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Realização
Apoio
Catalogação da Publicação na Fonte.
Universidade Federal do Rio Grande do Norte.
Biblioteca do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes.
Seminário de Estudos do Texto e do Discurso, (4. : 2020 : Natal, Rio Grande do Norte).
Anais do IV Seminário de Estudos do Texto e do Discurso (SETED): leitura e escrita em
qualquer língua, suporte ou perspectiva / organizado por Sulemi Fabiano Campos ... [et al.]. –
Natal: UFRN, 2021.
698 p.: il. color.
Inclui bibliografia.
Ficha catalográfica elaborada por Heverton Thiago Luiz da Silva – Bibliotecário-Documentalista / CRB 15/710
Organizadores
SULEMI FABIANO CAMPOS
JOSÉ ANTÔNIO VIEIRA
RENATA INGRID DE SOUZA PAIVA
REBECCA CRUZ PINHEIRO
BRUNA FRANCINETT BARROSO FAUSTINO DE SOUZA
MAIARA DO NASCIMENTO ARAÚJO
Diagramação
Vinicius Rodrigues da Silva
Projeto Gráfico
Melina Nascimento Gomes
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO .............................................................................................................................. 5
CULTURA, DIVERSIDADE E AQUISIÇÃO DE LÍNGUAS......................................................... 18
A LÍNGUA PORTUGUESA E O INSUCESSO DO SISTEMA DE ENSINO NA GUINÉ-BISSAU:
CASO DAS CRIANÇAS DA ETNIA BALANTA-NHACRA DE TOMBALI ............................... 28
ENSINO DAS LÍNGUAS MOÇAMBICANAS: AVANÇOS E DESAFIOS PARA O SISTEMA
NACIONAL DE EDUCAÇÃO ......................................................................................................... 41
FORMAÇÃO DE PROFESSORES EM MOÇAMBIQUE: AVANÇOS E RECUOS PARA
INTRODUÇÃO DA LEITURA E ESCRITA DAS LÍNGUAS BANTU NO ENSINO BÁSICO ... 47
DO PASSADO AO PRESENTE: A CONSTRUÇÃO DE UMA IMAGEM DE LÍNGUA ............. 60
A LÍNGUA COMO BASE DA IDENTIDADE CULTURAL DOS POVOS .................................. 73
LETRAMENTOS NA PERSPECTIVA DECOLONIAL: A EXPERIÊNCIA DO PROJETO DE
EXTENSÃO BRINQUEDOTECA DE HISTÓRIAS ....................................................................... 86
ESCRITA SOBRE AS PRÁTICAS DE ENSINO E APROPRIAÇÕES DAS TEORIAS
LINGUÍSTICAS: UMA ANÁLISE DISCURSIVA DOS RELATÓRIOS DE ESTÁGIO
SUPERVISIONADO ......................................................................................................................... 96
EDUCAÇÃO EM TEMPOS DE PANDEMIA: O USO DO GÊNERO MEME NO ENSINO DE
LÍNGUA PORTUGUESA ............................................................................................................... 109
MULTILETRAMENTOS: CONTRIBUIÇÕES PARA O TRABALHO COM AS TECNOLOGIAS
NO ENSINO DE LÍNGUA PORTUGUESA .................................................................................. 123
O ENSINO DO GÊNERO ARTIGO DE OPINIÃO: UMA CONCEPÇÃO DIALÓGICA DE
LEITURA......................................................................................................................................... 133
RELATO DE EXPERIÊNCIA: O GÊNERO COMENTÁRIO ONLINE NA EDUCAÇÃO BÁSICA
.......................................................................................................................................................... 147
ESPECIFICIDADES ESTILÍSTICAS DO GÊNERO ARTIGO CIENTÍFICO DE LINGUÍSTICA
EM DUAS LÍNGUAS/CULTURAS ............................................................................................... 161
A SEQUÊNCIA INJUNTIVA: ANÁLISE NO GÊNERO DISCURSIVO TEXTUAL CARTILHA
EDUCATIVA EM TEMPOS DE PANDEMIA .............................................................................. 173
TECENDO CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE A ESCRITA NA EDUCAÇÃO BÁSICA DA
REGIÃO DO MATO GRANDE: ASPECTOS TEXTUAIS E ENUNCIATIVOS DO GÊNERO
ARTIGO DE OPINIÃO PRODUZIDO NO PROCESSO SELETIVO ENSINO MÉDIO
INTEGRADO .................................................................................................................................. 188
PROJETOS DE LEI E SUAS NORMAS NA PERSPECTIVA DA ANÁLISE TEXTUAL DOS
DISCURSOS.................................................................................................................................... 204
EXCESSO DE LINGUAGEM – O PAPEL DA RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NA
ANULAÇÃO DE DECISÕES DE PRONÚNCIA .......................................................................... 217
VISADA ARGUMENTATIVA E RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NA “SUSTENTAÇÃO
ORAL” DE ADVOGADOS DE DEFESA EM CRIMES DE HOMICÍDIOS ................................ 232
A FUNÇÃO ARGUMENTATIVA DO DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA NA SENTENÇA
PENAL CONDENATÓRIA ............................................................................................................ 245
PLANO DE TEXTO E VISADA ARGUMENTATIVA NO GÊNERO DISCURSIVO DECRETO
NO CENÁRIO DE PANDEMIA DA COVID-19 ........................................................................... 255
PLANO DE TEXTO, RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA E VISADA ARGUMENTATIVA
NO GÊNERO DISCURSIVO CRÔNICA JORNALÍSTICA ......................................................... 264
RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NO GÊNERO DISCURSIVO/TEXTUAL SENTENÇA
JUDICIAL ........................................................................................................................................ 279
A (NÃO) ASSUNÇÃO DA RESPONSABILIDADE ENUNCIATIVA NOS GÊNEROS
DISCURSIVOS DEPOIMENTO DE TESTEMUNHA E SENTENÇA CONDENATÓRIA ........ 291
LEITURAS E ESCRITAS NO ENSINO REMOTO E AS FERRAMENTAS DIGITAIS COMO
ESTRATÉGIA DE APRENDIZAGEM EM TEMPOS DE PANDEMIA ...................................... 305
AÇÕES INTERATIVAS NO ESTUDO DA LEITURA/ESCRITA DE MANEIRA REMOTA ... 317
ABORDAGEM DIALÓGICA NO ENSINO REMOTO DE LÍNGUA PORTUGUESA NA ESCOLA
ESTADUAL PROFESSOR ANTÔNIO PINTO DE MEDEIROS ................................................. 324
A MEDIAÇÃO DOCENTE NOS PROCESSOS DE ENSINO E APRENDIZAGEM DE LEITURA
E DE ESCRITA EM TEMPOS DE ENSINO REMOTO................................................................ 332
PARA LER, ESCREVER E COMPARTILHAR: A LEITURA LITERÁRIA HOJE. ................... 343
O ALUNO-LEITOR COMO SUJEITO SOCIAL E POLÍTICO: EXPERIÊNCIA DIDÁTICA COM
O GÊNERO CONTO NO ESTÁGIO CURRICULAR DA UFPE.................................................. 356
A MEDIAÇÃO DO PROFESSOR DE LÍNGUA PORTUGUESA EM TEMPOS DE PANDEMIA
NO ENSINO REMOTO .................................................................................................................. 370
MULTIMODALIDADE E LETRAMENTO CRÍTICO: CAPACIDADES DE LEITURA
EXIGIDAS PELAS REDES SOCIAIS ........................................................................................... 384
A PROBLEMÁTICA DA EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA (EAD) EM TEMPOS DE COVID-19 E OS
DESAFIOS E POSSIBILIDADES DO ENSINO FUNDAMENTAL ............................................ 399
MAPEAMENTO DA EXPERIÊNCIA ESTÉTICA: UMA ESTRATÉGIA DE LEITURA
LITERÁRIA..................................................................................................................................... 409
A VOZ NARRANTE NO TEXTO LITERÁRIO: A EXPERIÊNCIA ESTÉTICA DE LEITURA
COM PROFESSORES EM FORMAÇÃO ...................................................................................... 417
AS MICRONARRATIVAS LITERÁRIAS: UM CAMINHO PARA A LEITURA LITERÁRIA NO
ENSINO BÁSICO?.......................................................................................................................... 429
“O SOL NA CABEÇA”, DE GEOVANI MARTINS: ENSINANDO A TRANSGREDIR A PARTIR
DE UMA PROPOSTA DESCENTRALIZADORA DE LEITURA E ESCRITA LITERÁRIA .... 436
“ERA UMA VEZ” ... AS PRÁTICAS SOCIAIS E VIRTUAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL EM
TEMPOS DE PANDEMIA ............................................................................................................. 450
LEITURA DE CHARGES: UMA ANÁLISE À LUZ DA PERSPECTIVA DIALÓGICA DA
LINGUAGEM ................................................................................................................................. 459
PROPOSTAS DE PRODUÇÃO DE SEMINÁRIOS EM LIVROS DIDÁTICOS DO ENSINO
MÉDIO............................................................................................................................................. 469
O PROCESSO DA ESCRITA NA PRODUÇÃO TEXTUAL DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL: UMA ANÁLISE COMPARATIVA ............................................................... 485
IMAGENS DO LUGAR DO ESPANHOL NO ENSINO FUNDAMENTAL EM RELATÓRIOS DE
ESTÁGIO DA UFRN ...................................................................................................................... 500
MARCAS DE REMISSÃO A DISCURSOS OUTROS NA ESCRITA DE ALUNOS DO ENSINO
FUNDAMENTAL ........................................................................................................................... 508
DA PROPOSTA À REDAÇÃO NOTA MIL DO ENEM 2019: ANÁLISE DA ESTRUTURA DE
UM TEXTO ..................................................................................................................................... 519
HETEROGENEIDADE E(M) DISCURSO: ALGUMAS REFLEXÕES SOBRE O OUTRO E O
DIFERENTE .................................................................................................................................... 529
UM ESTUDO SOBRE A GÊNESE DOS PERIÓDICOS CIENTÍFICOS BRASILEIROS .......... 543
DISCURSO RELIGIOSO E SILENCIAMENTO NA ESCRITA: UM ESTUDO DE CASO ....... 557
LEITURA DE SI E ESCRITA DO MUNDO: SOBRE TRADUZIR E FAVORECER
DESLOCAMENTOS ....................................................................................................................... 569
A RECATEGORIZAÇÃO DO OBJETO DE DISCURSO ISOLAMENTO NA PÁGINA RECIFE
ORDINÁRIO NO TWITTER ........................................................................................................... 583
AFINAL, O QUE É “ESQUERDA”?: UM ESTUDO SOCIOCOGNITIVO ACERCA DA
REFERENCIAÇÃO DA CATEGORIA “ESQUERDA” EM TWEETS DE SUJEITOS DE
POSICIONAMENTO POLÍTICO DE EXTREMA DIREITA ....................................................... 594
O DISCURSO JURÍDICO E AS PROVAS RETÓRICAS EM UM PROCESSO JUDICIAL:
ANÁLISE DE UMA PETIÇÃO INICIAL ...................................................................................... 608
A DIVERSIDADE LINGUÍSTICA APRESENTADA EM LIVROS DIDÁTICOS DE LÍNGUA
ESPANHOLA: UMA ANÁLISE DOS LIVROS ENTRE LÍNEAS 7 E CAMBIO 8 .................... 617
MOBILIZANDO NOÇÕES SOBRE AUTORIA E AUTORIALIDADE NOS DISCURSOS ...... 633
A IMPORTÂNCIA DA FUNÇÃO DO LEITOR NO CONTO TIGRELA, DE LYGIA FAGUNDES
TELLES ........................................................................................................................................... 646
A IMPORTÂNCIA DA LEITURA DO GÊNERO EPOPEIA NA ESCOLA ................................ 656
DISCURSO POLÍTICO, IDENTIDADE E IDEOLOGIA NAS POSTAGENS DO FACEBOOK 668
IDEOLOGIA E TOMADAS DE POSIÇÃO: A IMPORTÂNCIA DA(S) FORMAÇÃO(ÕES)
DISCURSIVA(S) NA/PARA MOBILIZAÇÃO DE SENTIDO(S) ................................................ 685
5
Resistência. Essa é a palavra que nos move e nos moveu neste período de pandemia
para a realização do nosso evento de forma remota e para a publicação deste Anais. Em anos em que
a ciência é ameaçada e as instituições de ensino perdem recursos e precisam sustentar suas atividades
remotamente, precisamos resistir e nos reinventar para dar continuidade aos nossos projetos e esta
publicação é fruto dessa resistência.
Em nome dessa resistência, no ano de 2020, nos dias 3 e 4 do mês de dezembro,
realizamos o IV Seminário de Estudos do Texto e do Discurso (IV SETED), no formato remoto, por
meio das plataformas Youtube e Google Meet, unindo professores e alunos de diversos países sem
saírem de suas casas. Esse seminário é o evento anual de socialização de pesquisas criado pelo Grupo
de Pesquisa em Estudos do Texto e do Discurso (GETED), parceiro da Associação Nacional de
Pesquisa na Graduação em Letras (ANPGL).
O GETED, fundado em 2010 e registrado junto ao Conselho Nacional de
Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPQ), é liderado pela Profa. Dra. Sulemi Fabiano
Campos e hoje conta com aproximadamente 32 membros, dentre os quais estão alunos da graduação,
Pós-Graduação lato sensu e stricto sensu, bem como professores do ensino básico e superior. Durante
o IV SETED, comemoramos 10 anos de criação do grupo e suas contribuições para produção de
conhecimento, que contava com 18 dissertações, 20 artigos científicos, 22 livros, organização de
livros e capítulos e 6 teses até o ano de 2020.
Tendo em vista a expansão do evento no seu formato remoto, que possibilitou amplas
inscrições para pesquisadores do Brasil e do mundo, o evento teve como tema "Leitura e Escrita em
qualquer língua, suporte ou perspectiva" e tornou-se espaço para o compartilhamento de resultados
de pesquisas diversas, em especial as desenvolvidas pelo GETED, que têm como foco a análise
discursiva de produções textuais da educação básica e superior.
Nesta edição do evento, tivemos 6 mesas redondas, divididas nos dois dias do
seminário. A mesa de abertura, “Políticas para pesquisa e ensino de leitura e a escrita em defesa da
vida”, tratou do momento de pandemia em que estamos vivendo e da importância da ciência para
defesa da vida, como forma de romper com o negacionismo instaurado no Brasil. A segunda mesa,
“Reflexos das perspectivas teóricas e do multilinguismo na escrita e leitura na escola básica”, foi
marcada pela discussão sobre a escrita na escola básica em diferentes realidades, do Brasil ao
Marrocos. A terceira mesa redonda, “O fazer científico presente na universidade e a produção de
conhecimento”, debateu a produção de conhecimento nas universidades, suas dificuldades e o
caminho para superá-las.
No segundo dia, tivemos a quarta mesa redonda do evento, intitulada “A escrita na
formação de professores e a produção científica” cujos participantes discorreram sobre a importância
6
da produção científica para a formação de professores que sejam também pesquisadores. A quinta
mesa teve como tema “Escrita e produção de conhecimento: línguas que definem as perspectivas
teóricas”, em que a produção no ensino superior foi foco de discussão, especialmente o modo como
os pesquisadores definem suas fundamentações teóricas. Por fim, a mesa de encerramento, intitulada
“Relatórios de estágios como suporte para circulação ou produção de conhecimento: texto e discurso”
foi marcada por debates sobre a escrita de graduandos e as imagens que eles constroem de si, dos
professores da escola básica e do próprio fazer do professor por meio de seus relatórios de estágio.
Todas essas mesas podem ser (re)assistidas por meio do canal do GETED no Youtube.
Além das mesas redondas, o IV SETED contou com 18 simpósios: “Ler e escrever na
América Latina”; “Ler e escrever nas línguas da África”; “Leitura, escrita e formação na universidade
contemporânea: (re)produção de conhecimento”; “Gêneros do discurso e multiletramentos nas
práticas de Leitura e de Escrita no ensino de línguas”; “Os gêneros do discurso: perspectivas
bakhtinianas”; “Diferentes gêneros discursivos em análise”; “Leitura e Escrita em suporte eletrônico:
o ensino remoto e a educação a distância”; “Do planejamento pedagógico ao ensino de leitura e
escrita: discursos, abordagens teóricas e práticas de ensino”; “Educação, formação de professores e
tecnologias digitais da informação e comunicação: interações, linguagens e experiências de
pesquisa”; “Caminhos para a leitura e a escrita do texto literário”; “Práticas e experiências de ensino
de Língua Portuguesa na Educação Básica”; “Discurso, Leitura e Escrita”; “Escrita, leitura e
heterogeneidade enunciativa: da escola à universidade”; “Lacan com Freire: escrever para além da
cultura do silêncio”; “Argumentação, discurso e texto: possibilidades de diálogos”; “Linguagem,
interculturalidade e decolonialidade: potenciais para o estudo de discursos e práticas comunicativas”;
“Discurso e Enunciação”; e “Estudos do discurso: perspectivas crítica e transdisciplinar”. Esses
simpósios acolheram diversas comunicações orais e foram realizados por meio do Google Meet,
possibilitando o acesso de pesquisadores de diferentes estados e países.
Dentro desses simpósios, contamos com 216 comunicações inscritas e com 473
participantes de instituições diversas, cerca de 71, que tornaram esse evento de grande alcance, com
participação de muitas instituições brasileiras, mas também internacionais, como universidades
argentinas, moçambicanas, angolanas, marroquinas, entre outras. Além disso, também destacamos os
grupos de pesquisa da rede que estão envolvidos no evento, sendo eles: Grupo de Pesquisa em Estudos
do Texto e do Discurso (GETED); Grupo de Estudos Escrita e Produção de Saberes (GEEPS); Grupo
de Estudos e Pesquisas em Análise do Discurso; Leitura e Escrita (GEPADLE); Grupo de Estudos
sobre Texto e Enunciação (GETEn); Grupo de Estudos e Pesquisa Produção Escrita e Psicanálise
(GEPPEP); Grupo de Pesquisa de Pesquisa em Discurso, Sujeito e Ensino (DISSE); Grupo de
Pesquisa “Análise Textual dos Discursos” (ATD); Grupo de Pesquisa Ensino, Leitura e Escrita
(GPELE); Grupo de Estudo e Pesquisa sobre Formatação e Prática Docente de Línguas; Práticas de
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sustentado por uma língua dominante. A abordagem dialoga com a proposta do texto que segue, “A
língua como base da identidade cultural dos povos”, o qual defende que as aulas de História
constituem um espaço de desenvolvimento da identidade cultural dos estudantes com vistas à
compreensão e à valorização das diversidades linguísticas em Angola.
Fechando os trabalhos do simpósio, em “Letramentos na perspectiva decolonial: a
experiência do projeto de extensão brinquedoteca de histórias”, encontramos o relato de uma
experiência vivenciada no âmbito do Projeto de Extensão “Brinquedoteca de histórias: ludicidade,
contação de histórias e vivências de letramento na infância”, da Universidade da Integração
Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. O destaque do relato está em oportunizar vivências
lúdicas que contemplem, entre as diversas possibilidades do brincar, a fruição da literatura infantil e
a contação de histórias a partir de ferramentas digitais em virtude da pandemia de covid-19.
O Simpósio “Leitura, escrita e formação na universidade contemporânea: (re)produção
de conhecimento”, mediado pela Profa. Dra. Marinalva Vieira Barbosa (UFTM) e pelo Prof. Dr.
Thomas Massao Fairchild (UFPA), discutiu trabalhos que tivessem como foco a leitura e escrita
acadêmica, a fim de problematizar as produções universitárias – tanto no âmbito da graduação quanto
da pós-graduação, em diferentes áreas – e refletir sobre que elementos tornam possível que um texto
seja considerado bom e fruto de um trabalho em que o sujeito está implicado e produz algo de próprio
na sua área.
No âmbito desse simpósio, temos como representante o trabalho “Escrita sobre as práticas
de ensino e apropriações das teorias linguísticas: uma análise discursiva dos relatórios de estágio
supervisionado”, que reflete sobre a constituição de conhecimento e do próprio sujeito produtor em
relatórios de estágio supervisionado, a partir da análise de 20 relatórios de estágio no curso de Letras
na Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM). Para isso, a pesquisa teve como base os
pressupostos teóricos de Barzotto (2007); Geraldi (2003); Bianchi (2002) e Vásquez (1977).
O Simpósio “Gêneros do discurso e multiletramentos nas práticas de leitura e escrita no
ensino de línguas”, por sua vez, foi coordenado pelas professoras Dra. Eliane Pereira dos Santos
(UFMA) e Dra. Maria Francisca da Silva (UFMA) com a motivação de abraçar trabalhos que
discutem as práticas de leitura e escrita a partir da perspectiva de multiletramentos.
Nele, o trabalho “Educação em tempos de pandemia: o uso do gênero meme no ensino de
língua portuguesa” discute estratégias de leitura e produção textual a partir do gênero meme,
destacando a funcionalidade do gênero digital e o seu papel na interação social em tempos de
pandemia. O trabalho “Multiletramentos: contribuições para o trabalho com as tecnologias no ensino
de língua portuguesa” também se volta para o ensino de língua, e traz uma revisão bibliográfica sobre
as contribuições dos estudos em multiletramentos para o fortalecimento do ensino a partir de
tecnologias educacionais.
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que explore a concisão da micronarrativa literária a partir dos pressupostos da Análise do Discurso.
Já o artigo “O sol na cabeça, de Geovani Martins: ensinando a transgredir a partir de uma
proposta descentralizadora de leitura e escrita literária”, rompe com a definição dominante de
literatura e discute a descentralização do lugar de fala, dando voz à favela, de modo a abordar o ensino
de literatura sob a perspectiva da diversidade social e cultural.
O Simpósio “Práticas e experiências de ensino de Língua Portuguesa na Educação
Básica” foi coordenado pelas Profa. Dra. Valnecy Oliveira Corrêa Santos (UFMA/GETED), Profa.
Ma. Maria de Jesus Melo Lima (SEEC/RN e PPgEL/UFRN/GETED), Profa. Dra. Ana Maria de
Oliveira Paz (PPgEL/UFRN) e pelo Prof. Dr. Joil Antonio da Silva (UNEMAT/GETED. Este
simpósio objetivou reunir trabalhos de pesquisa sobre práticas de ensino de Língua Portuguesa na
Educação Básica, com o intuito de estabelecer um diálogo sobre o que se tem constituído como
práticas de ensino de Língua Portuguesa e de que forma a constituição da Base Nacional Comum
Curricular (BNCC) interpela as práticas docentes.
O trabalho “Leitura de charges: uma análise à luz da perspectiva dialógica da linguagem”
se propôs a fazer uma análise discursiva de charges, bem como apresentar uma proposta de leitura à
luz de uma perspectiva dialógica da linguagem. Enquanto o trabalho “Propostas de produção de
seminários em livros didáticos do Ensino Médio” se propôs a analisar propostas de produções de
seminários em três livros didáticos do Ensino Médio (1ª, 2ª e 3ª série), com ênfase nas etapas de
planejamento e execução do gênero.
Sob a condução do Prof Dr. José Antônio Vieira (CESPE/UEMA) e da Profa. Dra.
Mariana Aparecida de Oliveira Ribeiro (PPGLB/UFMA), o Simpósio “Discurso, Leitura e Escrita”
teve como ideia central a criação de um espaço para os trabalhos que compreendem toda a produção
discursiva como uma construção social, refletindo sobre uma visão de mundo vinculada aos
pesquisadores filiados às diferentes abordagens dos estudos discursivos que problematizam os
sujeitos e a sociedade em que vivem a partir do contexto histórico-social e de suas condições de
produção.
O trabalho “O processo da escrita na produção textual de alunos do Ensino Fundamental:
uma análise comparativa” se propôs a fazer uma análise do processo de escrita dos alunos do ensino
fundamental, observados em contextos multiculturais (Brasil e Peru). Já o trabalho “Imagens do lugar
do espanhol no Ensino Fundamental em relatórios de estágio da UFRN” a partir de operações
linguístico-discursivas, se propôs analisar as imagens presentes nos relatórios sobre o lugar do
espanhol no ensino fundamental.
Coordenado pelas Profa. Dra. Maria Aparecida da Silva Miranda (SEEC/RN-
GETEDUFRN), Profa. Dra. Katia Cilene Ferreira França (GEEPS-UFMA/GETED) e Profa. Ma.
Maria Claudiane Silva de Souza (SEEC/RN-GETEDUFRN), o Simpósio “Escrita, leitura e
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podem ser analisados a partir da tríade ethos, pathos e logos, os proponentes objetivavam discussões
entre estudos sobre argumentação.
O artigo “A recategorização do objeto de discurso isolamento na página Recife Ordinário
no Twitter” aborda os processos referenciais para o termo isolamento em uma página do Twitter. As
autoras se apoiam em pressupostos da Linguística Textual para demonstrar que os usuários
recategorizam o termo com base tomando como base suas perspectivas linguísticas, sociocognitivas
e interacionais.
O trabalho seguinte, intitulado “Afinal, o que é ‘esquerda’?: um estudo sociocognitivo
acerca da referenciação da categoria ‘esquerda’ em tweets de sujeitos de posicionamento político de
extrema direita”, trata da referenciação da categoria “esquerda” em textos de tendência para a extrema
direita. As autoras analisam publicações entre 2016 e 2019, as quais demonstram maior representação
para referenciações relacionadas a autoritarismo e manipulação.
No texto “O discurso jurídico e as provas retóricas em um processo judicial: análise de
uma petição inicial” temos uma proposta de pesquisa qualitativa e interpretativa que une Linguística
e Direito. O objetivo é analisar a construção de imagens por meio da argumentação em um processo
judicial, dando ênfase a aspectos retóricos e discursivos, a partir da noção de ethos.
O Simpósio “Linguagem, interculturalidade e decolonialidade: potenciais para o estudo
de discursos e práticas comunicativas”, coordenado pelo Prof. Dr. André Marques do Nascimento
(UFG), discutiu pesquisas que versassem sobre leitura, escrita e oralidade nos campos da Retórica e
da Linguística Textual em textos e discursos de diversas naturezas, com foco nos estudos sobre
Argumentação, Discurso e Texto, bem como as estratégias retóricas e textuais mobilizadas nos mais
diversos gêneros textuais e/ou discursivos orais e/ou escritos em diferentes espaços sociais.
Como trabalho representativo desse simpósio, temos “A diversidade linguística
trabalhada em livros didáticos de Língua Espanhola: uma análise dos livros Entre Líneas 7 e Cambio
8”, que teve como objetivo analisar como a diversidade linguística é apresentada por meio dos livros
didáticos “Entre Líneas 7” e “Cambio 8”, uma vez que esse é um tema orientado pelas Orientações
Curriculares Nacionais (OCN) do Brasil.
O Simpósio “Discurso e Enunciação”, foi mediado pela Profa. Dra. Adriana Santos
Batista (UFBA), Profa. Ma. Aline Maria dos Santos Pereira (UNEB) e Prof. Dr. Luiz Felipe Andrade
Silva (UFBA) e teve como proposta dialogar sobre trabalhos em em “diferentes perspectivas teóricas
dos estudos discursivos e enunciativos, em que se promovam: 1) reflexões teórico-epistemológicas
em torno dos conceitos de discurso e/ou enunciação; 2) análises de diferentes materialidades que
tenham como foco descrição e problematização de estratégias discursivas e/ou enunciativas; ou 3)
discussões sobre a produção acadêmica brasileira contemporânea acerca desses conceitos”.
O artigo “Mobilizando noções sobre autoria e autorialidade nos discursos”, parte desse
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simpósio, propõe-se a analisar a autoria como fenômeno discursivo do campo literário, por meio da
discussão dos conceitos “discurso autorial”, “autor”, “nome de autor” e “enunciado complexo”, com
base na teorização de Maingueneau (2006; 2009; 2010), Costa (2016), Foucault (2009), Bakhtin
(1997), e Barthes (2004).
Por sua vez, o Simpósio “Estudos do discurso: perspectivas crítica e transdisciplinar”,
coordenado pelo Prof. Dr. João Batista da Costa Júnior (UFRN), Prof. Dr. Paulo Sérgio da Silva
Santos (UFS), Profa. Dra. Taysa Mércia dos Santos Souza (UFS) se propôs a discutir a relação entre
linguagem e sociedade na modernidade recente por meio de pesquisas afins aos campos da Dialógica
do Discurso, Análise do Discurso de Linha Francesa e Análise Crítica do Discurso.
Nesse âmbito, o texto “A importância da função do leitor no conto Tigrela, de Lygia
Fagundes Telles” analisa o papel da função leitor no conto “Tigrela”, de Lygia Fagundes Telles, sob
a ótica do fantástico, as pesquisadoras se pautam teoricamente em Tzvetan Todorov, Wolfgang Iser,
e Umberto Eco.
O artigo “A importância da leitura do gênero epopeia na escola” busca – pautado nos
estudos da apropriação do saber por meio da literatura – estudar o uso do gênero epopeia na escola e
se propõe a mostrar sugestões de atividades e de leitura comparativa que levem os alunos a ler o
gênero, por meio das Histórias em Quadrinhos, por exemplo.
Em “Discurso político, identidade e ideologia nas postagens do Facebook”, inserido nos
Estudos Críticos do Discurso em relação multidisciplinar com Filosofia, Comunicação e Ciência
Política, analisa os elementos verbais e visuais que marcam os posicionamentos ideológicos em
relação a questões políticas e as estratégias de “autoapresentação positiva em detrimento da ênfase
negativa do opositor” em páginas do Facebook.
Por fim, o trabalho “Ideologia e tomadas de posição: a importância da(s) formação(ões)
discursiva(s) na/para mobilização de sentido(s)” interpretou três textos propagandísticos da empresa
de cozinhas planejadas Todeschini, colocando o sujeito do discurso como foco e as interpelações
ideológicas e tomadas de posição envolvidas na constituição do sujeito como sujeito do discurso,
perpassado pelas formações discursivas, a partir das concepções de Foucault (1969), Pêcheux (1988)
e Indursky (2020).
A diversidade dos trabalhos publicados neste Anais aponta o quão amplo foi o IV SETED,
prova da nossa resistência em continuar produzindo e divulgando conhecimento científico.
Esperamos que o evento realizado em 2020 tenha sido proveitoso para você, assim como esperamos
que você possa encontrar o que procura nesta publicação.
Agradecemos a todos aqueles que se dispuseram a participar do evento, seja como
organizador ou auxiliar na execução de partes do evento, seja como preletor/mediador de mesas, seja
como comunicador ou ouvinte. A sua participação foi e é valiosa para nós!
17
Aguardamos sua presença e parceria na realização do V SETED! Por ora, boa leitura!
Com apreço,
Os organizadores.
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RESUMO
Este trabalho apresenta alguns conceitos referentes ao tema Cultura, Educação e Diversidade, tendo
como foco central a abordagem da “língua” como patrimônio cultural de um povo e em específico a
língua espanhola. No artigo faz-se, ainda, uma análise de algumas políticas linguísticas brasileiras,
com relação ao ensino de língua espanhola em nossas escolas. Compreender uma língua seja no
âmbito oral e/ou textual são importantes e os estudantes carecem desta apropriação, porém, o ensino
da língua espanhola busca não somente a apropriação por parte do aluno das habilidades linguísticas,
mas também que este possua uma compreensão cultural e social dos falantes deste idioma.
Atualmente o conceito de cultura não está centrado apenas a eventos culturais, mas sim com uma
relação entre cidadania, sustentabilidade, patrimônio cultural e outros campos. É através da educação
que conseguimos compreender a importância dos conhecimentos culturais. Considerando que a
cultura permeia o processo de escolarização, que é construída a partir das diferenças e se manifesta
na diversidade, estes conceitos devem ser melhores compreendidos, principalmente por nós
professores, que somos os principais agentes do ensino aprendizagem. Sendo a cultura patrimônio de
um povo, devemos como educadores cuidar para que este seja repassado de maneira íntegra para
nossos alunos, para que estes possam conhecer, valorizar, difundir e respeitar a sua própria cultura e
principalmente a cultura do outro, e sendo a língua um patrimônio indispensável para a preservação
da identidade cultural de um povo, o ensino de uma Língua Estrangeira não deve trazer somente a
parte gramatical para dentro da sala de aula, mas também toda a sua cultura, seus costumes, suas
crenças. Com relação ao ensino da Língua Espanhola em específico, foi criado em 2005 a Lei
11.161/2005 conhecida como a Lei do Espanhol que tratava da oferta obrigatória da disciplina de
Língua Espanhola no Ensino Médio e opcional para o Ensino Fundamental. Esta lei foi um ganho
importante no que tange as políticas linguísticas brasileira, pois pela primeira vez em nosso país foi
aprovada uma lei que trata exclusivamente da inserção da língua espanhola dentro de nossas escolas.
Infelizmente em 2017, a Lei 13.415 revoga a chamada Lei do Espanhol e, entre outras finalidades,
altera a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação
nacional. Com a Lei 13.415 o espanhol perde seu espaço dentro das instituições de ensino, esta lei
traz a oferta obrigatória da língua inglesa na educação fundamental, a partir do sexto ano,
desconsiderando e revogando a possibilidade da escolha da língua estrangeira nesse seguimento de
acordo com a comunidade escolar e, a obrigatoriedade do ensino de língua inglesa também no ensino
médio. Com essa perda significativa para o ensino da língua espanhola, também se perde a
oportunidade de conhecer sobre muitas culturas presentes dentro da América Latina, culturas estas
que possuem o espanhol como língua materna para mais da metade dos latinos americanos.
INTRODUÇÃO
1
rosangela.kuspiosz@hotmail.com UNICENTRO (mestranda).
2
cibelekl@gmail.com UNICENTRO (Prof.ª Drª.).
19
Com relação aos estudos culturais Costa, Silveira e Sommer (2003, p.40), destacam que,
eles não constituem um conjunto articulado de ideias e de pensamentos, eles são e sempre foram um
conjunto de formações instáveis e descentradas, devido as suas diferentes posições teóricas e os seus
vários caminhos de pesquisa podendo ser descritos como um tumulto teórico. Os autores também
salientam que:
Os Estudos Culturais não pretendem ser uma disciplina acadêmica no sentido tradicional,
com contornos nitidamente delineados, um campo de produção de discursos com fronteiras
balizadas. Ao contrário, o que os tem caracterizado é serem um conjunto de abordagens,
problematizações e reflexões situadas na confluência de vários campos já estabelecidos, é
buscarem inspiração em diferentes teorias, é romperem certas lógicas cristalizadas e
hibridizarem concepções consagradas.
A cultura não pode ser mais concebida como acumulação de saberes ou processo estético,
intelectual ou espiritual. A cultura precisa ser estudada e compreendida tendo-se em conta a
enorme expansão de tudo que está associado a ela, e o papel constitutivo que assumiu em
todos os aspectos da vida social (COSTA; SILVEIRA; SOMMER, 2003, p. 38).
Para o educador Paulo Freire (1984), cultura é todo resultado da atividade humana. A
cultura não está fora do homem ela é parte dele. Tendo, portanto, uma importância significativa para
o desenvolvimento do indivíduo o conhecimento acerca de sua cultura e também a do outro, percebe-
se a relevância de ensinar no ambiente escolar a valorização da mesma.
A UNESCO (Organização das Nações Unidas para a Educação, Ciência e Cultura),
importante colaboradora para a difusão da cultura no âmbito mundial, criou a Declaração Universal
da UNESCO sobre a Diversidade Cultural, o documento foi aprovado em 2001 por 185 Estados-
Membros sendo pioneiro na definição, preservação e promoção da diversidade e do diálogo cultural
mundial. O documento destaca que:
20
a cultura deve ser considerada o conjunto dos traços distintivos espirituais e materiais,
intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange,
além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de
valores, as tradições e as crenças[...]
Educação e Cultura
Segundo Freire (1982), o processo educativo é organizado com a relação entre currículo,
cultura e conhecimento. A tarefa de envolver temáticas culturais no processo de ensino e
aprendizagem não pode vir dissociada de um planejamento, por isso é de sua importância que estas
constem no Projeto Político Pedagógico de cada instituição escolar. Hall (2003), afirma que os
estudos culturais abrangem e interagem dentro de inúmeras disciplinas, tendendo o estudo aos
aspectos culturais da sociedade. O que se propõe, entretanto, não é a constituição de uma disciplina
nova, mas a reflexão das limitações que elas possuem. Segundo Candau (2008, p.15):
Uma outra contribuição que consideramos muito interessante para uma nova compreensão
das relações entre educação e cultura (s) diz respeito a uma concepção da escola como um
espaço de cruzamento de culturas, fluido e complexo, atravessado por tensões e conflitos.
O trabalho com a cultura e a diversidade em sala de aula, muitas vezes é árduo para o
professor, pois é a partir da escola que os docentes sistematizam e objetivam o conhecimento de
mundo dos alunos, as questões sociais, culturais, entre outras. Sendo assim, surge a dicotomia de
como ensinar e do que ensinar. A dificuldade está, em primeiro lugar, no que os alunos trazem
internalizado, ideias e conceitos predeterminados, tornando ainda mais difícil essa questão de como
e o que ensinar. Sendo a sala de aula um ambiente multicultural, é necessária a realização de trabalhos
para a valorização e o respeito das diferenças presentes em cada aluno. Cabe aqui ressaltar o que
Moreira (2001, p.66) descreve a respeito da educação multicultural:
e das desigualdades, enfatizando-se que elas não são naturais e que, portanto, resistências são
possíveis.
A educação multicultural pode também ser usada, em outro enfoque, para integrar grupos
que contestem valores e práticas dominantes, celebrar manifestações culturais dominantes,
garantir a homogeneidade e tentar apagar (ou esmaecer) as diferenças, bem como evitar que
a compreensão da constituição das diferenças questione hierarquias estabelecidas.
Diversidade Cultural
Diversidade Linguística
Estima-se que mais de 250 línguas sejam faladas no Brasil entre indígenas, de imigração, de
sinais, crioulas e afro-brasileiras, além do português e de suas variedades. Esse patrimônio
cultural é desconhecido por grande parte da população brasileira, que se acostumou a ver o
Brasil como um país monolíngue. Como resultado da mobilização da sociedade civil e de
setores governamentais interessados em mudar esse cenário, em dezembro de 2010 foi
publicado o Decreto Nº 7.387, que instituiu o Inventário Nacional da Diversidade Linguística
(INDL) como instrumento de identificação, documentação, reconhecimento e valorização
das línguas faladas pelos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (IPHAN,
2019).
Não só os índios foram vítimas da política lingüística dos estados lusitano e brasileiro:
também os imigrantes - chegados principalmente depois de 1850 - e seus descendentes
passaram por violenta repressão lingüística e cultural. O Estado Novo (1937-1945), regime
ditatorial instaurado por Getúlio Vargas, marca o ponto alto da repressão às línguas alóctones,
através do processo que ficou conhecido como “nacionalização do ensino” e que pretendeu
selar o destino das línguas de imigração no Brasil.
Segundo Hall (2003) a cultura deve ser trabalhada de maneira interdisciplinar. Esta
interdisciplinaridade pode ser explorada de maneiras distintas dentro de sala de aula, como por
exemplo, na aquisição de uma língua estrangeira. As cidades que fazem fronteira com outros países
têm, diariamente, contato com outros idiomas e suas variações, seja nas relações interpessoais,
econômicas, educacionais ou outras, e, portanto, acabam por apresentar uma maior diversidade
linguística e necessidade de se conhecer mais sobre o idioma “do outro”.
Em regiões de fronteira com países hispano-americanos a área de contato que os
indivíduos brasileiros possuem com uma segunda língua, o espanhol, é muito maior do que aquele
que quase não tem contato com estrangeiros, o que poderia resultar em percepções distintas sobre a
aquisição de uma segunda língua. A “Fronteira” não é somente a delimitação de territórios, ela é um
lugar diferenciado, onde línguas distintas se encontram e se misturam.
[...] a Fronteira não significa apenas pela sua relação espacial, como o lugar que marca o
limite entre territórios. Os limites cartográficos são referências simbólicas que significam a
fronteira através de um marco físico, embora a vida da fronteira, o habitar a fronteira
signifique, para quem nela vive muito mais, porque ela já se define em si mesma como um
espaço de contato, um espaço em que se tocam culturas, etnias, línguas, nações (STURZA,
2006, p. 26).
Estes diversos contextos fazem com que cada aluno construa uma relação diferente com
a língua estrangeira, principalmente pela frequência com que tem experiências comunicativas ou de
escrita em uma segunda língua. Em regiões de fronteira com países hispano-americanos a área de
contato que os indivíduos brasileiros possuem com uma segunda língua, o espanhol, é muito maior
do que aquele que quase não tem contato com estrangeiros, o que poderia resultar em percepções
distintas sobre a aquisição de uma segunda língua.
METODOLOGIA
CONSIDERAÇÕES
O presente artigo teve por objetivo, apresentar conceitos sobre cultura, educação e
diversidade com foco em especial na diversidade linguística e a importância do ensino da língua
espanhola não somente como instrumento de comunicação, mas também de imersão dentro da cultura
e da sociedade dos falantes de língua.
Sabe-se que um dos pontos fortes que levou à criação da lei n°. 11.161 de 05 de agosto
de 2005 foi o MERCOSUL, uma vez que o governo acreditava na importância do ensino do espanhol
que é a “língua mãe” de vários idiomas latinos. A projeção do governo na época em que a lei foi
sancionada era de que 10 anos após a implantação obrigatória do espanhol nas escolas de ensino
médio, 30 milhões de brasileiros seriam fluentes no idioma. Mas algo se perdeu pelo caminho e hoje,
14 anos após a lei ter sido sancionada, apenas estima-se que 18,5 milhões de brasileiros são fluentes
em espanhol como segunda língua.
26
Vários fatores podem ter contribuído para a falta de êxito, dentre eles a falta de
infraestrutura, falta de formação inicial e continuada de qualidade, falta de interesse por parte dos
alunos ou até mesmo a supervalorização da língua inglesa. É difícil apontar um fator principal,
acredita-se que tenha sido uma soma de vários desses fatores, porém, não justificaria o fato de acabar
com essa lei, afinal, qualquer redução na educação caracteriza uma grande perda para o aluno.
Acreditamos que a saída correta seria tentar encontrar outros caminhos para melhorar os índices de
ensino da língua espanhola e não simplesmente desistir dela.
Outra grande brecha dessa lei foi ter dado liberdade para as escolas decidirem se
implantariam o espanhol na grade curricular ou o ofertariam através do Centro de Língua Estrangeira
Moderna (CELEM). Isso pode ter sido um agravante na, já não tão boa, situação do ensino da língua
espanhola, uma vez que, quando ofertado o ensino do idioma através do CELEM, o mesmo seria feito
em horário distinto do qual o aluno estaria matriculado. Se a lei obrigasse a intercalação anual das
matérias de língua estrangeira moderna, talvez o ensino do espanhol ganhasse espaço no cenário
educacional do Brasil.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Lei nº 10.639, de 09 de janeiro de 2003. Altera a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996
(estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, para incluir no currículo oficial da rede de
ensino a obrigatoriedade da temática história e cultura afro-brasileira, e dá outras providências).
BRASIL. Lei n°. 11.161, de 05 de agosto de 2005. Dispõe sobre o ensino da língua espanhola. Diário
Oficial da União, n. 151, s. 1, p. 1, 8 ago. 2005.
CARVALHO, Maria do Carmo Brant de. CARRARA, Ana Regina. LIMA, Thais. Cultura e
Educação na Sociedade Contemporânea. Cadernos Cenpec, 2010, n. 7.
CARVALHO, Mauro. A construção das identidades no espaço escolar. Revista Reflexão e Ação,
Santa Cruz do Sul, v.20, n1, p.209-227, jan./jun.2012.
CAVALCANTI, M. Línguas Ilegítimas em uma visão ampliada da educação linguística. IN: ZILLES,
A. M. & FARACO, C. A. A pedagogia da variação linguística. Parábola, São Paulo, 2015. pg. 287-
302
FREIRE, Paulo. Ação Cultural para liberdade. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1984.
FREIRE, Paulo. Sobre Educação: diálogos (Paulo Freire e Sérgio Guimarães) – Rio de Janeiro, Paz
e Terra, 1982.
HALL, Stuart. Da Diáspora: identidades e mediações culturais. Belo Horizonte: UFMG, 2003.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura um conceito antropológico. Rio de Janeiro: J. Zahar, 2006.
STURZA, Eliana Rosa. In: Letras e Instrumentos Linguísticos, nº. 18, jul./dez.2006. Campinas,
SP: Universidade Estadual de Campinas: Pontes Editores, 2006. p.101-121.
Dabana Namone3
RESUMO
Na Guiné-Bissau falam-se várias línguas étnicas e a língua crioula, a mais falada. Contudo, a língua
portuguesa é a oficial e a única de ensino, embora seja falada apenas por 11% da população, cuja
maioria reside na capital Bissau. A transmissão dos conhecimentos entre diferentes grupos étnicos do
país é dominada pela tradição oral, transmitida pela na língua materna. A presente pesquisa analisou
o impacto da língua portuguesa (LP) no sistema de ensino da Guiné-Bissau, especialmente dos alunos
da 1ª a 4ª classe (série) da etnia Balanta-Nhacra, na região de Tombali, sul do país. Descreveram-se
a política educativa e linguística adotada pelo regime colonialista portuguesa e seu impacto após a
independência do país. Constatou-se que a LP é o principal fator de insucesso do sistema de ensino
guineense, na medida em que ela é ensinada como a língua materna das crianças, cuja maioria a
desconhece, sobretudo no interior do país, caso das crianças Balanta-Nhacra de Tombali,
protagonistas dessa pesquisa, que só falam a língua materna, pois poucas falam o crioulo - o idioma
mais falado no país. Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar não é dos alunos. Estes apenas
sofrem as consequências do insucesso no sistema de ensino pautado em uma língua estranha à
realidade sociocultural desta nação. A metodologia utilizada consiste, na pesquisa
bibliográfica/documental e a pesquisa de campo: entrevista e observação direta, nas escolas e nas
tabancas/aldeias pesquisadas. A pesquisa foi realizada na região de Tombali, concretamente nas
quatro (4) escolas, a saber: Ensino Básico Unificado de Mato-Farroba (EBU de Mato-Farroba),
Ensino Básico Unificado de Cufar (EBU de Cufar), Escola de Autogestão de Mato-Farroba,
conhecida como Escola Tona Namone (EAG Tona Namone) e Escola de Autogestão de Areia,
chamada Escola Abêne (EAG Abêne). Foram entrevistados 16 estudantes, 8 professores e 3
especialistas, sendo 2 em educação e 1 em língua portuguesa.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
3
UNESP/ Araraquara – SP, Doutorado, dabana.namone@gmail.com
4
Os demais países que foram invadidos por Portugal são Angola, Cabo Verde, Moçambique e São Tomé e Príncipe.
29
No país falam-se varias línguas étnicas oriundas de diferentes grupos étnicos que o
compõem, tais como: Fulas, Balantas, Mandingas, Pepeis (ou papeis), Manjacos, Mancanhas (ou
Brames), Beafadas, Bijagos, Nalus, Felupes, Mansoancas, Sossos, Saracules, Tandas, Djacancas
entre outros menores. Além dessas línguas, temos também a língua crioula que é a mais falada,
sobretudo nas cidades. A língua portuguesa que, muito embora não seja língua materna da maioria
esmagadora da população sendo falada apenas por 11% dos guineenses (INEC, 1991), ou 11,08%
(SCANTANBURLO, 2013, p. 28), cuja maioria reside na capital Bissau, figura-se como única língua
oficial de ensino, sendo inglês e francês tidos como línguas complementares.
A presente pesquisa analisou o impacto da língua portuguesa (LP) no sistema de ensino
da Guiné-Bissau, especialmente dos alunos da 1ª a 4ª classe (série) da etnia Balanta-Nhacra, na região
de Tombali, sul do país. Constatou-se que a LP é o principal fator de insucesso do sistema de ensino
guineense, na medida em que ela é ensinada como a língua materna das crianças, cuja maioria a
desconhece, sobretudo no interior do país, caso das crianças Balanta-Nhacra de Tombali,
protagonistas dessa pesquisa, que só falam a língua materna, pois poucas falam o crioulo - o idioma
mais falado no país. Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar não é dos alunos. Estes apenas
sofrem as consequências do insucesso no sistema de ensino pautado em uma língua estranha à
realidade sociocultural desta nação.
