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A questão da leitura:

Frith (1985), considera a leitura/escrita uma habilidade cognitiva que se

desenvolve por meio de um processo interativo que ocorre em três fases

distintas: a primeira é a fase logográfica, em que as palavras freqüentes são

tratadas como um todo e não são analisadas em suas partes constituintes, ou

seja, é uma fase pré-alfabética em que não se leva em conta a ordem das

letras na palavra, quando o processamento se dá no hemisfério direito do

cérebro. A segunda fase é a alfabética, que requer consciência fonológica, isto

é, a consciência dos sons que compõe a fala para que ocorra a

correspondência grafema/fonema; essa fase ativa o hemisfério esquerdo e

envolve o reconhecimento do som, o reconhecimento visual da letra (ou

manual no caso de cegos) e cinestésico, pela articulação da letra. A terceira

fase é a ortográfica, uma fase analítica onde há compreensão da leitura de

palavras; segue a rota lexical sem a necessidade de segmentação das sílabas.

Ler não é uma competência única, envolve uma série de habilidades. Uma análise

exaustiva dos fatores que influenciam na leitura levou os autores do National Reading

Panel (2000) a compilar um conjunto de competências e habilidades consideradas

fundamentais para o processo de alfabetização, que são:

 Consciência fonológica – habilidade de prestar atenção aos sons da fala

como entidades independentes de seu sentido (também reconhecer

rimas, aliterações, contar sílabas).

 Familiaridade com textos impressos (e também identificar partes de um

livro, direção da leitura)

 Meta-linguagem – uso da própria língua para descreve-la ou explicá-la.


 Consciência fonêmica – entendimento de que cada palavra pode ser

concebida como uma série de fonemas, que são as unidades de som

representadas pelas letras.

 Consciência do princípio alfabético – as letras representam os sons.

 Decodificação – processo de converter seqüências de letras em sons,

como base no conhecimento da correspondência grafemas-fonemas. “O

método fônico refere-se ao tipo de instrução comprovadamente mais

eficaz para ajudar o aluno a estabelecer essas correspondências”. (pág.

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 Fluência – habilidade de ler com velocidade e precisão, compreendendo

o que é lido.

 Vocabulário – conhecer as correspondências entre as palavras e seu

significado.

 Estratégias de compreensão de texto.

A decodificação é a competência central do processo de aprendizagem da leitura porque

as outras competências estão associadas a ela, como pré-requisitos, ou como

decorrência, no caso da fluência, e outras, como vocabulário e compreensão, que são

independentes da leitura mas se fortalecem na medida em que aumenta a proficiência da

leitura da criança.
Conclusões pedagógicas – na leitura e na escrita:

Para se tornarem leitoras proficientes, as crianças devem aprender a decodificar as

palavras de maneira rápida e sem esforço. Normalmente, a capacidade de reconhecer a

palavra de forma imediata desenvolve-se após quatro ou cinco experiências de leitura da

palavra por meio da decodificação, mas isso depende da complexidade grafo-fonológica

da palavra. A capacidade de soletrar é considerada uma habilidade essencial para as

crianças aprenderem a escrever corretamente, conforme foi concluído após inúmeras

pesquisas, realizadas para compreender as habilidades envolvidas no processo de

soletração e para ajudar as crianças a dominarem essas atividades. Entretanto, para a

interpretação da leitura, para o desejo de ler ou escrever, é preciso que essa linguagem

seja reconhecida como um meio satisfatório de comunicação, como uma arte, onde tocar

piano, por exemplo, é mais que repetir movimentos treinados, é preciso que esse

resultado mecânico toque a sensibilidade, o interesse de quem “diz” e de quem “ouve”,

ou seja, que se ligue aos seus sentimentos, seu “reconhecimento” interno do mundo

externo.
A questão da escrita:

Escrever refere-se à capacidade de codificar os sons, usando os sinais gráficos

correspondentes – os grafemas. Num processo de alfabetização, primeiro é preciso

escrever as palavras de acordo com critérios de transcrição fonológica dentro dos

padrões ortográficos (soletrar), para num outro momento poder escrever no sentido de

compor textos, ainda que simples.

Entre os três e quatro anos de idade, as crianças tendem a identificar sons mais salientes

da fala. Crianças que vivem em ambientes letrados e com acesso a artefatos, como lápis,

giz, papel, etc., começam a rabiscar, desenhar seqüências de letras aleatórias ou fazer

desenhos em formas de letras. Por volta dos quatro anos, essas crianças começam a

representar alguns sons usando a escrita espontânea ou inventada. Também começam a

usar brinquedos e outros objetos para representar os sons da fala. O envolvimento da

criança com a escrita não é natural, depende da existência de estímulos e condições no

ambiente.

