: das 87 ações ingressadas,
48 voltavam-se para a Administração Pública, dos quais 27
foram consideradas inconstitucionais. As outras normas ti-
das como inconstitucionais envolviam, na área econômica,
dispositivos referentes a questões orçamentárias, redução de
multa em imposto e regulação do ICMS. Na área social, as
questões como regulação de tempo de serviço, benefícios para
cargos em comissão obtiveram resultados favoráveis.
Os partidos políticos ocupam a segunda posição no in-
gresso de Adins. Entretanto, diferentemente dos Procurado-
res e Governadores, questionam majoritariamente atos pri-
vativos do Executivo Federal. E também em oposição aos
outros dois requerentes têm seus questionamentos sistema-
16
Carlos Velloso a considerava improcedente, e Marco Aurélio Mello e Celso Mello a consideravam totalmente procedente.
17
Como a Associação Brasileira dos Consumidores e a Associação Nacional das Televisões Educativas. A União Nacional dos Estudantes também foi enquadrada
nesta categoria.
14
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ticamente negados pela Corte: 97,2% das ações foram nega-
das. Os três casos favoráveis foram ingressados pelo Partido
dos Trabalhadores. Um questionava Medida Provisória que
regulava os cálculos de distribuição mensal do Plano de Segu-
ridade Social do servidor público civil ativo. O Tribunal en-
tendeu, por votação majoritária16, que tanto a Medida em
questão como suas sucessivas reedições deveriam absorver a
frase “com vigência a partir de 01/07/94” e, nas MP de 1997,
sem redução de texto, a implícita absorção da mesma regra de
vigência declarada inconstitucional nas anteriores. Este é um
caso de reinterpretação que a Corte faz em situações nas quais
o requerente não questionava essa parte da norma. Os outros
dois casos envolvem normas estaduais, proferidas pelo Go-
vernador, num caso, e pela Assembléia do Estado, no outro.
No primeiro caso, a norma considerada inconstitucional foi
um decreto editado pelo Governador de Santa Catarina e que
estabelece diretrizes para observância do limite das despesas
com o funcionalismo público estadual. Todas as outras ações
foram negadas pela Corte. Destas, 81 voltaram-se para nor-
mas federais, entre elas 58 medidas provisórias editadas pelo
Executivo Federal. O assunto também não se concentra em
uma determinada área, como nos outros dois requerentes,
distribuindo-se de maneira igual entre as áreas administrativa
(29,7%), econômica (28,8%), social (21,6%), político-institu-
cional (15,4%) e orçamento (4,5%). Ao contrário das associa-
ções e confederações, analisadas a seguir, a motivação para a
decisão contrária dos partidos políticos não passa pela des-
construção da legitimidade ativa, mas por motivos dos mais
diversos, como perda do objeto, ausência de relevância jurídi-
ca, ausência de conteúdo normativo, impossibilidade jurídica
do pedido. Em doze casos ingressados pelo Partido dos Tra-
balhadores questionando medidas provisórias editadas pelo
Presidente da República, negou-se o seguimento da ação por
falta de aditamento da inicial, apontando para uma desistên-
cia do partido em dar continuidade a ação. Ainda que os as-
suntos destas medidas envolvessem conteúdos dos mais
variados (criação do CADE, fiscalização de produtos e insu-
mos químicos, conversão das mensalidades escolares para
Real, implementação da Defensoria Pública, para citar alguns),
a sua numeração é subseqüente: o PT questiona da MP 878/
95 até a MP 889/95, numa espécie de utilização do recurso
judicial para pressionar ou intimidar a atuação do presidente
da República.
Compartilhando a baixa taxa de sucesso no questiona-
mento das Adins com os partidos políticos estão as Associa-
ções e Confederações. Das 129 ações ingressadas por estas
entidades, 32 tinham como requerente entidades de natureza
empresarial, 89 eram trabalhistas e apenas oito eram entida-
des de natureza meramente associativa.17 O resultado favorá-
vel foi obtido por quatro entidades distintas, em 13 casos.
Três delas são de natureza empresarial: Confederação Nacio-
nal da Indústria, Confederação Nacional do Comércio e Con-
federação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino. Estas
Estudos Jurídicos
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 O Supremo Tribunal Federal e a reforma do Estado do governo Fernando Henrique Cardoso: os critérios de
admissibilidade como parte da estratégia política da corte
três entidades questionaram a mesma norma, a Lei Federal
8212/91, que regulamenta a organização da seguridade social,
institui o Plano de Custeio e dá outras providências. O dis-
positivo questionado versa sobre a percentagem da contri-
buição a cargo da empresa da seguridade social.
A única entidade trabalhista a obter resultado favorável foi
a Associação dos Magistrados Brasileiros. Em apenas uma Adin,
a AMB não obteve resultado favorável: ao questionar lei esta-
dual cujo dispositivo autorizava o Presidente do Tribunal de
Justiça, por ato próprio, incorporar à remuneração do Desem-
bargador de subsídio de deputado estadual, quando esta ultra-
passasse em 35% a soma do vencimento da verba de represen-
tação do Desembargador. O tribunal entendeu, neste caso, que
o pedido era juridicamente impossível, por importar modifica-
ção, pelo STF, que não tem competência legislativa, dos limites
do âmbito de abrangência da norma.
Considerações finais
Numa conjuntura marcada pela reestruturação profunda
do Estado brasileiro, alterando o marco nacional desenvolvi-
mentista implementado, em início dos anos 30, por Getúlio
para um marco liberal regulatório, o Supremo Tribunal Fede-
ral ocupou papel político de destaque nesse processo.
Acionado inúmeras vezes, por diversos setores até então
sem acesso à Corte, viu-se diante de um processo de mobili-
zação de diversas entidades da sociedade civil cujos direitos
(ou privilégios) estavam sendo duramente atingidos.
As análises feitas no período vêm apontando questões
importantes para a reflexão do tema, mas, por excluírem par-
te expressiva das decisões, acabam por comprometer o resul-
tado final das reflexões.
A inserção das decisões anteriormente excluídas permite
estudar os julgamentos analisados de outra perspectiva. Há
uma estratégia decisória tanto para as decisões de mérito ba-
seadas na forma como para aquelas baseadas no pedido. No
primeiro caso, a estratégia da Corte tem sido a da “não-deci-
são” sistemática, de modo a evitar a abertura de precedentes
que venham a comprometer a produção de efeitos jurídicos
dentro da ordem jurídica. Nos casos em que se decide o mé-
rito, a Corte tende a fazê-lo em casos de baixa relevância naci-
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onal e pouco impacto territorial, cuja conseqüência prática re-
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