O trabalho está dividido em quatro seções: a primeira descreveu a política de assimilação
adotada pelo regime colonialista portuguesa e seu impacto após a independência do país; a segunda
apresentou caminhos metodológicos percorridos que permitiram a realização dessa pesquisa, cuja
metodologia consiste, na pesquisa bibliográfica/documental e a pesquisa de campo: entrevista e
observação direta, nas escolas e nas tabancas/aldeias pesquisadas; a terceira trouxe relatos dos
informantes que apontam que a metodologia utilizada para ensinar a LP como a língua materna,
contribuiu decisivamente no insucesso do sistema de ensino guineense e a quarta seção destacou
vários relatos dos nossos informantes, que são unanimes de que a LP é o principal fator de insucesso
escolar na Guiné-Bissau, na medida em que é ensinada como a LM/L1 num país cuja maioria dos
alunos a tem como língua estrangeira (LE). Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar não é dos
alunos. Estes apenas sofrem as consequências do insucesso no sistema de ensino pautado em uma
língua estranha à realidade sociocultural do país.
1-) Ter 18 anos completos; 2-) Saber ler, escrever e falar corretamente em português; 3-) Ter
profissão ou renda que lhe assegurasse o suficiente para prover as suas necessidades e do
número de familiares; 4-) Ter bom comportamento, uma vida correta e possuir a instrução e
os costumes indispensáveis à aplicação integral do direito público e privado dos cidadãos
portugueses; 5-) Não estar inscrito como refratário ao serviço militar e não ter desertado
(ALMEIDA, 1981, p. 37).
o africano “indígena”, que quisesse adquirir estatuto de assimilado, teria que renunciar a sua
cultura e a sua língua em proveito da cultura europeia “civilizada”, devendo falar
corretamente a língua portuguesa (NAMONE, 2020, p.100-101).
Namone (2020, p. 100) considera ainda que o sistema colonialista separou também esse
território em dois mundos: “o da cultura escrita – portanto, civilizado e avançado – e o da cultural
oral, selvagem e atrasado, sendo esse último relegado ao abandono”. Apesar das injustiças desse
regime, no período da luta pela independência (1963-1973), o PAIGC6 manteve a língua portuguesa
5
O Estatuto do Indígena era uma lei que visava à “assimilação” dos nativos na cultura lusa. Essa lei estabelecia três
grupos populacionais: os indígenas, os assimilados e os brancos, estes últimos os portugueses natos. Os primeiros eram
considerados como aqueles que não têm direitos civis ou jurídicos e nem cidadania (NAMONE, 2020). Segundo este
estatuto, “são considerados indígenas os indivíduos da raça negra e os seus descendentes que nasceram ou vivem
habitualmente na província, sem possuir ainda a instrução e os costumes pessoais e sociais indispensáveis à aplicação
integral do direito público e privado dos cidadãos portugueses” (ALMEIDA, 1981, p. 36).
6
PAIGC (Partido Africano para Independência da Guiné e Cabo-Verde) foi o partido liderado por Amílcar Cabral, que
lutou e conquistou a independência da Guiné-Bissau e de Cabo Verde da dominação colonialista portuguesa.
31
como a única de ensino nas zonas libertadas (doravante Z.L.), pois, segundo Amílcar Cabral (1979),
a língua crioula não reunia condições para desenvolver o processo educativo. Vale lembrar que:
quando o partido iniciou a educação nas Z.L, decidiu adotar o kriol como língua de ensino.
Pouco tempo depois, essa língua foi abandonada, através da decisão de Amilcar Cabral –
líder do PAIGC – ao chegar à conclusão de que o kriol dificultava esse processo de ensino
que se pretendia dinâmico, visto que a língua crioula não dispunha de escrita normalizada a
ser adotada, e que o país carecia de quadros especializados capazes de normalizar e fixar a
sua escrita (NAMONE, 2020, p. 110-111).
Diante desses desafios, não restava dúvidas para o líder do PAIGC de que a língua
portuguesa deveria ser a única de ensino na Guiné-Bissau até o país reunir as condições viáveis para
ensinar as línguas maternas, especialmente o crioulo – o que deveria ocorrer após a independência
(CABRAL, 1979). Segundo o ponto de vista de Cabral, em Guiné-Bissau, a língua portuguesa era a
única com um sistema de escrita desenvolvido, o qual faltava à língua crioula e às línguas étnicas.
Além disso, ela poderia ser usada para comunicar-se com o mundo, para avançar a ciência e a
tecnologia:
Nós, Partido, se queremos levar para frente o nosso povo durante muito tempo, [...] para
escrevermos, para avançarmos na ciência, a nossa língua tem que ser o português. [...] Até
um dia em que de facto, tendo estudado profundamente o crioulo, encontrando todas as regras
de fonéticas boas para o crioulo, possamos passar a escrever o crioulo (CABRAL, 1979,
p.105-106).
Sendo assim, a língua portuguesa foi adotada no ensino das Z.L. No entanto, após a
independência, a elite política que assumiu o poder decidiu mantê-la como a única de ensino no país,
enquanto esperava criar condições que permitissem o uso do crioulo nas escolas, contudo, essas
condições não foram criadas até hoje. Enquanto isso, o português continua como único idioma de
ensino guineense. Ou seja, da independência até o presente momento, o país não estabeleceu nenhum
planejamento linguístico que levasse em consideração as línguas autóctones. Sendo a língua
portuguesa mantida como a única do ensino.
Mas, apesar de Cabral e os governantes que tomaram o destino da nação depois da
independência optarem pela adoção do português como a única língua de ensino, as consequências
de seu uso logo se fizeram sentir: de modo geral, os alunos guineenses não dominam esse idioma.
Essa situação é pior nas zonas rurais, fato que interferem negativamente dos seus rendimentos
escolares, resultando em reprovações de grande parte deles. Pois, a metodologia usada para ensinar
esse idioma no sistema de ensino guineense contribui para seu insucesso, como veremos na próxima
seção.
Os caminhos metodológicos
32
Aluno EBU1-1; Aluna EBU1-2; Prof. EBU1-1; Prof. EBU1-2; DRE/C1; DRE/C2;
Aluno EBU1-3; Aluna EBU1-4; Profa. EAG1-1; Prof. EAG1-2; ESP/FEC1.
Aluno EAG1-1; Aluna EAG1-2; Prof. EBU2-1; Prof. EBU2-2;
Aluno EAG1-3; Aluna EAG1-4; Profa. EAG2-1; Profa. EAG2-
Aluno EBU2-1; Aluna EBU2-2; 2.
Aluno EBU2-3; Aluna EBU2-4;
Aluno EAG2-1; Aluna EAG2-2;
Aluno EAG2-3; Aluna EAG2-4.
O português até hoje não é praticamente falado como língua vernácula na Guiné-Bissau. Ele
só é adquirido como língua materna, por uma insignificante franja de filhos de guineenses
que, tendo estudado em Portugal ou no Brasil, adotaram-na como língua de comunicação
familiar.
O aluno logo desde a 1ª classe o que vai aprender é igual ao aluno de 1ª classe, por exemplo,
em Portugal ou no Brasil. O fato é que os alunos de Portugal e do Brasil já sabem a língua
portuguesa quando vão para escola. E os alunos da Guiné-Bissau, a maioria, quase todos –
então nas regiões de Quinara e Tombali eu imaginaria que 99% – não sabem a LP. Não sabem
falar, nem ouvir, nem ler e nem escrever e quando entram para escola, o programa curricular
da Guiné-Bissau não está adaptado e vai começar a falar da gramática, dos verbos, dos
advérbios, das preposições para o aluno como se ele já soubesse falar a LP. Mas o aluno não
sabe falar a LP e nem tem minimamente a noção de como se comunicar nessa língua.
(ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
aluno tem que aprender a expressar oralmente da LP; tem que aprender primeiros os vocabulários
dessa língua e não dar mais atenção à parte formal, por exemplo, os verbos, os pronomes, os advérbios
etc”. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone). O
mencionado informante explica que:
Quando aprendemos uma língua estrangeira, por exemplo, a língua inglesa, no primeiro ano
os verbos são dois ou três. A maioria das coisas que você aprende são os vocabulários,
pequenas frases, como cumprimentar as pessoas, como falar vou à feira fazer compras, como
pedir as coisas, perguntar quanto custa. Ou seja, aprender coisas do cotidiano do dia a dia,
aprender os sons daquela língua, aprender as semelhanças daquela língua com a sua língua
materna. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).
Mas, para ele, não é isso que está sendo feito com as crianças guineenses. O que ocorre
hoje na Guiné-Bissau é como se a LP fosse língua materna delas, partindo do princípio de que elas já
sabem falar a LP. Nesse contexto, o aluno estuda LP até a nona classe, mas, mesmo assim, não sabe
usá-la para se comunicar. Ou seja, o aluno faz um percurso de 9 anos ouvindo a LP sem conseguir
falar o idioma.
Mas, se você perguntar as coisas formais da LP, por exemplo, o tempo verbal ou o que é um
nome, o que é um verbo, o que é um adjetivo, eles sabem. Aquelas coisas formais de uma
língua, os bons alunos sabem. Por quê? Porque o programa curricular da Guiné-Bissau, ou
seja, o currículo que os professores têm que cumprir, é um currículo formal e tradicional da
LP, que ensina os verbos, as classes das palavras, como dividir os parágrafos, tipos de textos.
Mas há pouco espaço para treinar a oralidade e acho que a oralidade que é o segredo de
qualquer língua. (ESP/FEC1. Buba/Guiné-Bissau, out: 2019. Entrevista concedida a Dabana
Namone).
Porque imagine um nativo que nasceu numa determinada zona, por exemplo, aqui
na região de Tombali – predominada pela etnia Balanta – para um aluno balanta falar a LP
tem que fazer a ligação entre três línguas: primeiro da língua balanta (LBal) para LC e desta
para LP. Isso cria muitas dificuldades para ele. (O DRE/C2. Catió /Guiné-Bissau, jun.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).
Ainda o DRE/C2 critica que, em vez de ensinar o aluno a ter contato e aprender os
vocabulários da LP através da oralidade, fazendo-os dialogar entre si, eles são ensinados logo de
início apenas a gramática:
35
Se você ensinar o aluno baseando-se apenas na gramática, tais como: o que é verbo, o que
são os pronomes, os adjetivos, entre outros, será que esse aluno um dia vai conseguir
comunicar na LP? Achamos que não. Por que não ensinamos a LP como a L2? Por que não
fazemos os alunos de 1º e 2º anos ter contato com a língua portuguesa criando-os diálogo,
estimulando-os a falar? (DRE/C2. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).
Chico (2012) já vinha chamando atenção sobre a metodologia usada para ensinar a LP
nas escolas guineenses, ao considerar que essa metodologia,
Diallo (2007) foi mais radical no assunto, considerando que nenhum país do mundo
conseguiu desenvolver-se na base de um sistema educativo em que o ensino é exclusivamente
ministrado numa língua em que a maioria da população ignora. Para ele “o desenvolvimento durável
é possível só quando acompanhado por um sistema educativo em que as comunidades beneficiárias
se apropriam dele” (DIALLO, 2007, p. 8). E ainda afirma que
Contudo, este problema continua sendo ignorado, até hoje, pelos sucessivos governantes
guineenses, que em vez de adotar uma metodologia de ensino da LP adequada à realidade
sociolinguística do país, continuam ensinando-a como a língua materna para os alunos, cuja maioria
não tem o mínimo conhecimento dela, o que prejudica a sua aprendizagem, resultando em
reprovações e abandono escolar.
Imagine, por exemplo, nessas regiões, caso concreto aqui no sul, a maioria dos alunos falam
a língua da sua etnia. Aliás, aconteceu comigo aqui na escola mesmo a menos de dois meses
o seguinte: expliquei as matérias em português, no final, um aluno virou e falou com o seu
colega na língua balanta: “tudo que o professor falou até agora não entendi nada”. Logo, o
colega dele virou para mim e disse em crioulo: purssor, nha colega fala kuma i ka ntindi nada
ki bu fala. [professor, meu colega diz que não entendeu nada que você disse até agora]. Aí,
perguntei: por quê? Ahah...kima i ka sibi papia purtuguis. [Ahah... ele diz que não sabe falar
o português] – respondeu o colega. Olha só... Isso me marcou muito, pois acontece que o
mesmo aluno não domina também a língua crioula e eu não domino a língua balanta. Ou seja,
isso cria um pouco de limitação ao aluno. O aluno fica limitado e mesmo que tem dúvidas
fica com dificuldade de apresentá-las, porque tem medo de que se falar errado os colegas vão
rir dele na sala. Por isso, se verifica na sociedade, às vezes você que tem dificuldade de falar
uma língua fica com medo de falar porque acha que se falar errado as pessoas vão rir. (Prof.
EBU2-2. Cufar /Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
O caso relatado por esse professor sobre seu aluno não é um caso isolado. É, sim, o retrato
de um problema que a maioria dos alunos enfrenta na escola, principalmente nas zonas rurais do país,
como é o caso dos alunos balantas pesquisados. A LP é praticamente inexistente no seu vocabulário,
fato que gera muitas dificuldades ao longo da sua trajetória escolar.
Percebe-se que esse aluno, além de ter dificuldades na LP e na LC, apresenta também
outros problemas decorrentes do anterior, isto é, timidez, medo ou vergonha de apresentar suas
dúvidas e expressar suas opiniões na sala de aula. Nesse caso, apesar de estar com dúvidas, ele mesmo
não conseguiu apresentá-las ao professor. Isso acontece porque o aluno/a fica com medo ou vergonha
de falar a LP, pensando que se errar será alvo de ridicularização por parte dos seus colegas. Ou seja,
é uma realidade que acontece com muitos estudantes guineenses, que ficam praticamente passivos na
sala de aula devido ao fato de ter dificuldades na LP, ficam com medo ou vergonha de falar para não
sofrer bullying por parte dos colegas, fato que obriga muitos/as a ficarem o tempo todo calado/a na
sala de aula.
O Prof. EBU2-2 aponta ainda as consequências negativas da LP no ensino básico,
explicando que muitas das vezes o professor explica a matéria, passa um exercício no quadro e explica
e alunos compreendem bem, agora, para eles te responder aquele exercício na LP é onde eles
enfrentam dificuldades, sobretudo, na escrita. Mas, se fossem nas suas próprias línguas eles não
teriam dificuldade em responder. (Prof. EBU2-2. Cufar /Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).
Ademais, a Profa. EAG1-1 considera também que a língua portuguesa é o maior causador
das dificuldades nos alunos, uma vez que eles não têm habilidade nela, por falta de hábito de falar e
escrever. “Por exemplo, esses aqui da nossa escola falam sempre a língua balanta, porque quase
todos são Balantas, o que interfere na aprendizagem tanto da língua crioula como da língua
portuguesa”. (A Profa. EAG1-1. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista concedida a
Dabana Namone).
Por seu turno, o Prof. EAG1-2 segue apontando o mesmo problema:
37
A primeira dificuldade dos alunos é da língua portuguesa. Por quê? Porque o aluno sai da
tabanca, na família falando a sua língua materna ao chegar à escola tudo muda, ou seja, o
aluno começa a lutar para se enquadrar na língua da escola [a LP]. Isso dificulta a sua
aprendizagem. Na escola, o professor tem que ter a concentração, porque se ele explicar as
matérias apenas em português, a maioria dos alunos não compreende, só um ou dois vão
compreender. (Prof. EAG1-2. Mato-Farroba/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019. Entrevista
concedida a Dabana Namone).
Também, a Profa. EAG2-2 acha que o primeiro fator de dificuldade dos alunos está na
falta de domínio da LP:
Para mim, o primeiro fator é o não domínio da língua portuguesa, porque em casa alunos
falam as línguas maternas e quando chegam na escola para estudar deparam com a língua
portuguesa que nunca aprenderam a falar, fato que prejudica sua aprendizagem, gerando
muitas dificuldades e reprovações. (Profa. EAG2-2. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.: 2019.
Entrevista concedida a Dabana Namone).
A criança aprende com mais facilidade e mais rápido na primeira língua, ou seja, a sua língua
materna. Por exemplo, essas que ainda não sabem falar a LC se você ensiná-las nas suas
línguas étnicas, vão apreender mais rápido. Agora, se forem ensinadas na língua que não
dominam, vão apreender com dificuldade. (Profa. EAG2-1. Areia/Guiné-Bissau, jun./jul.:
2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
O maior causador das dificuldades e reprovações dos alunos está na incompreensão da língua
do ensino (a LP). Por que reprovar significa o quê? Significa que o aluno estudou até o final
do ano, foi avaliado e em consequência dessa avaliação foi reprovado. E se o aluno não
38
conseguir resultado que o permite passar, significa que sua aprendizagem é insuficiente e
quando é assim, temos que procurar fatores que provocaram tal insuficiência e se você
pesquisar vai descobrir que o primeiro fator é a língua. Ou seja, aprendizagem dos nossos
alunos está fraca, mas a culpa não é do professor nem dos alunos e, sim, da incompreensão
da língua de ensino - LP. Porque aplicação do método depende mais do domínio de língua.
(DRE/C1. Catió/Guiné-Bissau, jun.: 2019. Entrevista concedida a Dabana Namone).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
7
Se entendermos o analfabetismo como um conceito que define a pessoa desprovida de conhecimento da escrita.
39
porque a “grande maioria dos alunos, principalmente das zonas rurais nascem e crescem sem ter
contato nenhum com o português. O contato com o português inicia-se na 1ª série de ensino quando
a aluno já está com 7, 8 ou 9 anos, atitude que dificulta a aprendizagem” (NAMONE; TIMBANE,
2018, p. 15).
O insucesso do sistema do ensino guineense deve-se à metodologia utilizada no ensino
da LP, uma vez que ela é ensinada segundo a metodologia da língua materna - LM, para crianças que
a desconhecem, independentemente se a escola se encontra na cidade ou nas zonas rurais. Ao
contrário, a língua crioula que é a mais falada e as línguas étnicas são ignoradas.
O ensino de língua portuguesa é desenvolvido por processos didáticos que se assentam
na repetição e na memorização, isto é, o aluno não é levado a perceber o conteúdo até ao ponto de
poder relacioná-lo com a sua realidade, num contexto comunicativo (CANDÉ, 2008). “Os alunos
decoram frases mecanicamente, sem nenhum senso crítico, porque o ensino da gramática ou o
funcionamento da língua é exclusivamente baseado na memorização” (COUTO; EMBALÓ, 2010,
p.41). Essa atitude reflete negativamente no resultado do aluno, pois, em momentos de avaliação,
esses alunos não conseguem desenvolver seu próprio raciocínio.
A metodologia da memorização inibe a criatividade do aluno e faz com que ele fique
preso em frases pré-elaboradas e ditas pelo professor, o que acarreta graves consequências para o
próprio aluno, em particular, e para o sistema de ensino em geral. Uma das principais consequências
desse método é o maior índice de reprovações e abandono escolar, fato que também não contribui
para a melhoria de qualidade da educação.
Portanto, quando se fala de insucesso escolar na Guiné-Bissau, deve-se ter na mente que
tal insucesso não se deve ao fato dos alunos terem dificuldades na aprendizagem escolar ou de
apresentarem maior índice de reprovações. O insucesso é do próprio sistema de ensino, na medida
em que a LP é ensinada como a língua materna das crianças, cuja maioria a desconhece, sobretudo
no interior do país, caso das crianças Balanta-Nhacra de Tombali, que só falam a língua materna, pois
poucas falam o crioulo - o idioma mais falado no país. Portanto, concluiu-se que o insucesso escolar
não é dos alunos. Estes apenas sofrem as consequências do insucesso no sistema de ensino pautado
em uma língua estranha à realidade sociocultural desta nação.
A realidade sociolinguística da Guiné-Bissau demostra que é urgente adotar a língua
crioula (ou guineense) no ensino, umas que é a mais falada pela maioria da população. Também, as
línguas étnicas devem ser valorizadas nas escolas, pois elas são as línguas maternas de muitas
crianças. A valorização das línguas maternas dos alunos na escola é um desafio que os governantes
guineenses e a sociedade em geral devem encarar como benéfica para o país. Pois, como dizem os
especialistas no assunto, o ensino na língua materna, além de facilitar a aprendizagem do aluno e
elevar a sua autoestima, facilita a sua aprendizagem nas outras línguas.
40
REFERENCIAS
DIALLO, I. GUINÉ-BISSAU: que papel e que lugar nas políticas nacionais de desenvolvimento e
estratégias de integração Subregional? INEP (mimeografado), Bissau, 2007.
INTRODUÇÃO
8
Mestrando em Educação/Ensino de Português na Universidade Pedagógica de Maputo. Docente do Departamento de
Letras e Ciências Sociais da Universidade Rovuma – Extensão de Cabo Delgado. andalitojoao@unirovuma.ac.mz
42
moçambicano e constituem a L1 da maioria dos seus falantes, entretanto, o português é a língua mais
falada nas zonas urbanas comparativamente com as zonas rurais. O mapeamento linguístico
moçambicano e sua diversidade constituem uns dos problemas fundamentais para a implementação
de políticas públicas cujas minorias linguísticas vêem-se ameaçadas.
A primeira lei do SNE de Moçambique, lei 4/83 de 23 de Março, no Artigo 5, refere-se
ao estudo e à valorização das línguas moçambicanas, do mesmo modo, a primeira Constituição da
República de Moçambique de 1990, como um Estado de Direito Democrático, no Artigo 9, refere
que “o Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional [...].” Como se
pode observar, desde a criação do novo Estado, após a independência, o governo moçambicano, a
partir da sua política linguística, mostra a preocupação e importância da valorização das línguas
moçambicanas como um património cultural e incentiva o seu uso na educação. Apesar da questão
de ensino de línguas moçambicanas ser legislada em 1983, os primeiros passos foram marcados 5
anos depois, com a realização do I Seminário para a Padronização da Ortografia de Línguas
Moçambicanas.
Após longos anos de discussão sobre a sua introdução nas escolas, implementou-se o
Projecto de Educação Bilíngue em Moçambique, no período de 1993-1997, mais tarde em 2003 com
a reforma curricular do Ensino Básico, ainda que na fase experimental. Como resultado verificaram-
se muitos obstáculos como a falta de professores capacitados, falta de material didáctico, entre outros,
embora se tenha verificado um bom desempenho nos alunos das escolas bilíngues comparativamente
com os das escolas monolíngues. (BENSON, 1997)
O ensino das línguas moçambicanas foi introduzido através do Ensino Bilíngue a partir
do modelo transicional conforme ilustra a figura abaixo:
9
Adahttp://ead.mined.gov.mz/manuais/Didactica%20de%20Lingua%20Primeira/aula1.3.html
43
Seguindo-se esse modelo de Ensino Bilingue, as 1.a e 2.a classes são leccionadas na L1
do aluno, isto é, as línguas moçambicanas são o meio de ensino. Já a partir da 3.a classe em diante, as
línguas nacionais, como meio de ensino, são abandonadas gradualmente, cedendo o espaço para a
língua portuguesa que passa a ser a língua de ensino.
Para LOPES (2004), o modelo transicional de ensino das línguas moçambicanas é ideal
e é, no entanto, problemático porque por um lado, o autor defende o uso das línguas moçambicanas
como meio de ensino para as crianças moçambicanas que as têm como L1’s e, por outro lado, defende
o uso da língua portuguesa como meio de ensino para as crianças moçambicanas que a têm como L1.
Neste contexto, como a língua portuguesa constitui a língua de ensino das classes mais avançadas, as
crianças que têm as línguas moçambicanas como L1’s têm maior probabilidade de gerar competência
empobrecida nessa língua e criar dificuldades às crianças que não têm a língua portuguesa como
língua materna quando forem confrontadas com outras para quem a língua portuguesa é língua
materna.
Com efeito, o aluno não é capaz de aprender o funcionamento das línguas moçambicanas,
principalmente nas competências de leitura e escrita, e, do mesmo modo, aceder ao conhecimento
científico e técnico por meio dessas línguas, após os primeiros 3 anos de escolarização (período
transicional).
1. Proposta para a Padronização da Ortografia das línguas nacionais (ainda não aprovada);
2. Projecto de Educação Bilíngue em Moçambique;
3. Estratégia de Expansão de Ensino Bilingue (2020-2029);
4. Cursos de Licenciatura em Ensino de Línguas Bantu;
44
O currículo do ensino secundário prevê, desde 2004, o ensino de línguas Bantu, escolhidas
pela própria escola ou pela comunidade local, como uma disciplina opcional; no entanto, o
Ministério da Educação nunca fez esforços para que esta decisão fosse efetivada alegando
falta de recursos financeiros para a elaboração de materiais, bem como a falta de professores
formados. ( PATEL E CAVALCANTE, 2013,p.7)
45
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho pretendeu analisar as políticas educacionais face ao ensino das
línguas moçambicanas tendo em conta os seus avanços e os desafios que o SNE tem que enfrentar
para a concretização efectiva da valorização e promoção dessas línguas para o acesso ao
conhecimento científico e técnico, à informação bem como de participação nos processos de
desenvolvimento do País (cf. Lei 18/2018 de Dezembro), do mesmo modo, pretendeu avaliar o
modelo transicional do Ensino Bilingue adoptado pelo SNE tendo em conta os resultados do ensino
das línguas nacionais, tendo constado que o aluno não é capaz de aprender o funcionamento das
línguas moçambicanas, principalmente nas competências de leitura e escrita e, do mesmo modo,
aceder ao conhecimento científico e técnico por meio dessas línguas, após os primeiros 03 anos de
escolarização que se cumprem com o modelo transicional de Educação Bilingue.
Na mesma ordem de ideias, durante a luta contra o tribalismo a favor da unidade nacional,
as línguas moçambicanas foram relegadas para dar espaço à língua portuguesa, considerada como
língua de unidade nacional sob ponto de vista político e ideológico. Neste contexto, nasce um desafio
de resgatá-las, também, através de uma estratégia político-ideológica que não se funde apenas na
educação, mas sob um olhar de ascensão social e de manifestação da moçambicanidade.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
46
INDE. Plano Curricular do Ensino Básico: Objetivos, Políticas, Estrutura, Plano de Estudos e
Estratégias de Implementação. Maputo: INDE/MINED. 2003.
PFlEPSEN, A.; BENSON, C.; CHABBOTT, C.; van GINKEL, A. (Prepared by). Planning for
Language Use in Education: Best practices and practical steps to improve learning outcomes.
Research Triangle Park, N.C. (Prepared for) USAID Bureau for Africa. 2015.
RESUMO
A formação de professores para o ensino das línguas, especificamente para as línguas bantu é um
campo de estudo com maior interesse na sociedade tipicamente como a moçambicana caracterizada
por multiculturalismo e com uma paisagem linguística extraordinariamente ampla e diversificada. O
objetivo central deste trabalho é refletir sobre os avanços e recuos do processo de formação de
professores para o ensino de leitura e escrita das línguas bantu no contexto moçambicano. O trabalho
foi baseado por uma pesquisa bibliográfica e que considerou a experiência do próprio autor como
falante de línguas bantu e formador de professores para o ensino secundário. Em Moçambique o
estudo da língua bantu e sua incorporação no ensino foi um desafio iniciado desde finais da década
70, na faculdade de letras da Universidade Eduardo Mondlane e seguidamente descontinuado por
motivos adversos, tendo, no entanto, prevalecido a língua portuguesa como o único meio de
multiletramento e formação de professores. O processo de ensino de leitura e escrita das línguas bantu
em Moçambique após a independência foi deixada em segundo plano (como foi também no período
colonial) e mais tarde as políticas educativas deliberaram a incorporação da disciplina língua bantu e
metodologia de Educação bilíngue no sistema de formação de professores para o ensino primário e,
a especialização no ensino de línguas bantu no curso superior de formação de professores para ensino
secundário. Esse esforço foi desencadeado em 2004 na decorrência da introdução do novo currículo
do ensino básico e na tentativa de retrair os gritantes insucessos escolares registrados nas classes
iniciais do ensino primário, onde a maioria dos alunos que ingressam neste nível apresentam o bantu
como sua língua materna. Adicionalmente, foi estabelecida nova estrutura na grade curricular do
ensino básico constituída por três ciclos de aprendizagem e o desenvolvimento do modelo bilingue.
Apesar dos esforços no sistema educativo moçambicano ainda carece vários desafios para introduzir
de forma efetiva o processo de leitura e escrita das línguas bantu no sistema nacional de ensino, pois
que, o modelo de recrutamento e seleção de professores ainda desconsidera o domínio das línguas
locais como elemento essencial no recrutamento de professores.
INTRODUÇÃO
A sociedade contemporânea tem passado por momentos atípicos e controversos em
diversos domínios que caracterizam a vida humana. A formação de professores tem sido área de muito
interesse de se investigar, visto que nela existem muitos dilemas e desafios por se enfrentar. Em
Moçambique, país que se tornou independente do regime colonial português em 1975, localizada na
zona do continente africano, com cerca de 28,65 milhões de habitantes, segundo os dados do Censo
Geral da População realizado em 2017, a formação de professores para o ensino bilíngue nesse país
tem tido diversos embates e questionamentos nos espaços acadêmicos devido a sua complexidade.
10
Mestre em Educação, Arte e História da Cultura. Docente da Faculdade de Educação da Universidade Púnguè -
Moçambique. E Mail: rogeriofilipemario@gmail.com
48
Moçambique é um país multilíngue, com uma única língua oficial de origem europeia –
o português, dominada ainda por poucos. A imposição dessa língua na sociedade moçambicana
deveu-se ao legado colonial e a satisfação da opção das elites políticas nos primórdios da instalação
da primeira República, baseado no princípio de que o português é a única língua suficientemente
desenvolvida para servir a administração do estado e outros domínios públicos (Dias, 2009;
Gonçalves, 1996; Lopes, 1997, 1999, 2004).
Portanto, a oficialização da língua portuguesa no espaço moçambicano é acautelada no
parágrafo nº 1 do artigo 5º da Constituição da República de Moçambique, publicada em 2004 e
estabelece que “na República de Moçambique, a Língua Portuguesa (LP) é a língua oficial”.
Adicionalmente, o parágrafo nº 2 do mesmo articulado, ainda enfatiza que “o Estado valoriza as
línguas nacionais e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares e
na educação dos cidadãos” numa abordagem que reconhece a existência das numerosas Línguas
Bantu (LB) faladas na República de Moçambique.
Paradoxalmente, apesar do reconhecimento das línguas bantu no tecido moçambicano, a
importância das mesmas na promoção da cultura, na identidade de um povo, na comunicação eficiente
e eficaz nas comunidades ainda tem sido um tabu e atribuído muitos estereótipos e preconceitos, tal
como avança Wilson, Manuel e Bahule (2019) “as funções que as línguas bantu (faladas pela maioria
da população moçambicana) desempenham nas sociedades não têm merecido a devida atenção,
agindo quase que na clandestinidade.” Nota-se algum desprezo sobre as línguas bantu, uma
marginalização que evidencia a assunção de que a língua do ex-colonizador é superior, pensamento
reflexo da colonização mental, (MUTASA, 2006; NGUJI, 1977).
A educação como um processo de transmissão de conhecimentos, cultura, tecnologia
acumulada de velha geração para a nova geração é metodicamente transmitida através da linguagem
podendo ser oral, escrita, gestual, entre outras.
desconhecida (LE) pelos alunos das zonas rurais. Ainda sobre o mesmo debate, Gonçalves e Diniz
(2004) reforçam dizendo que,
Quase na totalidade das nossas crianças, quando entram para a escola, não falam português
e, naturalmente, não lê e não escreve. Esta é a situação típica do meio rural, onde prevalece
o uso das línguas locais, as línguas bantu, e onde o português é praticamente uma língua
“estrangeira”: é apreendido e usado na sala de aula, sobretudo através do contacto com o
professor e com os livros escolares, sendo pouco frequentes as situações de comunicação em
que é falado em ambiente natural. No seu dia a dia, em casa com a família e nas brincadeiras
com os amigos, as crianças comunicam na sua língua materna (GONÇALVES & DINIZ,
2004, p. 1).
A Geolinguística moçambicana
inglês – língua de contato com outros povos da região e do mundo, e as línguas asiáticas- que
compreende o hindi e o urdo ou gujarate.
Firmino (2010) prefere chamar as línguas autóctones de Moçambique por línguas bantu,
ou simplesmente de línguas moçambicanas (Guthrie, 1967; Moisés et al., 2012; Ngunga, 2012, 2014;
Ngunga & Bavo, 2011; Ngunga & Faquir, 2012; Petter, 2015). Para Guthrie (1967, p. 71) em
Moçambique “as línguas bantu estão distribuídas por quatro zonas linguísticas” e a sua escrita está
em processo de padronização. As línguas com a ortografia já padronizada são kimwani, shimakonde,
ciyaawo, emakhuwa, echuwabo, cinyanja, cinyungwe, cisena, cibalke, cimanyika, cindau, ciwute,
gitonga, cicopi, citshwa, xichangana e xirhonga, 17 ao todo (Moisés et al., 2012; Ngunga & Faquir,
2012).
Segundo Ngunga e Bavo (2011, p. 14-15) citando INE (2010), as línguas moçambicanas
são maioritariamente faladas no país com a estimativa de 90% de falantes. E o português tem 10,8%
de falantes de cinco ou mais anos de idade sedeados nos grandes centros urbanos (cidades, vilas e
sede dos distritos).
Portanto, a luz dos dados descritos, a política de promoção e valorização das línguas
moçambicanas, desde a era colonial, continuado copiosamente após a instauração da primeira
república, subjugou as línguas moçambicanas a um papel terciário, com precariedade da sua função
e a sua fala circunscrita a meios informais. Só a partir da década de 90 as línguas bantu começaram
de forma leviana a coabitar o mesmo espaço com o português nas escolas.
Entende-se por Formação de professores toda a estratégia que se desenvolve por certa
entidade visando moldar ou preparar os futuros profissionais da educação com os fundamentos mais
essenciais que caracterizam a educação e orientação do processo de ensino e aprendizagem dos
alunos.
Para Donaciano (2006), define a Formação de Professores como,
[…] em 1975, o MEC criou Centros de Formação de Professores Primários, cujo requisito
de ingresso mínimo era a 4ª classe do ensino primário. Os conteúdos eram didático-
pedagógicos, embora houvesse o apelo à formação político-ideológica aos professores em
vivência do momento histórico, revolucionário do Partido Único. Entretanto, os formadores
possuíam o curso de Magistério Primário, equivalente ao nível médio e professores de Posto
Escolar (prolongamento dos grupos dinamizadores). (DOMINGOS, 2015, p.233)
52
Neste tipo de curso, a componente ideológica está acima de tudo. Fazia parte dos objetivos
desta formação a conduta como educador, a aquisição de conhecimentos que permitissem
melhorar o ensino, a formação na área didática e pedagógica e a capacidade reflexiva. O
plano de estudos contemplava as áreas sócio-políticas, psico-pedagógicas e metodológicas.
(WITINESSE, 2009, p.164)
Já em 1991 o curso de formação de professores para ensino primário passou para outro
modelo de 7ª + 3 anos. Neste período foi marcado por uma profunda transformação dos objetivos e
53
conteúdo de ensino, porque o país transitava do sistema monopartidária em que se preocupava com a
criação do homem novo repleto de espírito nacionalista, arquiteto da sociedade socialista para o
multipartidarismo.
Ao analisar currículo de formação de professores primário em Moçambique, Niquice
(2005) considera-o assente em dois enfoques principais:
(1) de transmissão dos conhecimentos, dos preceitos, das regras que asseguram a eficiência
e a eficácia na altura de realização da prática pedagógica. (2) de treinamento das
habilidades, através das práticas pedagógicas e do estágio posterior à fase de
transmissão. (NIQUICE, 2005, p. 52)
Curso de Formação de Professores do Magistério Primário (5º ano do Liceu + 2 anos); Curso
de Formação de Professores de Posto Escolar (4ª classe+ 4 anos); Curso de Formação de
Professores de 6ª + 6 meses; Curso de Formação de Professores de 6ª + 1 ano; Curso de
Formação de Professores de 6ª + 2 anos (EFEP); Curso de Formação de Professores de 8ª +
2 anos (EFEP); Curso de Formação de Professores de 9ª + 1 ano (Faculdade de Educação-
FE. UEM); Curso de Formação de Professores de 9ª + 2 anos (EFEP); Curso de Formação
de Professores de 9ª/10ª + 3 anos (IMP); Curso de Formação de Professores de 6ª/7ª + 3 anos
(CFPP); Curso de Formação de Professores de 10ª + 2 anos (IMAP); Curso de Formação de
Professores de 10 + 1 + 1 (IMAP); Curso de Formação de Professores de 10ª + 2,5 anos
(ADPP); Curso de Formação de Professores de 10ª + 1 ano (IFP); Curso de Formação de
Professores de 12ª + 1 ano (IFP); Curso de Formação de Professores de 12ª ou Equivalente
+ 4 anos - Bacharelado (UP); Curso de Formação de Professores de 12ª ou Equivalente + 5
anos - Licenciatura (UP); Cursos de Reciclagem de Professores de curta duração como, por
exemplo, de duas semanas, um, dois, três, quatro meses, etc. (MINEDH, 2017, p. 50-51)
É importante destacar que a esses desafios colocados nesse período, também se somavam
discussões sobre as línguas de ensino, sobretudo na alfabetização e nas primeiras classes do
ensino primário para atender à diversidade que se colocava, constituindo-se temas polêmicos
sobre os quais não houve, na altura, desfecho. (ARENA & COVANE, 2019, p.1037)
O estudo científico das línguas moçambicanas começa nos finais da década de setenta, na
Faculdade de Letras da Universidade Eduardo Mondlane com a introdução de algumas
disciplinas de linguística bantu nos cursos ali oferecidos e nos de Formação de Professores
da Faculdade Preparatória. (NGUNGA & FAQUIR, 2012, p.3)
O processo de afetação não olha para a região de origem nem a(s) língua(s) falada(s) pelo
novo professor. O que acontece muitas das vezes é que os professores são colocados em
regiões onde a língua da comunidade não coincide com a língua do professor, todavia, ele
tem que dar aulas porque é lá onde foi afeto e é o lugar da garantia do seu sustento (ABDULA,
2013, p. 230)
VIII. Formar professores para o ensino bilíngue através da modalidade de educação a distância e;
IX. Assegurar a formação contínua dos professores através da Zona de Influência Pedagógica.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
57
REFERÊNCIAS
ABDULA, R.A.M. O ensino das línguas nacionais como solução para o processo de alfabetização
em Moçambique. Revista de Letras Dom Alberto, 2013, p. 219-232.
GARCIA, Carlos Marcelo. Formação de professores: para uma mudança educativa. Portugal:
Porto Editora, 1999.
Lei nº 4/83 de 23 de Março, que aprova a Lei do Sistema Nacional de Educação e define os princípios
fundamentais na sua aplicação. Publicada no Boletim da República, II SÉRIE- Número 12,
LOPES, A. J. Language policy: Principles and problems. Maputo: Livraria Universitária, 1997.
MÁRIO, M. et al. Review of education sector analysis in Mozambique, 1990-1998. Paris: Working
Group on Education Sector Analysis, 2002.
MOISÉS, L., Cande, E., & JESUS, J. Geografia linguística de Moçambique. In A. Ngunga & G.
FAQUIR (Eds.), Padronização da Ortografia de Línguas Moçambicanas: Relatório do III
Seminário (pp. 279293). Maputo: Centro de Estudos Africanos/UEM, 2012.
MUTASA, D. E. (Ed.). African languages. in the 21st century: The main challenges. Simba Guru
Publishers, 2006.
WILSON, Francelino; MANUEL, Juma & BAHULE, Orlando. Integração das línguas nacionais
na formação de professores moçambicanos: práticas, experiências, desafios. IV Encontro
Internacional de Formação na Docência, Instituto Politécnico de Bragança, Bragança, 2019.
60
Eugénia Kossi11
Natalia Penitente12
RESUMO
A questão do multilinguismo em Angola é tratada com uma leveza que se denota no ensino somente
em língua portuguesa e por meio dele a disseminação de uma cultura dominante e de uma imagem de
língua versada na noção centrípeta da língua. Apesar disso, os discursos oficiais apresentam a tese de
que é preciso respeitar as línguas e as culturas locais. Observamos, desta forma, que este desvalor e
a hipervalorização da língua portuguesa acarretam um desencontro entre cultura escolar/culturais
locais, comunidades locais/filhos escolarizados. Esta última se dá por estes passarem a serem
portadores de outros desígnios culturais. Portanto, carregam os ensinamentos da escola, assim como
a língua da mesma, e afastam-se das suas culturas e das suas línguas passando a ser representantes
das línguas e culturas “alheias” dentro das suas comunidades. Com isso, este trabalho pretende
analisar as relações de sentido que se estabelecem entre o discurso colonial sobre línguas e indígenas
e o discurso atual sobre a importância das línguas nacionais no ensino em Angola. Portanto, o nosso
intuito é compreender a manutenção de um discurso oficial atual que se assenta na ideia da língua
dominante e com estatuto para a sua integração ao ensino e à administração pública. Com este intuito,
olharemos as motivações oficiais que impõem estratégias para a manutenção de uma ideologia para
o controle do aparelho do estado remetendo à construção de imagens de língua que se mantêm desde
o tempo colonial. Para orientarmos este estudo recorremos à abordagem de Pêcheux (2017) sobre as
formações imaginárias na produção do discurso. Recorremos também aos trabalhos de Koch (2000)
de modo a descrevermos as marcas linguísticas ideológicas que permeiam os textos oficiais. O
trabalho tem como corpus dois documentos oficiais: um do tempo colonial “O Estatuto dos Indígenas
Portugueses das Províncias da Guiné, Angola e Moçambique” publicado, em 1954, pelo governo
colonial português, e o “Ante-projecto sobre o Projecto de Lei do Estatuto das Línguas Nacionais”
proposto, em 2011, pelo Instituto de Língua Nacionais ligado ao Ministério da Cultura de Angola.
Com isso, percebemos que há uma retomada dos discursos anteriores com a projeção de imagens
negativas sobre cultura e línguas locais.
Palavras-chave: Discurso colonial. Língua portuguesa. Línguas nacionais.
INTRODUÇÃO
Angola é um país multicultural que passou por um processo de colonização que impôs a
uma parte do seu território a língua portuguesa13 e secundarizou as línguas dos povos originários,
11
Mestranda em Educação, na área de concentração Educação, Linguagem e Psicologia, da Faculdade de Educação da
Universidade de São Paulo (FEUSP), sob orientação do professor Dr. Valdir Heitor Barzotto da Faculdade de Educação
da Universidade de São Paulo (FEUSP). E-mail: eugeniakossi@usp.br
12
Mestranda pelo Programa de Filologia e Língua Portuguesa (FLP) da Universidade de São Paulo (USP). Sob a
orientação do professor Dr. Valdir Heitor Barzotto da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo (FEUSP).
E-mail: nataliapenitente@usp.br
13
Segundo Mingas (2000, p. 30) no início do período colonial a presença portuguesa era sentida no litoral do país e
somente em 1926, os portugueses adentraram o país todo, quase 50 anos antes da independência, em 1975.
61
chamados indígenas pelos colonizadores. Do mesmo modo, as culturas desses povos foram
consideradas inferiores e discriminadas. Consequentemente, foram discriminadas as populações que
só passaram a usufruir de alguns direitos quando se instaurou o Estatuto do Indígena das Províncias
da Guiné, Angola e Moçambique.
Este estatuto foi publicado em 1954 no governo de Salazar cedendo às pressões externas
da comunidade internacional e dos movimentos de libertação nacional criados por toda África para
reivindicar a liberdade dos povos africanos e a independência dos seus países. Essas movimentações
pelo reconhecimento da soberania das nações africanas, incentivou o uso de estratégias de
condicionamento de atribuição da cidadania aos habitantes das então províncias ultramarinas de
Portugal, nomeadamente, a Guiné, Moçambique e Angola.
Foram impostos, para este fim, no documento supracitado, critérios para obtenção da
cidadania. Um deles era que o indígena, que concorresse ao grau de cidadão, falasse “correctamente”
o Português14 e se comportassem tal como os portugueses. Com isto estabeleceu-se a continuação de
uma relação de dominação que obrigava os assimilados a manterem uma cultura alheia ao do seu
povo. Uma relação retomada com a independência pela orientação de toda a vida administrativa e
escolar com base na língua portuguesa.
Isto propiciou a manutenção da língua portuguesa como hegemônica, enquanto se
mantinha uma discussão sobre o papel das línguas nacionais na sociedade angolana. O que culminaria
com a elaboração, em 2011, do Ante-projecto de Lei do Estatuto das Línguas Nacionais, ainda não
aprovado. Esse documento discute a inserção dessas línguas nas diferentes esferas sociais,
nomeadamente no ensino e na administração pública, em defesa do “pluralismo cultural e linguístico”
(ANGOLA, 2011, p. 2).
Apesar desta defesa, observamos que a manutenção de um estatuto de línguas próprias
das línguas ocidentais é defendida por meio de um discurso que cria imagens de língua que continuam
a atribuir um lugar outro às línguas locais. Observamos, por isso, que os dois documentos
supracitados fundamentam uma negação de línguas e culturas dos povos de Angola, mantendo-se um
já-dito (passado colonial) no presente. Compreendemos aqui que dada a conjuntura que impõe um
papel central do ocidente diante de outros países movidos pela atual formação social capitalista, há
uma interpelação do sujeito (PÊCHEUX, 2017) que incide sobre a reprodução no discurso de
formações ideológicas.
Nisso, concordamos com Pêcheux (2017), que defende que o discurso é um aspecto da
materialidade ideológica, portanto nele se desvelam formações imaginárias que antecipam posições
dos sujeitos. Não cessa a atribuição de lugares aos sujeitos na formação dos Estados na pós-
14
Artigo 56 do Estatuto do Indígena Português da Guiné, Angola e Moçambique.
62
independência, em África, pois assumem uma orientação política de base ocidental, que impõe uma
língua oficial considerada de motor para a manutenção de uma unidade nacional. Do mesmo modo,
a escolha dessa língua segue uma orientação ocidental, uma vez que pressupõe um estatuto, ou seja,
não pode ser escolhida qualquer língua, mas aquela que tem determinado prestígio tanto cultural,
quanto científico.
Compreendemos com isso, que se desenvolvem formas de se olhar a língua que
transparece no discurso, uma aproximação às imagens da língua enunciadas por Calvet (2002, p. 72)
sobre “os sentimentos, atitudes, comportamentos diferenciados” que se expressam por haver já a
aceitação de uma norma estabelecida que faz com que as pessoas não aceitem o que a contradiga. O
que chamamos de imagens de língua a partir do projeto “Imagens de língua: sujeito, deslocamento,
conhecimento e tempo15” coordenado pelo Prof. Dr. Valdir Heitor Barzotto.
O estatuto do indígena
Tendo perdido o Brasil como colônia no século XIX, Portugal vira todas as suas fichas
de jogo para as suas outras possessões territoriais ultramarinas. O que levou, em 1931, António
Salazar, então ministro das finanças, a organizar a colônia nos domínios político e econômico.
Reforçando, consequentemente, o controle dos indígenas que eram a mão de obra fundamental para
a manutenção da economia imperial.
Um ano antes, foi publicado o Acto Colonial que tinha como objetivo manter a integração
das colónias com a metrópole, retirando-lhes a autonomia, e garantir os direitos dos indígenas.
Direitos reforçados, segundo os documentos oficiais da metrópole, pelo estatuto do indígena que
surge em 1954. Este documento foi elaborado para regular os deveres e os direitos dos indígenas.
Portanto, o regulamento estipulava, leia-se no capítulo III (1954), normas que permitiriam
ao indígena ascender ao patamar de civilizado se falasse corretamente o português, se tivesse 18 anos,
uma profissão bem remunerada, um comportamento exemplar e nunca tivesse sido refratário e tivesse
cumprido o serviço militar.