Gombert (2003) distingue três fases sucessivas no desenvolvimento da escrita, que ele

nem considera universais, nem naturais, mas que tendem a ocorrer em crianças que

vivem em ambientes letrados:

1. Fase da representação grafo-motora – as crianças reconhecem alguns

traços característicos da escrita como diferentes dos desenhos.

2. Fase da representação grafo-semântica – quando a criança relaciona o

tamanho do conceito com a escrita, independente do tamanho


fonológico das palavras (ex. a representação de “pai” ocupa mais

espaço do que a representação da palavra bebezinho).

3. Fase de representação grafo-fonológica – a criança compreende que a

escrita corresponde aos sons da linguagem e que os mesmos sons se

escrevem da mesma maneira.

No entanto, não basta aprender as correspondências entre grafemas e fonemas para

aprender a escrever corretamente – existem irregularidades e exceções que precisam ser

reconhecidas pela via direta (lexical) ou indireta (fonológica). A exposição repetida às

regularidades do código escrito ajuda a desenvolver o conhecimento implícito a respeito

de várias regras de posição e de contexto relativas às correspondências grafo-fonema. O

ensino, especialmente o ensino dos códigos e regras de conversão fonema-grafema,

desempenha um papel fundamental na aprendizagem da escrita, por duas razões

principais: permite que as crianças usem as regras intencionalmente e ajuda a acelerar a

aprendizagem implícita. As aprendizagens explícitas e implícitas são complementares: a

aprendizagem implícita é responsável pela leitura automática, mas a explícita,

consciente, permite que a criança possa tomar decisões, quando está lendo ou

escrevendo. A escrita correta também depende da aprendizagem de aspectos mais

básicos, como a caligrafia e a mecânica da língua, ou seja, com os aspectos relacionados

com a pontuação, com letras maiúsculas e minúsculas e, no caso de português, com a

acentuação. Aprender a escrever corretamente as letras do alfabeto, que diferem em tipo

e tamanho, envolve observação, controle e coordenação manual.

A escrita espontânea revela o que o aluno compreende sobre como soletrar palavras. Ela

se constitui em importante instrumento para diagnóstico das dificuldades de escrita do

aluno, mas não um instrumento eficaz para o ensino da escrita, assim como não pode ser
um mecanismo de bloqueio da expressão pessoal (o encorajamento para a escrita

espontânea não pode ser tolhido pela valorização da correção gráfica, acima das idéias –

é possível conciliar os dois, mas o mais difícil é desenvolver a criatividade, que não

pode ser treinada).

Os resultados das pesquisas existentes sugerem que:

A ênfase da alfabetização reside na decodificação, portanto, é essencial a

escolha de métodos eficazes para ensinar o aluno a decodificar.

 Os métodos fônicos se mostram superiores aos demais.


 A instrução em fônica deve ser sistemática e não incidental.
 O ensino da decodificação deve se dar no contexto de leituras que o
aluno possa decodificar e, portanto, requer textos adequados para esse
fim. O ensino de palavras freqüentes pode ajudar o aluno a ler textos
sintaticamente mais corretos.
 O ensino da decodificação não esgota os objetivos de um programa de
alfabetização. Diferentes objetivos requerem diferentes tipos de material
de leitura e o uso de diferentes técnicas e métodos para promover a
fluência, vocabulário, compreensão e articulação com a escrita.

Conclusão:

A alfabetização deve ser um instrumento de integração da criança em seu

ambiente, favorecendo o desabrochar de seu potencial pessoal. A

compreensão da linguagem escrita, independente de sua execução, supõe

uma estruturação mental mais abstrata e associativa, capaz de lidar com

decodificações e interpretações mais abrangentes e flexíveis. A escrita é uma

forma de representação como a observada na fala.


O processo de alfabetização se estabelece na ação do corpo sobre o

meio. Depende da consciência corporal e do desejo de representar suas

experiências, assim como da necessidade de compreender o que outras

pessoas escreveram. Cada criança possui suas características próprias e

experiências específicas já vividas que vão lhe permitindo compreender, utilizar

conceitos e internalizar imagens num progressivo distanciamento do momento

presente, numa aprendizagem que se agiliza e se efetua na ação frente ao

meio (a alfabetização não acontece ao acaso). Brincar é a atividade que integra

a criança na vida em comunidade e representa um elemento essencial à saúde

física, emocional e intelectual do ser humano em fase de desenvolvimento.

Auto-estima, relacionamentos sociais e alfabetização podem ser construídos

paralelamente e essas aquisições podem resultar num sujeito participante, em

condições de exercer sua cidadania.

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