No entanto, conseguir tal documento ou alvará como era designado, não era tarefa fácil,
uma vez que eram poucos os que tinham as condições de assimilado enumeradas acima. Sobretudo,
eram poucos os que falavam português ou que se expressavam como impunha o documento.
15
Este projeto se propõe a investigar os mecanismos que concorrem na formação das imagens de língua em contextos
multilíngues, analisando os discursos produzidos em quatro instâncias argumentadoras – o Estado, a Igreja, a
Universidade e a Comunidade – como partes integrantes de um continuum que gera tais imagens.
63
O estatuto das línguas nacionais está ainda vinculado ao anteprojeto de Lei sobre o
estatuto das línguas nacionais que visa reconhecer o papel das línguas angolanas de origem africana
bantu e khoisan. O estatuto surge em 2011, chamando a atenção do Estado para a implementação de
um estatuto e uso das línguas africanas tanto na administração do estado quanto no ensino.
O seu objetivo primordial é permitir a inclusão social e linguística da população angolana
por meio da valorização das suas línguas. Para isso, adverte que é preciso a delimitação das línguas,
enumerando as que poderão ser usadas pelo Estado, sem se deixar de investigar cientificamente as
demais.
O mesmo documento apresentando os princípios da valorização das línguas baseia-se na
lei do patrimônio cultural que reconhece as línguas como bens de interesse cultural relevante 16. Do
mesmo modo, apoia-se na Constituição da República que define como uma das tarefas fundamentais
do estado “proteger, valorizar e dignificar as línguas angolanas de origem africana”.
Sequência 1 – R1
Sequência 2 – R2
16
Lei sobre o Património cultural de 2005.
64
R3
R4
Sequência 3 – R5
R6
Sequência 4 – R1
65
Sequência 5 – R2
Sequência 5 – R3
Martinez (2010, p. 49) apresenta duas finalidades específicas das leis implementadas para
as províncias do ultramar, a explícita e a implícita, afirmando que:
Neste contexto, olhando para a situação histórica em que Portugal estava submerso por
ser um dos últimos países colonizadores a negociar as independências das suas colónias, a publicação
do estatuto foi uma forma de mostrar que havia desejo de mudança. António Salazar, para proteger o
Estado português, reiterou com ímpeto nacionalista que as colônias eram parte da metrópole:
a nossa obra não é a do caminheiro que olha e passa, do explorador que busca à pressa as
riquezas fáceis e levantou a tenda e seguiu, mas a do que, levando em seu coração a imagem
da Pátria, se ocupa amorosamente em gravá-la fundo onde adrega de levar a vida, ao mesmo
tempo que lhe desabrocha espontâneo da alma o sentido da missão civilizadora. Não é a terra
que se explora: é Portugal que revive, (SALAZAR, 1959, p. 178-179).
66
Para Hanna Arendt (1989, p.184), embora, essa relação estabelecida tenha sido
camuflada, em muitos impérios, pela separação entre as políticas coloniais e as políticas domésticas,
ela reconhece que “A expansão deu nova vida ao nacionalismo e, portanto, foi aceito como
instrumento de política nacional”. Uma nacionalização que vai ser reforçada pelo desejo de uma
hegemonia linguística apresentada no recorte 4 da sequência 2, em que a língua portuguesa tem de
ser falada no ensino. Há a aceitação do uso da língua nacional, mas somente usada para reforçar a
aprendizagem da primeira.
No recorte 1 da primeira sequência, retiramos três trechos: 1. Deseja-se acentuar ter
havido agora a preocupação de considerar situações especiais em que é apresentado o verbo modal
desejar como auxiliar, indicando uma modalidade epistêmica que denota vontade acompanhado de
outro verbo modal ter que caracteriza uma probabilidade; 2. em que ele pode encontrar-se no caminho
da civilização nesta oração, o verbo poder também caracteriza uma modalização epistêmica de
possibilidade; e 3. Para que o estado tem o dever de impeli-lo.
As três acepções, a priori, denotam uma necessidade de enfatizar um desejo do Estado
português em reconhecer o estatuto do indígena cujas normas “claras” não foram observadas em
outros documentos jurídicos do estado. Uma crítica que se impõe como um argumento a favor da
ascensão do indígena. Porém, a construção do enunciado iniciada com o verbo desejar parece retirar
a certeza do locutor na mensagem que transmite. Em todo o caso, na última oração, o uso do
imperativo com o verbo modal “tem de”, embora dependa da consideração das situações especiais
que permitam que se torne civilizado, é estabelecida.
Neste enunciado também transparece o uso da marca de impessoalidade com o pronome
pessoal “se” em relação enclítica com o primeiro verbo modal introduzindo uma frase passiva
pronominal ligada a uma oração substantiva. Nesse trecho, o governo parece não querer posicionar-
se de forma imperativa, tal como ocorre noutras partes do documento em que o locutor é marcado
pelos substantivos “Governo”, “Estado”, o pronome “Eu” e verbos no imperativo como “decreta”
e “promulgo”. Estes últimos atribuem a responsabilidade ao locutor, que determina a sua posição
assumindo a veracidade do que é dito introduzindo um modalizador epistêmico assertivo.
No capítulo I do estatuto, onde encontramos o recorte 2 da sequência 2, no artigo terceiro,
impõem-se aos indígenas a sua definição e o seu lugar no documento. No enunciado, temos, do
mesmo modo, uma construção passiva marcada pelo verbo modal “ser”, “é”, modalizador deôntico
de obrigatoriedade, aparece como condição sine qua non sobre a tolerância da cultura indígena, isto
caso fique dentro dos parâmetros portugueses, bem como se forem considerados princípios de
humanidade.
Acreditamos, neste trabalho, que o uso do sintagma preposicional “da humanidade”
revela o interesse do Estado português em mostrar ao mundo que não estava aquém dos princípios
67
adotados pela comunidade internacional. E o estatuto elaborado nos moldes em que foi apresentado
respeitava tais condições de aceitação dos direitos do outro, camuflando os seus verdadeiros
interesses.
Porém, no quadro de convencer das boas intenções do seu governo, Portugal esclarece,
no recorte 3, que a sua intenção era de transformar os usos e costumes primitivos dos indígenas
valorizando-os ao permitir o seu acesso à cidadania.
Aqui notamos a não aceitação da cultura de um povo moldando-o para ser aceito. A
ascensão à cidadania dependia da mudança cultural, o que denota a precariedade da sua condição no
colonialismo. O argumento, portanto, era que havia uma predisposição para que se melhorasse a sua
vida material e a moralidade.
Porém, Washington Santos (2014) alega, nesse contexto, que era extremamente
burocrático conseguir o documento, para a transição de indígena para cidadão. O que demonstrava
uma contradição relativamente ao objetivo do documento como se evidencia em primo Jerônimo de
Conceição Neto17.
Não havia uma vontade de promoção da igualdade. Além de ser necessário conseguir um
emprego num contexto ocidental, era preciso falar corretamente o Português, como aparece no recorte
5. Ambos eram um privilégio para poucos. E mesmo que um indígena conseguisse a cidadania,
poderia perdê-la como aparece no recorte 6.
Conseguir a cidadania, portanto, não conferia toda a estabilidade que o indivíduo poderia
usufruir. A sua manutenção estava ligada à capacidade do cidadão de apartar-se da sua condição de
indígena, caso não conseguisse provar a qualidade de não indígenas (capítulo III, artigo 62º, parágrafo
único, p.224), ele perdia alvará de assimilado. No recorte mencionado anteriormente, a decisão
categórica é feita com a demonstração de um valor afetivo do advérbio modalizador
“definitivamente” reforçado pelo verbo ser deôntico de obrigatoriedade em “será apreendido o
bilhete de identidade18”.
O estatuto das línguas nacionais é mais recente, de 2011, e está vinculado a um contexto
contemporâneo de igualdade de direitos na ótica democrática e da inclusão social. Entretanto, é o
17
Maria da Conceição Neto (1997) escreve no seu artigo “Maria do Huambo: Uma de “indígena”; Colonização e estatuto
jurídico e discriminação racial em Angola (1926-1961)” mostra a forma como o estatuto influenciou a vida dos nativos
em Angola e as dificuldades que advieram da sua implementação.
18
O mesmo que RG
68
dilema que remonta a década de 70, após a independência, em que se olhava para a necessidade de
afirmação de uma identidade angolana.
O recorte 1 da sequência 4 apresenta o verbo “ir”, um verbo pleno, que aqui aparece como
auxiliar do verbo retirar denotando uma ação futura movida pela reforma e pela reposição das línguas
nacionais. Este último termo é definido pelo dicionário Michaelis online (2019) como restituição a
situação ou estado antigo ou anterior.
Parece haver um desejo de retorno às origens em que as línguas nacionais eram utilizadas
pelos governos tradicionais na resolução dos seus problemas comunitários. Com a colonização e a
instituição de documentos oficiais, elas foram excluídas tanto da vida escolar quanto da
administrativa, ficando ligadas apenas ao poder tradicional e ao direito costumeiro. O estatuto
pretende neste enunciado mostrar que é preciso ultrapassar a noção colonial de língua e adotar o
plurilinguismo.
Esse esquecimento, ostracismo e autoexclusão que, segundo o documento, se constata em
Angola até ao momento em que surge a proposta, 2011, 36 anos depois da independência, determina
que elas continuaram até àquela data a ser esquecidas, ostracizadas não mais pela exclusão imposta
pela colonização, mas pela autoexclusão.
O verbo “ir”, auxiliar, nesse trecho designa uma ação futura que denota que as línguas
ainda estão na condição apontada acima por não terem ainda sido reformadas e repostas pelo estado
angolano. Do mesmo modo, elas têm de ser inseridas no ensino, pois este é meio que permitirá que
elas sejam, como vemos na segunda frase deste recorte, “línguas de pensar, querer e agir, em suma,
línguas de trabalho e de cultura”. O fato que se observa aqui é que somente por meio do ensino,
essas línguas passam a denotar o pensar, o querer e o agir.
Embora se entenda que a intenção não foi de minorizar as línguas, a enumeração
apresentada pressupõe que as línguas em destaque se tornarão importantes, primeiro porque serão
reconhecidas pelo poder do Estado e segundo, inseridas no ensino, elas serão preenchidas de valor.
A identidade, portanto, deverá ser preservada, remetendo o valor social à instância de poder, único
capaz de promover tal valor. Portanto no recorte 2, vemos que a escola permite a possibilidade real
de assimilação de conhecimentos. O adjetivo real tem o sentido de concreto ou autêntico, denotando
que o conhecimento concreto e autêntico é aquele proporcionado pelo ato de escolarização.
Esse conceito unilateral de conhecimento necessária para o reconhecimento da ascensão
de uma língua nacional a oficial é apresentado pela marca de modalidade deôntica de obrigatoriedade
do verbo modal dever. Portanto é imperativo que a língua obedeça aos critérios de cientificidade
como, por exemplo, a criação de um alfabeto e a sua subsequente gramaticalização, em comparação
com a língua portuguesa que tem esse valor agregado em si.
69
traço herdado impõe em certa medida assumir resquício de uma cultura de uma geração que a deixou,
embora se perceba que na sua dinamicidade a língua não se alimenta infindavelmente do passado.
Porém, como foi dito anteriormente, a questão ficou para o professor, não só de língua
portuguesa, mas por usarem a língua como instrumento de trabalho e de transmissão de
conhecimentos. Em que língua se deve ensinar? É a questão que fica sobreposta, uma vez que a
gramática se assenta sobre um contexto do passado.
É patente que as línguas ocidentais, nomeadamente o português, representam ainda a
possibilidade de integração numa esfera internacional como defende Zau (2007). E assim foi
defendido no período pós-independente mesmo por Amilcar Cabral que afirmou ser a língua
portuguesa “uma das melhores coisas que os tugas nos deixaram” (CABRALJALÓ, 2019 apud
JALÓ, 1974, p. 211).
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Embora a questão que se põe em cheque seja a falta do real reconhecimento do valor que
estas línguas devem ter numa época em que se discute e se exalta o resgate das línguas e culturas
nacionais, é preciso que se faça a pergunta: se a base desse reconhecimento deve ser posta à mesa
apenas pelas preocupações da classe dominante ou também é preciso reconhecer que as próprias
populações, não olhando somente para Luanda, regem-se pelas práticas culturais permitidas pela
construção de sentidos emanadas do uso das suas próprias línguas?
Quando se diz que as línguas em Angola estão relegadas ao esquecimento, retira-se a
importância das populações no uso das suas línguas e responde-se ao questionamento da linguística
sobre a supervalorização das línguas da elite. As classes dominantes põem as cartas à mesa e as
populações submetem-se transportando para si os preconceitos que advêm desta relação de poder.
O estatuto do indígena exigia o português para todos, do mesmo modo o Estado angolano
o exige em sinal de unidade nacional. O anteprojeto não contrapõe, mas aparece para equilibrar a
situação, adotando uma postura de aceitação da hegemonia do português, apesar de já assumir a
necessidade de se pôr rédeas à problemática. Portanto, o discurso que ainda predomina o cenário é de
que haja ainda línguas que exerçam maior influência do que outras como no caso da Língua
Portuguesa frente às línguas de Angola.
REFERÊNCIAS
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de Angola, 2011.
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CALVET, L. J. Sociolinguística: uma introdução crítica. Tradução: Marcos Marciolino. São Paulo:
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CHAMUHONGO, A.; CARVALHO, F. V. Língua Portuguesa – 1ª. classe. Luanda: Moderna, 2018.
Actualização curricular.
CONCEIÇÃO NETO, M. Maria do Huambo: Uma vida de “indígena”. Colonização, estatuto jurídico
e discriminação racial em Angola (1926-1961). África, v. 35, p. 119-127, 2015. DOI
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LÍNGUAS nacionais não têm estatuto próprio. Jornal de Angola, Angola, 21 fev. 2018. Disponível
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RAMPINELLI, W. J. Salazar: uma longa ditadura derrotada pelo colonialismo. Lutas Sociais, v. 18,
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http://www4.pucsp.br/neils/revista/vol.32/waldir_jose_rampinelli.pdf. Acesso em 15 maio 2021.
72
SILVA, S. F. O ensino das línguas nacionais em Angola. Jornal de Angola. Disponível em:
http://jornaldeangola.sapo.ao/opiniao/o_ensino_das_linguas_nacionais_em_angola. Acesso em: 9
maio 2020.
73
Autor:
Carlos Guerra Caquarta.
Mestre em Ciências da Educação, Especialidade Ensino da História. Instituto Superior
de Ciências da Educação do Cuanza Sul19.
Coautores:
Ph.D. Rosell Ramón Hidalgo Herrera. Professor do Departamento de Ciências Sociais
no Instituto Superior de Ciências da Educação do Cuanza Sul 20.
RESUMO
A contribuição das línguas ao desenvolvimento identitário e cultural é de vital importância, já que
elas são reconhecidas na formação da nacionalidade dos povos. Nesse sentido, o presente estudo
evidencia a aula de História como espaço de desenvolvimento da Identidade Cultural, numa
perspectiva que se sustenta na evolução e desenvolvimento das línguas em relação com as tendências
atuais sobre a relevância do processo de ensino-aprendizagem da História. O objetivo principal do
trabalho consiste em oferecer ações metodológicas que facilitem o processo de ensino-aprendizagem
que integre procedimentos, ações e operações que permitirão desenvolver a Identidade Cultural e seus
elementos básicos estruturais, desde a perspectiva das línguas e a interculturalidade. Aprender a viver
em sociedade e compreender as individualidades culturais apoia-se na relação história-aluno-
sociedade, na qual o aluno é um agente ativo do vínculo entre passado e presente, o que permite
projetar de forma positiva o futuro e constitui uma amostra do desenvolvimento da Identidade
Cultural. Os métodos investigativos empregados, tanto do nível teórico como empírico, permitiram
obter informações a respeito das concepções de diferentes autores sobre a Identidade Cultural, com
ênfase no avanço da língua como mosaico cultural. O estudo do tema foi analisado como parte da
política educativa inserida na Lei de Bases do Sistema de Educação e Ensino de Angola (Lei nº17/16,
de 7 de outubro). A pesquisa ficou contextualizada segundo as potencialidades do contexto educativo,
que na sociedade angolana tem características especiais, havendo diversidade de cultura em cada
região. O que carrega consigo traços linguísticos diferentes para desenvolver um único processo
educativo que exige a criatividade do professor que leciona a aula na qual, para o caso da História, é
muito significativo. O tema abordado transversaliza o processo de ensino-aprendizagem e favorece
modos de atuação que potencializam a formação dos elementos identitários nos alunos,
contextualizados na concepção desenvolvedora do ensino-aprendizagem mediante o uso das línguas,
ou seja, da diversidade linguística.
19
guerraoevangelizado@gmail.com
20
rosellhgo@gmail.com
21
ladislausacambonde301081@gmail.com
74
EL RESUMEN
La contribución de los idiomas al de desarrollo identitary y cultural es de importancia vital desde que
se reconocen la formación de la nacionalidad de las personas. En este sentido, las evidencias del
estudio presentes la clase de Historia como el espacio de desarrollo de la Identidad Cultural en una
perspectiva que se sostiene en la evolución y desarrollo de los idiomas en la relación con las
tendencias sobre la relevancia del proceso de enseñanza-aprender de la Historia. El gaol principal del
trabajo consiste en ofrenda acciones metodológicas que facilitan el proceso de enseñanza-aprendizaje
que integra los procedimientos, acciones y funcionamientos que permitirán desarrollar la Identidad
Cultural y sus elementos básicos estructurales de la perspectiva de los idiomas y los intercultural. Los
métodos de la investigación usaron tanto del nivel teórico como empírico que ellos permitieron
obtener la información con respecto a las concepciones de los autores diferentes sobre la Identidad
Cultural, con el énfasis en el progreso del idioma como el mosaico cultural. El estudio del tema se
analizó como una parte de la política educativa insertada en la Ley de Base del Sistema de Educación
y Enseñando de Angola (el nº17/16 de la Ley, del 7 de octubre). La investigación era el contextualized
según las potencialidades del contexto educativo, que la sociedad del angolan tiene características
especiales que tienen la diversidad de la cultura en cada área. Qué lleva con sí mismo las líneas
lingüísticas diferentes para desarrollar uno solo proceso educativo, que exige la creatividad del
maestro que el teachs la clase en que, para el caso de la Historia ys muy significante. El uno esa parte
de atrás yo consigo las líneas lingüísticas diferentes para desarrollar un solo proceso educativo que
ellos exigen la creatividad del maestro que enseña la clase en que es muy importante para el caso de
la Historia. El tema se acercó el globala el proceso de enseñanza-aprendizaje y favorece los modaleses
de acciones que el potentiate la formación de la identidad de los elementos en los alunos.
INTRODUÇÃO
DESENVOLVIMENTO
De acordo com Rodrigues (2011) o homem é resultado do meio cultural em que foi
socializado. Ele é um herdeiro de um longo processo acumulativo, que reflete o conhecimento e a
experiência adquiridos pelas numerosas gerações que o antecederam. Prevalece, então, uma
personalidade espiritual distintiva de determinado povo. A cultura depende de uma acumulação e
uma transmissão no tempo, com modificações e acréscimos de valores, formas de pensamento,
técnicas, normas religiosas, morais e jurídicas, entre unidades históricas que mantêm contatos ou que
se relacionam por um nexo de filiação.
Para Cipriano (2014) a identidade de um povo, ou de uma nação, abrange entre outros
aspectos um conjunto de critérios distintos e comuns, tais como a língua, a religião, costumes, o
território, a história, os critérios morfológicos de esculturas e os antepassados. Também a identidade
no sentido lato traduz um conjunto de dados objetivos que caracterizam o estado do desenvolvimento
das estruturas econômicas, políticas e ideológicas em que cada povo está inserido.
Segundo Cipriano, a Identidade Cultural é um conjunto híbrido e flexível de elementos
que formam a cultura identitária de um povo, ou seja, que fazem com que um povo se reconheça
enquanto agrupamento cultural que se distingue dos outros. O desenvolvimento social está
relacionado com o desenvolvimento da Identidade Cultural de cada povo na medida em que o homem
é inserido no mundo social da sua cultura.
Por outro lado, segundo Peres (2014), a nação angolana é rica em valores, saberes,
técnicas, religiões, tradições, artes e iniciativas diversas nos domínios políticos, econômicos e sociais
que constituem os pilares para a sua identidade cultural.
Consequentemente, com a abordagem realizada até aqui, e de acordo com Ladica, Claudia
e Batista (2019) o rasgo essencial que distingue a Identidade Cultural está dado em sua natureza e se
desenvolve dentro da atuação de cada pessoa, dentro do seu próprio contexto, o que constitui um
referente básico para o seu desenvolvimento. Compreende-se que é a construção de um processo
contínuo de socialização, onde a forma como o indivíduo se percebe no futuro, está intimamente
relacionado com a forma como este é visto nas interações do seu cotidiano, seja no contexto pessoal,
seja no laboral.
77
língua, ao jeito de falar em nosso grupo. Esse apego é uma forma de selarmos nossa adesão a esse
grupo.
Para Soltes e Raupp (2013), a língua é produto de uma comunidade, ela é
parte do domínio dessa comunidade. A língua que falamos nos identifica aos outros, permitindo
sabermos a que grupos pertencemos. É uma espécie de atestado de nossas identidades. A linguagem
é realmente o nosso meio de interação social.
Assim, a língua seria um produto histórico e, ao mesmo tempo, uma unidade idealizada,
devido a impossibilidade de se alcançar, na realidade, uma língua que se quer idêntica e unitária. A
língua nunca é um sistema único, mas um conjunto de sistemas que encerra em si várias tradições.
Uma mesma língua apresenta diferenças internas: no espaço geográfico, no nível sociocultural e no
estilo ou aspecto expressivo.
De acordo com Santos (2017), a cultura angolana é, em grande parte, de origem Bantu,
em que misturam-se tradições e línguas nativas ou dialetos. Nesse caso se incluem os Ovimbundos,
os Ambundos, os Bakongos, os Côkwe e outros.
Por meio da linguagem ritualista os seres humanos rememoram e atualizam mistérios e
acontecimentos importantes de um passado distante, geralmente explicados por meio da linguagem
mítica. Os rituais normalmente são realizados com distintas finalidades como em cerimônias de
casamentos, processos de iniciação ou passagem litúrgicas, comemorativas ou festivas, rituais
mortuários, divinatórios, de cura, entre outros (SANTOS, 2017).
Segundo o linguista Guthrie (2010), a origem da grande massa dos povos de língua Bantu
se situaria em Shaba e na região adjacente do nordeste da atual Zâmbia. Angola, inicialmente, foi a
região habitada majoritariamente pelo povo bantu. Práticas religiosas, conhecimentos técnicos
agrícolas e de mineração, valores sociais, costumes e hábitos de alimentação e tantos outros elementos
fizeram parte da bagagem cultural que formou a atual República Democrática de Angola e essas
contribuições estão presentes no cotidiano até os dias atuais (SANTOS, 2017).
A partir da análise feita, não se pode ensinar a língua fora dos interesses, elementos
culturais e linguísticos. É necessário provocar situações comunicativas que permitam aos indivíduos
interagir com uma finalidade comunicativa e cultural, como é o caso do desenvolvimento das línguas
em Angola.
A língua nacional é a língua falada num determinado território que, por refletir uma
determinada herança étnico-cultural, representa um elemento que indica uma consciência nacional e,
nos casos mais evoluídos, é também suporte de uma expressão literária independente. Uma língua
considerada oficial em um país é expressa no texto constitucional. Língua materna (língua nativa) é
a primeira língua que uma criança aprende e que geralmente corresponde ao grupo étnico-linguístico
com que o indivíduo se identifica culturalmente.
79
A expressão língua materna provém do costume em que as mães eram as únicas a educar
os seus filhos na primeira infância, fazendo com que a língua da mãe seja a primeira a ser assimilada
pela criança, condicionando seu aparelho fonador àquele sistema linguístico.
O português é a língua oficial de Angola, mas a maioria da população angolana fala, como
primeira língua, alguma das línguas africanas de Angola. As principais línguas africanas faladas em
Angola são o Umbundo (Umbundu), o Quimbundo (Kimbundu), o Quicongo (Kikongo), o Tshócue
(Côkwe), o Ganguela (Nganguela) e o Cuanhama (Kwanyama). Além destas, são faladas dezenas de
outras línguas africanas.
Segundo Silva (2007) e Carvalho (2014), o Umbundu é a língua do grupo etnolinguístico
dos Ovimbundu. Eles englobam quinze povos de características étnicas muito similares, tais como:
os Bienos, Bailundos, Seles, Sumbes, Mbuis, Quissanjes, Lumbos, Dombes, Hanhas, Gandas,
Huambos, Sombos, Cacondas Xicumas, e Quiacas.
Para os mesmos autores, o Kimbundu é a língua do grupo etnolinguístico dos Ambundu
(Bundos). O Kimbundu é falado na região centro-norte nas províncias de Luanda, Malanje, Bengo,
Kwanza-Sul, Kwanza-Norte e uma pequena parte do Uíge. Englobam os Kimbundos uma média de
vinte povos, sendo, os Ambundos, os Lundas, os Hungos, Luangos, os Ntemos, os Punas, os Dembos,
os Ngolas, os Bondos, os Bangalas, os Holos, os Caris, os Xinjes, os Munungos, os Songos, os
Bambeiros, os Quissamas, os Libolos, os Quibalas, os Hacos, e os Sendes. Falam todos a mesma
língua apenas com alguma diferença fonética (SILVA, 2007; CARVALHO, 2014).
Para eles, o Kikongo é a língua do grupo etnolinguístico Bakongo. Os Bakongos
encontram-se no norte de Angola, nas províncias do Uíge, do Zaire e uma parte do Kwanza-Norte.
Entre os Bakongos se distingue dezoito povos, cuja maioria são os Kikongos (Muxicongos), os
Mussorongos, os Sossos, os Pombos, os Solongos, os Zombos (Maquelas), os Iacas e os Sucos. No
grupo Kikongo se encontram os Oios (Cabinda), Cacongos (Lândanas) e Iombes (Maiombes). Os
Kikongos de Angola são tidos como os “guardiões” das tradições culturais do grupo bantu, por estar
no território angolano, a antiga capital do grande reino do Congo (SILVA, 2007; CARVALHO,
2014).
O Tchokwe é a língua falada pelo grupo etnolinguístico Tchokwe. Neste grupo destacam-
se: os Bangalas, os Xinjes, os Mussucos, os Libolos, os Quibalas, os Bundos, os Sumbes, os
Huambos, os Bailundos, os Sambos, os Dembos, os Quissanjes, os Hanhas, os Gandas, os Bieno, os
Buenas, os Luchazes, os Bundas, os Uhanecas (Muílas, Quipungos, Gambos, Humbes), os Hereros,
os Dimbas, os Cuanhocas, os Cuvales, os Vátuas, os Cuissis, os Cuepes, os Bochimanes, os
Ambuelas, os Nhembas, os Camaxes, os Cuangares, os Ambó, os Xilongas, os Diricos, os
Cuanhamas, os Cuamatos, os Evales e os Nhanecas-Humbes.
80
Fazem também parte deste grupo os representantes das etnias Lunda-Tchinde, Lunda-
Ndemba, Matamba, Badinga, Maia, que possuem características comuns, indivíduos de pequena
estatura física que varia conforme a região. Assim como as várias tribos de Angola, os Lunadas
possuem ricas tradições orais. (Ibidem). Estes grupos estão presentes numa boa parte do leste de
Angola, desde a Lunda Norte e Lunda Sul ao Moxico e mesmo ao Bié.
De acordo com Silva (2007), Nganguela é língua do grupo etnolinguístico Tchingangela.
Pertencem a este grupo as etnias Luimbe, Luena, Lovale, Luchadi, Bunda, Camachi. Os Nganguelas
encontram-se no leste e sul de Menongue. Os Ovambus pertencem ao grupo etnolinguístico Ambo.
Este grupo engloba as etnias Evale, Cafima, Cuanhama, Cuamato, Dombondola e Cuangare. Os
Ambos encontram-se na província do Kunene, no sul de Angola.
Ainda para o autor, os Nhyanecas – Humbi pertencem ao grupo etnolinguístico
Lunhaneca. Fazem parte desse grupo as etnias Muílas, Gambos, Humbes, Dongenas, Inglos,
Cuanacuás, Andas, Quipungos, Quilenjes-Humbes e Quilenjes-Mussos. Os Lunhaneca encontram-se
no planalto da Huíla. Os Hereros pertencem ao grupo etnolinguístico Tcherero. Neste grupo
distinguem-se os agrupamentos étnicos: Dimba, Chimba, Chavícua, Cuanhoca, Cuvale e
Nguendelengo. Esse grupo é formado por etnias nômades. Encontram-se no sudeste de Angola na
faixa que separa o deserto de Moçâmedes e o Planalto da Huíla.
A reflexão apresentada mostra o processo da evolução das línguas no povo de Angola.
Aspecto que tem relação direta com o desenvolvimento da Identidade Cultural bem como uma
necessidade na educação nos dias de hoje.
Durante o período colonial, o uso das línguas indígenas estava praticamente circunscrito
ao ensino do catolicismo. Contudo, a língua portuguesa não conseguiu fixar-se em todo o território
devido à limitada utilização que as populações africanas dela faziam, principalmente nas zonas rurais,
permanecendo as línguas indígenas, relativamente intactas.
Com a independência do país, algumas dessas línguas adquirem o estatuto de línguas
nacionais, coexistindo com a língua portuguesa como veículos de comunicação e expressão,
teoricamente em pé de igualdade. A adoção da língua do antigo colonizador como língua oficial foi
um processo comum à grande maioria dos países africanos. No entanto, em Angola, deu-se o fato
pouco comum de uma intensa disseminação do português entre a população angolana, a ponto de
haver uma expressiva parcela da população que tem como sua única língua, aquela herdada do
colonizador.
Nesse sentido, segundo Quintiliano (2013), existem alguns traços sociolinguísticos que
definem como uma língua se estabelece em uma determinada comunidade linguística. Elia (2001)
destaca alguns: o primeiro traço é a língua berço, pois essa característica é dada quando a língua nasce
em um determinado país. O segundo traço é a língua materna, esta é a primeira língua aprendida pelo
81
falante, geralmente na infância, dos lábios de sua mãe ou de parentes próximos. Outro traço
sociolinguístico é a língua oficial – é a língua que o Estado reconhece como válida em sua vida
política e administrativa. O quarto chama-se língua nacional, tem-se por essa a língua falada sem
contrastes em toda a extensão do país.
Um traço interessante (e o mais recente) é o da língua de cultura. Ela permite o acesso à
cultura e sendo ela mesma um patrimônio cultural. O sexto traço é gerado pela língua de cultura,
sendo ele por sua vez a língua padrão, como o próprio nome estabelece, é a língua reconhecida pela
comunidade nacional e que se ensina nas escolas. Podemos classificar o outro traço como língua
transplantada, que é a língua levada de um país para o outro e estabelecida. E como exemplo, temos
a Língua Portuguesa, que após se estabelecer como língua oficial de Portugal, foi levada por meio
dos movimentos expansionistas a vários países, se estendeu por vários lugares e é hoje uma das
línguas mais faladas do mundo.
Observando-se esta análise, se pode compreender que a língua como parte da cultura
transmite e desenvolve a Identidade Cultural, considerada também como a base desse
desenvolvimento. Através da ação educativa, o meio social exerce influências sobre os indivíduos e
eles, ao assimilarem e ao recriarem essas influências, tornam-se capazes de estabelecer uma relação
ativa e transformadora em relação ao meio social. Tais influências se manifestam através de
conhecimentos, experiências, valores, crenças, modos de agir, técnicas e costumes acumulados por
muitas gerações de indivíduos e grupos, transmitidos, assimilados e recriados pelas novas gerações
(LIBÂNEO, 2006).
De acordo com o exposto, a educação foi sempre um processo que visou a preparação do
homem para as exigências da vida em todos os domínios: político, econômico, social e cultural.
Depois do período colonial e dos conflitos armados que o país conheceu, ainda assim, vários povos
de Angola continuam a preservar suas culturas e as línguas angolanas continuam a ser faladas, em
algumas regiões mais que outras por razões históricas.
Desde essa perspectiva, a língua, como parte da comunicação das pessoas, é base do
desenvolvimento identitário, que no ensino da História é muito importante. De acordo com Mattoso
(2008) citado por Joaquim (2015): “[…] a História constitui para a sociedade atual um dos
fundamentos mais importantes da memória coletiva e, por conseguinte, da consciência de identidade”.
Para Maria (2007), tudo o que rodeia a educação institucionalizada é fruto de nossa
própria história de sociedade em suas mais variadas ramificações. As concepções sobre a educação
também fazem parte dos caminhos tomados pela humanidade numa incansável procura de cultura e
conhecimento.
Enquanto segundo Carvalho (2012), as identidades estão intimamente vinculadas à classe
social, gênero, idade, etnia, raça, língua, costumes, educação, religião, que são tradições presentes
82
nas relações sociais. Uma reflexão acerca da pluralidade cultural, presente no cotidiano escolar,
ratifica a diversidade cultural como traço fundamental na construção das identidades, onde a língua
desenvolve um importante papel.
A reflexão sobre a identidade aponta para o processo de interação dos indivíduos nos
diversos espaços sociais, nos quais buscam construir uma gama de sentidos de si mesmos e,
simultaneamente, do outro. Esse processo de conhecimento não se reduz, contudo, apenas a um
conjunto de crenças e representações sobre os indivíduos, mas também, pelo ambiente social no qual
estão inseridos, e que se convergem na produção da identidade (CARVALHO, 2012).
No mundo contemporâneo, as identidades são necessárias para que reconheçamos nossa
pertença: o que somos, o que temos em comum, o que nos diferencia dos outros e o que gostaríamos
de ser. No caso de Angola, o ensino da História ocupa um lugar de extrema importância na formação
da consciência histórica no estudo do seu povo na dimensão da sua identidade cultural, política,
econômica, social e espiritual na busca de soluções dos problemas de cada etnia.
O processo de ensino-aprendizagem da História abre caminho para a formação de atitudes
de tolerância face às formas de pensar e de agir diferentes da nossa cultura. A aprendizagem da
História pode ajudar a compreender melhor a época em que vivemos, de maneira individual e coletiva,
do ponto de vista cultural e identitário.
É imprescindível que a História seja trabalhada nas aulas incorporando toda a sua
coerência interna e oferecendo as chaves para o acesso a sua estrutura como conhecimento científico
do passado. É mais interessante que os alunos compreendam como podemos conseguir saber o que
passou e como o explicamos, do que a própria explicação de um fato ou período concreto do passado.
Ximenes (2018) aponta que o processo de ensino-aprendizagem da História, em constante
diálogo com as diversas áreas e com as experiências próximas e locais do aluno, se solidifica e permite
que ele, enquanto cidadão, se perceba como um sujeito histórico no espaço, no tempo e da sua
comunidade.
No que tange ao ensino da História, seu pilar é sustentado pela tese de que a “educação é
vida”, ou seja, o aluno aprende e apreende não somente para utilizar o conhecimento objetivando
chegar a algum lugar, mas sim, possibilita relacioná-la com o espaço de vivência e experiência do
aluno. Assim, para Ximenes “deve haver relação íntima e necessária entre os processos de nossa
experiência real e a educação”, construindo assim, novas visões sobre o processo de aprendizagem
dos acontecimentos históricos (XIMENES, 2018).
Assim, acreditamos que a abordagem da Identidade Cultural no processo de ensino-
aprendizagem da História, tendo como bases o desenvolvimento da língua, caracteriza-se como um
importante instrumento metodológico no processo de ensino-aprendizagem.
83
CONCLUSÕES
84
REFERÊNCIAS
ANGOLA. Decreto Lei nº. 17/16, de 7 de outubro de 2016. Nova Lei de Bases do Sistema de
Educação e Ensino. Diário da República, I Série-Nº170, 2016b, p.3994-4012.
ANTUNES, I. Língua, texto e ensino: outra escola possível. São Paulo: Parábola Editorial, 2009.
LADICA, A.; CLAUDIA, A.; BATISTA, S. Identidade cultural dos refugiados: um olhar sobre a
realidade do Alto Tietê. Revista Diálogos Interdisciplinares. vol. 8 n. 3 - ISSN 2317-3793, 2019.
RESUMO
22
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Doutora em Educação. Instituto de
Humanidades e Letras. E-mail: anarita.barbosa@unilab.edu.br
23
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Graduanda em Pedagogia. Instituto
de Humanidades e Letras E-mail: gabibpts@gmail.com
24
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Instituto de Humanidades e Letras
Graduanda em Letras. E-mail: belisa.amaral@gmail.com
25
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB). Instituto de Humanidades e Letras.
Graduando em Letras. E-mail: habildollar@gmail.com
87
O brincar é uma ação inerente à infância, sendo substancial sua importância para o
desenvolvimento social, cognitivo e emocional das crianças. Diversos estudos, no âmbito do
Letramento Emergente (Emergent Literacy), também apontam que as experiências lúdicas que
envolvem práticas sociais de leitura e escrita na primeira infância propiciam um bom
desenvolvimento dos processos de alfabetização e letramento. Contudo, em contextos de históricas
desigualdades de oportunidades educacionais (e literárias), muitas crianças acabam ficando à margem
desses processos, sendo ainda mais necessário o fortalecimento das redes de apoio (escola, família,
comunidade), a fim de proporcionar experiências lúdicas de letramentos (KISHIMOTO, 2013;
SEMEGHINI-SIQUEIRA, 2013; BARBOSA, 2018).
A prática de ouvir e contar histórias, presente em diversos povos, culturas e gerações, é
uma possibilidade lúdica que aproxima as crianças dos contos de tradição oral, bem como das
histórias escritas, propiciando assim o desenvolvimento de seus processos de letramento e também
de alfabetização. Além disso, favorece o desenvolvimento de competências linguísticas e
metalinguísticas (PINTO; BIGOZZI, 2002; De BENI, CISOTTO, CARRETTI, 2002; BELLONE,
OGLETREE, 2004; PROPP, 1997; RAVID, TOLCHINSKY, 2002; WHITEHURST e LONIGAN,
1998; TEALE e SULBZBY, 1986).
Para além dos aspectos relacionados à cognição e à aprendizagem, o ouvir e contar
histórias também envolvem questões de natureza histórica, social, cultural, psicológica e identitária.
Conforme Bruner (1996), todo o processo de escolha dos contos, histórias e práticas lúdicas deve ter
o propósito de contribuir, de forma responsável, para a construção positiva das identidades das
crianças. Isso porque o conto propicia o desenvolvimento psíquico e emocional, a partir da construção
de processos de identificação com os modelos encontrados, representados pelas personagens e
histórias com as quais se tem contato, o que é ainda mais urgente em sociedades marcadas
historicamente por desigualdades, diversas formas de opressão, assim como pelo racismo epistêmico
(SANTOS, 1999).
Partindo deste propósito e em diálogo com a Lei 11.645/08 para o ensino da história e da
cultura afro-brasileira, africana e indígena, o projeto de extensão “Brinquedoteca de histórias:
ludicidade, contação de histórias e vivências de letramento na infância”, desenvolvido há um ano na
Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira (UNILAB), está ancorado em
três principais pressupostos: 1) a valorização da ludicidade nas práticas educacionais propostas para
a infância; 2) a valorização de práticas de leitura e de contação de histórias escritas e de tradição oral;
3) a boa escolha do repertório de contos orais e escritos, considerando as peculiaridades históricas e
socioculturais do contexto envolvido, bem como a implementação da Lei 11.645/08 – concernente à
construção positiva de identidades e à promoção de práticas educacionais decoloniais e antirracistas.
O projeto foi pensado, portanto, enquanto possibilidade de criar e experimentar “caminhos” para o
88
Figura 1 – Registro de atividade presencial realizada no mês de março/2020 pelo estudante da UNILAB,
Valdimiro, em uma escola pública do município de São Francisco do Conde – BA.
Figura 2 – Registro de atividade presencial realizada no mês de março/2020 pela estudante da UNILAB,
Gabriele, em uma escola pública do município de São Francisco do Conde – BA. Leitura do conto: “Tanto,
tanto!”, de Trish Cooke.
26
O Projeto Facul das Crias é uma ação de Extensão da Universidade, voltada para acolher, com atividades educativas e
lúdicas, as crianças filhas de discentes, docentes e técnicos do Campus do Malês.
27
As atividades da extensão ocorreram em parceria com o projeto de pesquisa “Oficinas Brincantes de alfabetização e
Letramento: espaços e possibilidades para o desenvolvimento sociocultural de sujeitos”.
89
Figura 3 – Organização dos áudios na plataforma digital do projeto, realizada por Belisa, voluntária do projeto.
Figura 4 – Registro da primeira história que foi divulgada no mês de abril, na plataforma SoundCloud.
Fonte: soundcloud.com/brinquedotecadehistorias
No segundo semestre de 2020, foram criadas mais duas plataformas. Uma delas seria para
dar continuidade às publicações após termos atingido o limite de material que poderia ser publicado28
, e a outra para ampliar a divulgação, tratando-se do mesmo material já existente na plataforma
SoundCloud.29
Figura 5 – Página inicial da Plataforma Spotify, com a coletânea de todos os áudios (podcasts) publicados.
28
https://soundcloud.com/brinquedotecadehistorias2.
29
https://open.spotify.com/show/1aY7caC0VfhhLE7e6zLjuw.
91
Fonte: open.spotify.com/show/1aY7caC0VfhhLE7e6zLjuw
Fonte: soundcloud.com/brinquedotecadehistorias/
92
Apesar de não termos realizado o contato direto com o público infantil, percebemos que
o redimensionamento das ações gerou outras possibilidades não imaginadas anteriormente, uma vez
que, ao longo de um ano de trabalho, construímos uma audioteca de histórias de acesso livre para um
público muito mais extenso. Tais ações terão continuidade mesmo em cenários de pós-pandemia, pois
buscam dar visibilidade, escuta e voz a atores sociais historicamente excluídos pelo racismo e pelas
desigualdades sociais, ao mesmo tempo em que apontam e experimentam estratégias educativas
lúdicas e criativas.
Em relação à interação com o público, tivemos dificuldades em ter retornos específicos
relacionados à interação das crianças com as histórias e como estavam sendo utilizadas por pais e/ou
educadores. Imaginamos que o próprio cenário de incertezas, inseguranças e dificuldades, em
decorrência da pandemia, pode ter sido um fator que de certa forma atrapalhou essa interação e
obtenção de maior retorno ao longo do tempo. Contudo, obtivemos alguns feedbacks interessantes,
conforme ilustram as imagens abaixo:
Figura 7 – Desenho da história30 preferida: O canto dos pássaros. Ouvinte: Levi Santana, seis anos,
residente em Salvador – BA.
Figura 8 – Desenho da história preferida: Quando o sol e a lua foram morar no céu. Ouvinte: Letícia, nove
anos, residente em Salvador – BA.
30
“A história que eu mais gostei de ouvir na brinquedoteca foi a do Canto dos pássaros. Eu gostei dessa história porque
gosto de pássaros e também gostei da parte que o mago jogou o pó mágico nos pássaros. Eu gosto de história de animais”.
93
Figura 9 – Desenho da primeira história ouvida por Enzo, 1 ano, residente na França: “Quando o sol e a
lua foram morar no céu”.
online, ou que apenas acompanham e apreciam cada publicação pelo simples prazer de ouvir histórias
e aprender coisas novas.
Além da contínua pesquisa, planejamento e divulgação de histórias, realizamos, no
segundo semestre de 2020, algumas atividades formativas no formato de lives, com a participação de
especialistas para tratar de temas vinculados às ações do projeto, por exemplo, a discussão sobre as
relações étnico-raciais a partir das histórias, que contou com a participação da Professora Claudilene
Silva. Os encontros foram mediados pelos estudantes colaboradores e divulgados por meio do canal
do Grupo de pesquisa GEPILIS/UNILAB31.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
31
https://www.youtube.com/watch?v=LYNLVQcHRAY&t=1860s.
95
REFERÊNCIAS
BELLONE, M.; OGLETREE, B.T. Usare i libri di fiabe e racconti per l’avviamento alla letto-
scrittura. Difficoltà di apprendimento, v. 9, n. 4, p. 521-530, 2004.
BRUNER, J. The culture of education. Cambridge (Mass.): Harvard University Press, 1996.
BRASIL. Lei nº 11.645, de 10 de março de 2008. Altera a Lei no 9.394, de 20 de dezembro de 1996,
modicada pela Lei no 10.639, de 9 de janeiro de 2003. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2008/ lei/l11645.htm.Acesso em 25 jul.2018.
DE BENI, Rossana; CISOTTO, Lerida; CARETTI, Barbara. Psicologia della lettura e della
scrittura. Trento: Erickson, 2002.
PINTO, Giuliana; BIGOZZI, Lucia (org.). Laboratorio di lettura e scrittura. Trento: Erikson, 2002.
PROPP, Vladimir. Morfologia della fiaba. Trad. it. S. Arcella, Roma,Newton Compton, 1997.
TEALE W. H.; SULZBY, E. Emergent literacy: writing and reading. Norwood: Ablex, 1986.
RESUMO
Este trabalho origina-se de um trabalho de conclusão de curso que buscou apresentar uma reflexão
sobre as dificuldades que o aluno contemporâneo apresenta para mobilizar o conhecimento adquirido
para ler textos teóricos e transformá-los em embasamento de suas reflexões no decorrer da formação
inicial. Na área de Letras, considerando que o estágio supervisionado é um momento em que o aluno
deve aprender a mobilizar as teorias para construir reflexões e compreensões sobre o ensino da língua
portuguesa, a escrita destituída da base teórica ou como mera reprodução, constitui-se em um sério
problema, uma vez que essa apropriação é fundamental para que se possa produzir conhecimento
sobre e para a escola. Diante disso, a pergunta central que conduziu o artigo foi se a escrita produzida
no e por meio dos relatórios de estágio supervisionado se configura como um recurso constitutivo de
conhecimento e, consequentemente, do sujeito que a produz? Para a efetivação da análise, foram
selecionados 20 relatórios para a composição do corpus, produzidos por alunos do Curso de Letras
da Universidade Federal do Triângulo Mineiro (UFTM) no ano de 2015, nas disciplinas estágio
supervisionado em Língua Portuguesa I e II. Dentre essas 20 produções, foram analisadas aquelas
que, por sua forma de construção, foram representativas dos modos como organizam a escrita do
gênero relatório e se apropriam das teorias linguísticas para produzir reflexões sobre o ensino-
aprendizagem da escrita. A escrita do relatório de estágio é um instrumento privilegiado para se partir
do dado concreto e chegar a uma reflexão de cunho teórico sobre a escrita como produção de
conhecimentos na universidade, a partir de uma concepção não dicotômica entre teoria e prática.
Como aporte teórico, foram utilizadas as teorias desenvolvidas por Barzotto (2007); Geraldi (2003);
Bianchi (2002) e Vásquez (1977). Os resultados da pesquisa mostraram que os professores em
formação tendem a relacionar a teoria em suas produções acadêmicas de modo bastante superficial,
ou seja, apropriação como forma de manter a formalidade que o gênero relatório de estágio
supervisionado demanda e não como embasamento de suas reflexões.
INTRODUÇÃO
32
Licenciada em Letras (Português e Espanhol). Mestranda em Educação pela Universidade Federal do Triângulo Mineiro
(UFTM). E-mail: agda.nmoreira@gmail.com
97
sujeito o traçado da entrada na linguagem feito por qualquer falante. A depender do encaminhamento
dado aos medos, ao refazer esse traçado, alguns passam a procurar um modelo que acomode o texto
e as posições nele constituídas para se livrar do embate com os próprios temores.
Para que se efetive como esse momento de constituição de conhecimento sobre a prática,
sobre o papel da teoria na prática, é necessário que o estagiário tome a teoria como um aporte
fundamental para a prática e, principalmente, se aproprie da teoria vista em sala de aula para organizar
o seu agir no campo prático. O aprendizado se dá pela compreensão da teoria e seu papel na
constituição de compreensões sobre a prática. A escrita do relatório, nesse sentido, é o momento de
expor a esse conhecimento e, principalmente, de articular esses conhecimentos de forma a produzir
outros novos conhecimentos sobre a prática de ensino e aprendizagem da língua portuguesa.
Diante disso, a pergunta central que conduziu a elaboração deste artigo foi se a escrita
produzida no e por meio dos relatórios de estágio supervisionado em Letras se configura como um
recurso constitutivo de conhecimento e, consequentemente, do sujeito que a produz? A escrita do
relatório de estágio é um instrumento privilegiado para se partir do dado concreto e chegar a uma
reflexão de cunho teórico sobre a escrita como produção de conhecimentos na universidade, a partir
de uma concepção não dicotômica da relação entre teoria e prática.
mera relação parafrástica com vistas a cumprir a organização do gênero relatório. Embora a paráfrase
seja um recurso utilizado para a escrita do texto, isso não pode justificar uma acomodação como o de
sempre retomar a escrita do outro como forma de produção de conhecimento. O estagiário precisa
apropriar-se do conhecimento teórico e fazer emergir sua criticidade, assim como confirmar ou
descartar um ponto de vista e mobilizar o embasamento teórico suficiente em suas práticas.
Bianchi (2002) afirma que estagiar é tarefa do aluno do curso de licenciatura e é preciso
que ele demonstre sua capacidade de reflexão e produção de conhecimento sobre os objetos e
problemas relacionados ao ensino da disciplina para qual está se formando; é também necessário que
exerça funções condizentes com o seu conhecimento teórico-prático e tenha consciência do papel
profissional que desenvolverá ao assumir a posição de educador. Para o autor, no estágio, a
observação prática dos espaços de atuação profissional sem articulação com a teoria não é suficiente
para se construir um saber sobre a realidade escolar que a cada dia se mostra mais caótica. A partir
disso, buscamos analisar se o aluno de Letras, ao cursar o estágio supervisionado, também mobiliza
as teorias para explicar os problemas de aprendizagem; ou seja, se mobiliza a teoria na prática,
sabendo atuar em salas com contextos diferentes, de modo a não ficar refém dos materiais didáticos,
por exemplo.
Barzotto (2007) parte do pressuposto que estudantes do Curso de Letras apenas seguem
o legado deixado por teóricos e não conseguem escrever partindo da teoria como base. Ou seja,
somente reproduzem o que leem e utilizam as teorias em contextos diferentes, além de possuírem
dificuldades de escrita. A partir da discussão proposta pelo autor, analisa-se como essa dificuldade se
materializa nos relatórios e as dificuldades de escrita. Fazer essa análise é importante porque
diferentes pesquisadores destacam ser preocupante o alto índice de estudantes que chegam aos cursos
universitários com dificuldades de escrita, em relação à norma culta, às variantes, ao conhecimento
da língua. No caso do profissional da área de Letras, esse problema ganha maior relevância porque é
o professor de língua portuguesa que ensinará a escrita na educação básica.
Segundo Brait (2000, p. 53), “o profissional de Letras terá que conhecer muito bem a
língua, as suas variantes, a sua norma culta. Terá ainda de estar atento às teorias da linguagem em
geral para ser capaz de enfrentar textos e fazer deles seu instrumento de ver e mostrar o mundo”. Ou
seja, saber escrever mobilizando as teorias de base dessa área é fundamental para que o professor de
língua portuguesa, no momento de exercício da docência, tenha condições de compreender e construir
estratégias visando à aprendizagem da escrita na escola.
Para Vásquez (1977), mesmo que a teoria seja vista de forma autônoma em relação à
prática, a prática não existe sem orientação teórica, ou seja, ambas caminham juntas. Entre essas
orientações o autor destaca o conhecimento da realidade que deverá ser transformada; da técnica que
100
deverá ser utilizada na transformação e da prática acumulada que deverá avançar em relação a
determinado nível teórico. Para esse autor,
Nota-se que não basta uma boa teoria para que a prática se realize com êxito, mas tão
pouco se entende que a prática se basta por si mesma. Em síntese, as teorias usadas para a análise dos
dados contribuirão para o alcance dos objetivos propostos, uma vez que, em relação ao uso da
linguagem, temos as assertivas de Geraldi e Brait, que mostram a importância da linguagem para a
construção do sujeito. Bianchi, que discute o papel do estagiário, oferece o suporte para as análises
sobre o modo como o aluno coloca em prática as teorias linguísticas, a aplicabilidade da teoria na
prática. Por fim, Vásquez contribui para a análise da relação entre teoria e prática nos relatórios.
Sendo assim, o estágio possibilita ao futuro professor realizar intervenções a partir da observação
sistemática da sala de aula, além de possibilitar que invista na possibilidade de atuação docente
reforçada por critérios teóricos.
PROCEDIMENTO METODOLÓGICO
Esta pesquisa é de caráter qualitativo, uma vez que, com base em Esteban (2010),
pesquisa qualitativa é um conjunto sistemático de atividades interpretativas que tem como principal
foco a construção e compreensão de fenômenos educativos e sociais. Para tanto, inicialmente foram
selecionados 20 relatórios de estágios supervisionados, produzidos por alunos do Curso de Letras da
Universidade Federal do Triângulo Mineiro no ano de 2015, nas disciplinas de estágio supervisionado
em Língua Portuguesa I e II. Dentre essas 20 produções, foram selecionadas 14 produções que, por
sua forma de construção, são representativas dos modos como os alunos, de forma geral, organizam
a escrita do gênero relatório. Por se tratar de uma pesquisa qualitativa, não será o dado repetido que
terá relevância, mas o dado que, na relação com outros, embora aparentemente isolado, permita a
construção de uma compreensão acerca de como o aluno se vê e mobiliza os recursos linguísticos e
discursivos na produção da escrita.
Os textos que compõem o corpus são identificados pela letra R de “relatório” e números
que indicarão se estagiário 01 ou 02 e assim sucessivamente. Ou seja, nesse sentido, a preocupação
maior é com a não identificação dos autores dos relatórios. Os autores dos relatórios foram
informados da realização da pesquisa e, no momento em que foram convidados a participar,
receberam o Termo de Consentimento Livre Esclarecido para assinatura (TCLE). Além disso, foram
101
informados de que poderiam desistir da participação na pesquisa – e não autorizar o uso do relatório
– a qualquer momento.
No que diz respeito à análise, como se trata de uma pesquisa ancorada na concepção
discursiva da linguagem, não serão priorizadas, embora consideradas, nas análises, características
“textuais” ou “formais” que perfaçam um “bom relatório de estágio” por si só, mas discutiremos
traços que apontem para uma relação produtiva do sujeito com as instâncias às quais ele se dirige em
seu texto e com aquilo que é tomado como objeto de seu discurso: as práticas de ensino na escola
básica. Nesse sentido, será também analisado como um enunciado se constitui enquanto portador de
um conhecimento do sujeito que o produziu.
Para a efetivação da análise das produções textuais discursivas, foram utilizados quatro
critérios que serão apresentados em subtópicos. Sendo assim, na seção 3.1, são analisados os aspectos
da descrição da prática de ensino e aprendizagem; em 3.2, são analisadas as operações discursivas
realizadas sobre os dados registrados nas práticas de observação e regências descritos e analisados
nos relatórios, ou seja, se os estagiários mobilizam e problematizam os dados observados e como
efetivam esses dados. Na sequência, em 3.3, apresenta-se o desenvolvimento da escrita partindo dos
conceitos teóricos apresentados no embasamento do relatório e o uso das afirmações teóricas nas
práticas de ensino registradas. Por fim, na seção 3.4, são analisadas as reflexões produzidas nos
relatórios sobre as aprendizagens a partir das práticas de ensino realizadas pelos estagiários e pelos
professores observados na escola básica.
O estagiário propõe o tema “Ditadura Militar no Brasil nos anos de 1964 e 1985” para
promover um debate e desenvolver o caráter crítico nos alunos com a justificativa de que isso não é
explorado pelo professor; porém, não apresenta ao leitor uma explicação sobre a escolha do tema,
também não diz muito sobre quais aspectos desse período/conteúdo será abordado em sala de aula.
Como intervenção, propõe a escrita de um parágrafo introdutório que, consequentemente, resultará
na produção de uma dissertação crítica e novamente não explica o que é esse crítico. Ao observar que
a turma não é participativa devido à timidez, o estagiário aplica uma atividade de escrita crítica, de
modo a suprir o debate. Diante da primeira problemática a ser enfrentada, a falta de participação da
turma, não descreve como chegou a essa conclusão, o que se torna superficial a escrita apresentada
no relatório. Posteriormente, verifica-se outro aspecto de descrição da prática de ensino referente ao
relatório 01:
A ideia de introdução de tais conceitos não foi tarefa fácil, mas houve extrema colaboração
por parte dos alunos [...]. Após a apresentação superficial dos conceitos de língua e linguagem
[...] o texto não foi reescrito, pois os alunos não devolveram no prazo [...] para concluir a aula
de regência foi um sucesso. [R 1, p. 5].
momento, explicaremos como se constrói uma produção textual, depois aplicaremos o tema,
corrigiremos e assim os alunos vão reescrever”.
Nos relatórios, ao professor é atribuído um papel de capataz de fábrica, como aponta
Geraldi (2003), cuja função é controlar o tempo de contato do aprendiz com o material previamente
selecionado. Além disso, conforme menciona o autor, os livros didáticos tendem a fundamentar-se
em dois tipos: livros textos para os alunos e livros-roteiros para os professores, ou seja, basta oferecer
um livro que ensine aos alunos o que for preciso e, consequentemente, solucione o despreparo do
professor. Porém, dessa forma, professor e aluno são automatizados e reduzidos a máquinas de
repetição material.
Nas últimas aulas observadas o professor fez uma revisão para a prova [...]. O professor pediu
que formulasse 5 questões para a prova que foi, com exceção de duas questões, toda de
múltipla escolha. Este tipo de avaliação não permitiu que os alunos demonstrassem
efetivamente os conhecimentos adquiridos e o domínio sobre eles para elaboração de um
texto, por exemplo. [R14, p.6].
Embora não tenham mobilizado teorias para embasar a crítica sobre a prática do
professor, observa-se que há uma discordância diante do que estava sendo analisado, algo pouco
manifestado pelos estagiários no decorrer da análise. Nota-se no excerto R12, a forma no qual o
professor explica os conteúdos, de modo simples, superficial, não mobilizando teorias em suas
práticas para melhor expor os conceitos. No excerto R14, o estagiário discorda do tipo de avaliação
aplicado pelo professor, alegando que não são condizentes. As críticas são registradas, porém a teoria
não comparece como recurso necessário para explicar onde está o problema com relação à prática do
professor. Fica para o leitor a impressão de que afirmou uma verdade que não carece fundamentação
e explicitação, mesmo tendo sido solicitada pela coordenação do estágio.
Tínhamos a todo o momento a ajuda da professora da escola que dava bastante dicas e nos
ajudava a como corrigir melhor as produções.
De acordo com Mendonça e Bunzen (2006, p. 202): “o ensino de língua portuguesa no EM
apresenta características especificas que se relacionam à organização dessa etapa de
escolarização [...]”
Segundo o texto “No espaço do trabalho discursivo, alternativas”, de João Wanderley Geraldi
(1997, p. 135) [...], temos a seguinte citação: “considero a produção de textos (orais e
escritos) como ponto de partida. [R7, p. 2].
105
A escrita do trecho acima não parte da teoria como base e é estruturada em parágrafos
com muitas citações, como se, diante do embate da escrita, recorresse à voz do outro para compor o
próprio texto. Esse pode ser o modo mais fácil que o estagiário encontra para resolver o problema da
escrita. Porém, torna-se preocupante quando consideramos que a escrita é constitutiva do sujeito e do
conhecimento. No trabalho que faz com e sobre a linguagem é que constituem a possibilidades de o
futuro professor construir para si um saber próprio sobre o ensino da língua portuguesa. Não há
dissertação sobre a citação utilizada em seu aporte teórico e, em seguida, inicia o parágrafo para
abordar sobre o modo como a gramática deve ser trabalhada. O estagiário, ou melhor dizendo, o
futuro professor de língua portuguesa e, consequentemente, mediador da escrita, faz uso das citações
como fonte para preencher o espaço frente a dificuldade para escrever sobre a aula. Tal ocorrência
mostra a dificuldade da escrita materializada nos relatórios, dificuldade em apropriar-se da teoria e
dissertar sobre como os conceitos auxiliarão no processo de estágio, qual a finalidade, em qual aspecto
a teoria irá auxiliá-lo na prática.
As citações, nos fragmentos acima, se tornam ponto de partida para dissertar sobre a
variante linguística, sobre o modo como é abordado no âmbito escolar, além da importância do texto.
A discussão que o estagiário traz, a partir das citações, é a de que, na maioria das vezes, estudar a
língua na escola resume-se em estudar a gramática e suas estruturas, porém, verifica-se que, no
trabalho com a voz do autor, os estagiários constroem sua visão em relação ao ensino da língua, uma
vez que manifestam suas opiniões frente a prática de ensino observada: “a escola abole qualquer
variante linguística de nossa língua, execrando toda diferença no modo de falar dos alunos que estão
inseridos naquele meio” ; “não basta que um professor mande o aluno ficar calado, decorando regras
previstas pela gramática tradicional”. A partir das citações, verifica-se também a concepção que o
estagiário assume em relação ao conhecimento prático dos princípios da linguagem e a gramática
interiorizada que cada aluno possui: “que o garoto ou garota não sabe falar português, ignorando todo
processo de aquisição da linguagem e causando desconforto na sala”; observa-se que os estagiários
viabilizam a língua como sendo dinâmica e, portanto, mediante ao tempo, sofre influências do
contexto sócio-histórico-cultural. Ademais, nota- se que a língua é entendida sob duas perspectivas:
um instrumento comunicativo ou um sistema cujos mecanismos estruturais visa identificar e
descrever.
Um professor de língua portuguesa precisa ter claro em sua mente a importância do que está
ensinando para seus alunos e deve manter o compromisso de não só ensinar, mas mediar o
processo de aprendizagem e isso não foi o que puder perceber. [R11, p. 12].
De acordo com esses excertos, verifica-se que os estagiários, mesmo quando buscam não
apresentar seu posicionamento crítico ao longo do relatório, optam por usá-lo no momento da
conclusão. Sabe-se que a própria seção permite tal criticidade, porém, nas seções de observações
diárias e regência também permitem essa análise. O estagiário tende a não expor a conduta do
professor, a didática e o âmbito escolar como um todo. Sendo assim, dificulta-se a visualização do
âmbito escolar no qual estão inseridos, de modo a prevalecer apenas à concepção que o professor tem
sobre a língua e o falho trabalho em relação à escrita. Os dados apresentados, de fato, são relatos
107
encapsulados na sua perspectiva. A voz do outro professor é encapsulada na sua que apresenta a
crítica sem dar ao leitor condições para construir uma leitura próprio do que foi visto pelo estagiário.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
precisa ser feita, mas que a busca pelo melhor deve ser uma constante ação de produção de novos
conhecimentos. Essa produção exige relação entre teoria e prática.
Os aspectos apontados a partir da escrita dos relatórios são relevantes porque, caso essa
dificuldade da não mobilização teórica perpetue, ou se não for manejada pelos professores
acadêmicos para que evidenciem aos seus estagiários sobre sua importância para a futura prática
efetiva, refletirá no ofício do futuro professor da educação básica. Nesse sentido, é necessário, na
universidade, trabalhar para que o futuro professor, já no momento do estágio, compreenda que o
papel da teoria é possibilitar diferentes leituras da prática e que ambas não ocorrem de forma
distanciada; o estágio é uma ação social e educacional, uma forma de intervir na realidade, não
bastando somente observar e/ou denunciar, é necessário enfrentar situações e buscar construir
alternativas de ação.
REFERÊNCIAS
PIMENTA, S. G. O. Estágio na Formação de Professores: unidade teoria e prática? 4.ed. São Paulo:
Cortez, 2001.
RESUMO
Os memes referem-se a qualquer assunto da sociedade que viralize na internet. Geralmente, são
compostos por imagens legendadas, vídeos ou gif’s com conteúdo humorístico a respeito de
determinado assunto. Em tempos de pandemia da covid-19, os memes se tornaram aliados na
divulgação de informações sobre a prevenção do vírus, e também uma espécie de “alívio” cômico em
meio às dificuldades que estão sendo enfrentadas. Dentre as características do gênero meme,
destacamos a multissemiose e a dialogicidade que esse gênero mantém com acontecimentos sociais,
com outros discursos já ditos e que são necessários para a atualização dos efeitos de sentido. Diante
disso, o presente trabalho objetiva discutir possíveis estratégias de leitura e produção textual e sugerir
uma proposta para o ensino do gênero meme nas aulas de Língua Portuguesa, tendo em vista a
funcionalidade e as características desse gênero digital no processo de interação social. O corpus é
composto por memes relacionados à pandemia da covid-19, bem como ao isolamento social, ao uso
do álcool em gel, à alta dos preços de alguns alimentos e às dificuldades relacionadas ao ensino e ao
trabalho de maneira remota. A análise do corpus se constitui como possibilidades de estratégias de
leitura para formação de um leitor crítico na educação básica, tendo como público alvo alunos do 9º
ano do Ensino Fundamental. Como referencial teórico, recorremos a Alves Filho (2011), à BNCC
(2018), a Rojo e Barbosa (2015), entre outros. Como resultados alcançados, entendemos que em sala
de aula, ao interpretar e criar memes, o aluno pode revelar seu ponto de vista sobre determinado
assunto, sua criatividade em organizar imagens e enunciados para tratar sobre um determinado tema
e também sua visão crítica do que está acontecendo na sociedade, entre outras habilidades.
Destacamos que foi perceptível a necessidade de selecionar um número significativo de textos
pertencentes ao gênero meme enquanto objeto de ensino. Além disso, ressaltamos que o trabalho com
o gênero meme poderá garantir a aproximação entre o ensino de Língua Portuguesa na escola com o
seu uso na vida real.
INTRODUÇÃO
33
Graduanda em Linguagens e Códigos/Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Maranhão, Campus São
Bernardo. Integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa Sobre Formação e Prática Docente de Línguas, Práticas de
Linguagem e Memórias do Ensino de Espanhol no Maranhão (GEPFMEM). Pesquisadora do projeto PIBIC na linha de
pesquisa intitulada “Práticas de Linguagem em Diferentes Contextos”. E-mail: elaynesilva2701@gmail.com
34
Doutora em Letras/Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (2018). Professora adjunta do Curso de
Licenciatura em Linguagens e Códigos/Língua Portuguesa, na Universidade Federal do Maranhão, Campus São
Bernardo. Líder do Grupo de Estudo e Pesquisa Sobre Formação e Prática Docente de Línguas, Práticas de Linguagem e
Memórias do Ensino de Espanhol no Maranhão (GEPFMEM). E-mail: eliani-phb@hotmail.com
110
Sobre gêneros
Segundo Bakhtin (2016, p. 12), “a riqueza e a diversidade dos gêneros do discurso são
infinitas porque são inesgotáveis as possibilidades da multifacetada atividade humana e porque em
cada campo dessa atividade vem sendo elaborado todo um repertório de gêneros do discurso [...]”,
isto é, na medida em que cada campo se desenvolve, novas formas de se comunicar surgem e outras
vão se modificando com as necessidades de interação ou com as novas tecnologias.
Marcuschi (2011) afirma que os gêneros circulam na sociedade das mais variadas
maneiras e nos mais variados suportes, são flexíveis e permitem lidar de maneira mais estável com
111
as relações humanas em que utilizamos a linguagem. Com o advento das novas tecnologias digitais,
os seres humanos passaram a se comunicar de maneira mais rápida e flexível, conforme Marcuschi
(2005, p. 16) afirma:
Pode-se dizer que parte do sucesso da nova tecnologia deve-se ao fato de reunir em um só
meio várias formas de expressão, tais como texto, som e imagem, o que lhe dá maleabilidade
para a incorporação simultânea de múltiplas semioses, interferindo na natureza dos recursos
linguísticos utilizados. A par disso, a rapidez da veiculação e sua flexibilidade linguística
aceleram a penetração entre as demais práticas sociais.
Com isso, novos gêneros foram surgindo e outros foram se adaptando ao longo do tempo.
Se antes enviávamos cartas impressas, hoje enviamos e-mails e podemos nos comunicar por meio das
redes sociais com pessoas que estão em diferentes partes do mundo. Além disso, temos facilidade em
acessar informações e compartilhar conteúdos sobre determinados assuntos que são do nosso
interesse.
Para Marcuschi (2005, p. 15), os gêneros digitais são “[...] gêneros textuais que estão
emergindo no contexto da tecnologia digital em ambientes virtuais”. O autor aponta que os gêneros
presentes no meio digital possuem características similares aos gêneros textuais já consolidados no
meio impresso e que eles apresentam um caráter inovador no contexto das relações entre fala e escrita.
No que diz respeito ao uso de tecnologias digitais no ensino, de acordo com a BNCC
(2018, p. 487), é preciso considerar “[...] propostas de trabalho que potencializem aos estudantes o
acesso a saberes sobre o mundo digital e as práticas da cultura digital devem também ser priorizadas,
já que, direta ou indiretamente, impactam seu dia a dia nos vários campos de atuação social [...]”. Por
outro lado, é importante ressaltar que muitas escolas ainda não possuem acesso à internet para todos
os alunos e também não têm equipamentos (computadores, tablets, smartphones, etc) suficientes para
auxiliar os estudantes durante as aulas.
Por isso, é necessário conhecer a realidade das escolas e dos alunos no momento de
escolher os gêneros que serão trabalhados em sala de aula. Mesmo com todas as dificuldades, de
forma direta ou indireta, os alunos estão inseridos em espaços virtuais e, diariamente, têm contato
com gêneros digitais, tais como: memes, vlogs, videoaulas, fanfics, notícias online, entre outros.
Desse modo, “[...] para além da cultura do impresso (ou da palavra escrita), que deve continuar tendo
centralidade na educação escolar, é preciso considerar a cultura digital, os multiletramentos e os
novos letramentos [...]”, conforme cita a BNCC (2018, p. 487).
O gênero meme
Segundo Martino (2014, p. 177), “[...] a palavra ‘meme’ foi usada pela primeira vez, no
sentido atual, pelo cientista britânico Richard Dawkins em seu livro O gene egoísta, de 1976”.
112
Conforme o autor, Dawkins buscou a palavra no grego antigo “mimeme” 35, para explicar a
propagação e transformação de ideias entre seres humanos por meio de replicadores culturais. A partir
de estudos feitos por Blackmore (1999), Shifman (2014), entre outros, os memes passaram a
representar elementos da cultura popular em ambientes virtuais.
Diante disso, atualmente os memes caracterizam-se como uma ideia ou conceito, que se
difunde rapidamente na internet, sobretudo nas redes sociais. Por se tratar de um gênero que está
presente predominantemente na mídia digital, os memes apresentam uma linguagem multimodal ou
multissemiótica. Segundo Rojo e Barbosa (2015), a linguagem multimodal ou multissemiótica refere-
se a textos que recorrem a mais de uma modalidade de linguagem, signos ou símbolos.
Na maioria das vezes, os memes são veiculados nas redes sociais (Facebook, Instagram,
Telegram, Twitter, WhatsApp etc.) e, dependendo do seu sucesso, podem ser compartilhados por
outras pessoas em diferentes ambientes virtuais. Por se tratar de um gênero relativamente fácil de ser
criado, os memes geralmente são feitos pelos próprios internautas, tendo em vista que podem ser
produzidos com qualquer programa editor de texto para computador ou aplicativo do celular. Diante
disso, Martino (2014, p. 178) destaca que “qualquer pessoa com conhecimentos rudimentares de
edição digital de imagens pode, potencialmente, se apropriar de uma ideia, modificá-la e compartilhá-
la”.
No que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, o gênero meme pode ser um bom
aliado às práticas de leitura e escrita, visto que sua forma composicional é relativamente simples e
que podem ser abordados aspectos relacionados aos elementos verbais e não verbais, os efeitos de
sentido e as condições de produção pelas quais os memes são criados.
Por se tratar de um gênero que tem como caraterística principal replicar acontecimentos
da sociedade de uma maneira humorística e/ou crítica, o gênero meme pode abordar diversos assuntos,
tais como: críticas sociais, fatos do dia a dia, notícias sobre o mundo dos famosos, entre outros.
Martino (2014, p. 179) destaca que os memes “[...] têm a capacidade justamente de atrair o interesse
de indivíduos e comunidades para determinados assuntos ou situações [...]”; a exemplo disso,
podemos citar o fato de que atualmente existem diversas páginas nas redes sociais que divulgam
memes para um público específico, a fim de propiciar laços comunicativos entre os indivíduos que
compartilham os mesmos interesses.
35
Martino (2014) explica que a palavra grega “mimeme” significa aquilo que pode ser imitado.
113
Devido à proliferação da covid-19, muitos internautas utilizaram suas redes sociais para
compartilhar memes sobre a pandemia. Dentre os principais temas, destacamos memes referentes ao
isolamento social, ao uso do álcool em gel, à alta dos preços de alguns alimentos e às dificuldades
relacionadas ao ensino e ao trabalho de maneira remota, com o intuito de apresentar possíveis
estratégias de leitura e produção textual para o ensino do gênero meme nas aulas de Língua
Portuguesa, tendo como público alvo alunos do 9º ano do ensino fundamental.
Alves Filho (2011, p. 51) destaca que “para se compreender satisfatoriamente um gênero
é necessário também compreender os contextos nos quais os seus textos são produzidos e postos em
circulação”. Isto é, ao levar um determinado gênero para a sala de aula, o professor precisa conhecer
previamente os textos que irá trabalhar, assim como o contexto no qual eles foram produzidos e o que
especificamente será analisado.
Tratando-se do contexto de pandemia, o professor pode recolher diversos memes de
diferentes veículos de divulgação, a fim de expor aos alunos como se dá a construção de sentidos
presentes em cada um deles, se eles dialogam ou não uns com os outros, se utilizam as mesmas
imagens, quais são as personagens que aparecem, em quais mídias são veiculados, entre outros
elementos. Diante disso, apresentaremos a seguir alguns memes sobre a pandemia que podem ser
utilizados nas aulas de Língua Portuguesa:
Figura 1 – Meme do caixão
36
Disponível em: <https://noticias.uol.com.br/cotidiano/ultimas-noticias/2020/04/16/sp-empresario-usa-meme-do-
caixao-em-outdoor-para-pedir-isolamento-social.htm>. Acesso em: 25 nov. 2020.
114
caixão” para alertar os moradores da cidade de Sorocaba sobre os riscos do novo coronavírus e sobre
a importância do isolamento social.
A propaganda feita pelo empresário refere-se aos vídeos compartilhados na internet, em
que carregadores de caixões dançam ao som da música “Astronomia”, de Tony Igy. A montagem dos
vídeos que deu origem ao meme é composta por uma sequência de imagens de alguém que está ao
ponto de se meter em problemas. Mas, antes da tragédia ser concluída, a sequência é interrompida e
surgem homens de terno preto dançando de maneira animada carregando um caixão, dando a entender
que a pessoa do vídeo morreu. De acordo com a reportagem, o vídeo original foi gravado em Gana,
pela emissora BBC37, para demonstrar que é uma tradição do país celebrar velórios com danças e
carregadores de caixões dançando.
Nesse sentido, em sala de aula é necessário que o professor aborde o contexto de situação
ao qual o meme está se referindo, para que os alunos possam entender as relações de sentido
constituídas a partir da leitura do texto e da imagem. Segundo Alves Filho (2011, p. 52-53), “o
contexto de situação corresponde à situação imediata na qual um texto é produzido e posto em
circulação, o qual pode incluir o tempo, o espaço físico e o suporte onde o texto é produzido e posto
em circulação, os interlocutores presentes ou presumidos [...]”. Além disso, o professor pode
perguntar aos alunos sobre o que as pessoas estão comentando com relação às medidas adotadas para
a prevenção do vírus, qual a opinião deles a respeito do que está sendo dito, quais são as relações
intertextuais presentes, se eles conhecem ou não as personagens demonstradas etc.
Além do isolamento social, a Organização Mundial da Saúde (OMS) recomendou o uso
do álcool em gel como forma de prevenção contra o novo coronavírus. Diante disso, o uso do produto
tornou-se obrigatório em muitos estabelecimentos públicos e privados, e as pessoas começaram a usá-
lo diariamente para não contrair a doença. Com isso, surgiram diversos memes com relação ao uso
excessivo de álcool em gel, como mostra a figura a seguir:
37
A British Broadcasting Corporation (Corporação Britânica de Radiodifusão, mais conhecida pela sigla BBC) é uma
corporação pública de rádio e televisão do Reino Unido.
115
38
Disponível em: <https://twitter.com/GatoConfuso/status/1239739344677715968/photo/1>. Acesso em: 25 nov. 2020.
116
Figura 3 – Meme 1 do preço do álcool em gel Figura 4 – Meme 2 do preço do álcool em gel
As figuras acima demonstram alguns memes que tratam sobre o preço elevado do álcool
em gel. Na figura 3, temos a imagem de um carro que está sem o assento traseiro e dentro do veículo
estão as personagens da família Simpson41: Homer (dirigindo o carro), Marge (sentada ao lado de
Homer), Lisa e Bart (em pé). Ao ser questionado sobre a ausência do assento, Homer responde da
seguinte maneira: “Tive que vender para comprar álcool em gel”. A partir da leitura da imagem e das
falas atribuídas aos personagens, podemos inferir que o criador do meme de maneira cômica associou
a venda dos bancos de um carro para expressar como um pai de família conseguiu comprar um
produto de higiene para manter sua família prevenida do vírus.
Por outro lado, na figura 4, podemos observar que o meme possivelmente diz respeito ao
lucro obtido pelos fabricantes de álcool em gel no ano de 2020. Na imagem, temos a presença da
personagem Denver, da série espanhola “La Casa de Papel”, deitado em cima de uma enorme pilha
de dinheiro, esbanjando um belo sorriso de felicidade. Apesar de os memes abordarem um mesmo
tema, podemos perceber que demonstram realidades diferentes. Se por um lado, temos uma família
que precisou vender o assento traseiro do carro para comprar álcool em gel; do outro, temos a
“imitação” do lucro obtido pelos fabricantes com a venda do produto.
39
Disponível em: <https://www.instagram.com/p/B99mVCTjIEc/>. Acesso em: 25 nov. 2020.
40
Disponível em: <https://i.redd.it/k7ud7z54v8m41.png>. Acesso em: 25 nov. 2020.
41
The Simpsons (Brasil: Os Simpsons) é uma série de animação norte-americana criada por Matt Groening. A série é
uma paródia satírica do estilo de vida da classe média dos Estados Unidos, simbolizada pela família protagonista, que
consiste de Homer Jay Simpson, Marjorie (Marge) Bouvier Simpson, Bartholomew (Bart) Simpson, Elisabeth (Lisa)
Marie Simpson e Margareth (Maggie) Simpson. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/wiki/Os_Simpsons>. Acesso
em:
117
Em sala de aula, o professor pode levar notícias (online ou impressas) que tratam sobre o
impacto da pandemia no preço de produtos e alimentos, para que os alunos possam compreender a
relação que os memes mantêm com acontecimentos sociais e com outros discursos já ditos que são
necessários para a atualização dos efeitos de sentido. Sobre isso, Alves Filho (2011, p. 56) destaca
que “quando observamos os usos efetivos dos textos em situações reais logo nos damos conta de que
os gêneros não existem isoladamente, nem possuem uma realidade inteiramente própria e apartada
dos outros”.
Assim como o álcool em gel, devido à grande demanda de vendas o preço do arroz
disparou em todo o país42. Com isso, diversos memes surgiram nas redes sociais e, consequentemente,
críticas ao atual Governo Federal, conforme mostra o meme a seguir:
Figura 5 – Meme do arroz
42
Ver mais em: <https://www.terra.com.br/noticias/coronavirus/por-que-o-arroz-esta-mais-
caro,cfb67eae19417928db0b72315fb46729jbzhdxqb.html>. Acesso em: 30 dez. 2020.
43
Disponível em: <https://twitter.com/CarlaCostaBrz/status/1304423160876597248/photo/1>. Acesso em: 25 nov. 2020.
44
Tags são palavras-chave ou termos associados a uma informação, tópico ou discussão que se deseja indexar de forma
explícita no aplicativo Twitter, e também adicionado ao Facebook, Google+, Youtube e Instagram. Hashtags são
118
alguns memes podem apresentar um teor político, a fim de reclamar direitos, apontar e/ou ridicularizar
ações, criticar posturas e de reconstruir sentimentos dos usuários das redes sociais.
Nesse sentido, a partir da leitura do meme podemos deduzir que a internauta demonstra
ser contra o Governo comandado pelo presidente Jair Messias Bolsonaro, visto que ela utiliza o
prefixo –des para demonstrar que ela sequer considera o atual Governo como tal. Em tom de ironia,
a internauta faz referência ao “Programa Minha Casa Minha Vida”45 ao perguntar se o Governo atual
criará o programa “meu arroz minha vida” para ajudar as famílias de baixa renda a comprarem o
alimento. Por fim, ao utilizar a hashtag “#MSTContraFome” a internauta demonstra apoio ao
Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, que doou cerca de mais de 1.200 toneladas de
alimentos durante a pandemia46.
Sobre o trabalho com gêneros discursivos em sala de aula, Alves Filho (2011) afirma que:
compostas pela palavra-chave do assunto antecedida pelo símbolo cerquilha (#). Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Hashtag>. Acesso em 30 nov. 2020.
45
O “Minha Casa Minha Vida” é um Programa do Federal, criado no ano de 2009 pelo Governo Lula, que tem como
objetivo promover a produção de unidades habitacionais para famílias de baixa renda. Disponível em:
<https://pt.wikipedia.org/wiki/Minha_Casa,_Minha_Vida>. Acesso em: 30 nov. 2020.
46
Ver mais em: <https://www.brasildefato.com.br/2020/06/03/campanha-nacional-do-mst-ja-doou-1-200-toneladas-de-
alimentos-durante-pandemia>.
119
que outras pudessem conhecer um pouco mais sobre as particularidades da nossa rotina e do nosso
lar. Diante disso, os memes a seguir tratam, respectivamente: sobre o trabalho e o ensino remoto.
Figura 6 – Meme sobre o trabalho remoto Figura 7 – Meme sobre o ensino remoto
47
Disponível em: <https://www.facebook.com/pocoyomemes1/posts/d41d8cd9/179501196875270/>. Acesso em: 30
nov. 2020.
48
Disponível em: <https://twitter.com/hfernandesbio/status/1329804870522691585/photo/1>. Acesso em: 30 nov. 2020.
49
Disponível em: <https://g1.globo.com/economia/noticia/2020/10/23/no-de-desempregados-diante-da-pandemia-
aumentou-em-34-milhoes-em-cinco-meses-aponta-ibge.ghtml>. Acesso em: 30 nov. 2020.
120
A figura 7 demonstra outra realidade de trabalho remoto, dessa vez referindo-se ao ensino.
O meme é composto por uma imagem de uma conversa que possivelmente aconteceu durante uma
aula virtual, seguida da legenda: “A vida online de quem dá aula num campus do interior”. Na
imagem, a frase “Professor, vou ter que da uma saidinha. Meu porco saiu do chiqueiro” está circulada
de vermelho para dar destaque ao que foi dito. Logo abaixo da frase, há a presença de uma sequência
de letras “K", que acabam produzindo uma onomatopeia de risada: kkkkkk. Vale destacar que o nome
das pessoas que escreveram as frases está coberto de vermelho, demonstrando que o criador do meme
teve a preocupação de não expor os indivíduos em questão.
Assim como o aluno que teve que sair da aula por causa da fuga de seu porco, diversos
outros alunos praticam atividades parecidas em seu cotidiano. Devido à pandemia, o ensino passou a
ser realizado de maneira remota e os estudantes tiveram que ficar em casa durante um período maior.
Com isso, a sala de aula teve que ser adaptada à realidade do dia a dia, e muitas pessoas tiveram que
lidar com dificuldades para poder conciliar os estudos com as tarefas de casa.
No momento da produção dos memes em sala de aula, o professor pode pedir para que os
alunos retratem como eles lidaram com as aulas remotas, revelando as suas dificuldades, impressões
e momentos engraçados no manuseio de aplicativos em ambientes virtuais. Alves Filho (2011, p. 51)
destaca que “[...] inseridos numa situação social e agindo de acordo com os papeis que desempenham
na sociedade, os sujeitos constroem uma interpretação da situação na qual se encontram e respondem
a ela com base nesta interpretação”. Desse modo, ao trabalhar com o gênero meme o professor
possibilitará que os alunos tenham a oportunidade de serem produtores de conteúdos que podem ser
usados como ferramenta de ensino nas aulas de Língua Portuguesa e das demais disciplinas.
Atualmente, existem vários aplicativos que possibilitam a criação de memes, tais como:
o Meme Generator Free, o Memedroid, o Criador de Memes, o Meme Creator, entre outros. Também
é possível criar memes através de ferramentas para edição de fotos, que estão disponíveis na maioria
dos celulares. Vale lembrar que o professor precisa considerar a realidade dos alunos e da escola ao
trabalhar com o gênero meme, para que dessa forma ele possa adaptar as atividades conforme as
necessidades de ensino/aprendizagem da turma. Diante disso, Rojo e Barbosa (2015) afirmam que:
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Sabemos que as práticas pedagógicas para o ensino de Língua Portuguesa ainda estão
muito ligadas à cultura dos textos impressos, porém precisamos levar em consideração que podemos
trabalhar com diferentes gêneros da esfera digital em sala de aula. Para realizar tal trabalho, a
realidade dos alunos e das escolas deve ser levada em consideração no momento de preparação das
aulas, tendo em vista o processo de ensino/aprendizagem dos estudantes.
Com o avanço das tecnologias digitais, a Base Nacional Comum Curricular e outros
documentos orientadores do trabalho pedagógico permitiram a incorporação de gêneros digitais no
ensino, com o intuito de promover a ampliação de competências e habilidades dos alunos nas práticas
de interação social, sobretudo em ambientes virtuais.
Ao longo deste artigo, vimos que o gênero meme vai muito além do humor, ele se constitui
como um artefato cultural da internet que propicia o engajamento social entre os usuários das mídias
digitais. Desse modo, ao trabalhar com o gênero meme em sala de aula, podemos propiciar aos alunos
o conhecimento e o aperfeiçoamento das múltiplas linguagens que compõem os processos de
interação do nosso cotidiano.
Portanto, é fundamental estimular a participação dos alunos no momento de análise e
criação dos memes, destacando a multissemiose e a dialogicidade que esse gênero mantém com
acontecimentos sociais e com outros discursos já ditos. Dessa maneira, esperamos que as sugestões
apresentadas possam contribuir para formação de leitores críticos na educação básica, visto que o uso
do gênero meme nas aulas de Língua Portuguesa pode auxiliar o trabalho com o imagético, com o
verbal e com o conhecimento prévio dos alunos a respeito dos acontecimentos da sociedade.
REFERÊNCIAS
ALVES FILHO, F. Gêneros jornalísticos: notícias e cartas de leitor no ensino fundamental. São
Paulo: Cortez, 2011.
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 28 dez. 2020.
__________. Gêneros textuais emergentes no contexto da tecnologia digital. In: MARCUSCHI, Luiz
Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. (Org.). Hipertextos e gêneros digitais: novas formas de
construção de sentidos. 2. ed. Rio de Janeiro: Lucerna, 2005.
ROJO, R. H. R.; MOURA, E. de. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola, 2012.
RESUMO
O trabalho com os gêneros multimodais está cada vez mais presente no processo de ensino e como
vivemos em um mundo tomado pelas tecnologias digitais, no qual nossos alunos estão cada vez mais
conectados, a tecnologia já se torna uma necessidade a ser estar inserida no ambiente escolar, em
especial dentro da sala de aula, para uso do professor e dos alunos e não apenas para uso dos trabalhos
em secretarias. E, devido ao grande advento das novas tecnologias de informação e comunicação
proporcionadas pela atual globalização tecnológica da sociedade moderna, notam-se novos desafios
para com os ambientes escolares, uma vez que eles se veem sujeitos a adotarem novas pedagogias
que façam uso de elementos tecnológicos, a fim de transformar as suas aulas em lugares multiletrados
que façam uso de elementos do cotidiano. Sendo assim, o presente trabalho pretende discutir o uso
das tecnologias na sala de aula e como se dá a interação de tecnologia e o ensino de Língua
Portuguesa, tal interação será comprovada por meio do uso dos multiletramentos na sala de aula. Para
tanto, a presente pesquisa será fundamentada em autores como Rojo (2012); Moran (2004); Lion
(1997) entre outros. Buscou-se realizar uma pesquisa bibliográfica sobre o uso das tecnologias no
ensino e as contribuições dos multiletramentos para esse processo, com o trabalho com os gêneros
multissemióticos que circulam em nossa sociedade, principalmente nas atividades diárias de
adolescentes e jovens, sujeitos que estão inseridos no processo de ensino de Educação Básica. Desse
modo, espera-se que esse trabalho possa contribuir para discussões acerca das tecnologias aliadas ao
ensino com base nas considerações dos multiletramentos, bem como para pesquisas futuras sobre o
tema, uma vez que ao se considerar o trabalho com as práticas de linguagem contemporâneas, é
imprescindível que se considere também as tecnologias, que se tornam aliadas do professor, além de
estar preparando o aluno para situações de seu cotidiano.
CONSIDERAÇÕES INICIAIS
É notório que a sociedade vem avançando em várias áreas. Diante disso, o sistema de
ensino não poderia deixar de se atentar para esses avanços e considerá-los em atividades dentro de
sala de aula e isso já vem acontecendo há muitos anos, de acordo com cada mudança e cada
ferramenta que surge.
Hoje em dia, vivemos em um mundo tomado pelo tecnológico digital, de modo que
muitos alunos estão cada vez mais conectados e a tecnologia cada dia avança mais e já se torna uma
necessidade estar inserida no ambiente escolar, em especial dentro da sala de aula, para uso do
professor e dos alunos.
50
Mestranda em Educação pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: teciene.souza1@estudante.ufla.br.
51
Graduanda em Letras pela Universidade Federal de Lavras (UFLA). E-mail: taisaragi@gmail.com.
124
Ao longo das últimas décadas, notamos que a revolução técnica e científica provocou
inúmeras mudanças com relação à forma como a sociedade se relaciona e interage entre si. Tais
mudanças são perceptíveis na interação escola e aluno, uma vez que devido a tal revolução
tecnológica na sociedade notamos a inserção das ferramentas midiáticas no meio educacional.
É perceptível que há uma grande circulação de novas tecnologias na atual sociedade
que contribui para a comunicação “instantânea”, no entanto, apenas o fato da existência de tais
ferramentas não contribui com um ensino multiletrado para com os alunos, ou seja, o uso de
tecnologias na sala de aula não irá contribuir para a desenvoltura do conhecimento, mas podem
facilitar o aprendizado dos alunos desde que seja utilizada de maneira adequada, afinal o contato com
tais ferramentas é inevitável e constante, dentro e fora da sala de aula,
Através da internet, tanto professores quanto alunos ampliaram seus horizontes do saber, e
passaram a conhecer e aprender coisas que até então eram de difícil acesso. Logo, a internet
trouxe para o ensino/aprendizagem a inovação das informações, aproximando as pessoas de
novos conhecimentos e até mesmo do mundo (SOARES, 2012, p. 2)
[...] à primeira vista, podem parecer simples desenhos, mas trazem não somente uma
oportunidade de trabalho com gêneros discursivos que fazem parte do cotidiano desses
alunos e do contexto de mundo do qual participam, como constituem um desafio teórico para
que esse trabalho pedagógico possa ser empreendido. (VILLARTA-NEDER; RAGI;
CASTRO, 2019, p. 179)
O professor, em qualquer curso presencial, precisa hoje aprender a gerenciar vários espaços
e a integrá-los de forma aberta, equilibrada e inovadora. O primeiro espaço é o de uma nova
sala de aula equipada e com atividades diferentes, que se integra com a ida ao laboratório
para desenvolver atividades de pesquisa e de domínio técnico-pedagógico. Estas atividades
se ampliam e complementam a distância, nos ambientes virtuais de aprendizagem e se
complementam com espaços e tempos de experimentação, de conhecimento da realidade, de
inserção em ambientes profissionais e informais. (MORAN, 2004, p. 2-3)
52
Para saber mais sobre o trabalho com o gênero videoanimação em sala de aula, indicamos a seguinte obra: FERREIRA,
Helena Maria; DIAS, Jaciluz; VILLARTA-NEDER, Marco Antonio. O trabalho com a videoanimação em sala de
aula: múltiplos olhares. São Carlos: Pedro & João Editores, 2019. Cap. 1. p. 179-194. Disponível em:
https://pedroejoaoeditores.com/2019/11/27/o-trabalho-com-videoanimacao-em-sala-de-aula-multiplos-olhares/ .
126
visando um ensino e aprendizagem que se relacione com a sociedade. Nesse viés é importante
ressaltar que os educadores compreendam que as TICs tratam-se de recursos digitais que envolvem
as novas ferramentas tecnológicas, como computadores, celulares, internet etc., a fim de que possam
utilizá-las na sala de aula como instrumento de ensino e aprendizagem dos alunos.
No entanto, mesmo com a importância e com as contribuições que as TICs podem trazer
para o ensino, é necessário considerar que a falta de infraestrutura midiática, encontrada em várias
escolas, principalmente no ensino público, dificulta a inserção de estudantes e professores na
sociedade da informação, todavia as novas tecnologias já estão contempladas na Base Nacional
Comum Curricular (BNCC), sendo assim cabe aos gestores públicos buscarem e se empenharem para
inserir e proporcionar equipamentos para as escolas a fim de cumprir seu papel com a educação
pública e aproximá-la do que é resguardado nos documentos norteadores da educação no país.
De acordo com a BNCC (2018), é de suma importância a utilização das novas
tecnologias de comunicação e informação no ensino, principalmente no que diz respeito às aulas de
línguas. Assim, é essencial “utilizar novas tecnologias, com novas linguagens e modos de interação,
para pesquisar, selecionar, compartilhar, posicionar-se e produzir sentidos em práticas de letramento
[...].” (BRASIL, 2018, p. 244). Isso, porque a linguagem utilizada para a interação, atualmente, se dá
por meio de redes sociais, nas quais produtor e leitor se comunicam por diferentes modos e
linguagens, ou seja, trocam mensagens de texto, áudio, vídeo, gifs, memes, emojis, entre outros, e que
também precisam ser consideradas em sala de aula.
Desse modo, os dispositivos móveis podem ser grandes aliadas nas práticas em sala de
aula, uma vez que, muitos dos alunos têm acesso a esses materiais e a maioria possui aparelhos
celulares que podem ser utilizados de maneira consciente e didática. Assim, o professor não precisa
necessariamente depender do computador, Datashow ou outro aparelho que a escola oferece e que
muitas vezes não conseguem atender a todos os professores. Com as diferentes opções disponíveis e
com as adaptações necessárias para cada turma e cada contexto, o profissional da educação poderá
buscar a inserção dos recursos tecnológicos em suas aulas e torná-las mais atrativas, além de ser uma
ótima maneira de relacionar o ensino da Língua Portuguesa com o cotidiano dos alunos.
Consequentemente, durante as aulas os alunos terão acesso a conteúdo e textos multimodais, que
compõem o cotidiano dos estudantes, desse modo temos que os alunos irão ter uma formação
continuada e maior participação das aulas, visto que eles poderão relacionar o material utilizado na
sala de aula com o que eles estão acostumados fora da sala.
A nova tecnologia está aqui. Não desaparecerá. Nossa tarefa como educadores é assegurar
que quando entre em aula faça-o por boas razões políticas, econômicas e educativas, não
porque os grupos poderosos querem redefinir nossos principais objetivos educacionais à sua
imagem e semelhança. (APLLE,1989 apud LION,1997, p.35)
127
O uso de tecnologias na sala de aula, além de se perceber que poderia ser uma
ferramenta de auxílio para o professor, se deu também pelo fato de que grande parcela dos alunos não
atentava ao conteúdo ministrado nas aulas, dessa forma, era notado que essa parcela ficava a aula
toda conectada em seus smartphones, ou seja, conectados a um mundo exterior à sala de aula, estando
na aula. Nesse ínterim, surge a ideia de utilizar esses recursos já frequentes na lista de presença da
classe de Língua Portuguesa por meio de um viés que contribua para o desenvolvimento dos alunos
perante as aulas.
Em algumas realidades, o professor vem perdendo o seu espaço na sala de aula devido
ao grande uso da tecnologia nas aulas, nesse viés temos que a proibição de tais equipamentos na sala
de aula não resolve em nada, diante disso há a necessidade da autorização do uso de tecnologias na
sala de aula, como mencionado anteriormente, mas de forma consciente e que contribua para o
desenvolvimento acadêmico dos alunos, a fim de tornar as aulas menos maçantes. Assim, segundo
Silva (2001, p. 30)
O método de ensino não acompanha a velocidade das mudanças e novidades que surgem a
cada momento. O aluno, por sua vez, perde o encantamento com o estudo formal e com a
sala de aula. Não é por nada que a opinião corrente entre os alunos é de que as aulas deveriam
ser alegres, descontraídas e criativas.
Devemos nos lembrar que os avanços tecnológicos a cada dia que passa influenciam
mais a maneira como as pessoas vivem e interagem, sendo assim a educação não pode ficar para trás,
ela deve utilizar tais mecanismos a seu favor a fim de realizar aulas interativas e atuais. De acordo
com Lion (1997, p. 30) “não educamos na homogeneidade, mas na diversidade. Sabemos que as
crianças estão informadas, não desconhecemos o poder dos meios de comunicação, mas relativizamos
sua influência.”. Vale ressaltar que o contato com os mecanismos tecnológicos é algo mundial e não
é isolado, desse modo se faz importante mostrar que a UNESCO lançou um guia “Diretrizes de
políticas para a aprendizagem móvel”, que estimula e recomenda o uso das TICs nas salas de aulas a
fim de que as disciplinas sejam ministradas.
No guia supracitado é possível encontrar treze motivos para o uso do smartphones na
sala de aula como ferramenta de ensino e aprendizagem, além de conter dez recomendações para os
governos adotarem as TICs em seus sistemas de ensino de disciplinas voltadas para a área de
linguagem. Alguns dos motivos presentes no guia e que gostaríamos de ressaltar no presente trabalho
são: “Permitir a aprendizagem a qualquer hora, em qualquer lugar; criar novas comunidades de
128
estudantes; apoiar a aprendizagem fora da sala; criar uma ponte entre a aprendizagem formal e não
formal; Auxiliar estudantes com deficiências” (UNESCO, 2014, p.16), entre outros.
Além do mais, o guia recomenda que alguns itens sejam seguidos com o intuito de
conciliar a sala de aula com o uso do celular como: “treinar professores sobre como fazer avançar a
aprendizagem por meio de tecnologias móveis” (UNESCO, 2014, p.33), afinal não adianta querer
inserir novas tecnologias na sala de aula se os professores não estiverem instruídos a como usar tais
recursos de maneira consciente, “os professores devem receber formação sobre como incorporá-las
com sucesso na prática pedagógica” (UNESCO, 2014, p.33). O professor é o mediador entre o
conhecimento científico e os alunos, sendo assim ele deve estar preparado para lidar com as novas
mudanças perpassadas dos novos tempos globalizados.
Tais pressupostos são elencados uma vez que os equipamentos tecnológicos fazem
parte do nosso cotidiano. Sendo assim, não há a opção de proibir o seu uso, em outras palavras, o uso
de mecanismo tecnológico na atual sociedade é inevitável e cabe ao ambiente escolar fazer uso deles
de maneira a contribuir para com o ensino e aprendizagem dos seus alunos.
Sustentando essa proposição, apoiamo-nos nas orientações de documentos que regem o sistema de
ensino, como a Base Nacional Comum Curricular – BNCC, que propõe que
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Ao longo da pesquisa realizada, notamos que a relação de tecnologia com a sala de aula
é inevitável devido à grande globalização que estamos vivendo nas últimas décadas. Desse modo, o
docente deve procurar um meio de anexar esses elementos externos à sala de aula com o intuito de
realizar aulas interativas e que preparem os alunos para a atual realidade que é vivida pela sociedade.
Sendo assim, nota-se que a comunidade escolar deve caminhar em conjunto com os avanços
perpassados na sociedade, a fim de realizar um ensino crítico e que contribua para o desenvolvimento
dos estudantes como futuros cidadãos críticos e ativos.
131
Para tanto, constatamos que o uso dos multiletramentos nas aulas, principalmente nas
aulas de Língua Portuguesa contribui de maneira progressiva para a inserção das tecnologias na sala
de aula de uma forma consistente e orientada pelo professor, ou seja, a partir do momento em que são
utilizados os multiletramentos nas aulas, celulares, internet, games, vídeos, músicas e diversos outros
textos multimodais advindos da era tecnológica não serão mais “distração” para os alunos, mas
material de aprendizado.
REFERÊNCIAS
FANTIN, Monica. Alfabetização Midiática na Escola. VII Seminário Mídia, educação e Leitura.
10 a13 de julho. Campinas, SP, 2007.
GARCIA, Clarisse de Paiva; SILVA, Marli Regina da; CASTRO, Silvana de Paula; VIEIRA,
Vanessa Ferreira. Multiletramentos no ensino público: desafios e possibilidades. Revista Práticas de
Linguagem, Juiz de Fora, v. 6, n. especial, p. 123-134, nov. 2016. Disponível em:
https://www.ufjf.br/praticasdelinguagem/files/2017/01/11-multiletramentos.pdf. Acesso em: 10 dez.
2020.
MORAN, José Manuel. Os novos espaços de atuação do professor com as tecnologias. Revista
Diálogo Educacional (PUCPR), Curitiba, PR, v. 4, n.12, p. 13-21, 2004.
RIBEIRO, Otacílio José. Educação e novas tecnologias: um olhar para além da técnica. In:
COSCARELLI, Carla Viana.; RIBEIRO, Ana Elisa. Letramento digital: aspectos sociais e
possibilidades pedagógicas. 3. ed. Belo Horizonte: Ceale; Autentica Editora, 2017, p.85-97.
ROJO, Roxane; MOURA, Eduardo. Multiletramentos na escola. São Paulo: Parábola Editorial,
2012.
SILVA, Mozart Linhares da (Org.). Novas tecnologias: educação e sociedade na era da informação.
Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
132
THE NEW LONDON GROUP. A pedagogy of multiliteracies: designing social futures. The
Harvard educational review, v. 1, 1996.
VILLARTA-NEDER, Marco Antonio; RAGI, Taísa Rita; CASTRO, Kleissiely de. Videoanimação
Reflexion: a construção da identidade feminina a partir da problemática do padrão de beleza. In:
FERREIRA, Helena Maria; DIAS, Jaciluz; VILLARTA-NEDER, Marco Antonio. O trabalho com
a videoanimação em sala de aula: múltiplos olhares. São Carlos: Pedro & João Editores, 2019. Cap.
1. p. 179-194. Disponível em: https://pedroejoaoeditores.com/2019/11/27/o-trabalho-com-
videoanimacao-em-sala-de-aula-multiplos-olhares/. Acesso em: 11 dez. 2020.
133
RESUMO
Este trabalho tem como objetivo analisar estratégias argumentativas e dialógicas presentes no gênero
artigo de opinião enquanto objeto de ensino. A partir disso, questionamos: como as relações
dialógicas colaboram na construção dos sentidos do gênero artigo de opinião? Como desenvolver
habilidades para formação de um leitor crítico tendo o artigo de opinião como objeto de ensino? A
metodologia utilizada para a realização da pesquisa é bibliográfica e tem como corpus de análise o
artigo de opinião retirado do jornal GGN, intitulado: “Para Bolsonaro, o nacionalismo está acima de
Deus”, de autoria de Albertino Ribeiro. Para fundamentar a pesquisa, recorremos aos estudos de
Bakhtin (2016[1979]), Antunes (2003), Rodrigues (2001), Boff, Köche e Marinello (2009), Authier-
Revuz (2004), entre outros. Como resultados parciais, destacamos que é preciso ir além do linguístico
para construir os sentidos do texto. Mas não o desconsiderando, uma vez que, este norteia o leitor
para as inserções da fala do outro presentes no texto, dando pistas sobre possíveis sentidos. O artigo
de opinião analisado mostra que muitos dos discursos citados das relações dialógicas funcionam como
estratégias argumentativas, as quais proporcionam que, durante o ato da leitura do texto, o leitor possa
construir sentidos. Buscando ainda compreender quais as intenções pretendidas pelo autor ao utilizar
discursos outros em seu processo argumentativo. Assim, é possível desenvolver práticas de leitura as
quais vão além da materialidade linguística, além da superfície do texto. Sendo possível analisar
discursos outros que estão no texto de forma marcada ou não. Desse modo, para que os alunos possam
aprender as características temáticas, estilísticas e composicionais do gênero artigo de opinião, é
necessário que eles leiam diferentes artigos de opinião, produzidos em espaços jornalísticos diversos.
O planejamento de atividades precisa considerar a dialogicidade existente entre o artigo de opinião e
outros acontecimentos discursivos.
INTRODUÇÃO
Muitas transformações têm ocorrido no que se refere a novas práticas de leitura e escrita
na contemporaneidade digital. As formas de comunicação, informação e interação exigem dos
falantes, novas habilidades. Portanto, cabe à escola ser sensível a essa nova realidade de uso da
linguagem, utilizando metodologias de ensino favoráveis ao desenvolvimento de habilidades que
garantam a formação de leitores e escritores competentes nesse novo contexto. Essa pesquisa visa
apresentar uma análise ilustrativa do gênero artigo de opinião, possibilitando a visualização de como
53
Graduada em Licenciatura em Linguagens e Códigos- Língua Portuguesa, pela Universidade Federal do Maranhão,
Campus São Bernardo. E-mail: marcialinguagens@hotmail.com.
54
Docente do Curso de Licenciatura em Linguagens e Códigos- Língua Portuguesa, da Universidade Federal do
Maranhão, Campus São Bernardo. Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco. E-mail: eliani-
phb@hotmail.com.
134
ensinar na sala de aula, a leitura do gênero artigo de opinião em seus aspectos temáticos, estilísticos
e composicionais, a partir de uma abordagem dialógica, contemplando aspectos linguísticos e
extralinguísticos.
Frente ao objetivo de apresentar uma análise ilustrativa, utilizamos como corpus um
artigo de opinião retirado do jornal GGN, intitulado: “Para Bolsonaro, o nacionalismo está acima de
Deus”, de autoria de Albertino Ribeiro. Contudo, reconhecemos a importância de ensinar um gênero
a partir de vários textos, ou seja, de vários exemplares desse gênero. Portanto, a escolha por um único
texto justifica-se por uma questão metodológica de espaço.
O gênero artigo de opinião é importante para ser trabalhado no processo de ensino, mais
especificamente, no processo de leitura. Pois ele permite ao aluno, desenvolver uma leitura crítica,
na qual ele busca informações, busca estabelecer relações de sentidos com outros discursos, os quais
foram utilizados pelo articulista, tendo em mente a construção dos sentidos do texto que ele está
lendo.
Os alunos precisam conhecer a estrutura e a função social dos gêneros. E a partir disso,
conhecer suas características, as estratégias argumentativas utilizadas na sua produção, as intenções
enunciativas de quem escreve.
De acordo com a teoria dialógica de Bakhtin, a todo momento em que o sujeito enuncia,
produz um discurso, em meio ao seu processo argumentativo. Ele está sempre a retomar discursos
anteriores ao seu. Ou seja, ele estabelece relações de sentidos com outros discursos, caracterizando o
que Bakhtin (2016[1979]) define como Relações dialógicas.
As relações dialógicas são relações (de sentidos) entre toda espécie de enunciados na
comunicação discursiva. Dois enunciados, quaisquer que sejam, se confrontados no plano do
sentido (não como objetos e não como exemplos linguísticos), acabam em relação dialógica
[...] (BAKHTIN, 2016[1979], p. 92)
Como destacado por Bakhtin (2016[1979]), quando um discurso é analisado apenas numa
perspectiva de análise linguística, como objeto de análise, não há a presença das relações dialógicas.
Para haver relações dialógicas, é necessário analisar um discurso além de sua materialidade
linguística, é necessário relacioná-lo com discursos anteriores a ele, analisar o contexto extraverbal,
as ideologias presentes em tal discurso. Pois, como destaca Bakhtin/Volochínov (2014, p. 34) “[...]
A consciência só se torna consciência quando se impregna de conteúdo ideológico (semiótico) e,
consequentemente, somente no processo de interação social”. Todo discurso está repleto de
ideologias, de posicionamentos, valorações.
135
[...] incorporação de outras vozes ao discurso do autor, avaliadas positivamente, que são
"chamadas" para a construção do seu ponto de vista, que se denominou como movimento
dialógico de assimilação (ou acentuação, confluência); e o apagamento, distanciamento,
isolamento, desqualificação das vozes às quais o autor se opõe, que se denominou como
movimento dialógico de distanciamento (ou desqualificação, reacentuação). (RODRIGUES,
2001, p. 164)
caráter de responsividade, pois tais discursos surgem como uma réplica do discurso do outro, uma
resposta.
O articulista, ao produzir um artigo, está expondo, assumindo uma atitude valorativa a
respeito do assunto que está sendo tratado. E para isso, vai retomando outros discursos, discursos
alheios, estabelecendo relações de sentidos para com eles, tendo em vista a construção de sua opinião.
E para isso, o autor faz uso das estratégias argumentativas em meio a construção de seu texto,
estratégias estas, já ressaltadas no tópico anterior.
Assim, quando levado para a sala de aula, como um objeto de ensino, o gênero artigo de
opinião pode ser explorado de forma bastante produtiva. Uma vez que, os alunos terão contato com
um gênero que trata sobre temáticas de forma crítica. Proporcionando a eles, uma leitura que extrapola
os limites do linguístico, ou seja, os alunos serão levados a buscar o já dito por outro (s), para construir
os sentidos do texto, o qual eles terão contato. Isso permite aos alunos estabelecer relações de
sentidos, relações dialógicas com outros discursos, anteriores ao atual. Eles irão precisar retomar
notícias, comentários, etc. E com isso, eles se posicionarão de forma crítica. Além de ativar seus
conhecimentos prévios.
Além disso, em relação ao trabalho com gêneros no processo de ensino, Boff, Koche e
Marinelo (2009) destacam que: “[...] cabe à escola protagonizar ações que permitam ao estudante
conhecer a especificidade e a finalidade de cada gênero, considerando-se as necessidades enfrentadas
no dia-a-dia” (p. 02). Ou seja, é papel da escola, em meio ao processo de ensino, apresentar os gêneros
aos alunos, e levá-los a compreender a finalidade, as especificidades, de cada um desses gêneros.
Rojo e Barbosa (2015) destacam a importância dos multiletramentos no ensino de práticas
de leitura e de escrita de gêneros digitais, no tocante ao desenvolvimento de novas habilidades que
permitam os alunos a lerem e escreverem com mais criticidade e ética no espaço digital, frente ao
surgimento de novas formas de comunicação, informação e interação. Em consonância com esse
pensamento, a BNCC (2018), sugere o desenvolvimento de habilidades dentro do campo jornalístico-
midiático voltadas para a dialogicidade, criticidade e ética.
Nesse sentido, compreende-se a importância e os pontos positivos de desenvolver o
trabalho com o gênero artigo de opinião. E além disso, ter em vista um processo de leitura, no qual
os alunos trabalhem essa retomada a discursos outros. Ou seja, os alunos passaram a desenvolver o
processo de leitura tendo em vista o aspecto dialógico da linguagem, possibilitando a eles,
construírem sentido (s) ao que estão lendo.
apenas no linguístico do texto, mas uma leitura que extrapole, que vá além do material linguístico do
texto.
Ao tratar sobre o processo de leitura, Antunes (2003) destaca que ainda há muitos desafios
a serem superados. Entre esses, o fato de que ainda há na atualidade, o desenvolvimento de atividades
de leitura: “[...] centrada nas habilidades mecânicas de decodificação da escrita [...] quase sempre,
nessas circunstâncias, não há leitura, porque não há "encontro" com ninguém do outro lado do texto”
(p. 27). Ou seja, a decodificação da escrita é colocada de forma superior à compreensão do texto, a
construção dos sentidos deste. Sendo importante assim, por meio da leitura, levar os alunos à
construção de uma compreensão de forma crítica, em que eles não apenas leiam o material linguístico,
sem objetivos, mas que busquem nas entrelinhas os sentidos do texto. Sentidos esses que são possíveis
por meio de retomada a outros discursos. Permitindo ainda, perceber a relação com o contexto
extraverbal.
Aqui entra o papel do gênero artigo de opinião enquanto objeto de ensino. Esse gênero
possibilita aos alunos, recorrerem a discursos anteriores ao atual, de modo que ao fazerem isso, estão
estabelecendo relações de sentidos com outros discursos. Compreendendo-os e atribuindo a eles
novas valorações, visto que eles irão posicionar-se de forma crítica. Sendo necessário, assim, que os
alunos ativem seus conhecimentos prévios a respeito da temática abordada no artigo de opinião.
Compreende-se desse modo, como destaca Antunes (2003, p. 78):
[...] as informações prévias com que o leitor chega ao texto, derivadas de seu próprio
conhecimento de mundo e das relações simbólicas que, aí, estabelece, também cumprem um
papel fundamental na atividade de compreensão do texto [...] (ANTUNES, 2003, p. 78)
Muito daquilo que o aluno compreende do texto, parte do que ele já tem em sua bagagem
de conhecimento, isto é, os conhecimentos prévios. Ele retoma esses conhecimentos, discursos
anteriores e, assim, constrói as relações dialógicas que proporcionam construção e compreensão dos
sentidos do texto que o aluno está lendo.
Como destaca Antunes (2003), o sentido de um texto não depende unicamente do próprio
texto, assim como também não depende unicamente do leitor, depende de ambos. Pois, o material
linguístico apresenta os caminhos para a construção dos sentidos, e o leitor, por meio de seus
conhecimentos prévios, e de retomadas a outros discursos, constrói esses sentidos. Conhecimentos
esses que, como destaca Antunes (2003), são anteriores ao que ali está no texto. Assim ocorre quando
um artigo de opinião é analisado, pois o leitor terá que recorrer a notícias produzidas anteriormente
ao artigo, assim como comentários, etc. Ou seja, os argumentos utilizados no artigo surgiram tendo
como base outros discursos que já estão a circular no meio social.
139
Ainda de acordo com Antunes (2003), o sentido de um texto “[...] é de agora e é de antes”
(p. 78). Isto é, o sentido do texto parte do material linguístico, mas o leitor precisa do extraverbal,
precisa retomar acontecimentos, discursos anteriores ao atual, para construir esses sentidos, para
acompanhar a linha de raciocínio do autor, e produzir suas valorações a respeito do que está lendo.
Nota-se a importância de que o aluno não esteja preso apenas ao material linguístico, mas que ele
analise, esteja atento às marcas linguísticas, às estratégias argumentativas, as quais direcionam o leitor
a construir os sentidos do texto.
Nesse sentido, pode-se recorrer a Antunes (2003) quando ela destaca que, “[...] se pode
perceber o quanto a interpretação de um texto depende de outros conhecimentos além do
conhecimento da língua [...]” (p. 68- 69). Isto é, para que os alunos compreendam um texto, depende
não apenas de conhecimentos linguísticos, mas depende muito dos conhecimentos de mundo que eles
trazem em sua bagagem, seus conhecimentos prévios.
No tópico a seguir será realizada a análise do artigo de opinião, tendo em vista as
estratégias argumentativas utilizadas pelo articulista e como essas estratégias permitem ao
leitor/aluno construir os sentidos do texto.
Será discutido aqui sobre as possibilidades de análise do gênero artigo de opinião, tendo
em vista as estratégias argumentativas utilizadas pelo autor. Estratégias essas que são utilizadas tendo
em vista a inserção do discurso outro no gênero artigo de opinião que, neste caso, será o artigo
intitulado “Para Bolsonaro, o nacionalismo está acima de Deus”.
Algumas das estratégias argumentativas mais recorrentes no texto são as relações
dialógicas de aproximação, nas quais o autor preserva os sentidos do discurso do outro, o qual está
sendo utilizado. E as relações dialógicas de distanciamento, em que ao discurso utilizado são
atribuídas novas valorações, neste caso, valorações negativas, afastando-se dos sentidos desse
discurso que foi utilizado. Podendo ser perceptível, por exemplo, por meio de ironias. Desse modo,
essas estratégias argumentativas marcam a presença do discurso do outro no atual. E esse uso pode
vir, como destaca Rodrigues (2001, p. 173), por meio do movimento dialógico de assimilação e
movimento dialógico de distanciamento.
Nas análises que serão realizadas adiante, poderá ser observado que, como destaca
Bakhtin (2016[1979]), os discursos formam um elo. Pois eles mantêm relações de sentidos com outros
discursos, ao serem retomados. No artigo de opinião, será possível observar que os argumentos
utilizados surgiram do embate com outros discursos, isto é, eles são réplicas. Discursos esses de
caráter político, religioso, entre outros. Assim, o artigo inicia da seguinte forma:
140
Logo de início, o leitor já pode observar que o texto irá discutir sobre questões políticas,
pois há o nome de Bolsonaro e a ideia do nacionalismo logo no título. Isso permite ao leitor ativar
várias relações dialógicas para com outros discursos, os quais circulam na mídia jornalística. Sendo
assim, os argumentos utilizados pelo articulista, surgem a partir de uma atitude responsiva, em relação
a esses discursos que circulam no meio social. E com isso, atribui a eles novas valorações, as quais
ocorrem por meio das retomadas aos discursos alheios, realizadas pelo articulista.
O autor faz o uso do slogan da campanha presidencial, de forma direta, por meio de uma
heterogeneidade mostrada marcada, como destaca Authier-Revuz (2004), por meio do uso das aspas.
Nesse momento, o articulista busca mostrar seu distanciamento em relação ao slogan da campanha
de Bolsonaro. Ao serem usadas as aspas, o articulista realiza o que Rodrigues (2001) chama de
movimento dialógico de distanciamento. Ou seja, o autor busca desprestigiar, distanciar-se do ponto
de vista defendido pelo discurso, isto é, pelo slogan. O articulista busca distanciar-se da ideia de
religiosidade presente no governo e nos discursos de Bolsonaro.
Além disso, é importante observar os sentidos atribuídos às palavras “tudo” e “todos” no
discurso. Observando os sentidos em que elas estão sendo utilizadas, compreende-se que o “tudo”
está relacionado ao todo, todos os seres, tudo que existe. Enquanto o “todos” corresponde apenas a
141
uma parte específica que forma esse “tudo”, todos nós, todas as coisas. Nesse sentido, o governo de
Bolsonaro está acima de “tudo”. Enquanto Deus é colocado em uma posição inferior “acima de
todos”. Diante disso, observa-se que o nacionalismo está acima de tudo, até mesmo acima do próprio
Deus.
Uma das estratégias argumentativas do articulista consiste em que ele dialoga com seu
leitor, prevendo a réplica antecipada. Momento no qual ele tenta convencer o seu leitor a adesão do
seu ponto de vista. Assim, ele utiliza a expressão “Quem não lembra da frase da ministra Damares no
dia da posse”. Aqui o leitor é instigado a ativar o já dito, ou seja, a retomar ao discurso da ministra.
Citamos Antunes (2003, p. 68- 69), quando destaca que, para que haja uma interpretação e
compreensão do texto, são necessários conhecimentos que vão além dos conhecimentos linguísticos,
isto é, da língua. Os alunos/leitores precisam ter conhecimento desses discursos já ditos, ativando
assim, seus conhecimentos prévios, para construírem os sentidos do texto.
O articulista fala ainda sobre a ministra Damares (a então ministra da Mulher, Família e
Direitos Humanos), apresentando de forma direta, o discurso proferido por ela no dia de sua posse,
“Somos um estado laico, mas essa ministra aqui é terrivelmente cristã”. Em que o articulista
argumenta em uma relação de oposição ao dito.
A ministra Damares não percebeu que sua frase foi um ato falho, onde a expressão
“terrivelmente cristã” desnuda a personalidade de um grupo de pessoas contraditórias que
coloca um grande abismo entre o discurso e a prática cristã.
Há logo no início, uma glosa, um comentário, o qual possui um valor negativo em relação
ao discurso da ministra “sua frase foi um ato falho”. O articulista busca mostrar que a fala da ministra
foi falha contra ela mesma, pois há pessoas que proferem um discurso, todavia, seus discursos não
condizem com sua prática. Nesse momento, o articulista busca convencer seu leitor, buscando
redefinir a contra palavra do outro (BAKHTIN, 2016[1979]).
Além disso, o adjetivo utilizado “terrivelmente” entra em uma relação de oposição com
“cristã”. Pois ele argumenta contra o sentido de religiosidade do dito, isto é, do discurso da ministra,
havendo, assim, uma relação de distanciamento (Rodrigues, 2001).
Percebe-se aqui que o aluno/leitor precisa retomar os seus conhecimentos prévios, precisa
ativar esses conhecimentos, como destaca Antunes (2003). Mas, também precisa estar atento às
estratégias argumentativas presentes no texto, as quais proporcionam ao leitor construir os sentidos.
O autor continua sua argumentação da seguinte forma:
142
Entre as duas palavras – terrivelmente e cristã – a que tem servido de exemplo para as ações
do governo é a palavra terrivelmente. Se o leitor acompanhar meu raciocínio irá concordar com
este humilde colaborador. A última decisão tomada pelo governo de Bolsonaro foi
“terrivelmente anticristã”, pois revogou a adesão ao pacto global de imigração, acompanhando
os EUA e Hungria cujas lideranças também são terríveis. Uma atitude completamente contrária
aos ensinamentos do cristianismo, inclusive, é algo criminalizado no velho testamento onde
prevalecia a lei de Talião (“Dente por dente olho por olho”).
Percebe-se que o autor se preocupa com seu leitor, pois ele o chama novamente para a
sua construção argumentativa, ao dizer “se o leitor acompanhar meu raciocínio irá concordar com
este humilde colaborador”. Aqui há o encontro entre leitor e autor, o que Antunes (2003, p. 27) sugere
que aconteça no momento da leitura. Assim, o articulista busca convencer o seu leitor, do seu ponto
de vista defendido. O aluno precisa ser orientado a observar essas estratégias argumentativas como
constitutivas de sentidos.
O articulista, ao utilizar e ao dar ênfase às palavras terrivelmente e cristã, busca de forma
clara, mostrar que a palavra terrivelmente dialoga com o governo de Bolsonaro, pois a não adesão ao
pacto global de imigração não condiz com uma atitude cristã. Ao utilizar o discurso da ministra, o
articulista atribui a ele uma nova valoração, por meio da relação dialógica de distanciamento, quando
usa a expressão “terrivelmente anticristã”. Os sentidos empregados nessa expressão, pelo articulista,
são diferentes dos atribuídos pela ministra. Assim, o articulista busca mostrar esse não sentido de
religiosidade presente nos discursos e no governo de Bolsonaro.
Retomamos Antunes (2003, p. 67), quando ela destaca que o leitor deve atuar de forma
participativa, buscando construir os sentidos do texto, buscando interpretá-lo, e buscando ainda
entender as informações sobre o que o autor busca dizer, quais as suas intenções.
Diante disso, o aluno precisa estar atento às informações, às estratégias argumentativas,
buscando compreender, por exemplo, porque o autor utilizou o discurso da ministra substituindo a
expressão dita por ela, por “terrivelmente anticristã”. Ou seja, quais os efeitos de sentidos pretendidos
pelo autor, quais as intenções dele ao fazer isso. Pois como visto, há uma intenção, há uma nova
valoração sendo atribuída à expressão. E o aluno, enquanto leitor participativo da construção dos
sentidos, precisa ser levado a compreender isso.
Não obstante aos ensinamentos bíblicos, o mesmo governo que levanta a bandeira da
cristandade, dizendo colocar Deus acima de todos, peca colocando o nacionalismo acima de
Deus. Recentemente o papa Francisco, em um encontro com diplomatas, alertou sobre o
ressurgimento do nacionalismo e fez um apelo para que os países cumpram o acordo de
imigração para ajudar os refugiados que hoje são, segundo a ONU, 21,3 milhões de pessoas.
É mais de três vezes a população da cidade do Rio de Janeiro, onde Bolsonaro morava a até
pouco tempo.
143
Nessa parte do texto há uma oposição de discursos, entre o que pregam os ensinamentos
bíblicos e o discurso nacionalista de Bolsonaro, no qual coloca Deus acima de todos. Há também a
presença de uma heterogeneidade mostrada marcada, por meio do discurso indireto. Evidenciado por
meio dos verbos dicendi “dizendo” e “alertou”.
Além disso, o autor retoma o discurso do Papa Francisco, o qual foi proferido em um
encontro com diplomatas, momento no qual ele chamou a atenção para o ressurgimento do
nacionalismo55. O articulista, por meio de seus argumentos, busca evidenciar que há o nacionalismo,
a exaltação da pátria, como algo superior até mesmo a Deus, no governo de Bolsonaro.
O articulista mostra por meio de seus argumentos que a não adesão ao pacto global de
imigração deixa claro que o governo de Bolsonaro que se diz cristão, é contrário aos ensinamentos e
às práticas religiosas. Com isso, o articulista busca mostrar que o governo é anticristão, ao tomar uma
decisão que irá atingir inúmeras pessoas, inúmeros refugiados que vêm para o Brasil em busca de
melhores condições de vida. E o governo mostra-se desinteressado em recebê-los.
Diante disso, em relação ao processo de leitura e construção dos sentidos, Antunes (2003)
destaca que:
Evidentemente, tais instruções "sobre a folha do papel" não representam tudo o que a gente
precisa saber para entender o texto. Muito, mas muito mesmo, do que se consegue apreender
do texto faz parte de nosso "conhecimento prévio", ou seja, é anterior ao que lá está [...]
(Antunes, 2003, p. 67)
Muito do que o aluno precisa compreender para construir os sentidos do texto, como
destaca Antunes (2003) é anterior ao texto. O aluno/leitor precisa como, visto anteriormente, conhecer
todo um contexto extraverbal. Ele precisa ter informações, conhecimentos sobre o que foi esse
encontro que o Papa teve com diplomatas. Ele precisa ainda saber o que é o nacionalismo. Essas são
informações que os alunos para retomarem, precisam inicialmente conhecer, elas precisam estar
arquivadas na memória do leitor para que eles as retomem. E se tais informações ainda não fizerem
parte dos conhecimentos prévios dos alunos, o professor precisa trabalhar essas informações.
Percebe-se aqui a importância do professor ao trabalhar com o gênero artigo de opinião,
levar notícias, comentários online, etc. para só então levar o artigo de opinião para os alunos. Ou seja,
eles precisam conhecer os argumentos, os discursos, os quais deram origem ao artigo.
Aturdido com a decisão desse governo “terrivelmente cristão”, resolvi pesquisar alguns textos
bíblicos que tratam do assunto e verifiquei a inequívoca e unânime visão favorável ao
acolhimento dos estrangeiros.
55
Disponível em: https://www.terra.com.br/noticias/mundo/100-anos-apos-1-guerra-nacionalismo-mostra-nova-
roupagem,362d50927f812b9b814a374779e8d4e2q1mxzhls.html. Acesso em: 16 de nov. de 2019.
144
“E quando o estrangeiro peregrinar convosco na vossa terra, não o oprimireis. Como um natural
entre vós será o estrangeiro que peregrina convosco; amá-lo-ás como a ti mesmo, pois
estrangeiros fostes na terra do Egito. Eu sou o Senhor vosso Deus.” – Lv 19.33-34
“Que faz justiça ao órfão e à viúva, e ama o estrangeiro, dando-lhe pão e roupa. Por isso amareis
o estrangeiro, pois fostes estrangeiros na terra do Egito.” – Deuteronômio 10.18-19
Pois eu tive fome, e vocês me deram de comer; tive sede, e vocês me deram de beber; fui
estrangeiro, e vocês me acolheram; necessitei de roupas, e vocês me vestiram; estive enfermo,
e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram’. Mt 25.35-36
Reforça-se a ideia de que a escolha dos textos bíblicos não se deu por acaso, sem intenção,
visto que, como destaca Bakhtin (1997[1929]), o sujeito é sempre um ideólogo. Tais textos bíblicos
foram utilizados com o intuito de defender os argumentos apresentados pelo articulista a respeito do
governo de Bolsonaro. Desse modo, o aluno/leitor precisa estar atento a essas retomadas a discursos
outros, seja de forma direta, marcada, ou não, pois elas não acontecem sem objetivo. O autor sempre
busca dizer algo por meio dessas estratégias argumentativas.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
145
REFERÊNCIAS
AUTHIER- REVUZ, Jacqueline. Entre a transparência e a opacidade: um estudo enunciativo do
sentido. Apresentação: Marlene Teixeira; revisão técnica da tradução: Leci Borges Barbisan e Valdir
do Nascimento Flores. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004.
ANTUNES, Irandé. Aula de português- encontro & interação. São Paulo: Parábola Editorial, 2003.
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Trad.: Paulo Bezerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34,
2016[1979].
_____. Problemas da Poética de Dostoiévski. Trad.: Paulo Bezerra. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense
Universitária, 1997[1929].
BOFF, Odete M. B.; KÖCHE, Vanilda S.; MARINELLO, Adiane F. O gênero textual artigo de
opinião: um meio de interação. ReVEL, vol. 7, n. 13, 2009.
146
BRASIL. Ministério da Educação. Base nacional comum curricular. Brasília: MEC/SEB, 2018.
Disponível em: http://basenacionalcomum.mec.gov.br. Acesso em: 28 dez. 2020.
RESUMO
Com o avanço dos meios tecnológicos e do uso em massa da internet, os gêneros digitais têm ganhado
cada vez mais destaque, modificando, assim, as formas de comunicação e de interação. O comentário
online oportuniza a interação entre os usuários em plataformas digitais, tais como sites de notícias e
redes sociais. Tendo o gênero comentário online sobre notícia enquanto objeto de ensino, este
trabalho tem como objetivo relatar uma experiência vivenciada durante a realização de uma oficina
sobre o gênero comentário online, com alunos de 8° e 9° anos do Ensino Fundamental de uma escola
municipal da rede pública de ensino, no município de São Bernardo – MA. A oficina foi realizada na
Universidade Federal do Maranhão, campus São Bernardo, fazia parte de um projeto sobre ensino de
gêneros digitais: memes, vlog, notícia online, fanfic e comentário online. Para cada gênero foi
organizada uma oficina. A oficina em questão teve como principais objetivos: 1) apresentar aos
alunos o gênero comentário online e suas características funcionais; 2) produzir comentários online
sobre a notícia lida, promovendo uma interação virtual; 3) refletir sobre questões éticas na escrita
desse gênero. A atividade de leitura e produção do gênero comentário online foi realizada a partir de
uma notícia retirada do portal G1, cuja manchete é: “Manchas de óleo no litoral atingem mais de 500
locais no Nordeste e Sudeste”, publicada no dia 13/11/2019. Como aporte teórico, recorremos às
concepções de Bakhtin (2016), Cunha (2014), Rojo e Barbosa (2015), BNCC (2018), dentre outros.
Dentre os resultados alcançados, destacamos o envolvimento dos alunos na atividade de leitura da
notícia que gerou os comentários e, principalmente, na leitura dos próprios comentários. Destacamos
ainda o engajamento dos alunos no momento de produção de seus comentários, respondendo à notícia
e a outros comentários. Foi possível perceber a importância de inserir os alunos em práticas de ensino
envolvendo os gêneros do espaço digital, em situação real de uso.
Palavras Chaves: Comentário online. Interação. Ensino.
INTRODUÇÃO
Com o passar do tempo, os debates em torno dos gêneros digitais têm se intensificado
cada vez mais. O desenvolvimento de novas formas de comunicação, bem como o uso em massa da
internet tem feito com que esses gêneros ganhem cada vez mais destaque, ocasionando, assim, a
inserção dos sujeitos em novas formas de comunicação social, atreladas ao uso de ferramentas
tecnológicas. No que diz respeito ao ensino de Língua Portuguesa, os gêneros digitais se constituem
como importantes ferramentas interativas quando levadas para o contexto da sala de aula, uma vez
que proporcionam o contato com práticas comunicativas reais, permitindo também a construção de
56
Graduação em Linguagens e Códigos – Língua Portuguesa pela Universidade Federal do Maranhão, Campus São
Bernardo; integrante do Grupo de Estudo e Pesquisa Sobre formação e Prática Docente de Línguas, Práticas de Linguagem
e Memórias do Ensino de Espanhol no Maranhão (GEPFMEM); maiaramorimp@gmail.com
57
Doutora em Linguística pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), professora adjunta no curso de Linguagens
e Códigos - Língua Portuguesa / UFMA - São Bernardo; elianiphb@hotmail.com
148
uma visão crítica. Além de direcionar os sujeitos sobre como se portar de forma ética diante das
práticas de interação possibilitadas pelo meio digital.
Desse modo, o presente trabalho tem como objetivo relatar uma experiência vivenciada
durante a realização de uma oficina sobre o gênero comentário online, realizada na Universidade
Federal do Maranhão (UFMA), campus São Bernardo. A oficina teve como público alvo os alunos
do 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, da Escola Nilza Coelho Lima. A oficina teve como objetivos:
apresentar aos alunos o gênero comentário online e suas características funcionais; produzir
comentários online, promovendo a interação no espaço virtual; além de refletir sobre questões éticas
na escrita desse gênero. As atividades de leitura e produção dos comentários na oficina foram
realizadas a partir de uma notícia retirada do portal G1, cuja manchete era: “Manchas de óleo no
litoral atingem mais de 500 locais no Nordeste e Sudeste”.
A oficina em questão foi realizada por meio do Grupo de Estudos e Pesquisa Sobre
Formação e Prática Docente de Línguas, Práticas de Linguagem e Memórias do Ensino de Espanhol
no Maranhão (GEPFEMEM), na linha de pesquisa intitulada “Práticas de Linguagem em Diferentes
Contextos”, em parceria com o Grupo Residência Pedagógica, fazendo parte do projeto “GÊNEROS
DIGITAIS: incentivo à leitura e a produção textual. Essa oficina foi apenas uma dentre outras que
aconteceram nas dependências da instituição (UFMA); na ocasião, tivemos também oficinas
envolvendo os gêneros digitais: memes, vlog, notícia online e fanfic. Na próxima seção teceremos
uma discussão em torno dos gêneros discursivos relacionados ao ensino.
Ainda segundo os mesmos autores, na década de 70, novas necessidades no que diz
respeito à preparação para o trabalho, o tecnicismo, provocaram mudanças no ensino de língua
materna, havendo uma valorização da linguagem enquanto instrumento de comunicação. A
concepção de linguagem como instrumento de comunicação teve um viés altamente estruturalista e
utilitário, a fim de atender ao contexto social da época, que era possibilitar a comunicação pelo
material escrito. Contudo, essa concepção de linguagem, pautada em teorias da comunicação, era de
caráter monológico, considerando uma relação unilateral entre locutor e receptor.
Em paralelo a esse ensino estruturalista, desde a década de 60, começaram a surgir novas
tendências linguísticas, dentre elas a Sociolinguística, a Análise do Discurso e outras tendências
discursivas que deslocam o foco estruturalista para uma concepção de linguagem interacional,
considerando como centro norteador da linguagem o contexto extraverbal, os aspectos sócio-
históricos e não mais o código linguístico em sua imanência. Esse novo olhar sobre a linguagem
ganha força no Brasil com a publicação dos textos do círculo de Bakhtin, principalmente, com os
conceitos de gêneros discursivos e dialogismo.
Na década de 90, outro grande avanço foi a publicação dos PCN, que ancorados no texto
de Bakhtin – Gêneros do discurso –, usam de sua força enquanto documento oficial para orientar o
ensino de língua materna, tendo como centro das atividades de leitura, oralidade, análise linguística
e produção textual, os gêneros do discurso. Segundo Bakhtin (2016, p. 12), o estudo da linguagem
deve acontecer a partir dos gêneros discursivos, considerados por ele como “Tipos relativamente
estáveis de enunciados”. Contudo, vale ressaltar que, de início, muitas vezes, os gêneros foram
ensinados com foco em sua estrutura composicional, sendo, portanto, um ensino ainda de viés
estruturalista.
A BNCC (2018) orienta o ensino de língua materna pautado numa concepção de
linguagem interacional e dialógica, considerando que a linguagem precisa ser ensinada na sua relação
com o social, com o contexto extraverbal, ou seja, levando os alunos a perceberem as relações de
sentidos enquanto relações dialógicas entre diferentes discursos que se intercruzam no espaço social
da comunicação da vida real, e não numa interpretação de elementos linguísticos isolados do contexto
de uso.
Na linguagem como objeto da linguística, não há e nem pode haver quaisquer relações
dialógicas: estas são impossíveis entre os elementos no sistema da língua (por exemplo, entre
as palavras no dicionário, entre os morfemas, etc.) ou entre elementos do ‘texto’ num enfoque
rigorosamente linguístico deste. (BAKHTIN, 2018, p. 208).
A linguagem acontece em um grande contínuo, no qual tudo está ligado a um início, mas
sem um fim absoluto, haja vista que aquilo que consideramos o fim é o ponto para um novo recomeço.
Para Bakhtin (2016), a linguagem é marcada pelo dialogismo. Nada é dito sem se correlacionar com
150
dizeres anteriores e sem se lançar para réplicas futuras. Nisso consiste a alternância dos sujeitos,
terminando seu enunciado para passar a palavra ao outro.
Os alunos precisam entender os textos enquanto espaço de diálogo, de responsividade, ou
seja, o olhar de cada leitor é um ponto a mais no traçado de um tecido formado pelas muitas vozes já
ditas e por aquelas ainda não ditas, mas antecipadas pelo leitor. Essas relações de diálogo com o já
dito e de antecipação da resposta do outro frente à compreensão responsiva do texto é o que
fundamenta as relações de sentido.
Podemos perceber, que assim como nos PCN (1999), na BNCC (2018), o foco do ensino
de língua portuguesa continua sendo os gêneros discursivos. Segundo Bakhtin (2016), os gêneros são
constituídos de três elementos: tema, estilo e forma composicional. Cada um desses elementos,
embora relativamente estável – o que garante a comunicação entre os falantes –, também pode sofrer
alterações ao longo das transformações sócio-históricas, ou mesmo em um recorte sincrônico, ou seja,
em uma mesma época, textos pertencentes a um mesmo gênero podem apresentar configurações
temáticas, estilísticas e composicionais diferentes. Por exemplo, se pensarmos no gênero comentário
online sobre notícias, a depender do espaço jornalístico, podemos ter comentários muito agressivos
ou não. Essas mudanças não são ocasionadas por regras gramaticais, mas sim pelo uso social de
determinado gênero, pela comunidade de falantes em determinadas situações de interação.
O advento das novas tecnologias – a internet – provocou grandes mudanças nas formas
de leitura e de escrita, no uso da linguagem, apontando para a necessidade de repensar o ensino de
língua materna, buscando novas metodologias, inserindo novos gêneros discursivos – gêneros digitais
– como objeto de ensino na escola. O ensino distanciado das novas tecnologias passou a ser uma
barreira entre as práticas de linguagem, das quais os alunos participam efetivamente nas atividades
de leitura e de escrita na vida real, e as atividades de leitura e de escrita ensinadas na escola, centradas
unicamente numa cultura impressa. Marcuschi e Xavier (2010) destacam a importância de a escola
desenvolver habilidades de leitura e de produção textual voltadas para a cultura digital.
Considerando essas novas mudanças nas formas de comunicação e interação, a BNCC
(BRASIL, 2018) traz orientações com ênfase para a inserção dos gêneros digitais no ensino de língua
materna, visando ao desenvolvimento de habilidade de leitura e de escrita que potencializem a
capacidade dos educandos usarem os meios tecnológicos, de forma crítica e ética nas mais diferentes
formas de comunicação e interação. (BRASIL, 2018, P. 512); além disso, explicita como habilidade
a ser desenvolvida no ensino médio: “Atuar de forma fundamentada, ética e crítica na produção e no
compartilhamento de comentários, textos noticiosos e de opinião, memes, gifs, remixes variados etc.
em redes sociais ou outros ambientes digitais”. Aqui ressaltamos também a importância do gênero
comentário online como espaço de debate, de autoexpressão, de ampliação de informação, portanto,
151
Nos tempos de hiper, não basta viver, é preciso contar o que se vive (reordenamento das
fronteiras entre o público e o privado) ou mais do que isso, é preciso mostrá-lo (em selfies,
em fotos, em vídeos). Somos impelidos a buscar a novidade o tempo todo. (ROJO;
BARBOSA, 2015, p. 121).
perceber que o comentário online se constitui como um gênero de fácil acesso e utilização, muito
comum no meio digital, podendo ser utilizado nos mais variados suportes, podendo qualquer pessoa
fazer uso dele.
O comentário online é um gênero que, de acordo com Cunha (2014), é construído a partir
de um texto fonte, de modo que o leitor passa a construir novos discursos. Desse modo, o texto fonte
é um convite para que o internauta passe a expor sua opinião, ou seja, a partir desse texto fonte,
diferentes posicionamentos vão sendo expostos. Ao fazer uso do gênero comentário online, o
internauta pode discutir, opinar tanto sobre o assunto apresentado pelo texto fonte, como pode trazer
novos assuntos para o espaço interacional em que o comentário online se materializa, essas atitudes
vão ajudando a construir esse gênero.
De acordo com Santos (2018, p. 29): “O gênero comentário online58 organiza-se numa
cadeia de enunciados. Cada um deles surge como réplica ou reação-resposta a diferentes destinatários
(reais ou presumidos)”. Cada comentário faz parte de uma corrente que o liga a outros comentários,
uma vez que cada um deles surge seja respondendo ao texto fonte ou respondendo a outros
comentários anteriores, nessa atitude responsiva, cada comentário se direciona seja aos outros
indivíduos que dialogam naquele espaço, seja aos possíveis leitores.
Quando se fala do comentário online sobre notícia, Cunha (2014, p. 17) pontua: “[...] os
comentários funcionam como um diálogo cotidiano, em que o propósito principal é interagir, a notícia
servindo apenas como motivo a partir do qual os internautas ‘conversam’”59. Nesse sentido, podemos
perceber que os comentários se assemelham a uma conversa do cotidiano, sem a exigência de uma
organização formal em torno do assunto discutido pelos internautas, são os internautas os próprios
responsáveis por nortear as discussões nesse gênero. Quando voltamos nosso olhar para os
comentários online sobre notícia, nos deparamos como um espaço de debate em torno do conteúdo
noticiado.
Sobre o aspecto linguístico dos comentários, Santos (2018) pontua:
O próprio gênero dá abertura para a liberdade de escolha do material, conforme o que julga
pertinente o sujeito falante. Essa liberdade não é resultado apenas da vontade do falante, mas
orientada pelo gênero. O comentador usa uma linguagem, que muitas vezes, distancia-se da
norma padrão, configurando-se como uma forma de linguagem específica do espaço digital
(SANTOS, 2018, p. 117).
O gênero comentário online é marcado pela liberdade de escolha linguística, com regras
definidas socialmente pelos internautas e sem a subordinação da norma padrão. Cada internauta
58
Grifos da autora.
59
Grifos da autora.
153
escolhe neste espaço, comentar da maneira que julga pertinente para alcançar seu propósito
comunicativo. Nesse sentido, a liberdade se constitui como uma das características do gênero, no qual
a interação é marcada pela espontaneidade. Além disso, Santos (2018) ressalta outro aspecto desse
gênero, o imediatismo. Esse imediatismo permite que os comentários sejam expostos de maneira
imediata, em tempo real, facilitando que o público tenha acesso a ele de maneira rápida e que responda
de forma mais emotiva.
Temos na próxima seção o relato da experiência constituída a partir da aplicação da
oficina com o gênero comentário online.
A oficina sobre o gênero comentário online integrou, juntamente com outras oficinas, o
projeto intitulado: GÊNEROS DIGITAIS: incentivo a leitura e a produção. O projeto foi realizado
em uma manhã, tendo como público alvo os alunos de 8º e 9º anos do Ensino Fundamental, da Escola
Municipal Nilza Coelho Lima, localizada no município de São Bernardo - MA. As oficinas foram
realizadas nas dependências da Universidade Federal do Maranhão, Campus São Bernardo. Esse
deslocamento até a universidade fez-se necessário devido à falta de suporte tecnológico na própria
escola.
Escolhemos trabalhar com comentários online sobre notícia; desse modo, as atividades
de leitura e produção do gênero comentário online foram realizadas a partir de uma notícia retirada
do portal G1, tendo como manchete: “Manchas de óleo no litoral atingem mais de 500 locais no
Nordeste e Sudeste”. A notícia tratava sobre as manchas de óleo que atingiram o litoral brasileiro no
ano de 2019, causando a morte de vários animais e deixando outros feridos, provocando, assim, sérios
danos ao meio ambiente. A escolha da notícia se deu devido ao seu conteúdo bastante relevante e por
ter sido um assunto muito debatido pela sociedade à época.
Fonte: https://g1.globo.com/natureza/desastre-ambiental-petroleo-praias/noticia/2019/11/13/manchas-de-
oleo-no-litoral-atingem-mais-de-500-locais-no-nordeste-e-sudeste.ghtml. Acesso em 10 de dez de 2019.
A oficina em questão foi realizada a partir de uma sequência de aplicação, que foi
elaborada tendo em vista o aspecto metodológico. A sequência de aplicação foi dividida em três
momentos: o momento de apresentação, o momento de contato com o gênero e, por fim, o momento
de produção.
1ª momento: a apresentação
Este primeiro momento se constituiu como o contato inicial com os alunos, no qual foi
possível dialogar com eles, buscando saber um pouco sobre os conhecimentos prévios dos alunos a
respeito do gênero. Fizemos alguns questionamentos do tipo: Vocês conhecem o gênero comentário
online? Vocês têm costume de comentar coisas na internet? Vocês costumam ler os comentários das
publicações na internet? A maioria das respostas foram negativas, muitos dos alunos não tinham
costume de fazer a utilização desse gênero. A partir da sondagem dos conhecimentos dos alunos,
falamos de que se tratava a oficina e os seus objetivos e explicamos um pouco sobre o gênero
comentário online. Esse momento foi bastante significativo, uma vez que foi possível ficar a par dos
conhecimentos prévios dos alunos, bem como explicar um pouco sobre a oficina em geral.
3ª momento: a produção
Esse momento foi destinado à orientação dos alunos para a produção de seus próprios
comentários. Pedimos que os alunos produzissem, diretamente no portal G1, comentários a partir da
155
Dando continuidade à sequência, temos a inserção de outro comentário por parte de outro
aluno, o comentador (B), que diz: Verdade, o governo deveria se importar mais com isso..
Percebemos que esse aluno expõe uma relação dialógica de apoio logo no início quando utiliza a
expressão: verdade, já deixando explícita sua atitude de concordância com o exposto no comentário
anterior. Essa interação entre comentadores é propiciada pela alternância enunciativa que o gênero
comentário online oferece, no qual os internautas se respondem, e não só dialogam com a notícia,
mas também entre si, revelando a presença do dialogismo interlocutivo, defendido por Cunha (2011)
como um direcionamento específico ao outro. Desse modo, os internautas (alunos) constroem entre
si uma relação de concordância, ou seja, relações dialógicas. Bakhtin (2016) esclarece que as relações
dialógicas são relações de sentidos entre enunciados. O comentário online é um gênero bastante
interessante devido a essa troca que ele propicia, essa possibilidade de construção de diálogos com
outros internautas, seja de concordância ou discordância.
Marcuschi e Xavier (2010) destacam a importância de a escola levar para seu contexto
esse ensino de gêneros digitais, uma vez que essa forma de interação veio para ficar. Ou seja, oferecer
aos alunos essa possibilidade de interação no meio virtual através dos gêneros digitais é permitir que
eles aprimorem ainda mais seus processos comunicativos e se familiarizem com essas novas formas
de linguagem.
Fazendo parte ainda dessa sequência de comentários, temos o comentário do aluno (C)60,
que apresenta uma reação de oposição, de confronto em relação ao que foi dito pelos comentários
anteriores, ao dizer: Isso não tem nada haver com a política, é culpa dos seres humanos que não tem
coração ou amor pela natureza. No comentário nós podemos perceber que o aluno (C) expressa uma
reação ao que é dito pelo primeiro internauta. Temos aí uma apreciação crítica diferente, uma relação
dialógica de confronto com outro comentador, retirando a suposta culpa que foi atribuída aos políticos
pelo primeiro internauta (A), colocando-a nos próprios seres humanos, isso pode ser percebido a partir
da expressão: [...] é culpa dos seres humanos. Apesar de ser um posicionamento oposto, podemos
notar que esse comentador (C) se expressa de forma respeitosa, respondendo de forma ética, sem
agressões aos outros internautas.
Rojo e Barbosa (2015) apontam para a necessidade de se manter princípios éticos, diante
da sociedade, da manifestação de práticas sociais, do outro, mantendo-se o respeito. Nesse sentido, é
importante conscientizar os alunos sobre a utilização de gêneros como esse, de maneira ética, uma
vez que o gênero comentário online se materializa em um espaço público, o meio virtual, sendo um
gênero destinado à exposição de opiniões diversas.
60
O nome de usuário Ana Silva se trata de uma conta extra, que recebeu um nome fictício diferente das demais
combinações de nomes dados às outras contas.
157
Percebemos que os alunos nessa segunda sequência estavam mais familiarizados com o
gênero, interagindo com internautas externos e mais à vontade em relação à exposição de seus
comentários, podemos verificar isso através das escolhas linguísticas utilizadas pelos alunos,
revelando uma espontaneidade.
Nessa terceira sequência, temos mais um comentário externo que inicia a discussão: NÃO
QUERO SER CHATO, MAS....O NORDESTE SÓ PRODUZ O QUE NÃO
PRESTA.........PRIMEIRO CRIARAM O INFELIZ DO.....L. U L A......AGORA TENTAM
DESTRUIR O PAÍS COM ESSE ÓLEO. Nesse caso, podemos perceber que ele expressa um
posicionamento de desqualificação, de preconceito em relação ao nordeste, como se a região fosse a
principal causadora do desastre ambiental que contaminou as praias. Assim, podemos ver que o
internauta expressa uma valoração depreciativa em relação ao nordeste.
O comentador (G) da escola Nilza Coelho Lima se insere no diálogo com uma atitude de
discordância em relação ao que foi dito pelo internauta que iniciou a sequência. O Aluno (G) diz:
Você esta se achando de mais, e você onde mora para está falando do nordeste ? E mais uma coisa
isso só esta acontecendo por causa desses barco que esta jogando óleo no mar ok. O comentário se
constitui como uma resposta ao comentário de desqualificação do internauta anterior, o comentador
coloca-se como um sujeito crítico, revelando um posicionamento frente ao preconceito manifestado
no comentário lido. Ou seja, o aluno se coloca em defesa do povo do nordeste, ganhando voz diante
de um tema social.
Pensando nessa atitude crítica adotada pelo aluno (G), apresentamos a BNCC (2018), no
que tange às habilidades voltadas para o desenvolvimento do senso crítico. Habilidades de diferenciar
o discurso de ódio da liberdade de expressão e, assim, se posicionar de modo contrário. Destacamos
a importância de trabalhar em sala de aula o gênero comentário online, no que diz respeito a
159
habilidades voltadas ao aprimoramento do senso crítico dos alunos, uma vez que o gênero é um
espaço voltado à exposição de posicionamentos por parte dos leitores.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho com o gênero digital comentário online em sala de aula representa inúmeras
possibilidades para o processo de ensino de leitura e produção textual. Esse gênero, quando levado
para o contexto educacional, não se constitui apenas como uma maneira de inserir os alunos diante
de uma nova forma comunicativa, mas também a possibilidade de despertar nesses alunos
comportamentos mais éticos e críticos diante de situações que exigem um posicionamento por parte
deles. Além disso, é uma possibilidade de desenvolver habilidades de escrita em situações reais
propiciadas pelo gênero comentário online.
A aplicação dessa oficina possibilitou um primeiro contato de alguns alunos com o gênero
comentário online, reforçando a importância de inserir os alunos em práticas de leitura e produção no
espaço digital. Para a sua realização, destacamos alguns desafios, como a necessidade de adaptação
em relação ao número de computadores, uma vez que não tínhamos computadores suficientes para
todos. Todo o deslocamento e a quantidade de tempo disponibilizado fizeram com que a oficina
ocorresse em apenas uma manhã, o que acreditamos que tenha sido mais um desafio, uma vez que
tivemos que programar toda a aplicação para um espaço de tempo limitado.
Em relação aos resultados positivos, destacamos o envolvimento dos alunos durante a
aplicação da oficina, a curiosidade em conhecer e fazer uso do gênero comentário online. Destacamos,
ainda, a interação constante nos momentos de leitura da notícia e também dos comentários. No
momento de produção, os alunos demonstraram interesse e empenho ao produzir seus próprios
comentários, interagindo com a notícia e com outros internautas, mantendo sempre comportamentos
éticos. Através da oficina, percebemos o quanto o trabalho com os gêneros digitais se faz necessário
diante dessa evolução constante dos meios comunicativos. Colocar os alunos diante de práticas
voltadas para o ensino dos gêneros digitais em situações reais de uso é dar a eles possibilidades de
conhecer esses gêneros e aprimorar seus processos comunicativos no espaço virtual.
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, Mikhail. Os gêneros do discurso. Trad.: Paulo Bezerra. 1. ed. São Paulo: Editora 34,
2016[1979].
_________. Problemas da Poética de Dostoiévski. Trad.: Paulo Bezerra. 5. ed. Rio de Janeiro:
Forense Universitária, 2018.
CUNHA, D. A. C. Formas de presença do outro na circulação dos discursos. Bakhtiniana, São Paulo,
v. 1, n. 5, p. 116-132, 2011.
MARCUSCHI, Luiz Antônio; XAVIER, Antônio Carlos. (Org.). Hipertextos e gêneros digitais:
novas formas de construção de sentidos. (orgs.). – 3. ed. – São Paulo: Cortez, 2010.
RESUMO
O gênero artigo científico é um dos mais prestigiados na esfera científica, são produzidos
normalmente por universidades e centros de pesquisa, onde circulam textos elaborados por cientistas
para seus pares. Por isso, esse gênero discursivo foi escolhido para compor o corpus de pesquisa dessa
análise. O objetivo desta pesquisa é compreender as especificidades do gênero artigo científico em
duas línguas/culturas, a brasileira e a chilena, e o português e o espanhol. Tal objetivo foi alcançado
por meio de uma análise que possibilitou a interpretação da parte verbal (linguística) em parceria com
a parte extraverbal (destinatário presumido). O corpus de análise e interpretação deste artigo são
artigos publicados na revista brasileira “Filologia e Linguística Portuguesa”, da Universidade de São
Paulo (USP), e na revista “Boletín de Filología”, da Universidad de Chile. A abordagem teórica
empregada está na teoria do Círculo de Bakhtin, focando especificando em um dos elementos
constitutivos do gênero, o estilo. O estilo é um dos elementos do enunciado e o gênero do discurso
uma forma relativamente estável do enunciado, ambos estão indissoluvelmente atrelados. A marca
deixada na obra pelo estilo individual cria princípios específicos que a diferenciam de outras da
mesma esfera da comunicação discursiva. O gênero artigo científico possibilita a expressividade do
autor materializada no estilo individual por meio dos seguintes recursos: pessoa gramatical,
transferência de agente da ação para o objeto de pesquisa e desinência modo-temporal. Neste artigo,
primeiramente será conceituado o elemento constitutivo do gênero do discurso na teoria do Círculo
de Bakhtin. Em seguida, o foco do estudo será a dimensão extraverbal dos artigos, focando no
destinatário presumido. Na sequência, analisaremos o estilo por meio dos aspectos linguísticos.
Finalmente, será sintetizado os resultados da análise comparativa do gênero artigo científico nas duas
línguas/culturas. Diante da análise feita nos 6 artigos, podemos observar que há grande normatização
estilística no gênero artigo científico, compartilhadas por autores do Brasil e Chile.
INTRODUÇÃO
61
Graduanda de Letras em Linguística e Português pela Universidade de São Paulo, USP, Faculdade de Filosofia, Letras
e Ciências Humanas, FFLCH. Teve sua pesquisa financiada com bolsa FAPESP de Iniciação Científica. Endereço
eletrônico: andressavillagra@usp.br.
162
62
As pesquisadoras publicaram um artigo científico na Revista Bahtiniana em 2016 intitulado “A divulgação científica
no Brasil e na Rússia: um ensaio de análise comparativa de discursos” que funda-se na metalinguística bakhtiniana, na
qual o objeto de estudo são as relações dialógicas no interior e entre os enunciados, compostos por elementos linguísticos
e extralinguísticos.
163
A pesquisa apresentada neste artigo faz parte da Iniciação Científica realizada pela autora,
na qual a análise comparativa foi feita a partir dos três elementos constitutivos do gênero do discurso
(estilo, conteúdo temático e construção composicional) em parceria com a parte extraverbal (esfera,
destinatário presumido, relações de autoria). Para compor este o presente texto, foram recortados
alguns aspectos linguísticos analisados dentro do estilo: pessoa gramatical, transferência de agente da
ação para o objeto de pesquisa e desinência modo-temporal, os aspectos que mais demonstram
semelhanças nas duas línguas/ culturas. No entanto, na pesquisa original outros aspectos foram
estudados, os que mais demonstraram diferenças: modalizadores, discurso do outro e travessões.
Nas seções a seguir, serão conceituados, primeiramente, o estilo como elemento
constitutivo do gênero do discurso na teoria do Círculo de Bakhtin. Em seguida, o foco do estudo será
a dimensão extraverbal dos artigos. Na sequência, analisaremos o estilo e os aspectos linguísticos,
para, ao final, sintetizarmos os resultados da análise comparativa do gênero artigo científico nas duas
línguas/culturas.
O gênero do discurso está indissoluvelmente atrelado ao estilo, uma vez que, para
Bakhtin, “Onde há estilo há gênero” (BAKHTIN, 2016 [1979], p. 21). Sendo o estilo um dos
elementos do enunciado e o gênero do discurso uma forma relativamente estável do enunciado, não
teria como ser diferente. “Todo enunciado - oral e escrito, primário e secundário e em qualquer campo
da comunicação discursiva - é individual e por isso pode refletir a individualidade do falante (ou de
quem escreve), isto é, pode ter estilo individual.” (BAKHTIN, 2016 [1979], p. 17). O autor ressalta
que, apesar do caráter individual ser inerente ao estilo, alguns gêneros estão mais propensos a ele do
que outros, um exemplo desse tipo são os gêneros da literatura nos quais a individualidade é parte
integrante do enunciado.
Na via contrária desses gêneros, estão aqueles em que o reflexo do estilo individual quase
não atinge o enunciado. Nesses “só podem refletir-se os aspectos mais superficiais, quase biológicos
da individualidade (e ainda assim predominantemente na realização oral dos enunciados desses tipos
164
padronizados)” (BAKHTIN, 2016 [1979], p. 17). Para Bakhtin, isso se justifica pela forma muito
padronizada de tais gêneros como por exemplo: documentos oficiais ou ordens militares.
Os enunciados das esferas científica e literária, como o artigo científico e o romance, por
exemplo, têm sua construção complexa e, apesar de serem diferentes entre si, guardam um ponto em
comum: pertencem a esferas secundárias, complexas e marcadas pela escrita. Para Bakhtin, enquanto
unidades da comunicação discursiva, os gêneros científicos e ficcionais, apesar de não se construíram
muitas vezes pela presença física de seus interlocutores, não são menos dialógicos:
estão nitidamente delimitadas pela alternância dos sujeitos do discurso, cabendo observar que
essas fronteiras, ao conservarem a sua precisão externa, adquirem um caráter interno graças
ao fato de que o sujeito do discurso - neste caso o autor de uma obra - aí revela a sua
individualidade no estilo, na visão de mundo, em todos os elementos da ideia de sua obra.
(BAKHTIN, 2016 [1979], p. 34)
A marca deixada na obra pelo estilo individual cria princípios específicos que a
diferenciam de outras da mesma esfera da comunicação discursiva, isto é, das obras que vieram antes
dela e com as quais o autor estabelece relações dialógicas explícitas ou não, de outras obras da mesma
área ou das obras de correntes contrárias refutadas pelo autor.
O que determina o estilo (e a composição) é o elemento expressivo do enunciado, ou seja,
“a relação subjetiva emocionalmente valorativa do falante com o conteúdo do objeto e do sentido do
seu enunciado” (BAKHTIN, 2016 [1979], p. 47). Esse elemento pode ter significado variado dentro
dos diferentes campos da comunicação discursiva, além de ter um grau distinto de força em cada
enunciado, porém o que é certo é a inexistência da neutralidade nos enunciados, não existe enunciado
neutro. A escolha dos recursos composicionais, gramaticais e lexicais também é determinada pela
relação valorativa do falante com o objeto do seu discurso.
O falante adquire as formas do enunciado, os gêneros do discurso, assim como as formas
da língua nacional (com a composição vocabular e a estrutura gramatical), ambas obrigatórias para a
compreensão entre os interlocutores da comunicação discursiva. Desse modo, o estilo individual se
inter-relaciona de maneira recíproca com a língua nacional.
Volóchinov (2019) teoriza que o enunciado é composto por uma parte verbal e outra
extraverbal. Esse estudo visa analisar o discurso como “a língua em sua integridade concreta e viva”
(BAKHTIN, 2010 [1961], p. 207), ou seja, não se restringindo à língua como objeto abstrato e
linguístico. A metalinguística proposta por Bakhtin objetiva analisar aspectos do discurso que
ultrapassam os limites linguísticos, pois o enunciado compreende elementos extralinguísticos. Em
consonância com esse projeto, iniciaremos a análise com uma comparação dos aspectos extraverbais
do gênero artigo científico nas duas línguas/culturas.
165
Os dois aspectos extraverbais dos artigos científicos das revistas brasileira e chilena
selecionados para análise serão: a esfera da atividade humana do qual o gênero artigo científico faz
parte e o destinatário presumido de tais artigos. Eles foram escolhidos, pois observamos que
apresentaram maior influência no estilo dos enunciados do corpus.63
Passemos agora para outro aspecto extraverbal importante focalizado na análise: o
destinatário presumido dos artigos. Ele é um respondente ativo, segundo Bakhtin (2016 [1952-1953]),
que assume diferentes matizes e posições sociais no intercâmbio da comunicação e está sempre se
orientando axiologicamente, expressando valores, presente fisicamente ou não. Assim, o interlocutor
cumpre um papel essencial nas escolhas estilísticas da pessoa que fala ou escreve e participa
ativamente da construção do enunciado.
O interlocutor presumido se apresenta como um destinatário já determinado pelo gênero
no qual se constrói o dizer com motivações, julgamentos, apreciações específicas. Assim, para os
propósitos desta análise, consideramos como destinatário presumidos pares, colegas pesquisadores
da comunidade acadêmico-científica e linguistas em geral.
Uma das dimensões da natureza dialógica do enunciado é a consideração do fundo
aperceptível da percepção do destinatário, ou seja, “[...] até que ponto ele está a par da situação, dispõe
de conhecimentos especiais de um dado campo cultural da comunicação” (BAKHTIN, 2016[1952-
1953], p. 302). Para determinar a compreensão responsiva, o autor pondera as concepções,
convicções, preconceitos, as simpatias e antipatias. Essa consideração determina a escolha do gênero
e dos procedimentos que formam a construção composicional e dos meios linguísticos.
Em suas páginas, os dois periódicos expõem a delimitação de seus públicos-alvo de
maneira semelhante: para pesquisadores e interessados na área da Linguística ou Filologia. A revista
brasileira disponibiliza em seu website um tópico unicamente dedicado a explicitar o público-alvo do
periódico. “A revista busca atender estudantes, professores, pesquisadores dos mais diversos níveis
de formação e interessados em geral nas áreas de Filologia e Linguística, incluindo a área dos estudos
sobre língua portuguesa.64” A política editorial destaca ainda a acessibilidade da revista como um
ponto positivo para esses estudiosos e ressaltam que se trata de uma versão totalmente on-line com
todos os artigos disponíveis para downloads com livre acesso. Apesar da política editorial da revista
63
Esfera e destinatário presumido foram aspectos escolhidos para compor esse artigo por conta da limitação no número
de páginas, no entanto, a pesquisa na íntegra analisou ainda outros aspectos: relações de autoria e coautoria, público-alvo,
momento sócio-histórico.
64
Trecho retirado do site da Revista Filologia e Linguística Portuguesa. Disponível em:
http://www.revistas.usp.br/flp/index Acesso em 10 fev. 2019.
166
mostrar que valoriza as pesquisas locais, os artigos são recebidos do Brasil e do exterior. Para os
trabalhos produzidos por estrangeiros há o limite de 40% da composição total de cada edição.
No website da revista chilena não há um tópico específico para mostrar qual é o público-
alvo do periódico. No entanto, é possível verificar, no texto que explicita a história da revista, para
quem se destinam as publicações: o conteúdo do Boletín de Filología “está dirigido a estudiosos de
la lengua española así como a público interesado en problemas de lingüística y filología, en
general.65”
Observamos que, em ambas as revistas, há grande generalização com relação ao público-
alvo. Ao invés de se destinar especificamente a um nicho de pesquisadores de dada área, é possível
depreender que os periódicos estão abertos a qualquer pessoa que seja minimamente interessada no
assunto abordado. A nosso ver, essa caracterização é influenciada pela publicização das revistas, ou
seja, pela intenção dos editores de obterem o máximo de acesso possível do periódico e, com isso,
fortalecer a relevância da publicação. É possível perceber aqui o valor de replicação e o valor da
publicação da esfera, nos quais pretende-se com os artigos disseminar a pesquisa científica, já que
em ambas as revistas o acesso aos artigos é livre e destinado ao público em geral. Contudo, pensamos
que esse aspecto não interfere ou interfere pouco na elaboração dos artigos, pois os autores têm em
seus pares – pesquisadores e profissionais da área - o destinatário presumido.
Apesar de as revistas se mostrarem preocupadas com a língua de cada país como objeto
científico, elas não exigem que os artigos submetidos sejam exclusivamente em português ou
espanhol, mas por conta da internacionalização do conhecimento científico, ambas aceitam textos em
espanhol, português, inglês e francês. A temática da revista chilena é mais específica do que a da
brasileira, pois os trabalhos devem ser obrigatoriamente voltados para o estudo do espanhol (valor de
preservação do conteúdo), enquanto na revista brasileira são consideradas investigações sobre
linguagem em geral, mesmo o foco maior sendo a língua portuguesa.
A esfera científica, como aspecto do gênero discursivo, tem primordialmente como leitor
presumido a comunidade científica. Nessa comunidade o reconhecimento acadêmico de um cientista
ocorre principalmente pelos seus pares e é um indicador significativo de seu prestígio e de poder de
influência, pois o cientista aumenta sua credibilidade dentro da esfera ao ter suas pesquisas
divulgadas, lidas, discutidas e refutadas. Por isso, o papel do interlocutor cientista cumpre uma dupla
relação na produção dos artigos. Por um lado, o autor presume que os pares da esfera científica
conheçam uma linguagem característica especializada e conceitos de correntes teóricas, no caso
desses artigos, inseridos no campo da Linguística e da área da Sociolinguística. Nesse afunilamento
65
Trecho retirado do site do Boletín de Filologia. Disponível em: https://boletinfilologia.uchile.cl/
167
de especificidades de uma dada área, a linguagem e as teorias tornam-se ainda mais específicas, sendo
quase impossível um pesquisador de outra área ou um leitor comum compreenderem.
Por outro lado, o interlocutor cientista, o destinatário presumido, explica a
inconclusibilidade dos artigos. O pesquisador, ao expor sua pesquisa aos pares e à academia em geral,
partiu de ideias desenvolvidas por outros autores, e, por nenhuma obra estar acabada, principalmente
na esfera científica, é fato que sua pesquisa não termina ali. Ela continua num diálogo constante com
os leitores dos artigos, que poderão escrever outros para desenvolver a ideia inicial, refutar e
apresentar ideias substitutas, ou ainda utilizá-la para analisar novos dados.
(3) Galvão nunca foi príncipe, sabemos nós, mas ele está convencido de que o é realmente.
(BORBA, 2015, p. 467, grifo nosso)
168
(5) En términos comparativos, por lo que refiere a sus frecuencias de uso, hemos
comprobado que por ser y onda manifiestan comportamientos de sentido inverso. (NÚÑEZ;
INOSTROZA; GONZÁLEZ, 2016, p. 249, grifo nosso)
entanto, nos artigos em português e espanhol o plural assume a forma inclusiva, ou seja, a primeira
pessoa do plural, formada pelo elemento ‘eu/yo’ e somada ao elemento ‘vós/vosostros’, efetua “a
junção das pessoas entre as quais existe a ‘correlação de subjetividade’” (BENVENISTE,
1991[1966], p. 257).
Assim, podemos perceber que, ao empregar a primeira pessoa do plural, mesmo quando
se trata de um único autor, a subjetividade fica atenuada e marca-se a relação de cumplicidade entre
o autor e o destinatário presumido. A partir do corpus podemos perceber que essa forma é usada
quando o pesquisador (‘eu/yo’) expressa uma opinião ou ideia compartilhada com seus leitores
(‘vós/vosotros’).
No artigo científico, a escolha de recursos gramaticais, que não a primeira pessoa do
plural, é comum. Sobre essas marcas de pessoa, Coracini (1991) argumenta que os autores preferem
utilizar diversos recursos com o intuito de o enunciador do artigo parecer assumir todo o tempo “a
postura de um observador distante do objeto observado” (CORACINI, 1991, p. 104). Vejamos como
isso se dá nos excertos nos artigos analisados neste trabalho:
(6) Em suma, nota-se que a subida de clíticos varia de acordo com dois grandes princípios
funcionais: a topicalidade e a coesão estrutural. (ANDRADE; CARNEIRO, 2014, p. 140,
grifo nosso)
(7) No início deste trabalho, assumiu-se a ideia de que seria condição essencial para o
estabelecimento do caráter glocal a uma determinada língua o da dialogicidade entre o
particular e o universal. (MACHADO, 2017, p. 261, grifo nosso)
(8) Retoma-se então Labov (2008), para quem a significação social que é atribuída às
variantes linguísticas pode servir como indicador para medir outras formas de
comportamento social, entre elas aspirações à ascensão social, mobilidade e insegurança
social, mudanças na estratificação e segregação social. (BORBA, 2015, p. 470, grifo nosso)
(10) Nótese en este ejemplo que el personaje utiliza primero el voseo flexivo pronominal (“Y
vos te lo pasás moquiando”) y, a continuación, el voseo flexivo no pronominal, con uso de
pronombre átono segunda singular (“tehacís el mojigato”) y, finalmente, sin pronombre
(“tenís toda la culpa de que mi chiquilla llore”). (PEREIRA; PUENTES; AMAYA;
MASQUIARÁN, 2018, p. 210, grifo nosso)
Como podemos verificar a partir dos excertos acima, um dos recursos muito utilizados
nos artigos é a construção passiva. Nos artigos brasileiros, a escolha da voz passiva sintética se
destaca. Ao escolher essas formas gramaticais, o autor cria um efeito estilístico de distanciamento em
relação ao objeto analisado, com o intuito de dar mais credibilidade ao seu discurso científico. Isso
ocorre por meio do uso da partícula apassivadora ‘se’. Esse deslocamento de foco é um fenômeno
frequente no discurso científico, e no material analisado ele aparece com o objetivo de ser uma forma
170
sintética e com foco nas ações. Todas as vezes que essa partícula apareceu nos artigos foi para
descrever os processos que envolvem a pesquisa, ao deixar de lado quem a fez (pesquisadores).
Podemos perceber mais uma vez a presença do valor da ocultação da subjetividade, exigência do
gênero que se expressa por meio das escolhas estilísticas.
Outro recurso utilizado com o objetivo de ocultar a subjetividade é a transferência da ação
do verbo para o objeto de análise, ou seja, o sujeito gramatical agente é o próprio material analisado.
O emprego do particípio em estrutura passiva possibilita colocar o sujeito da oração em posição
temática. Essa organização da mensagem mantém o tema apresentado na oração anterior. Ao mesmo
tema, novas informações são relacionadas na sequência de cada oração. Se optasse por outra forma
linguística, como o presente do indicativo, por exemplo, o sujeito da oração teria de ser outro, e
posições temáticas alternativas poderiam ser escolhidas. No entanto, a organização temática escolhida
mantém mais claramente a relação dado-novo e contribui para deixar o texto fluente.
A situação imediata da comunicação abarca a articulação entre tempo e espaço em que o
enunciado é produzido. Com relação às escolhas das desinências modo-temporais, a mais frequente
nos artigos é o presente do indicativo, principalmente na primeira pessoa do plural. Vejamos:
(11) “Neste texto revisitamos a hipótese de acordo com a qual o português brasileiro é
formado por duas vertentes – a norma culta e a norma vernacular ou popular –, a partir do
problema da posição e da colocação de clíticos em predicados complexos.” (ANDRADE;
CARNEIRO, 2014, p. 126)
(12) “Entre os anos de 1882 e 1887, localizamos cerca de sessenta artigos publicados no
periódico Carbonario.” (BORBA, 2015, p. 448, grifo nosso)
(13) “En español contamos con excelentes obras de carácter general sobre los marcadores
del discurso, como las de Martín zorraquino y Montolío (coords. 1998), Martín zorraquino
y Portolés (1999), Portolés (2001) y Loureda y Acín (coords. 2010), entre otras.” (NÚÑEZ,
2013, p. 174, grifo nosso)
(14) “Por último, respecto del nivel de instrucción de los sujetos, el empleo de por ser se
concentra en el grupo de instrucción medio y no registramos casos en el alto.” (NÚÑEZ;
INOSTROZA; GONZÁLEZ, 2016, p. 250, grifo nosso)
pesquisadores da esfera), pessoa gramatical, transferência de agente da ação para o objeto de pesquisa
e a desinência modo-temporal.
As possibilidades estilísticas que os autores têm para construir seu discurso são muitas a
partir da gramática, mas as escolhas feitas demonstram o dialogismo entre autor-pesquisador e
destinatário presumido. Diante da análise feita nos 6 artigos, podemos observar que há grande
normatização estilística no gênero artigo científico no Brasil e Chile.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
BAKHTIN, M. Os gêneros do discurso. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora 34, 2016
[1952-1953].
BAKHTIN, M. Problemas da Poética de Dostoiévski. Tradução: Paulo Bezerra. São Paulo: Editora
Forense Universitária, 2010 [1961].
BORBA, L. Escrita e comportamento social: Dom Obá II nas páginas dos jornais cariocas do século
XIX. Revista de Filologia e Linguística Portuguesa, São Paulo, v. 17, p. 447-472, 2015. Disponível
em: https://doi.org/10.11606/issn.2176-9419.v17i2p447-472. Acesso em: 10 fev. 2019.
RESUMO
A pesquisa com os gêneros discursivos textuais tem se tornado constante nas práticas do âmbito dos
estudos linguísticos. Como sabemos, os gêneros discursivos textuais estão nos mais diversos meios
de comunicação, auxiliando-nos em nossa prática social como ponte de interação. Sua variedade
existente na sociedade é enorme e possui fundamental importância ao favorecer o desenvolvimento
de competências textuais e discursivas de quem os utiliza. Diante dessa diversidade, pretendemos
analisar a sequência injuntiva no gênero cartilha educativa que focaliza informações sobre a pandemia
da covid-19. Para orientar nosso estudo acerca das sequências textuais injuntivas elaboramos os
questionamentos: (1) como as sequências injuntivas se apresentam nos gêneros midiáticos? (2) que
recursos são utilizados para garantir que o leitor cumpra o que está dito? Assim, procurando responder
a essas questões, estabelecemos como objetivos: (a) descrever a forma como as sequências injuntivas
se apresentam e (b) analisar os recursos que nelas se encontram. Teoricamente, estamos considerando
que o gênero instrucional (a exemplo da cartilha) é caracterizado por ser predominantemente
composto de sequências imperativas (SANTOS e FABIANI, 2012, p. 66) e que “um gênero realiza
várias sequências de tipos textuais [...]” (MARCUSCHI, 2002, p. 31). As sequências definem-se
como “[...] unidades textuais complexas, compostas de um número limitado de conjuntos de
proposições-enunciados [...]” (ADAM, 2011, p. 204). A pesquisa realizada segue uma abordagem
qualitativa de base interpretativa, segue o método indutivo e baseia-se em postulados da Linguística
Textual e da Análise Textual dos Discursos – ATD (ADAM, 2011), considerando principalmente as
discussões sobre texto, sequência injuntiva e gênero discursivo, sendo esta última noção retomada da
abordagem bakhtiniana de gêneros do discurso (BAKHTIN, 2003). Diante dessa diversidade,
analisamos a sequência injuntiva no gênero cartilha educativa que focaliza informações sobre a
pandemia de covid-19, momento atual que ficará marcado na história da humanidade como um
divisor de águas, instaurando novos costumes, pensamentos e comportamentos na sociedade global.
Os resultados evidenciaram que a sequência injuntiva no referido gênero instrucional é aplicada de
modo a instruir seus leitores a seguirem o passo a passo com cuidado e atenção para que todas as
normas se segurança e higiene sejam respeitas e colocadas em prática, a fim de garantir o sucesso da
prevenção durante o contexto da pandemia da covid-19.
PALAVRAS INICIAIS
As investigações acerca dos gêneros discursivos textuais 68 têm grande relevância nas
práticas de pesquisa do campo da Linguística. Nessa perspectiva, os gêneros discursivos textuais estão
66
E-mail: romenacalixta@gmail.com
67
E-mail: gracasrodrigues@gmail.com
68
Adotamos a posição de que a expressão pode ser assim utilizada, tendo em vista que há um nível enunciativo para o
discurso e um nível textual que se refere aos elementos linguísticos próprios do texto.
174
presentes nos modos de comunicação mais heterogêneos, ajudando-nos nas mais diversas formas de
interação da nossa prática social. A pluralidade de gêneros que se efetua na sociedade é vasta e possui
importância substancial no desempenho dessas práticas no favorecimento do desenvolvimento de
competências textuais e discursivas de quem os utiliza.
O gênero cartilha está presente há bastante tempo no cotidiano das pessoas, abrangendo
um público diversificado. Outro aspecto que podemos citar sobre a cartilha é o seu discurso
persuasivo ao convocar o leitor a seguir algum caminho. Esse ponto é bem explorado nas cartilhas de
saúde atuais. Nesse sentido, segundo Mendonça (2008, p. 83): “A cartilha educativa foi criada no
âmbito das campanhas governamentais, com o intuito de facilitar o acesso à informação, por parte de
pessoas oriundas de diferentes contextos socioculturais, com diferentes graus de escolaridade”.
Assim, a cartilha é caracterizada como um gênero instrucional que utiliza de uma
linguagem simples, a fim de se fazer com que se compreenda seu conteúdo pelo fato de atingir
diversos públicos, pois os textos instrucionais, “em que se dão regras de como fazer algo” (DISCINI;
TEIXEIRA, 2007, p. 13), são definidos como a concretização do tipo textual injuntivo. Nessa direção,
Para orientar nosso estudo acerca das sequências textuais injuntivas, elaboramos os
seguintes questionamentos: (1) como as sequências injuntivas se apresentam nos gêneros midiáticos?
(2) que recursos são utilizados para garantir que o leitor cumpra o que está dito? Assim, procurando
responder a essas questões, estabelecemos como objetivos: (a) descrever como as sequências
injuntivas se apresentam e (b) analisar os recursos que nelas se encontram.
Teoricamente, estamos considerando que o gênero instrucional (a exemplo da cartilha) é
caracterizado por ser predominantemente composto de sequências imperativas (FABIANI; SANTOS,
2012, p. 66) e que “um gênero realiza várias sequências de tipos textuais [...]” (MARCUSCHI, 2002,
p. 31). As sequências definem-se como “[...] unidades textuais complexas, compostas de um número
limitado de conjuntos de proposições-enunciados [...]” (ADAM, 2011, p. 204).
Nas cartilhas educativas, especialmente as que veiculam informações sobre a promoção
da saúde, há uma tentativa de aproximação entre os fatos da realidade da ciência e o público leigo.
Evocamos Mendonça (2008), a fim de evidenciar algumas estratégias que incidem para essa
aproximação:
a) o uso de imagens e de recursos gráficos que permitam, mesmo ao leitor pouco escolarizado
ou com dificuldades de leitura, compreender parte do que é dito no texto; b) a didatização
175
das informações, por meio das frases curtas, do vocabulário de uso comum e das gírias; e c)
a junção justificativa dos dois itens anteriores: o texto verbal e a imagem [...] (MENDONÇA,
2008, p. 86).
Esses fatores fazem com que a linguagem veiculada seja facilmente compreendida pelos
leitores, corroborando para a finalidade do gênero em questão: instruir o leitor a fazer algo.
Na próxima seção, trazemos alguns aspectos teóricos sobre texto, gênero discursivo
textual e sequência injuntiva, os quais nossa pesquisa filia-se para dar-nos o suporte necessário para
os esclarecimentos deste trabalho.
PRESSUPOSTOS EPISTEMOLÓGICOS
níveis de complexidade, que são realizadas pelos enunciados”. No que concerne à concepção de texto,
para Adam (2011), pode ser assim definida como
[...] um objeto empírico tão complexo que sua descrição poderia justificar o recurso a
diferentes teorias, mas é de uma teoria desse objeto e de relações com o domínio mais vasto
do discurso em geral que temos necessidade, para dar aos empréstimos eventuais de conceitos
diferentes ciências da linguagem, um novo quadro e uma indispensável coerência. (ADAM,
2011, p. 25).
Ao tratar de gêneros de discurso, Adam (2011) enfatiza a posição adotada por Todorov
(1977, 1978), cuja definição se circunscreve em uma relação entre língua e gênero, permitindo afirmar
que é caracterizada por qualquer propriedade verbal, de caráter facultativo ao nível da língua, pode
se tornar indispensável/obrigatório em um discurso. Alguns autores da linguística textual dão uma
significativa contribuição aos estudos nesse campo. Entre outros, situa-se Marcuschi (2008), cuja
definição de texto afirma que depende do conceito de língua que se tem. Para o autor, “[...] a língua
é um conjunto de práticas sociais e cognitivas historicamente situadas” (MARCUSCHI, 2008, p. 61)
e, consequentemente, o texto é visto como
[...] o resultado de uma ação linguística cujas fronteiras são em geral definidas por seus
veículos com o mundo no qual ele surge e funciona. Esse fenômeno não é apenas uma
extensão da frase, mas uma entidade teoricamente nova. [...] falamos de texto como um
evento que atualiza sentidos e não como uma entidade que porta sentidos na independência
de seus leitores. (MARCUSCHI, 2008, p. 72).
Isto quer dizer que o autor destaca a importância de considerá-lo quanto ao objetivo dos
interlocutores e ao contexto sociocognitivo, por conseguinte o “[...] texto é uma entidade concreta
realizada materialmente e corporificada em algum gênero textual”. Da mesma maneira que o autor,
partiremos da perspectiva dos gêneros textuais, com base em uma concepção de língua como
atividade social, histórica e cognitiva, na qual os gêneros se estabelecem como ações sociodiscursivas
a fim de agir/dizer sobre o mundo, organizando-o de alguma forma.
Segundo Marcuschi (2008, p. 242), o texto deve ser visto como “um processo” e como
“um evento comunicativo sempre emergente”. Dessa maneira, não podendo ser considerado como
“um produto acabado e objetivo” ou muito menos “um depósito de informações”, e sim visto como
“um evento ou um ato enunciativo” (MARCUSCHI, 2008, p. 242), pois o texto está sempre em
elaboração.
Adam (2011) explica as sequências como unidades que compõem a proposição-
enunciado. Nesse sentido, conforme o autor, “as sequências são unidades textuais complexas,
177
Figura 1
.
Fonte: Cartilha Tempos de Pandemia.
As cores vibrantes contrastam com o fundo escuro. Com o auxílio de setas, a fonte
chamativa e em caixa alta também chama a atenção quando utilizadas no início de cada tópico
apresentado, como na Figura 3, a seguir.
Figura 3
179
Figura 4
A sequência injuntiva é marcada por verbos no infinitivo que indicam ação futura, e conta
com uma linguagem bastante clarificada, de fácil compreensão, procurando a aproximação para o
público a que se destina.
A segunda cartilha (C2) tem por título “COVID-19 E ARQUIVOS: A proteção de
pessoas e acervos em tempos de pandemia”, e contêm 35 slides. Logo de início, podemos observar
180
que a injunção se faz presente na pergunta direta: “Vamos cuidar da nossa saúde?”, em caixa alta,
com fonte grande e fundo amarelo, dando contraste e chamando o leitor a cuidar da saúde, ao mesmo
tempo em que tenta manter uma relação de proximidade com o público alvo.
Figura 5
Figura 6
Na Figura 6 acima, o slide traz a assertiva que introduz o que está por vir, isto é, algumas
dicas de cuidados de higiene preventiva e como se comportar diante do momento pandêmico.
Também, a apresentação de um link de acesso a mais informações sobre como se prevenir do novo
Coronavírus, disponibilizado pela UFJF.
Figura 7
181
Figura 8
Essa cartilha se direciona ao público que utiliza os serviços do arquivo da UFJF e aos
seus funcionários, por entender que o acervo é um forte vetor de contaminação vinculado ao fato de
ser manuseado. Dessa forma, essa cartilha objetiva atualizar os dados sobre as diretrizes que propõem
novos procedimentos de rotina no arquivo.
Figura 9
Figura 10
A respeito do layout dos slides, percebemos que, em sua maioria, há presença de desenhos
ilustrativos que representam o vírus da covid-19, bem como outras imagens que colaboram na
didatização e, junto com as cores utilizadas (turquesa, amarela, branca e azul escuro), auxiliam a
fixação das informações dadas, quanto aos modos de transmissão da doença e o uso de máscaras,
entre outras medidas preventivas.
Figura 11
Figura 12
183
Figura 14
Figura 15
Figura 16
Figura 17
PALAVRAS FINAIS
Como vimos, ao examinarmos as sequências textuais, não podemos somente considerá-
las isoladamente do conjunto do gênero em que estão inseridas. O fato é que a sequência se encontra
em uma relação de dependência-independência com o conjunto mais amplo do qual faz parte – o
texto. As sequências exercem um papel essencial no conjunto do gênero, na colaboração e no
cumprimento de sua função social.
Por conseguinte, observamos que a compreensão das sequências textuais não deve ser
pautada somente no nível da textualidade, como também elas devem servir tal qual elementos
culturalmente organizados na história, em conformidade com os conhecimentos do produtor e seu
contato com diversos tipos de gêneros, construídos de sequências diversas.
A análise realizada evidenciou que a sequência injuntiva no gênero instrucional é aplicada
de modo a instruir seus leitores a seguirem o passo a passo com cuidado e atenção para que todas as
normas de segurança e higiene sejam respeitadas e colocadas em prática, a fim de garantir o sucesso
da prevenção durante o contexto da pandemia de covid-19, evitando a contaminação e a disseminação
da doença.
Além disso, podemos dizer que há a existência de estratégias argumentativas como
escolhas lexicais, modalizações, expressões atitudinais, elementos tipográficos e cores, como já
mencionados, os quais influenciam na orientação argumentativa do texto, com o intuito de que o leitor
possa ser motivado/atraído para aquilo presente no dito.
REFERÊNCIAS
ADAM, J. M. 2011. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. 2 ed. São Paulo:
Cortez, 373 p.
BAKHTIN, M. 2003. Estética da criação verbal. Tradução de Paulo Bezerra e Tzvetan Todorov.
São Paulo, Martins Fontes.
FABIANI, S. J. S. N. SANTOS, L. W. dos. 2012. Gêneros instrucionais nos livros didáticos: análise
e perspectivas. Revista de Letras. (n. 31, v. 1/2). UFRJ, jan/dez, p. 63-71.
_____. 2008. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo, Parábola, 296 p.
https://www.ufrgs.br/coronavirus/base/cartilha-elaborada-por-pesquisadores-da-ufrgs-orienta-
profissionais-do-sexo-durante-a-pandemia/. Acesso em: 09/09/2020.
RESUMO
INTRODUÇÃO
69
emilianasousa@yahoo.com.br
70
hendrio.hector@escolar.ifrn.edu.br
189
ensino, pesquisa e extensão de forma indissociável, com a oferta de cursos técnicos de nível médio
integrado, bem como é destaque nos modelos que instituiu para os processos de seleção que utiliza
para o ingresso de seus estudantes, com seriedade. Nessa direção, particularizamos o Campus João
Câmara do IFRN, que, em 2019, fez 10 anos de atuação, o qual teve seu funcionamento autorizado
pela Portaria n. 755, de 27 de julho de 2009, instalado na região do Mato-Grande, que compreende
os municípios da microrregião de Baixa Verde ao Litoral Nordeste, composta pelos municípios de
Bento Fernandes, Caiçara do Norte, Ceará-Mirim, Jandaíra, Jardim de Angicos, João Câmara,
Maxaranguape, Pedra Grande, Poço Branco, Pureza, Rio do Fogo, São Bento do Norte, São Miguel
do Gostoso, Parazinho, Pureza, Taipú e Touros. Dos municípios que compõem a região, cinco estão
situados na região litorânea norte do estado, sendo os demais interioranos. Além disso, três
municípios têm função de polos regionais na oferta de serviços e comércio, a saber: Ceará-Mirim,
João Câmara e Touros (NASCIMENTO et al, 2018).
O certame do Processo Seletivo para os Cursos Técnicos de Nível Médio na Forma
Integrada, ofertados pelo IFRN, é um relevante mecanismo avaliativo da competência textual de
escrita de alunos oriundos da educação básica. Pois abrange a escolarização do ensino fundamental,
em conformidade com as diretrizes do Edital, tendo como uma das etapas a Produção Textual Escrita,
enquanto questão discursiva, visando avaliar o candidato quanto ao domínio de conteúdo e habilidade
de produção escrita.
Nessa direção, diversos trabalhos discutem a temática da avaliação da prática de escrita
de alunos da Educação Básica no contexto educacional, sendo vista como questão relevante no Ensino
de Língua Portuguesa. Nessa direção, neste trabalho, apresentamos considerações sobre a proposta
teórico-metodológica e um recorte inicial dos estudos que se encontram sendo desenvolvidos no
âmbito do projeto de pesquisa intitulado Escrita na educação básica: análise dos aspectos textuais e
enunciativos do gênero artigo de opinião produzido pelos participantes do processo seletivo dos
cursos técnicos do integrado do IFRN, em particular do Campus João Câmara, bem como tecemos
reflexões sobre o perfil dos candidatos, especificamente do ano 2019.
O trabalho é situado no quadro dos postulados da Análise Textual dos Discursos (ADAM,
2011), em diálogo com os aspectos textuais e linguístico-enunciativos da argumentação. Nessa
perspectiva, o corpus é constituído por textos produzidos no Exame de Seleção (2019) para ingressar
no campus do Instituto Federal de Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte (IFRN), assim como
os dados dos participantes sobre as questões sociais, econômicas, escolares e do rendimento no
exame.
Nessa direção, este estudo foca também na análise do plano de texto articulado aos
direcionamentos da banca examinadora e aos dispositivos enunciativos concernentes à orientação
argumentativa e a (não) assunção da responsabilidade enunciativa do referido gênero.
190
QUESTÕES METODOLÓGICAS
tivemos acesso apenas aos dados do último edital, em decorrência do contexto pandêmico. A coleta
foi realizada por meio de link no drive, em razão da pandemia que ocasionou a suspensão das
atividades presenciais.
No que concerne ao tratamento do corpus para análise, considerando os princípios da
ética na pesquisa e para garantir o anonimato dos participantes, registramos um termo de sigilo no
âmbito sistêmico, bem como digitamos os textos a serem analisados, como também salientamos que
excluímos qualquer identificação dos candidatos, conforme ilustramos, a seguir:
No que se refere à proposta de produção textual do edital selecionado para este trabalho,
apresentamos, a seguir:
como a ação verbal pela qual se leva uma pessoa e/ou todo um auditório a aceitar uma
determinada tese, valendo-se, para tanto, de recursos que demonstrem a consistência dessa
193
tese. Esses recursos são as verdades aceitas por uma determinada comunidade, assim como
os valores e os procedimentos por ela considerados corretos ou válidos. Dessa forma,
argumentação é um termo que se refere tanto a esse ato de convencimento quanto ao conjunto
de recursos utilizados para realizá-lo. Por isso mesmo, a argumentação sempre parte de um
objetivo a ser atingido (a adesão à tese apresentada) e lança mão de um conjunto de
estratégias próprias para isso, levando em conta aquilo que faz sentido para quem lê ou ouve.
Daí a importância de conhecer-se o leitor ou o ouvinte; afinal, o argumento que funciona
muito bem para um grupo de estudantes adolescentes não terá o mesmo efeito sobre uma
comunidade de senhoras católicas – e vice-versa (SEVERIANO, GAGLIARDI, AMARAL,
2019, p.43)
No que concerne aos direcionamentos que servem de base para a correção das produções
escritas no certame em estudo, ou seja, para a avaliação do gênero textual artigo de opinião,
delineamos os seguintes aspectos:
ESTRUTURA (20): será observado se o candidato produziu o gênero textual solicitado (artigo de opinião), no comando
da questão discursiva e se o texto apresenta: título/assinatura, ponto de vista (tese), argumentos e conclusão.
(Pontuação: 04, 08, 12, 16, 20).
ORGANIZAÇÃO LINGUÍSTICO-TEXTUAL (20): será avaliado se o texto está adequado à situação de comunicação
proposta, incluindo os aspectos relativos às convenções da norma escrita e de adequação vocabular. (Pontuação: 00,
05, 10, 15, 20)
TEXTUALIDADE (60): será observado se o texto apresenta coesão, coerência, progressão, informatividade e se
argumenta em favor do ponto de vista assumido. (Total: 60 pontos) Coesão (Pontuação: 00, 05, 10, 15, 20)
Coerência (Pontuação: 00, 05, 10, 15, 20) Construção da argumentação (Pontuação: 00, 05, 10, 15, 20)
Nessa direção dos aspectos estruturais, Adam (2011) assinala os planos e níveis de análise
textual e de discurso, de acordo com a reprodução seguinte:
Nessa visão, consoante Adam (2011, p. 258), o plano de texto é o principal fator
unificador da estrutura composicional e é fundamental para a organização estrutural interna do texto.
Os planos de texto convencionais são fixados “pelo estado histórico de um gênero ou subgênero de
discurso” (ADAM, 2011, p. 258) e correspondem às constantes composicionais de gêneros
discursivos.
195
Dessa forma, considerando o exposto, nota-se como fixo, convencional o plano de texto
do gênero artigo de opinião do processo seletivo.
Fonte: Elaborado pelos autores baseada nas orientações para correção da prova escrita
(PROEN/CADIS/IFRN, 2019).
De modo sucinto, refletimos sobre o plano de texto de estrutura fixa que se encontra
articulado aos direcionamentos dos critérios de correção da produção textual, equivalente a 20 pontos,
bem como haja vista os estudos de Adam (2011).
A seguir, tecemos considerações sobre a análise textual de exemplar do corpus, assim
como refletimos sobre a influência do Enem nas práticas de escrita do Ensino Fundamental, conforme
ilustramos no parágrafo do plano de texto em que se apresenta a conclusão do artigo, tendo como
formato a proposta de intervenção nos moldes do texto dissertativo-argumentativo do Enem, em
cumprimento às exigências da competência V, inclusive com repertório sociocultural de autor
(Immanuel Kent) muito comum em redações nota mil divulgadas pela imprensa.
Excerto textual 1
Portanto, a participação dos pais ou responsáveis em acompanhar seus filhos no mundo tecnológico é algo
imperativo, sem questionamentos, mesmo não tendo o conhecimento de tudo, procurem saber como estão os
filhos, e com auxílio das escolas devem criar palestras de ensinamentos sobre o tal, o governo deve fazer
campanhas publicitárias para a conscientização de todos e talvez assim os casos podem ser menores. “O homem
so é aquilo que a educação faz dele” dizia Immanuel Kent e devemos levar como exemplo para nossas vidas,
ser educado e respeitoso é um dever de todos.
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
apesar do campus se encontrar localizado na referida cidade, os candidatos na maioria eram de outros
municípios da região do Mato Grande.
Gráfico 2 - Percentual de candidatos com provas corrigidas-seleção para a correção da produção textual
nº de candidatos
31%
não selecionados
nº de candidatos
69% selecionados
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
44% Masculino
56% Feminino
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
No tocante ao sexo, os dados revelam que a maioria dos candidatos é do sexo feminino.
Apesar disso, percebe-se que não há uma grande diferença entre o percentual do sexo feminino (56%)
e o percentual do sexo masculino (44%), como constatamos a partir do gráfico 3. Os dados
evidenciam, portanto, que a maioria dos candidatos são do sexo feminino, tendo o percentual de 56%.
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
800
600
400
200
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
Constatamos, no que concerne à instituição de origem escolar dos participantes, que mais
de 700 candidatos estudaram somente em escolar pública. Observa-se que os estudos dos candidatos
que majoritariamente são oriundos de escola pública são de grande diferença quantitativa em
199
comparação aos que estudaram em escolas particulares (quase 200 candidatos) ou em ambas, sendo
mista (mais de 100 candidatos), de acordo com o que consta no gráfico 5.
Somente em
5% escola pública
33% Somente em
62% escola particular
Mista: pública e
particular
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
Somente em escola
15% pública
28%
Somente em escola
particular
Mista: pública e
57%
particular
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
Observa-se que apesar do percentual de aprovados que tiveram estudo somente em escola
pública ser o maior dentre os parâmetros analisados, como verificamos no gráfico 6, o mesmo não
acontece em relação à taxa de aprovação dos candidatos. Os dados revelam que a maior taxa de
aprovação refere-se aos candidatos que tiveram estudo somente em escola particular (57%) e para os
candidatos que tiveram estudo somente em escola pública e misto a taxa de aprovação foi
relativamente pequena – respectivamente 28% e 15%.
200
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados Cadis/PROEN (2019).
No que tange o estudo dos candidatos pretos, obtivemos os seguintes dados: 74% dos
candidatos pretos estudaram somente em escola pública, 9% somente em escola particular e 17%
tiveram estudo misto, como mostra o gráfico 8.
Em relação aos percentuais de aprovação dos candidatos, no tocante à questão de cor, os
dados coletados mostram que 77% dos candidatos aprovados se declaram pardo – dado este que se
reflete em grande parte ao fato de que mais de 700 candidatos se declararam pardo como foi
observado no gráfico 4. Além disso, percebe-se que as demais cores englobando questões raciais
possuem percentuais pequenos, como ilustra o gráfico 9. Tais dados se relacionam com a aprovação
por cota racial.
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados disponibilizados pela Cadis/PROEN (2019).
A partir dos dados obtidos, evidencia-se que a grande maioria dos candidatos pretos
possuem uma renda familiar bruta menor ou igual a R$800,00, com um percentual de 65%. Apenas
35% dos candidatos pretos possuem uma renda familiar bruta maior que R$800,00, consoante mostra
o gráfico 10.
0% Entre 0 e 300
11%
Entre 500 e 800
70%
Entre 800 e
1000
Fonte: Elaborados pelos autores com base nos dados disponibilizados pela Cadis/Proen/IFRN/2019.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo:
Cortez, 2011.
BAKHTIN, Mikhail. Estética da criação verbal. São Paulo: Martins Fontes, 2011.
BRASIL. Base Nacional Comum Curricular: Educação Infantil e Ensino Fundamental. Brasília:
MEC/Secretaria de Educação Básica, 2017.
KOCH, Ingedore. Vanda; ELIAS, V. M. Escrever e argumentar. São Paulo: Contexto, 2016.
PASSEGGI, Luis. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual
de sentido. In. BENTES, Anna Christina; LEITE, Marli Quadros (org.). Linguística de texto e
análise da conversação: panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010.
SEVERIANO, Ana Paula; OLIVEIRA, Egon de; GAGLIARDI, Eliana; AMARAL, Heloísa. Ponto
de vista: caderno do professor: orientação para a produção de textos. São Paulo: Cenpec. Coleção 6ª
edição Olímpiadas, 2019 Disponível
em:https://www.escrevendoofuturo.org.br/arquivos/8148/caderno-artigo.pdf. Acesso em 10
jan.2020.
RESUMO
Os gêneros discursivos textuais consolidam práticas sociais nas diferentes situações de interação e, a
depender do propósito comunicativo, podem alcançar implicações para a coletividade. Diante disso,
estudos que discorrem sobre a linguagem jurídica e seus operadores do Direito estão se tornando cada
vez mais evidentes, motivados pela grande demanda de dados registrados em diferentes suportes e
manifestados em diversos gêneros, além das amplas possibilidades linguístico-investigativas desses
textos e das finalidades que o discurso jurídico desempenha na sociedade. Nessa direção, nosso
corpus é constituído por Projetos de Lei e suas respectivas normas, formulados de maneira escrita
por representantes do Poder Legislativo para inserção e posterior garantia de direitos no ordenamento
jurídico do país. Diante disso, é notória a importância desses documentos para uma sociedade que é
regida por um conjunto de direitos e deveres e que tem pouco acesso, ou talvez nenhum, a
conhecimentos inerentes ao universo jurídico. Assim, objetivamos investigar a enunciação e a
orientação argumentativa empregadas na estrutura composicional de Projetos de Lei e de suas normas
por meio do estudo dos níveis enunciativo e argumentativo que compõem a materialidade desses
textos concretos. Do ponto de vista teórico, esta pesquisa fundamenta-se nos pressupostos da
Linguística Textual (LT), da Análise Textual dos Discursos (ATD), da Linguística da Enunciação
(LE) e nos estudos da Argumentação. Do ponto de vista metodológico, seguimos a abordagem
qualitativa de natureza interpretativista e o método indutivo de análise, sendo um estudo documental
do tipo exploratório. Nossos resultados sugerem que as análises da responsabilidade enunciativa, da
coesão polifônica e da orientação argumentativa favorecem o desvelamento do conteúdo normativo
dos textos, contribuindo para tornar o Direito mais compreensível e utilizável socialmente.
Palavras-chave: Projetos de Lei. Normas. Análise Textual dos Discursos. Discurso jurídico.
INTRODUÇÃO
Nos últimos anos, estudos desenvolvidos na interface Linguagem e Direito estão sendo
cada vez mais produzidos, motivados pela substancialidade de dados gerados na formação
sociodiscursiva jurídica, além de ampla possibilidade de investigação das estratégias linguístico-
discursivas nesses textos concretos. Nesse sentido, pesquisas vêm sendo desenvolvidas tendo por
unidade de análise o texto que circula socialmente, a exemplo da produção acadêmico-científica do
Grupo de Pesquisa em Análise Textual dos Discursos (ATD) da Universidade Federal do Rio Grande
do Norte (UFRN) – ATD/UFRN.
71
E-mail: claudiacynara.souza@gmail.com
72
E-mail: gracasrodrigues@gmail.com
205
Nessa perspectiva, este estudo encontra-se centrado no universo do Direito e nas relações
entre a linguagem e o discurso jurídico, cujo corpus é constituído por Projetos de Lei e suas
respectivas normas. O Projeto consiste em um tipo de proposta normativa formulada de maneira
escrita por representantes do Poder Legislativo com vistas à propositura de leis, cuja aprovação
contribuirá para a inserção e posterior garantia de direitos no ordenamento jurídico do país, com
implicações sociais variadas a depender do tipo de norma (Emenda à Constituição, Lei Complementar
ou Lei Ordinária).
Diante disso, é notória a importância desses documentos para uma sociedade que é regida
por um conjunto de normas e que tem pouco acesso, ou talvez nenhum, a conhecimentos inerentes ao
universo jurídico. Por isso, investigações que focalizam o estudo dos níveis de linguagem para o
cotidiano contribuem para tornar o Direito compreensível e utilizável.
Nesse contexto, evoca-se Lourenço (2015) para fortalecer a justificativa da importância
de estudar o gênero jurídico:
[...] promover o estudo dos gêneros jurídicos escritos implica descrever e sistematizar
elementos caracterizadores desse tipo de texto/discurso, que por sua vez é detentor de
características próprias, obedece a exigências previstas na legislação e possui um caráter
prático. (LOURENÇO, 2015, p. 71).
Ainda, nessa direção, Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2014) apontam que o
desvelamento da linguagem jurídica, buscando compreender os eixos centrais das normas que a
mobiliza, é uma atividade investigativa valiosa, pois pode colaborar para que sejam compreendidos
direitos e deveres, porém, é inesgotável, uma vez que há muito a ser dito, a ser interpretado. À vista
disso, concordamos com os autores e é, por isso, que empreendemos a analisar e interpretar a
linguagem jurídica na perspectiva do texto e do discurso, considerando a enunciação e a
argumentação como dimensões de análise.
Assim, objetivamos investigar a enunciação e a orientação argumentativa empregadas na
estrutura composicional de Projetos de Lei e de suas respectivas normas, por meio do estudo dos
níveis enunciativo e argumentativo que compõem a materialidade textual dos gêneros examinados, a
partir da identificação das sequências e dos planos de texto, da expressão da responsabilidade
enunciativa e da coesão polifônica e a maneira como estratégias linguísticas contribuem para a
orientação argumentativa dos textos.
ASPECTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
206
Do ponto de vista teórico, este estudo fundamenta-se nos pressupostos da Análise Textual
dos Discursos, com Adam (2011); da Linguística da Enunciação, com Flores (2008), Fiorin (2016),
Rabatel (2016), Guentchéva (1996); nos estudos da argumentação e nos trabalhos que versam sobre
a argumentação e a formação sociodiscursiva jurídica, com Pinto (2010, 2016), Cabral (2014, 2017),
Lourenço (2008, 2013), Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2010, 2014, 2016), Rodrigues e Passeggi
(2016), Rodrigues (2017), Gomes (2014), Medeiros (2016), Fernandes (2016), entre outras pesquisas.
Definida como “uma teoria da produção co(n)textual de sentido que deve,
necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos” (ADAM, 2011, p. 13), a ATD
propõe “articular uma linguística textual desvencilhada da gramática de texto e uma análise de
discurso emancipada da análise de discurso francesa (ADF)” (ADAM, 2011, p. 43).
A ATD adota a perspectiva teórico-metodológica que, “com o objetivo de pensar o texto
e o discurso em novas categorias, situa decididamente a Linguística Textual no quadro mais amplo
da análise do discurso” (ADAM, 2011, p. 24), apresenta, de modo particular, categorias concretas
para descrição e análise de fenômenos linguísticos ao desenhar níveis ou planos de análise
representados no clássico esquema que segue ilustrado:
O esquema teórico proposto por Adam defende que a ação de linguagem (visada,
objetivo) acontece na interação social (N1), manifestada em uma dada formação sociodiscursiva (N2)
que, por sua vez, produz interdiscursos (N3), materializados por meio de língua(s), intertextos e
207
sistemas de gêneros realizados nas atividades comunicativas. Para o autor, esses níveis de análise
estão no plano do discurso.
Já no plano do texto, Adam postula que os gêneros são passíveis de análise em cinco
níveis distintos, que se imbricam e se complementam para o estabelecimento de sentidos. Dessa
forma, o texto é analisável no plano da textura (proposições enunciadas e períodos), N4; no plano da
estrutura composicional (sequências e planos de texto), N5; no plano da semântica (representação
discursiva), N6; no plano de enunciação (responsabilidade enunciativa e coesão polifônica), N7; e no
plano dos atos do discurso e orientação argumentativa, N8 de análise.
Por esse ângulo, os estudos que envolvem a ATD consideram a língua em sua forma e
uso nas dimensões semântica, enunciativa, argumentativa e pragmática, sendo o enunciado o
resultado da enunciação e essas “áreas abrigadas sob a enunciação partem do pressuposto de que a
linguagem, ou, melhor dizendo, a produção de sentidos pela linguagem, deve ser investigada
nos/pelos usos efetivos que os sujeitos fazem dela” (CAVALCANTE, 2010, p. 57).
Para Fiorin (2016, p. 26), “o primeiro sentido de enunciação é o de ato produtor do
enunciado” que sofre reformulações pelas teorias enunciativas ao incorporar aspectos da
subjetividade, da polifonia, do dialogismo e da heterogeneidade ao seu conceito. Segundo Flores
(2008), estudos desenvolvidos na perspectiva da Linguística Textual recorrem a mecanismos
enunciativos com vistas a discutir questões referentes à problemática do texto, uma vez que o
considera imerso em questões pragmáticas e discursivas. Nessa direção, Adam (2011) considera o
nível da enunciação como uma das dimensões teórico-analíticas no seu projeto linguístico e propõe
o estudo da responsabilidade enunciativa e da coesão polifônica a partir da identificação de marcas
linguísticas materializadas nos enunciados.
Conforme Adam (2011, p. 117), “o grau de responsabilidade enunciativa de uma
proposição é suscetível de ser marcado por um grande número de unidades da língua”, a saber: os
índices de pessoas, os dêiticos espaciais e temporais, os tempos verbais, as modalidades, os diferentes
tipos de representação da fala, as indicações de quadros mediadores, os fenômenos de modalização
autonímica e as indicações de um suporte de percepções e de pensamentos relatados.
De acordo com Rodrigues (2017, p. 299-230),
Segundo Rabatel (2016), a responsabilidade enunciativa pode ser identificada pelo estudo
do Ponto de Vista (PDV) nos atos de enunciação. Para o autor,
Ancorado nos postulados teóricos da Análise Textual dos Discursos, o estudo da estrutura
composicional dos Projetos de Lei possibilitou a identificação de um plano de texto delimitado por
seções recorrentes, conforme segue organizado em um quadro ilustrativo geral:
Com base no exposto, nossas análises indicaram uma materialidade linguística que não
varia quanto aos aspectos de forma. Nesse sentido, a estrutura composicional dos Projetos de Lei
investigados apresenta regularidade na disposição dos planos de texto, sendo, portanto, considerados
convencionais ou fixos, conforme Adam (2011). Esse plano de texto fixo é marcado “pelo estado
histórico de um gênero ou subgênero de discurso” (ADAM, 2011, p. 258) e sua organização é
condicionada pelas determinações da Resolução N° 17 de 1989 da Câmara dos Deputados que
preconiza:
Art. 111. Os projetos deverão ser divididos em artigos numerados, redigidos de forma concisa
e clara, precedidos, sempre, da respectiva ementa.
§ 1º O projeto será apresentado em três vias:
I - uma, subscrita pelo Autor e demais signatários, se houver, destinada ao Arquivo da
Câmara;
II - uma, autenticada, em cada página, pelo Autor ou Autores, com as assinaturas, por cópia,
de todos os que o subscreveram, remetida à Comissão ou Comissões a que tenha sido
distribuído;
III - uma, nas mesmas condições da anterior, destinada a publicação no Diário da Câmara
dos Deputados e em avulsos.
§ 2º Cada projeto deverá conter, simplesmente, a enunciação da vontade legislativa, de
conformidade com o § 3º do art. 100, aplicando-se, caso contrário, o disposto no art. 137, §
1º, ou no art. 57, III.
§ 3º Nenhum artigo de projeto poderá conter duas ou mais matérias diversas. (BRASIL,
1989).
- Artigos
- Parágrafos
- Incisos
- Alíneas
- Itens
Endereçamento Local, dia, mês e ano da aprovação da lei
Assinatura Assinaturas
Ratificações Retoma a validade do texto original publicado no Diário Oficial da União
Publicações Sugestões de acesso aos textos
Fonte: a autora.
Denomina “Luís Fausto de Medeiros” o Porto-Ilha de Areia Branca, situado no município do mesmo nome,
Estado do Rio Grande do Norte.
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte
Lei:
Art. 1° Fica denominado Porto-Ilha 'Luís Fausto de Medeiros' o atual Porto-Ilha de Areia Branca, situado no
município do mesmo nome, no Estado do Rio Grande do Norte.
Art. 2° Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação.
212
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. São Paulo:
Cortez, 2011.
ADAM, Jean-Michel. Textos: tipos e protótipos. Tradução Mônica Magalhães Cavalcante et al. São
Paulo: Contexto, 2019.
BRASIL. RESOLUÇÃO Nº 17, DE 1989. Aprova o Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
120f.
BRASIL. Manual de Redação da Presidência da República. 3. ed., rev., atual. e ampl. – Brasília:
Presidência da República, 2018. 189f.
CABRAL, Ana Lúcia Tinoco. Linguística Textual e Teoria da Argumentação na Língua: texto e
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CABRAL, Ana Lúcia Tinoco; GUARANHA, Manoel Francisco. O conceito de justiça: argumentação
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LOURENÇO, Maria das Vitórias Nunes Silva. A argumentação na petição inicial. 2008. 103 f.
Dissertação (Mestrado em Linguística Aplicada; Literatura Comparada) - Universidade Federal do
Rio Grande do Norte, Natal, 2008.
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Comparada) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2013.
LOURENÇO, Maria das Vitórias Nunes Silva. Análise textual dos discursos: responsabilidade
enunciativa no texto jurídico. Curitiba: CRV, 2015.
PINTO, Rosalice. Como argumentar e persuadir? Prática política, jurídica, jornalística. Lisboa:
Quid Juris Sociedade Editora, 2010.
MEDEIROS, Célia Maria de. Responsabilidade enunciativa no gênero jurídico contestação. 2016.
180f. Tese (Doutorado em Estudos da Linguagem) - Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes,
Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal, 2016.
RABATEL, Alain. Homo Narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa.
São Paulo: Cortez, 2016.
RODRIGUES, Maria das Graças Soares; PASSEGGI, Luis; SILVA NETO, João Gomes
da.“Voltarei. O povo me absolverá...”: a construção de um discurso polêmico de renúncia. In:
RODRIGUES, Maria das Graças Soares; PASSEGGI, Luis; SILVA NETO, João Gomes da (Org.).
Análises textuais e discursivas: metodologias e aplicações. São Paulo: Cortez, 2010. p. 150-195.
RODRIGUES, Maria das Graças Soares; PASSEGGI, Luis; SILVA NETO, João Gomes da. Planos
de texto e representações discursivas: a seção de abertura em processo-crime. In: BASTOS, N. B.
Língua portuguesa e lusofonia. São Paulo: EDUC, 2014. p. 240-255.
RODRIGUES, Maria das Graças Soares; PASSEGGI, Luis; SILVA NETO, João Gomes. “SAIO DA
VIDA PARA ENTRAR NA HISTÓRIA” – pontos de vista, responsabilidade enunciativa coletiva e
polêmica pública na Carta-Testamento de Getúlio Vargas. Conexão Letras, v. 11, n. 15, 2016, p.
100-113.
RODRIGUES, Maria das Graças Soares; PASSEGGI, Luis. “Tentam colocar medo no povo”: vozes,
emoções e representações num texto jornalístico. In: BASTOS, Neusa Barbosa (Org.). Língua
portuguesa e lusofonia: história, cultura e sociedade. São Paulo: EDUC, 2016. p. 259-272.
216
RESUMO
Este trabalho está situado no eixo teórico da Análise Textual dos Discursos (ATD), tendo como base
os postulados de J-M. Adam (2011), considerando o texto em sua relação necessária com o co(n)texto
e discurso e, consequentemente, compreendendo-o a partir de sua materialização num gênero
discursivo. Numa abordagem também em consonância com Adam, são utilizados os conceitos e
pressupostos de Alain de Rabatel (2013, 2016), como Ponto de Vista (PDV), Empatia e Emoção. O
gênero escolhido para análise é a decisão de pronúncia anulada por excesso de linguagem, bem como
sua versão refeita, sendo utilizadas decisões de domínio público. A referida peça jurídica é produzida
por um juiz, na primeira fase do Tribunal do Júri (competente para julgar crimes dolosos contra a
vida e conexos), em que são analisados os indícios de materialidade e indícios suficientes de autoria
(art. 413, §1º, Código de Processo Penal); sendo o réu pronunciado, ele será julgado pelo Tribunal do
Júri (jurados). A importância de se estudar mais este gênero jurídico em relação à Responsabilidade
Enunciativa (RE) se dá por ser, primeiramente, uma decisão cujos limites são impostos para evitar
que os jurados, na segunda fase do Tribunal do Júri, venham a ter seu convencimento já formado por
esta decisão, impossibilitando uma defesa efetiva do réu e, segundo, porque a análise prévia do corpus
indica que anulação dessas decisões por “excesso de linguagem” está ligada a questões relacionadas
às categorias relacionadas a RE do Locutor Enunciador Primeiro (L1/E1), juiz, em relação ao seu
dizer. Em razão dessa ligação, privilegia-se o nível de análise em que é possível perceber e estudar a
RE no gênero discursivo jurídico decisão de pronúncia. Depois de identificado e detalhado o plano
de texto do gênero, tendo como base as categorias de análise indicadas por Adam (2011), são
identificadas, descritas, analisadas e interpretadas as marcas linguísticas que caracterizam o “excesso
de linguagem”, bem como marcas que evidenciam o Ponto de Vista (PDV) e a Responsabilidade
Enunciativa (RE) nas decisões de pronúncia anuladas e, em seguida, nas decisões refeitas.
INTRODUÇÃO
Este trabalho tem como objeto observacional decisões de pronúncia anuladas por
“excesso de linguagem”, bem como suas respectivas decisões refeitas. Essas decisões tem uma
estrutura que impõem ao magistrado um posicionamento reticente quanto à sua convicção, ancorando
seu ponto de vista, especialmente, a questões objetivas constantes nos autos (laudo necroscópico,
73
E-mail: ryanny.guimaraes@gmail.com
74
E-mail: gracasrodrigues@gmail.com
218
laudo pericial) e à visão de terceiros, fazendo uso de discursos alheios (testemunhas, réu) para se
manter distante. Por tais características, não raro essas decisões são objeto de recurso e findam
anuladas por tribunais superiores, especialmente por algo que a jurisprudência75 chama de “excesso
de linguagem”.
A importância de estudarmos mais este gênero jurídico em relação à Responsabilidade
Enunciativa (RE) se dá por ser, primeiramente, uma decisão cujos limites são impostos para evitar
que os jurados, na segunda fase do Tribunal do Júri, venham a ter seu convencimento já formado por
esta decisão, impossibilitando uma defesa efetiva do réu e, segundo, porque a análise prévia do corpus
indica que anulação dessas decisões por “excesso de linguagem” está ligada a questões conjugadas
às categorias relacionadas a RE do Locutor Enunciador Primeiro (L1/E1), isto é, o juiz, em relação
ao seu dizer. Em razão dessa ligação, privilegiamos o nível de análise em que é possível perceber e
estudar a RE no gênero discursivo jurídico decisão de pronúncia.
Com o propósito de compreender linguisticamente o fenômeno jurídico denominado
“excesso de linguagem”, temos os objetivos de identificar, descrever, analisar e interpretar: (a) o
plano de texto e as características do gênero “decisão de pronúncia”; (b) marcas linguísticas que
caracterizam o “excesso de linguagem” no gênero; (c) marcas linguísticas que evidenciam o PDV e
a RE em decisões de pronúncia anuladas por “excesso de linguagem”; (d) marcas linguísticas que
evidenciam o PDV e a RE em decisões de pronúncia refeitas após a anulação e, por fim, (e) a relação
entre a RE e o “excesso de linguagem” nas decisões de pronúncia.
Para nosso intento, utilizamos os pressupostos teóricos de J-M. Adam (2011), no que diz
respeito à Responsabilidade Enunciativa (RE), bem como Rabatel (2013, 2016) para conceituar e
compreender Ponto de Vista (PDV) e Empatia e Micheli (2010) para melhor conceituar
linguisticamente Emoção.
É importante destacar que a pesquisa aqui explanada ainda está em andamento, sendo
parte da dissertação que estamos desenvolvendo durante o mestrado. Em razão disso, optamos por
explorar apenas duas decisões que compõem nosso corpus, referente a um mesmo processo judicial,
a fim de preservar a originalidade da investigação científica quando da sua publicação nos bancos de
dados das teses e dissertações da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN).
ASPECTOS TEÓRICOS
Nesta seção são discutidos alguns aspectos teóricos importantes para composição deste
trabalho, que se localiza no eixo teórico da Análise Textual dos Discursos (ATD). Com isso,
75
Jurisprudência é um conjunto das decisões de um tribunal ou tribunais. Representa a visão do tribunal, em determinado
momento, sobre as questões legais levadas a julgamento.
219
A Análise Textual dos Discursos (ATD) proposta por Jean-Michel Adam (2011) nasce a
partir da carência de uma teoria que ligue elementos da Linguística Textual (LT), bem como da
Análise dos Discursos, sendo um intermédio entre ambas, com categorias analíticas que possibilitem
sua interligação e que acompanhem as transformações da compreensão do sentido de texto76.
Notamos que as referidas teorias (LT e AD francesa) assumiram pontos de partida opostos e,
consequentemente, metodologias distintas. Percebendo isso, Adam (2011, p. 43) mostra-nos seu
objetivo:
É sobre novas bases que propomos, hoje, articular uma linguística textual desvencilhada da
gramática de texto e uma análise do discurso emancipada da análise de discurso francesa
(ADF).
A proposta da ATD concebida por Adam (2011, p. 43) define a “linguística textual como
subdomínio do campo mais vasto da análise das práticas discursivas”. O autor ainda reconhece, ao
explicar um de seus esquemas, qual o objeto da (a) LT e qual o objeto da (b) AD: no caso da primeira,
(a) o texto, em suas proposições, constituídas em uma unidade e, no caso da segunda, (b) as regulações
“que as situações de interação nos lugares sociais, nas línguas e nos gêneros dados impõem aos
enunciados” (ADAM, 2011, p. 44).
Assim, a ATD, esclarece-nos Lanzillo (2016, p. 41): “estuda as práticas discursivas por
meio de textos e somente pelos textos é possível estudar o(s) discurso(s)”. Nesse sentido, Karlheinz
Stierle (apud ADAM, 2011, p. 52) diz:
Uma vez que é a partir do texto que o leitor/analista compreende as condições de sua
enunciação, Adam (2011, p. 52) revela-nos nossas (de)limitações para empreender uma análise:
Não se pode esquecer que não temos acesso ao contexto como dado extralinguístico objetivo,
mas somente a (re)construções pelos sujeitos falantes e/ou por analistas (sociólogos,
historiadores, testemunhas, filólogos ou hermeneutas).
76
A definição de texto, atualmente, incorpora aspectos comunicacionais, interacionais, cognitivos.
220
Responsabilidade Enunciativa
Passeggi, Rodrigues, Silva Neto, Sousa & Soares (2010) sustentam, fundamentados nos
estudos de Adam (2011), que a responsabilidade enunciativa ocorre através da assunção da
responsabilidade pelo conteúdo dito ou pela atribuição desse conteúdo a outrem. Por meio de tal
conceptualização, percebe-se que na composição textual pode haver marcas que responsabilizam o
enunciador pelo dizer.
Segundo Adam (2011), a responsabilidade enunciativa é entendida como uma das
dimensões elementares da unidade textual mínima, a proposição-enunciado, chamada de “produto de
um ato de enunciação: ela é enunciada por um enunciador inseparável de um coenunciador” (ADAM,
2011, p. 108).
Para Adam (2011), a RE ou PdV pode ser firmado textualmente por diversas marcas que
caracterizam o grau de Responsabilidade Enunciativa de uma proposição. Tais marcas podem ser: (i)
os índices de pessoa; (ii) os dêiticos espaciais e temporais; (iii) os tempos verbais, (iv) as modalidades;
(v) os diferentes tipos de representação da fala; (vi) as indicações de quadros mediadores; (vii) os
fenômenos de modalização autonímica; (viii) as indicações de um suporte de percepções e de
pensamentos.
Vemos, então, que a RE diz respeito à dimensão enunciativa. Tal categoria (RE) permite
dar conta do “desdobramento polifônico” dos enunciados e torna possível identificar de que forma e
quem se responsabiliza pelos pontos de vista que são mobilizados no texto. Perceber a decisão de
pronúncia sob essa ótica, portanto, mostra-se pertinente em razão da ocorrência de “excesso de
linguagem”, notadamente com vias a entender sua relação com o grau de Responsabilidade
Enunciativa.
221
[...] analisar um ponto de vista é recuperar, de uma parte, os contornos de seu conteúdo
proposicional e, de outra, sua fonte enunciativa, inclusive quando esta é implícita, a partir de
atribuição dos referentes e dos agenciamentos das frases em um texto. (RABATEL, 2016,
p.71, grifo nosso)
O sujeito, responsável pela referenciação do objeto, mostra seu PDV, tanto diretamente,
utilizando comentários explícitos, como indiretamente, pela referenciação, isto é, pelas escolhas,
combinações e atualização do material linguístico. (RABATEL, 2016, p. 30). Rabatel (2016, p. 29)
ainda combina o conceito de PDV com o de empatia, dizendo-nos que antes de ser um conceito
linguístico, ele é uma postura psico-cognitiva que movimenta o sujeito a se colocar no lugar do outro
e até de todos os outros.
Já a empatia, sob o prisma linguístico, significa colocar-se no lugar de outrem, de modo
que um locutor empresta sua voz a outro para projetar um acontecimento do ponto de vista do outro,
baseando-se “na distinção entre locutor (na origem material de um ato de dicção ou de escrita) e o
enunciador na origem das posições enunciativas que transmitem os discursos” (RABATEL, 2013, p.
160).
O autor também definiu algumas instâncias para esse conceito. Ele nomeia como
empatizador ou instância empatizante, o locutor/enunciador primeiro, aquele que vai se colocar no
lugar do outro e empatizado, o sujeito que vai se beneficiar do tratamento empático do empatizador.
Para o linguista, um centro de empatia corresponde ao enunciador segundo o qual vai sofrer as
influências do movimento empático.
Para nossa análise, também utilizamos o conceito de enunciado de emoção, de Plantin
(2011, p. 145):
O enunciado de emoção traz uma resposta à questão elementar “quem sente o que sente o
que e por quê?”atribui uma emoção a uma pessoa e, em certos casos, menciona a fonte da
emoção. Esse modelo é linguisticamente fundamental na medida em que a relação de emoção
(fonte - lugar – emoção) corresponde à estrutura semântica de uma família de enunciados
elementares. [...] O enunciado de emoção é definido como uma forma ligando um termo de
emoção (verbo ou substantivo), um lugar psicológico (chamado, por vezes, experienciador)
e uma fonte da emoção. (grifo nosso)
222
Renato Brasileiro nos ensina que o Tribunal do Júri é um órgão que pertence ao Poder
Judiciário, cuja formação heterogênea é composta por: (i) um juiz togado, que presidirá a sessão, e
(ii) juízes leigos, que comporão o Conselho de Sentença:
art. 74 A competência pela natureza da infração será regulada pelas leis de organização
judiciária, salvo a competência privativa do Tribunal do Júri.
§ 1º Compete ao Tribunal do Júri o julgamento dos crimes previstos nos arts. 121, §§ 1º e 2º,
122, parágrafo único, 123, 124, 125, 126 e 127 do Código Penal, consumados ou tentados.
(BRASIL, 1941. DECRETO-LEI N. 3.689)
METODOLOGIA E ANÁLISE
Nesta seção, trataremos dos métodos de análise e analisaremos parte do corpus coletado
para presente pesquisa77. Assim, vamos observar os excertos que foram considerados, pelos
respectivos tribunais de cada um dos estados, como exemplos de “excesso de linguagem” nas
decisões.
Metodologia
Neste trabalho, adotamos uma abordagem qualitativa, uma vez que nos concentramos na
análise e compreensão do corpus com a finalidade de demarcar linguisticamente os elementos
constituintes do “excesso de linguagem”, a partir de categorias analíticas exemplificadas 78 por Adam
(2011) no estudo da Responsabilidade Enunciativa, bem como do Ponto de Vista, de Rabatel (2016,
2013), possibilitando a construção do sentido do texto.
Nossa escolha pela abordagem qualitativa, implica-nos a utilização de um método, em
particular: o indutivo, pois, a partir da observação de fatos particulares, podemos apreender
formulações subjacentes, adequando-se ao nosso trabalho em razão da relação dinâmica e
interconectada entre o mundo e o sujeito (PRODANOV; FREITAS, p. 2013, p. 70).
77
Processo n. 079/2.16.0000610-5 (TJRS), publicação da primeira Pronúncia: 8 de janeiro de 2018; publicação da
segunda Pronúncia: 25 de outubro de 2018.
78
No sentido de não ser um rol exaustivo em termos analíticos para o fenômeno da Responsabilidade Enunciativa (RE).
224
Critérios Motivação
79
“research is a systematic process of inquiry consisting of three elements or components: (1) a question, problem, or
hypothesis, (2) data, (3) analysis and interpretation of data”.
225
De acordo com Sueli Marquesi (2017, p.14): “O plano de texto reflete a maneira como
as informações estão organizadas no texto, indicando também a organização das sequências textuais,
sempre de acordo com as intenções de quem escreve”. Assim, identificar a estrutura do texto nos
auxilia na compreensão do texto.
Abaixo colocamos um plano de texto genérico que nos ajuda a compreender a decisão
de pronúncia e que, no que diz respeito ao conteúdo, podemos observá-lo em todas as decisões
analisadas:
Quadro 2
Análise
Como já dissemos, recortamos para este trabalho apenas um dos autos que compõem
nosso corpus. As decisões foram proferidas por um juiz de direito vinculado ao Tribunal de Justiça
do Rio Grande do Sul (TJRS)80 e o contexto do caso é de uma suposta tentativa de homicídio ocorrida
após uma tentativa de assalto, enquanto policiais, em sua viatura, perseguiam os réus que também
estavam em um veículo.
Abaixo, separamos seis excertos dispostos de maneira que a coluna do lado esquerdo
corresponde à decisão anulada por excesso de linguagem, e a coluna do lado direito à decisão refeita
após a anulação.
Quadro 3
80
Processo n. 079/2.16.0000610-5 (TJRS), publicação da primeira Pronúncia: 8 de janeiro de 2018; publicação da
segunda Pronúncia: 25 de outubro de 2018.
227
Quadro 4
No excerto 3, mais uma vez o magistrado (L1/E1) faz uma concessão por meio da
expressão conjuntiva “mesmo que”, indicando uma modalização epistêmica de incerteza. Ao fazer
isso, L1/E1 dá menos relevância à informação “absolutamente impossível dizer que os disparos foram
realizados por este ou por aquele réu”. Assim, o período seguinte: “a combinação de vontades e a
conjugação dos seus esforços levam a crer que todos assumiram, com igual intensidade” ganha
mais destaque, fortalecendo a vontade e responsabilidade dos réus, vez que L1/E1 usa o verbo de
opinião “assumiram”, no pretérito perfeito, bem como o grupo preposicional “com igual intensidade”
em contraposição à informação de que não é possível saber quem efetuou os disparos.
Vemos, então, que “todos assumiram, com igual intensidade” é para onde se desloca a
atenção do interlocutor, em vez da incerteza quanto aos disparos. Nesse excerto, as marcas de RE não
se dão de maneira direta, isto é, pela presença do “Eu digo”, podendo ser inferidas pelos verbos de
opinião, modalizações, grupo preposicional, os quais indicam o PDV do juiz no sentido de acreditar
no propósito dos réus do cometimento dos crimes em análise.
No trecho refeito (Excerto 4), notamos que o L1/E1 prefere dizer que há
“verossimilhança” quanto ao fato em comento: os disparos. Desse modo, dá menos indícios de sua
orientação argumentativa quanto à consciência dos réus pelos seus atos.
Quadro 5
229
Não é possível afirmar quem efetuou estes disparos. Não é possível afirmar quem efetuou estes
Mas, fato incontestável é que todos estavam disparos. Mas, não pode ser afastado de
perfeitamente ajustados nesta empreitada, com plano um ajuste nesta empreitada, com
missões bem claras e definidas, sobretudo de quem missões bem claras e definidas, cabendo ao
dirigia o Vectra e que deveria dar a necessária órgão acusador expor ao Conselho de
segurança de fuga, cabendo aos outros, na Sentença as ações individuais e/ou em grupo
contribuição desta segurança de fuga, desferir tiros e as respectivas consequências para o fato
que parassem a autoridade policial, a qualquer global.
preço.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
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2020.
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sequências textuais e orientação argumentativa. SC Marquesi, AL Pauliukonis & VM orgs, p. 13-
32, 2017.
231
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PRODANOV, Cleber Cristiano; FREITAS, Ernani Cesar de. Metodologia do trabalho científico:
métodos e técnicas da pesquisa e do trabalho acadêmico-2ª Edição. Editora Feevale, 2013.
RABATEL, Alain. Homo Narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa –
pontos de vista e lógica da narração - teoria e análise. Trad. Maria das Graças Soares Rodrigues, Luis
Passeggi, João Gomes da Silva Neto. São Paulo: Cortez, 2016. v.1.
RANGEL, P. Tribunal do júri - visão linguística, histórica, social e jurídica. 6 ed. rev, atual e ampl.
São Paulo: Atlas, 2018. (E-book)
232
RESUMO
O propósito deste trabalho é analisar o valor da argumentação presente na sustentação oral do
advogado de defesa em um crime de homicídio no estado do Rio Grande do Norte e sua relação com
o convencimento dos jurados do Tribunal do Júri. A fim de alcançar esse propósito, este estudo
objetiva identificar, descrever, analisar e interpretar a argumentação na sustentação oral do advogado
criminal no que concerne à assunção da Responsabilidade Enunciativa, ao Ponto de Vista, à Emoção
e à Empatia, a partir da função argumentativa. Dessa maneira, esta pesquisa qualitativa de cunho
interpretativista segue o método indutivo e se fundamenta, teoricamente, nos postulados da Análise
Textual dos Discursos (ATD), com Adam (2011), Rodrigues, Passeggi e Silva Neto (2016) e
Rodrigues (2017), em diálogo com teorias linguísticas enunciativas, como Rabatel (2016a, 2016b e
2013) e Guentchéva (2011). Esta pesquisa segue alguns critérios bem delimitados para a escolha do
corpus, são eles: ser de caso de crime de homicídio; o réu ter sido absolvido; a sustentação oral está
disponível no Youtube e ter acesso ao documento de sentença penal absolutória do caso. Com o
propósito de padronizar a transcrição do corpus, que é um texto oral, a sustentação foi transcrita e
passada para as normas do Projeto da Norma Urbana Oral Culta (NURC). Devido ao corpus
apresentar ocorrências que não estavam marcadas nas normas de transcrição do projeto, foram
acrescentados alguns sinais além dos previstos no NURC. A análise dos dados aponta para os
seguintes resultados prévios: o locutor enunciador primeiro ora assume a responsabilidade pelo
enunciado, ora não; a assunção da responsabilidade enunciativa ocorre, principalmente, nos
cumprimentos iniciais do exórdio, enquanto a não assunção tem mais ocorrência na argumentação da
confirmação, quando o advogado precisa evocar outras vozes para fortalecer o seu argumento; a
construção do PDV de cada locutor enunciador primeiro, organizada por meio de esquemas da
sequência textual argumentativa, revela argumentos que certamente influenciaram diretamente na
decisão final dos jurados.
INTRODUÇÃO
O presente trabalho é um recorte de nossa dissertação de mestrado, vinculada ao
Programa de Pós-graduação em Estudos da Linguagem (PPgEL) da Universidade Federal do Rio
Grande do Norte (UFRN). Portanto, segue a mesma temática, aporte teórico, e metodologia do
trabalho completo.
81
UFRN/ Mestranda/ karlastephany7@gmail.com
82
UFRN/ Doutora/ gracasrodrigues@gmail.com
233
Dessa maneira, após o dito acima, o artigo analisa o valor da argumentação presente na
Sustentação oral do advogado de defesa em um crime de homicídio e a sua relação com o
convencimento dos jurados do Tribunal do Júri. Para isso, procuramos observar na argumentação do
advogado marcas de responsabilidade enunciativa, pontos de vista, empatia e um discurso emocional.
A Sustentação oral analisada ocorreu no estado do Rio Grande do Norte (RN), tendo a
sua defesa sido realizada em 2019. Essa defesa foi colhida do site do Youtube e liberada pelo
advogado para fins acadêmicos. Por se tratar de um texto oral, toda a Sustentação foi transcrita e
normatizada para as normas do Projeto da Norma Urbana Oral Culta (NURC).
Este trabalho está situado nos postulados de Jean-Michel Adam (2011), considerando o
texto em sua relação necessária com o co(n)texto e discurso. Numa abordagem também em
consonância com Adam, são utilizados os conceitos e pressupostos de Alain Rabatel (2013, 2016a,
2016b), como ponto de vista (PDV), empatia e emoção, sendo o último também analisado sob o viés
dos estudos Aristotélicos (2000) e Plantinianos (2011).
Para analisar o gênero “Sustentação oral”, esta pesquisa volta-se à resposta das seguintes
questões: (1) Como se apresenta o plano de texto e a sequência argumentativa no gênero jurídico
“Sustentação oral”, com foco na estrutura composicional? (2) Como a assunção da responsabilidade
enunciativa auxilia na argumentação do advogado de defesa no tribunal do júri? (3) Quais marcas
linguísticas presentes no gênero em questão induzem a um quadro de assunção da responsabilidade
enunciativa? (4) Como o ponto de vista (PDV) pode auxiliar na construção da orientação
argumentativa do advogado? (5) Como o discurso emotivo e a Empatia orientam a argumentação do
advogado? Para responder a esses questionamentos, neste estudo objetiva-se identificar, descrever,
analisar, interpretar a sustentação oral do advogado de defesa de um crime de homicídio no RN, no
que se refere ao ponto de vista (PDV), emoção, empatia e responsabilidade enunciativa (RE).
ASPECTOS TEÓRICOS
Nesta seção, discutimos alguns aspectos teóricos importantes para composição deste
trabalho, são eles: alguns pressupostos da ATD, como a responsabilidade enunciativa, a sequência
argumentativa e o plano de texto; categoria da teoria enunciativa, como o ponto de vista; e, por fim,
alguns conceitos sobre emoção e empatia.
Conforme dito por Adam (2011), a RE de uma proposição possui um grau, que pode ser
marcado por um grande número de unidades da língua. A fim de demonstrá-las, o autor enumera as
grandes categorias, a partir dos estudos de Benveniste (1974), são elas: índices de pessoas, dêiticos
espaciais e temporais, tempos verbais, modalidades, diferentes tipos de representação de fala,
indicação de quadros mediadores, fenômenos de modalização autonímica e indicações de um suporte
de percepções e de pensamentos relatados.
Além da RE, Adam (2011, 2019) também desenvolve estudos sobre as sequências
textuais, que para ele seria:
Voltando o foco na sequência argumentativa, vemos em Adam (2011, p. 233) que esta se
concretiza por meio de dois movimentos: a demonstração e/ou justificativa de uma tese e a refutação
de outras teses ou argumentos. Nessa perspectiva, o autor revela que em ambos os casos partem de
premissas (dados) para chegar em uma conclusão (asserção). Ele explica que, entre essa passagem
das premissas para a conclusão se tem os “procedimentos argumentativos” que “assumem a forma de
encadeamentos de argumentos-provas, correspondendo ora aos suportes de lei de passagem, ora a
microcadeias de argumentos ou a movimentos argumentativos encaixados.” (ADAM, 2011, p. 233)
Para demonstrar isso, o autor apresenta um esquema para argumentação prototípico, com
lugar para contra-argumentação no nível P.arg.4, conforme vemos na Figura 1, a seguir.
235
Dessa maneira, com base na estrutura prototípica ampliada de Adam (2011), cada
proposição argumentativa (P. arg) compreenderá a estrutura do texto como um todo, como descrito a
seguir:
P.arg0 – a tese anterior a ser refutada ou confirmada;
P.arg1 – os dados, os fatos do mundo;
P.arg2 – as justificativas que sustentam um posicionamento;
P.arg3 – a conclusão ou posicionamento assumido pelo produtor do texto;
P.arg4 – contra-argumento a uma possível voz contrária.
Por fim, das categorias usadas da ATD neste trabalho, ainda utilizamos o plano de texto.
De acordo com Cabral (2013), o plano de texto está relacionado com a estrutura composicional, um
dos elementos que permitem a identificação de um gênero textual. Para ela, essa estrutura “se trata
de um esquema pré-estabelecido que orienta tanto a elaboração como a leitura de um texto,
correspondendo à sua organização global prescrita pelo gênero ao qual pertence''. (CABRAL, 2013,
p. 244)
Adam (2011) destaca os planos de textos como “o principal fator unificador da estrutura
composicional”, principalmente, quando “os agrupamentos de proposições não correspondem sempre
a sequências completas''. (ADAM, 2011, p.258).
Ponto de vista
O ponto de vista tem a sua definição ligada às marcas linguísticas que um sujeito faz ao
considerar um certo objeto. Sobre isso, Rabatel (2016a) relata que o PDV se define:
236
pelos meios linguísticos pelos quais um sujeito considera um objeto, em todos os sentidos do
termo considerar, quer o sujeito seja singular ou coletivo. Quanto ao objeto, ele pode
corresponder a um objeto concreto, certamente, mas também a um personagem, uma
situação, uma noção ou um acontecimento, porque, em todos os casos, trata-se de objetos de
discurso. O sujeito responsável pela referenciação do objeto, exprime seu PDV, tanto
diretamente, por comentários explícitos, como indiretamente, pela referenciação, isto é, pelas
escolhas de seleção, de combinação, de atualização do material linguístico. (RABATEL,
2016a, p. 30).
Nos seus estudos, Rabatel divide o ponto de vista em três tipos: o representado, o narrado
e o assertado.
• Representado: é possível notá-lo a partir de um “sujeito perceptivo” em seu
processo de percepção do objeto identificado, ou seja, um agente focalizador
projetando sua percepção ao focalizado (RABATEL, 2016a, p. 122).
• Narrado: é possível notá-lo na ocultação das “falas pessoais, mascarando-as por
trás de uma narração tão objetiva quanto possível” (RABATEL, 2016a, p. 165).
• Assertado: é possível notá-lo na tentativa de “pôr em ação mecanismos para
definir os limites da interpretação ou para dar aos julgamentos pessoais um traço
“objetivo”, “científico” etc. (RABATEL, 2016a, p. 166).
Empatia e emoção
O enunciado de emoção traz uma resposta à questão elementar “quem sente o que e por
quê?”: atribui uma emoção a uma pessoa e, em certos casos, menciona a fonte da emoção.
Esse modelo é linguisticamente fundamental na medida em que a relação de emoção (fonte-
lugar-emoção) corresponde à estrutura semântica de uma família de enunciados elementares.
237
[...] O enunciado de emoção é definido como uma fonte ligando um termo de emoção (verbo
ou substantivo), um lugar psicológico (chamado, por vezes, experienciador) e uma fonte da
emoção. (PLANTIN, 2011 p. 145)83
METODOLOGIA
83
“L’énoncé d’émotion apporte une réponse à la question élémentaire “qui éprouve quoi, et pourquoi?”: il attribue une
émotion à une personne, et, dans certains cas, mentionne la source de l’émotion. Ce modèle est linguistiquement
fondamental, dans la mesure où la relation d’émotion (source – lieu – émotion) correspond à la structure sémantique
d’une famille d’énoncés élémentaires. Dans ce qui suit, l’énoncé d’émotion est défini comme une forme liant une terme
d’émotion (verbe ou substantif) un lieu psychologique (dit parfois expérienceur), et une source de l’émotion.” (PLANTIN,
2000, p. 145).
238
durante a noite do dia 23 de maio de 2013, quando a vítima, descrita como membro de um grupo de
criminoso denominado “Turma do Gueto” foi à casa do acusado e o ameaçou de morte, a fim de se
defender o réu atirou com uma “soca soca” na vítima e saiu correndo, descobrindo que havia o matado
somente no outro dia.
ANÁLISE
Plano de texto
Todo o plano de texto da sustentação analisada neste artigo será demonstrado no quadro
abaixo:
Quadro 1 - plano de texto da sustentação oral do advogado do RN
84
Todos os exemplos do corpus, seja no plano de texto ou nos excertos, estão na letra Courier New, a fim de melhorar a
visualização dos sinais da transcrição.
239
o desejo do ministério
público... e a NObre
representante e que no
qual é uma mulher
extremamente... ca↗paz... e nos
traz aqui uma explanação...
coerente... e nós...
respeiTAmos e reconhecemos... o
brilhante trabalho do
ministério público... porque é
o fiscal da ↗lei... e aí ela
faz um pedido aos juízes aqui
Tem-se a função de hoje... “nós queremos a
Confirmação
contrariar, “destruir” os condenação dele... pelo artigo
(refutação) cento e vinte e um do código
argumentos da acusação.
penal com a qualificadora…” MAS
ESSAS CONDIÇÕES... em que...
doutor Lúcio... nós conhecemos
esses fatos aqui ↗hoje... SE
NÓS TIVÉSSEMOS que deslumbrar a
possibilidade algum delito...
não poderia passar de uma
↗lesão corporal... por
resultado morte... e o que
significa essa atitude↗ EU NÃO
TENHO O:: DOLO [...]
• Exórdio
Excerto 1
• Narração
Excerto 2
17
EnTÃO↗... naquele↗ momento que a ah::/o acusado aqui↗ que na
18
verdade↗ hoje aqui nós podeRÍamos estaR:: com as pessoas
19
invertidas POSSIVELMENTE↗ hoje Nós poderíamos aqui estar↘ para
20
JULgar:: os senhores juízes↘ julgar a VÍtima↗ neguinho↗ poderia
21
tá ali sentado↗ e nós estaríamos aqui falando↗... que a vítima
22
seria o ACUSAdo↘ ... Ele volta pra fechar a porta da sua casa↘
23
a vítima chega e diz: tá prepaRAdo↗ ele corre com medo para
24
dentro de casa↘ pega a sua espingarda ... de dentro de casa faz
25
um disparo↗ ele disse aqui... na presença dos senhores... que...
26
não estava com a intenção de matar↗ E SEQUER de atingir a vítima↘
27 Ele fez um disparo de alerta... para... espantar: o acusado↘
28 e... depois fugiu↘... correu↘... daquela situação... (grifos
29 nossos)
• Confirmação
Excerto 3
1. Ele não tinha a intenção de matar e sequer atingir a vítima. (P.arg.1, dado)
2. Ele fez um disparo de alerta para espantar a vítima e fugiu dali. (P.arg.2-
Argumento 1)
3. Mas por que fugiu e não ajudou a vítima? (P.arg 4- Contra-argumentação)
4. Fugiu porque já tinha sido ameaçado quatro vezes pela vítima e ela estava o
ameaçando novamente, agora na porta da casa dele. (P.arg 2- Argumento 2, em
resposta à Contra-argumentação)
5. (Logo), ele não tinha intenção de matar, só queria se proteger daquela ameaça.
(P.arg.3– Conclusão)
O PDV do L1/E1 está marcado nesse excerto em “poSSÍvel algoz quem
possivelMENTE poderia estar no banco dos réus...”, nas linhas 33-34. Esse PDV assertado está
auxiliando na orientação argumentativa do advogado, que faz esse julgamento negativo a vítima, o
chamando de “algoz”, mesmo modalizado pelo termo “possível”. O uso desse termo junto a repetição
da opinião anterior de que os papéis poderiam estar trocados (o réu ser a vítima e a vítima o réu), só
reforçam a argumentação de que o agressor fugiu para se livrar da agressão.
Nesse excerto, ainda se nota a presença de um movimento empático entre o advogado e
o réu. O advogado convida os jurados e todos os presentes para se colocar no lugar do réu naquela
situação em que a vítima vai à casa do réu à noite e pergunta se ele está preparado. Vemos esse
movimento no trecho das linhas 37 ao 40. Ao perguntar “quem é que”, o L1/E1 está pedindo se fazer
uma pergunta reflexiva que induz a empatia dos jurados ao réu. O advogado colocou no centro de
empatização o réu, e sugeriu que qualquer pessoa faria a mesma coisa que o réu fez.
• Peroração
Excerto 4
243
272 nós não temos nenhum profissional de ↗armas... nós não temos
273 nenhum profissional... de tiro... um PEDREIRO... PE-DRE-IRO...
274 PEdreiro... não atira em ninguém ... o pedreiro constrói...
275 pedreiro constrói casa... hospitais... creche::... ele quer o
276 bem da sociedade↘ ENtão↗ NINguém pode ser acusado no Brasil↗ e
277 muito MEnos condeNAdo numa condição que nós contamos aqui
278 senhores... não é poSSÍvel... isso trazia uma fragilidade... se
279 quer trair o equiLÍbrio da sociedade brasiLEIra↘ alguém ser
280 condenado... por defender a sua Vida... a sua Casa... utilizando
281 uma soca soca... pra matar passaRInho... não é possível...
282 (grifos nossos)
283
CONSIDERAÇÕES FINAIS
244
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução
Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis Passeggi e Eulália Vera Lúcia
Fraga Leurquin. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011.
________. Textos: tipos e protótipos. Tradução Mônica Magalhães Cavalcante et al. 1.ed. São Paulo:
Contexto, 2019.
GUENTCHÉVA, Zlatka. Manifestations de la catégorie du médiatif dans lês temps du français.
Langue Française, Paris, v. 102, n. 1, 1994, p. 8-23. Disponível em:
http://www.persee.fr/doc/lfr_0023-8368_1994_num_102_1_5711. Acesso em: 18 dez. 2018.
PASSEGGI, L. et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual dos
sentidos. In: BENTES, A.C; LEITE, M, Q. (org.). Linguística de texto e análise da conversação:
panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p.262- 312.
PERELMAN, Chaïm; OLBRECHTS-TYTECA, Lucie. Tratado da Argumentação: a nova retórica.
Tradução Maria Ermantina Galvão. São Paulo: Martins Fontes, 1996.
PLANTIN, Cristian. Les bonnes raisons des émotions. Principes et méthode pour l’étude du
discours émotionné. Bern, Peter Lang, 2011.
RABATEL, Alain. Empathie et émotions argumentées en discours. Le discours et la langue, Cortil-
Wodon: Editions modulaires européennes, 2013, Tome 4.1. (2012), p.159-178.
RABATEL, Alain. Homo Narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa –
pontos de vista e lógica da narração - teoria e análise. Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues,
Luis Passeggi, João Gomes da Silva Neto. São Paulo: Cortez, 2016a. v.1
RABATEL, Alain. Diversité des points de vue et mobilité empathique. L’Énonciation aujourd’hui,
2016b. Disponível em: https://www.researchgate.net/publication/303697811. Acesso 29 out. 2020.
REBOUL, Olivier. Introdução à retórica. Trad. Ivone Castilho Beneditti. 2. ed. São Paulo: Martins
Fontes, 2004. (Col. Justiça e direito)
245
RESUMO
Com o propósito de analisar o valor da argumentação do depoimento da testemunha na decisão final
do juiz, este trabalho investiga a (não) assunção da responsabilidade enunciativa a partir da sequência
argumentativa em dois depoimentos de testemunhas do crime de roubo majorado pelo concurso de
pessoas e pelo emprego de arma de fogo, dispostos em uma sentença penal condenatória. O roubo
majorado tem sua previsão no artigo 157, § 2º e seus incisos do Código Penal Brasileiro e quando é
praticado em qualquer uma das circunstâncias previstas no mencionado dispositivo, a pena do crime,
prevista no caput, poderá ser aumentada de um terço até a metade. O gênero discursivo textual
depoimento de testemunha é uma peça do inquérito policial, no qual uma testemunha relata o que
sabe e o que é relevante para a investigação de determinado caso e, quando acontece um crime em
que há testemunhas, estas são chamadas para depor e os seus dizeres são anotados pelo escrivão, no
qual, no final do depoimento, lê todo o depoimento transcrito para que a testemunha conheça as
declarações ali escritas. A pesquisa é qualitativa de cunho interpretativista e objetiva identificar,
descrever, analisar e interpretar narrativas de testemunhas no que concerne à (não) assunção da
responsabilidade enunciativa. Nesse sentido, o foco é na sequência argumentativa, vista como
dominante nos depoimentos de testemunhas. Para a análise, seguimos os postulados da Análise
Textual dos Discursos (Adam, 2011, 2017) e da linguística enunciativa (Guentchéva, 1994, 2011;
Rabatel, 2016), além dos estudos de Rodrigues e Passeggi (2015, 2016) e Rodrigues (2016, 2017).
Os resultados apontam que o locutor testemunha (L-T) e o enunciador ora assumem a
responsabilidade enunciativa, ora apresentam um quadro de mediatividade. Também observamos que
os PDV das testemunhas podem ter influenciado diretamente a decisão final do juiz, que decidiu pela
condenação dos acusados.
INTRODUÇÃO
Na presente investigação, analisamos o depoimento de testemunhas em uma sentença
penal condenatória do crime de roubo majorado pelo concurso de pessoas e pelo emprego de arma de
fogo, encartado nos arts. 157, § 2o, inciso II e art. 157, § 2o-A, inciso I, em concurso formal de crimes
(art. 70).
Para o estudo, seguimos os postulados da Análise Textual dos Discursos (ATD) que,
segundo Adam (2011, p. 13), constitui-se como “uma teoria da produção co(n)textual de sentido, que
85
UFRN / Bolsista PIBIC CNPq (IC) / anaarele@hotmail.com
86
UFRN/ Doutora/ gracasrodrigues@gmail.com
246
CONCEPÇÕES TEÓRICAS
Há cada vez mais pesquisas sendo realizadas acerca do fenômeno da responsabilidade
enunciativa, enfatizando a importância do trabalho do grupo de pesquisa em Análise Textual dos
Discursos. Tais pesquisas apresentam a descrição, análise e interpretação dos dispositivos
enunciativos concernentes à responsabilidade enunciativa e ao ponto de vista.
A Análise textual dos discursos (ATD) se propõe a estudar a produção co(n)textual de
sentido, com base em textos concretos, oferecendo elementos para que compreendamos o texto como
uma prática discursiva, analisado através de vários planos ou níveis de análise linguistica (ADAM,
2011, 2017).
Para nossas análises, utilizaremos algumas categorias de análise da ATD, mais
precisamente as de nível 5 (sequência e plano de texto), nível 7 (Responsabilidade enunciativa), nível
8 (orientação argumentativa) e outras teorias enunciativas, que serão discutidas nos tópicos a seguir.
o enunciado a outro enunciador (e2). Para Adam (2011, p. 117), “o grau de responsabilidade
enunciativa de uma proposição é suscetível de ser marcado por um grande número de unidades da
língua”. Em outros termos, a RE irá se apresentar no discurso através de conectores, organizadores e
marcadores de responsabilidade enunciativa.
A respeito da mediatividade, Guentchéva (1994, 2011) nos apresenta o quadro mediativo,
que ocorre quando o enunciador não assume a responsabilidade pelo conteúdo proposicional, quando
se distancia e imputa o seu dizer a outro enunciador, trazendo uma outra voz à sua fala, marcando o
distanciamento ou o não engajamento do enunciador em relação ao dito.
Para esta análise, recorremos a Rodrigues (2017) que introduz a categoria Locutor-
Testemunha, sendo usada para se referir a testemunhas. Já a juíza será referida como Enunciador,
visto que essa instância enunciativa atribui, de forma explícita, os dizeres transcritos ao Locutor-
Testemunha, sem, contudo, se engajar com o conteúdo proposicional dos dizeres dele.
Também recorremos a Rabatel (2016, p. 165), que classifica os pontos de vista em três
tipos:
a) ponto de vista representado: expressa pensamentos, reflexões e percepções, ou seja,
dando às percepções pessoais (e aos pensamentos associados) o modo objetivante das descrições
aparentemente objetivas, uma vez que o leitor encontra-se diante das “frases sem fala” [...];
b) ponto de vista narrado: narram os fatos segundo uma perspectiva que pode se
distanciar da perspectiva do autor, ocultando, igualmente, as falas pessoais, que são mascaradas por
uma narração tão objetiva quanto possível;
c) ponto de vista assertado: apoia-se, explicitamente, em atos de fala, em julgamentos
mais ou menos construídos que remetem, explicitamente, a uma origem identificável.
Sequência argumentativa
De acordo com Adam (2011), as sequências textuais são dividas em cinco: a narrativa, a
dialogal, a explicativa, a argumentativa e a descritiva.
Neste trabalho, focaremos apenas na sequência argumentativa, que é a sequência
trabalhada nos depoimentos de testemunhas. A sequência argumentativa acontece através de dois
movimentos: a demonstração e/ou justificativa de uma tese e a refutação de outras teses ou
argumentos; e, a partir do raciocínio feito, chega-se a uma conclusão ou afirmação.
Com base na estrutura prototípica ampliada de Adam (2011), cada proposição
argumentativa (P. arg) compreenderá a estrutura do texto como um todo, como descrito a seguir:
248
METODOLOGIA
O depoimento de testemunha
A testemunha fará, sob palavra de honra, a promessa de dizer a verdade do que souber e Ihe
for perguntado, devendo declarar seu nome, sua idade, seu estado e sua residência, sua
profissão, lugar onde exerce sua atividade, se é parente, e em que grau, de alguma das
partes, ou quais suas relações com qualquer delas, e relatar o que souber, explicando
sempre as razões de sua ciência ou as circunstâncias pelas quais possa avaliar-se de sua
credibilidade87.
87
BRASIL. Código de processo penal. Lei 3.689/1941. Disponível em http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-
lei/Del3689.htm. Acesso em: 15 set. 2018.
88
Os dados pessoais do condenado são preservados.
250
D1 - A testemunha XXXXX – PM disse que estava tomando café no bar de um colega por volta de umas
18:30/19h, quando chegou uma mulher numa moto, informando que um Gol e uma Duster tinham sido os
carros utilizados no assalto a uma lanchonete; que não sabia no momento, mas depois tomou conhecimento
que essa mesma mulher era um traficante, procurada pela polícia, que estava armada atrás dos assaltantes.
Entraram nas viaturas e seguiram em perseguição, ao encontrarem os veículos, efetuaram um disparo em um
Gol (atiraram no gol errado, mas que seguia logo atrás do Gol dos assaltantes) momento esse em que os dois
veículos pararam; que logo em seguida, efetuaram a prisão dos mesmo e depois as vítimas reconheceram na
delegacia; que foi apreendido na ação vários celulares, além disso, realmente existia um sanduíche dento do
Duster; que na ocasião da apreensão, as vítimas já verificaram os seus celulares (desbloqueando-os para
demonstrar q era seu) e depois foram conduzidas para delegacia; que se lembra que puxaram a ficha do carro
Duster e constataram que o mesmo foi tomado através de roubo; que não era a dona do bar que era traficante
e sim outra mulher completamente diferente.
Exemplo 01
A testemunha XXXXX disse que estava tomando café no bar de um colega por volta
de umas 18:30/19h, quando chegou uma mulher numa moto, informando que um
Gol e uma Duster tinham sido os carros utilizados no assalto a uma lanchonete; que
não sabia no momento, mas depois tomou conhecimento que essa mesma mulher era
um traficante, procurada pela polícia, que estava armada atrás dos assaltantes.
Entraram nas viaturas e seguiram em perseguição, ao encontrarem os veículos,
efetuaram um disparo em um Gol (atiraram no gol errado, mas que seguia logo atrás
do Gol dos assaltantes) momento […]
o operador contra-argumentativo “mas” com a função de argumentar o motivo pelo qual realizaram
disparos no carro errado, utilizando o organizador espacial “logo atrás” como tentativa de atenuar o
erro cometido. Os PDV identificados no discurso do L-T foram: narrado e assertado. Nos termos de
Rabatel (2016).
Sobre o aumento da testemunha “que logo em seguida, efetuaram a prisão dos mesmo e
depois as vítimas reconheceram na delegacia”, vejamos o quadro argumentativo abaixo que nos ajuda
a entender a linha de raciocínio da testemunha ao argumentar que acredita que os acusados são
realmente quem realizaram o delito:
(1) Houve um assalto em uma lanchonete (P. arg. 1, dados)
(2) Os carros em que os acusados se encontravam foram os mesmos descritos pelos
populares e vítimas (P. arg. 2, argumento)
(3) Os acusados foram reconhecidos pelas vítimas na delegacia (P. arg. 2, argumento)
(4) Dentro do carro havia um sanduíche e vários celulares (P. arg. 2, argumento)
(5) Os acusados foram quem realmente realizaram assalto a lanchonete (P. arg. 5,
conclusão)
Análise do depoimento
Exemplo 2
A testemunha YYYYY disse que estava na BR 226, quando chegou um casal de
moto e avisou que tinham acabado de fazer um arrastão em uma lanchonete […]
252
Exemplo 3
[…] que lembra que era a noite, mas não especificamente a hora […]
Exemplo 4
Que havia também dinheiro da loja no carro, além disso, acredita que eles se livraram
da arma de fogo antes de serem pegos
Sobre o argumento da testemunha “acredita que eles se livraram da arma de fogo antes
de serem pegos”, vejamos o esquema argumentativo abaixo que nos ajuda a entender a linha de
raciocínio da testemunha ao argumentar que acredita que uma arma de fogo tenha sido realmente
usada na hora do crime:
(4) Os acusados utilizaram uma arma de fogo durante o assalto e se livraram dela antes de
serem pegos (P. arg. 3, conclusão)
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução
Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis Passeggi e Eulália Vera Lúcia
Fraga Leurquin. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011.
ADAM, Jean-Michel. O que é Linguística Textual?. In: SOUZA, Edson Rosa Francisco de;
PENHAVEL, Eduardo; CINTRA, Marcos Rogério. (org.). Linguística Textual: interfaces e
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255
RESUMO
O gênero discursivo decreto apresenta atos administrativos de competência exclusiva do chefe do
executivo, tendo como objetivo prover situações gerais ou individuais, previstas de modo expresso
ou implícito na lei. Nesse contexto, os decretos regulamentares possuem valor normativo e são
organizados através de atos subordinados ou secundários, auxiliando no estabelecimento dos
regulamentos, partindo do pressuposto de que apenas as leis inovam o ordenamento jurídico.
Tomando por base essas informações, a descrição do plano de texto do gênero discursivo decreto
fornece-nos informações a respeito da (não) assunção da responsabilidade enunciativa do conteúdo
proposicional por meio da recorrência das marcas linguísticas. Para tanto, neste trabalho, objetivamos
identificar, descrever, analisar e interpretar três decretos, do âmbito estadual, no que concerne à
responsabilidade enunciativa e à visada argumentativa no gênero estudado. Sobre a metodologia, é
do tipo qualitativa de natureza interpretativista, sendo o método indutivo. O corpus analisado é
constituído de 1 (um) decreto emitido pelo Governo do Estado do Rio Grande do Norte, a saber: o
decreto nº 29.524, de 17 de março de 2020. A escolha do decreto partiu do delineamento temático
acerca da pandemia de Covid-19 e das determinações sobre a suspensão das aulas presenciais no
Estado do RN. Teoricamente, o estudo fundamenta-se em Adam (2011, 2019) com os postulados da
análise textual dos discursos, cujo enfoque é analisar a produção co(n)textual de sentido,
fundamentada na análise de textos concretos, em diálogo com Rabatel (2016), no que concerne às
instâncias enunciativas e ao ponto de vista e Vanderveken (1997, 2013) e Vanderveken e Melo
(2019), acerca dos atos de discurso. Os dados demonstram que no texto analisado o locutor
enunciador primeiro assume a responsabilidade enunciativa pela recorrência do ponto de vista
assertado, uma vez que se apoia em atos de discurso assertivos, pois os enunciados apresentam relação
de comprometimento com a verdade.
INTRODUÇÃO
89
Graduanda em Letras – Língua Portuguesa Licenciatura pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN).
E-mail: gameleiramonica@gmail.com
90
Professora Adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN). E-mail:
celia.ufcaico@gmail.com
256
argumentativa no gênero decreto, tendo como foco: a) descrever o plano de texto e b) analisar e
interpretar os posicionamentos assumidos pelo locutor enunciador primeiro (L1/E1) em relação ao
conteúdo proposicional enunciado.
Para a realização deste trabalho, recorremos a uma pesquisa no Diário Oficial do Estado
do Rio Grande do Norte com o intuito de identificar os decretos que versavam a respeito da temática
“suspensão das aulas presenciais” no Estado. Dos textos encontrados, delimitamos como corpus de
análise o decreto nº 29.524, de 17 de março de 2020, visando atender aos objetivos propostos nesta
exposição.
Posto isso, o artigo estrutura-se, além desta parte introdutória, nas seguintes seções: a)
Pressupostos teórico-metodológicos, seção na qual fazemos uma exposição teórica sobre o tema,
abordando os dispositivos enunciativos plano de texto, responsabilidade enunciativa e visada
argumentativa; b) Análise e discussão dos resultados, seção em que é apresentada a análise do gênero
discursivo decreto, mobilizando os fundamentos teóricos discutidos na seção precedente. Por fim, são
apresentadas as considerações finais e as referências.
PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS
Como respaldo teórico para esta pesquisa, recorremos aos estudos da Análise Textual dos
Discursos, proposta por Jean-Michel Adam (2011), uma teoria da produção co(n)textual de sentido
que deve, necessariamente, ser fundamentada na análise de textos concretos, oferecendo elementos
para o entendimento do texto como uma prática discursiva analisado à luz de determinados planos ou
níveis de análise linguística.
Para Adam (2011), o estudo analítico de um texto deve considerar o exame de um plano
textual dado, levando em consideração os elementos de textura, estrutura composicional, semântica,
enunciação e atos de discurso que, por sua vez, completam-se, apenas, se postos em relação a
elementos do plano discursivo ou externo ao texto, os quais se configuram na ação visada, na
interação social, na formação sociodiscursiva e no interdiscurso.
A proposta teórica constituída por Adam (2011) sobre a ATD é relevante porque funda o
entendimento do texto enquanto circunscrito em um discurso – caracterizado por uma formação
sociodiscursiva, pela interação autor/leitor, por objetivos e por um gênero determinado, representando
a possibilidade de articular o texto e o discurso em que pese o intento da eficácia da interpretação
do(s) sentido(s) do texto. Assim, podemos afirmar que a ATD analisa o texto considerando o seu
comportamento discursivo.
Adam (2011) estabelece uma associação entre o texto e o discurso no sentido de pensá-
los a partir de novas categorias que permitam compreender a LT como perspectiva situada no quadro
257
mais amplo da AD. Dessa maneira, a proposta do linguista francês estabelece, “ao mesmo tempo,
uma separação e uma complementaridade das tarefas e dos objetos da linguística textual e da análise
do discurso”. (Ibid., p. 43).
Diante do exposto, apresentamos, a seguir, a figura 1, que mostra os níveis ou planos da
análise discursiva e textual, esquema proposto por Adam (2011), bem como os dispositivos
enunciativos em que nos situamos neste trabalho.
De acordo com Rabatel (2016), o locutor, que é o aparelho físico responsável pela
enunciação de um enunciado, poderá coincidir ou não com aquele que é o enunciador, que é aquele
258
que está na fonte do enunciado, que assume a responsabilidade enunciativa pelo conteúdo
proposicional do seu dizer. Nesse sentido, quando há coincidência do locutor com o enunciador, diz-
se que há sincretismo entre o locutor e o enunciador primeiro, grafando-se L1/E1.
Rabatel (2016) explica que, com relação ao enunciador primário, o locutor exprime seu
PDV enquanto locutor, através do seu papel na enunciação (esse seria o locutor defendido por
Ducrot), enquanto ser do mundo e enquanto sujeito que fala, aquele a quem se pede satisfações pelo
que ele diz.
No tocante à estruturação textual, Adam (2011) postula que os planos de texto estão, com
os gêneros discursivos textuais, disponíveis no sistema de conhecimento dos grupos sociais. Eles
fazem, portanto, parte dos conhecimentos prévios do leitor, atuando na construção dos sentidos de
um texto.
O plano de texto - ao explicitar a estrutura global do texto, a forma como os parágrafos
se organizam, a ordem em que as palavras se apresentam no texto - pode fornecer os elementos
necessários à compreensão e à produção, uma vez que, para a percepção/elaboração da estrutura
global do texto, o leitor lança mão de seus conhecimentos linguístico e textual. Com efeito, “o
reconhecimento do texto como um todo passa pela percepção de um plano de texto” (ADAM, 2011,
p. 254).
Utilizamos também como referência os atos de discurso, preconizados por Vanderveken
(1997, 2013), em que atos ilocucionários como asserções, perguntas, declarações, ordens, ofertas e
recusas, e suas tentativas de realização de tais atos de discurso, fazem parte daquilo que eles
significam e daquilo que eles têm a intenção de comunicar aos interlocutores, no contexto de suas
enunciações.
Considerando o contexto linguístico, enunciativo e discursivo do gênero decreto,
destacamos a presença de atos de discursos diretivos, cujo propósito ilocucionário consiste nas
tentativas do falante de levar o ouvinte a fazer algo. A direção do ajuste dessa categoria é o mundo-
palavra e a condição de sinceridade é a vontade (ou desejo). Vanderveken e Melo (2019, p. 31)
asseveram que “[...] fazer uma injunção é prescrever alguém de agir com ênfase (modo mais forte de
atingir o objetivo), às vezes fazendo uma declaração [...] fazendo apelo a valores (modo de atingir)”.
Para uma maior visualização do gênero discursivo decreto, na próxima seção,
delimitamos o seu plano de texto objetivando descrever e analisar suas partes constituintes, no
gerenciamento da visada argumentativa, no que concerne à responsabilidade enunciativa do conteúdo
proposicional.
Excerto 1
Art. 2º Ficam suspensas as atividades escolares presenciais nas unidades da rede pública e privada
de ensino, no âmbito do ensino infantil, fundamental, médio, superior, técnico e profissionalizante,
pelo período inicial de 15 (quinze) dias.
Excerto 2
Art. 3º Ficam suspensas as atividades coletivas, eventos de massa, shows, atividades desportivas e
congêneres, com a presença de público superior a 100 (cem) pessoas, sejam públicos ou privados,
ainda que previamente autorizados.
261
Excerto 3
Art.5º Fica autorizada a Secretaria de Estado da Administração Penitenciária (SEAP) e a Fundação
de Atendimento Socioeducativo (FUNDASE) dispor sobre visitas, transferências e transportes de
presos e socioeducandos.
Observamos que os excertos (1), (2) e (3) são marcados por atos de discurso diretivos,
destacando-se como núcleo as formas verbais “Ficam” e “Fica as quais indicam a ação que deve ser
realizada, a suspensão das atividades. Notamos também que a orientação argumentativa pretendida
nos enunciados é consolidada pelo engajamento dos locutores enunciadores primeiros (Governadora
Fátima Bezerra e o Secretário de Saúde Cipriano Maia de Vasconcelos. Ainda mais, o L1/E1 está
institucionalmente constituído para deliberar, em razão disso cria as condições que garantam que, ao
declarar realizar num momento uma ação, engaja-se a realizá-la.
Excerto 4
§ 1º: O prazo de duração da medida prevista no caput poderá ser estendido por períodos
indeterminados, a ser avaliado pelo Comitê Governamental de Gestão da Emergência em Saúde
Pública decorrente do Coronavírus (COVID-19), instituído pelo Decreto nº 29.521, de 16 de março
de 2020.
Excerto 5
§ 2º Competirá à Secretaria de Estado da Educação e Cultura (SEEC) a adoção das medidas
indispensáveis à implementação da suspensão na rede pública de ensino e na consecução das
posteriores medidas necessárias à compensação das horas aulas exigidas.
Excerto 6
Art. 7º Este Decreto entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos enquanto durar a
declaração de situação de Emergência de Saúde Pública de Importância Nacional, declarada por meio
da Portaria nº 188/GM/MS, de 2020, no Ministério da Saúde.
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução
Maria das Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis Passeggi e Eulália Vera Lúcia
Fraga Leurquin. 2. ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011.
ADAM, Jean-Michel. Textos: tipos e protótipos. Tradução Mônica Magalhães Cavalcante et al. São
Paulo: Contexto, 2019.
RABATEL, Alain. Homo narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa –
pontos de vista e lógica da narração - teoria e análise. Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues,
Luis Passeggi, João Gomes da Silva Neto. São Paulo: Cortez, 2016. v.1
PINTO, Rosalice. Como argumentar e persuadir? Prática política, jurídica, jornalística. Lisboa: Quid
Juris Sociedade Editora, 2010.
RESUMO
Compreender um gênero discursivo textual perpassa pelo reconhecimento de sua organização global,
e isso significa identificar os planos de texto que o constitui. Neste trabalho, estabelecemos como
objetivos identificar, descrever, analisar e interpretar quatro crônicas jornalísticas no que concerne à
responsabilidade enunciativa e à visada argumentativa no gênero discursivo crônica jornalística. A
respeito da metodologia, é do tipo qualitativa de natureza interpretativista. O corpus analisado é
constituído de quatro crônicas jornalísticas extraídas de veículos de comunicação presentes no âmbito
digital, a saber: El País, Estadão e Folha de S. Paulo. A escolha das crônicas jornalísticas,
selecionadas no mesmo espaço temporal, partiu do delineamento temático acerca da pandemia de
Covid-19. Acerca do recorte temporal, priorizou-se os materiais veiculados entre os meses de março
e julho, período em que a pandemia esteve presente, de maneira mais intensa, no Brasil. Quanto à
escolha dos cronistas, optamos por Eliane Brum, no El País; Luis Fernando Verissimo, no Estadão;
Antonio Prata e Gregório Duvivier, ambos na Folha de S. Paulo. Ainda que existam muitos veículos
de comunicação no âmbito online, esses são os que têm maior abrangência nacional e que também
reservam uma parcela do espaço virtual para veiculação de crônicas jornalísticas, especialmente sobre
a temática analisada. Já a escolha dos autores, para além da vinculação ao meio jornalístico,
pretendemos trazer uma heterogeneidade quanto ao estilo de escrita, bem como o perfil de cada autor.
Teoricamente, o estudo fundamenta-se nos postulados da Análise textual dos discursos (ATD), em
diálogo com Rabatel (2016) e Adam (2011), Guentchéva (2011), além de Campos (2011), Melo
(2004), Menezes (2002) e Silva e Lüersen (2016), para a compreensão do gênero crônica. A análise
dos dados aponta que nos quatro textos há a presença de instâncias enunciativas - o locutor enunciador
primeiro (L1/E1) e os enunciadores segundos (e2), que demonstram a (não) assunção da
responsabilidade enunciativa em um jogo de engajamento ou distanciamento pelo dito.
INTRODUÇÃO
Neste trabalho, propomo-nos a identificar o plano de texto e discutir a responsabilidade
enunciativa e a visada argumentativa no gênero discursivo textual crônica jornalística, que é
reconhecido dentro do domínio discursivo jornalístico como um gênero opinativo, uma vez que
91
Bolsista PIBIC UFRN (IC) e discente do Curso de Jornalismo da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. E-
mail: le_ticiafranca@hotmail.com
92
Professora Adjunta do Departamento de Letras da Universidade Federal do Rio Grande do Norte UFRN). E-mail:
celia.ufcaico@gmail.com
265
misturam as tipologias textuais narrativa e argumentativa. Isso porque, a partir da narração de fatos
cotidianos, os cronistas de jornal promovem reflexões e desenvolvem teses e argumentos.
Como definem Silva e Lüersen (2016), o formato da crônica jornalística tem origem
ligada às técnicas do jornalismo literário e da própria literatura. O estilo permite a utilização de figuras
de linguagem, de jogar com as palavras, o uso de personagens fictícios, a subjetividade atrelada à
crítica, o uso da primeira pessoa, bem como exige uma pesquisa eficiente, que possibilite o
conhecimento acerca dos fatos narrados.
Esta investigação fundamenta-se no âmbito da Linguística Textual (LT), nos postulados
da Análise textual dos discursos (ATD), em diálogo com teorias linguísticas enunciativas, com
Rabatel (2016), Adam (2011) e Guentchéva (1994, 2011).
Neste estudo, buscamos responder às seguintes questões: (1) Como o locutor enunciador
primeiro (L1/E1) assume a responsabilidade enunciativa? (2) Quais marcas linguísticas apontam a
orientação argumentativa dos enunciadores? (3) Quais marcas linguísticas presentes nas reportagens
induzem a um quadro de mediatividade? Para responder a essas indagações, estabelecemos como
objetivos identificar, descrever, analisar e interpretar quatro crônicas jornalísticas no que concerne à
responsabilidade enunciativa e à visada argumentativa no gênero discursivo textual crônica
jornalística.
A responsabilidade enunciativa (RE) é considerada uma das principais noções e
categorias da análise textual dos discursos (ATD) e é, também, um dos níveis propostos por Adam
(2011). Esse dispositivo textual, que pode ser individual ou coletivo, é compreendido como a
assunção por determinadas entidades ou instâncias acerca do que é enunciado, ou na atribuição de
alguns enunciados a certas instâncias. Sobre a mediatividade, Guentchéva (2011) concebe como a
expressão da não responsabilidade do conteúdo proposto a partir de um enunciado por um enunciador.
Dessa maneira, quando o locutor enunciador não assume a responsabilidade enunciativa, estamos
diante de um quadro mediativo.
METODOLOGIA
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Caracterização do gênero discursivo textual crônica jornalística e descrição dos planos de texto
do corpus
A crônica jornalística é reconhecida, no âmbito discursivo jornalístico, como um gênero
que traz à tona, por meio de uma narrativa, a visão do cotidiano. Tomada de senso crítico do cronista,
ela é também marcada pelo caráter opinativo e argumentativo. Segundo Menezes (2002, p. 165), a
crônica “se apropria da realidade do cotidiano, como o jornalismo factual, mas procura ir além e
mostrar o que está por trás das aparências, o que o senso comum não vê (ou não quer ver).”
Esse pensamento é complementado por José Marques de Melo, que define a crônica
jornalística como um “relato poético do real”, significando para os leitores contemporâneos “um
espaço ao mesmo tempo de reflexão e deleite sobre os fatos cotidianos, habilmente captados por
jornalistas capazes de expressá-los de forma amena e crítica” (MELO, 2004).
A crônica, no âmbito jornalístico, é um gênero que conversa com o jornalismo literário e
com a própria literatura. Isso porque o seu estilo permite ao cronista fazer uso de mecanismos
267
A primeira crônica escolhida para análise intitula-se “O vírus somos nós (ou uma parte
de nós)” e foi escrita pela jornalista Eliane Brum para o jornal El País. Antes de partir para a análise
do plano de texto, cabe uma breve biografia sobre a autora. Eliane Brum é gaúcha, nasceu em 1966
no município de Ijuí, no Rio Grande do Sul. Ela é jornalista, escritora e documentarista. Trabalhou
11 anos como repórter do jornal Zero Hora, de Porto Alegre, e 10 anos como repórter especial da
Revista Época, em São Paulo.
Desde 2010, Brum atua como freelancer e faz projetos de longo prazo com populações
tradicionais da Amazônia e das periferias da Grande São Paulo. De 2009 a 2013 foi colunista do site
da revista Época. Desde 2013 tem uma coluna quinzenal, em português e espanhol, no jornal El País.
Desde 2018, mantém uma coluna quinzenal no jornal El País impresso, de Madri. É também
colaboradora do jornal britânico The Guardian e de outros jornais e revistas europeias. Publicou oito
livros – sete de não ficção e um romance -, além de participar de coletâneas de crônicas, contos e
ensaios.
Dentre os inúmeros textos escritos por Eliane Brum está a crônica jornalística escolhida
para este estudo. Publicado no dia 25 de março de 2020, o texto veiculado pelo jornal El País está
classificado na editoria ‘Opinião. Com relação ao aspecto estético da crônica, nota-se a presença de
um cabeçalho, o qual é composto pelo chapéu (“Pandemia do coronavírus”), cuja função no âmbito
jornalístico é a de definir, através de poucas palavras, o assunto da matéria. Além disso, ainda no
268
cabeçalho, há o título da reportagem: “O vírus somos nós (ou uma parte de nós)”, escrito com uma
fonte maior e destacado em negrito, a fim de atrair a atenção do leitor, bem como sintetizar o conteúdo
textual exposto.
Logo abaixo, há a linha fina, a qual tem o objetivo de complementar a mensagem dada
no título. Nesse caso, utilizou-se: “O futuro está em disputa: pode ser Gênesis ou Apocalipse (ou
apenas mais da mesma brutalidade)”. Em seguida, há a imagem que ilustra a reportagem, seguida
pela legenda e o crédito do fotógrafo. Na sequência, observa-se a presença da assinatura da autora
(Eliane Brum), seguida da data (25 de março de 2020) e horário (14h44) da publicação.
A crônica é dividida em 33 parágrafos, os quais seguem a estrutura padrão do gênero
discursivo textual crônica jornalística. Há a predominância da sequência narrativa, uma vez que os
fatos são narrados a fim de contar uma história. O texto também conta com a sequência descritiva, de
modo que a autora traz detalhes sobre os aspectos citados ao longo da construção textual. Além disso,
com o objetivo de emitir uma opinião sobre o assunto, a sequência argumentativa também se faz
presente em virtude das escolhas lexicais da cronista que demonstram o seu posicionamento quanto
à temática. Essas são características marcantes do próprio gênero analisado.
Ainda sobre a estrutura, ao final do texto, há novamente o nome da cronista, sinalizado
em negrito e itálico e acompanhado de uma breve descrição sobre a autora (“Eliane Brum é escritora,
repórter e documentarista. Autora de Brasil, construtor de ruínas: um olhar sobre o país, de Lula a
Bolsonaro (Arquipélago)”).
A segunda crônica escolhida para a análise foi escrita pelo renomado cronista brasileiro
Luis Fernando Verissimo e publicada no jornal Estadão. Sobre a biografia do autor, Veríssimo nasceu
em 26 de setembro de 1936 em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul. O trabalho do autor também é
conhecido na TV, que adaptou para minissérie o livro Comédias da Vida Privada. O programa recebeu
o prêmio da crítica como o melhor da TV brasileira. É filho do escritor Érico Veríssimo e Mafalda
Veríssimo.
De 1943 a 1945, Luis Fernando morou com a família nos Estados Unidos, pois seu pai
foi lecionar na Universidade de Berkeley, na Califórnia. Ao retornar ao Brasil, em 1956, Verissimo
começou a trabalhar na editora Globo de Porto Alegre. Em 1962, transferiu-se para o Rio de Janeiro
onde exerceu as atividades de tradutor e redator de publicações comerciais.
De volta a Porto Alegre em 1967, Luis Fernando trabalhou no jornal Zero Hora. Em pouco
tempo já mantinha uma coluna diária, que o consagrou por seu estilo humorístico e uma série de
269
cartuns e histórias em quadrinhos. O primeiro livro, "O Popular", de crônicas e cartuns, foi publicado
em 1973. Atualmente, o autor é colunista no jornal Estadão.
Luis Fernando Veríssimo acumula muitas crônicas ao longo de sua trajetória e é
reconhecido como uma referência na área. Para esta análise, o texto de sua autoria escolhido foi “Pós-
choque”, publicado no dia 2 de abril de 2020, na editoria Cultura, do jornal Estadão. Em termos
estéticos, nota-se a presença de um cabeçalho, o qual é composto, inicialmente, por uma foto do autor,
acompanhado do termo “Colunista” e do nome do cronista (Luis Fernando Verissimo). Abaixo, há
um fio, isto é, uma linha horizontal usada para separar elementos. Em seguida, posiciona-se o título
da crônica, que também recebe destaque por meio de uma fonte com tamanho maior e em negrito. Há
ainda a linha fina: “O mundo que emergirá do choque que estamos sofrendo será um mundo purgado
pelo horror, e melhor, ou condenado pelo amoralismo para sempre”.
Logo abaixo, há a presença da assinatura do autor (Luis Fernando Verissimo),
acompanhado do nome do jornal (O Estado de S. Paulo, também conhecido como Estadão). Na parte
inferior, observa-se a data (2 de abril de 2020) e horário (3h00) da publicação. Nesse caso, a
publicação não conta com uma imagem/foto para ilustrar a narrativa. Partindo para o corpo do texto,
a crônica é dividida em cinco parágrafos, que também seguem a estrutura padrão do gênero analisado.
Semelhante ao texto de Eliane Brum, Verissimo também faz uso, com maior predominância, da
sequência narrativa e descritiva, uma vez que os fatos são narrados a fim de contar uma história. Além
disso, com o objetivo de emitir uma opinião sobre o assunto, a sequência argumentativa também é
marcada na crônica, pois as escolhas lexicais do cronista revelam o seu posicionamento quanto à
temática com o objetivo de emitir uma opinião e gerar convencimento no leitor.
Já com relação ao jornal Folha de S. Paulo, um dos cronistas escolhidos foi Antonio Prata.
Ele nasceu em 24 de agosto de 1977, na cidade de São Paulo. Escritor, cronista e roteirista, escreve
atualmente em sua coluna no jornal Folha de S. Paulo. Como roteirista, contribuiu com novelas e
séries da Rede Globo. Também teve suas crônicas publicadas na revista Capricho e no jornal O Estado
de S. Paulo. Publicou seu primeiro livro em 2001, chamado Douglas e Outras Histórias. Alguns de
seus outros trabalhos na literatura são O Inferno Atrás da Pia, de 2004, Adulterado: crônicas, de 2009,
e Felizes Quase Sempre, um infantil de 2013 com ilustrações de Laerte Coutinho. Em 2012, foi
incluído na lista da revista Granta como um dos vinte melhores escritores brasileiros com menos de
40 anos.
Desde o início da pandemia da covid-19, o autor vem produzindo crônicas sobre o assunto
e publicando na sua coluna do jornal Folha de S. Paulo. Para este estudo, a escolhida foi a crônica
270
cujo título é: “Quando a quarentena acabar”, publicada no dia 23 de maio de 2020, na editoria
classificada como Colunas & blogs. Em termos estéticos, semelhante aos demais jornais citados
anteriormente, na página analisada, há a presença de um cabeçalho, o qual conta com uma foto e o
nome do autor (Antonio Prata). Após a separação pelo que, no contexto da diagramação, chama-se
de ‘fio’, há o título da crônica: “Quando a quarentena acabar”, enfatizado com uma fonte maior e o
estilo itálico.
Logo abaixo, observa-se, com uma fonte menor, a linha fina: “Vou compor uma sinfonia,
correr uma maratona e me formar em filosofia”. Um pouco mais abaixo, à esquerda, há as
informações sobre data (23 de maio de 2020) e hora (23h15) de publicação. Na mesma altura, porém
posicionada ao centro, observa-se a foto que foi utilizada para ilustrar o texto, como também o crédito
do fotógrafo. Nesse caso, não há legenda na imagem.
A crônica de Antonio Prata é dividida em oito parágrafos, nos quais há a predominância
pela sequência narrativa, muito comum nesse gênero discursivo textual em análise, já que se nota que
os fatos vão sendo narrados pelo autor a fim de conduzir a construção textual. Há ainda a presença
das sequências descritiva e argumentativa. A primeira é utilizada pelo cronista para caracterizar e
descrever alguns aspectos citados por ele ao longo do texto e a segunda é usada pelo autor, por meio
das escolhas lexicais, como um recurso para emitir sua opinião sobre a temática e gerar
convencimento.
Ao final do texto, o nome do autor aparece novamente, acompanhado de uma breve
caracterização dele (Escritor e roteirista, autor de “Nu, de Botas”).
O quarto e último cronista contemporâneo escolhido neste estudo foi Gregório Duvivier,
que escreve semanalmente para o jornal Folha de S. Paulo. Nascido em 11 de abril de 1986, Duvivier
é ator, humorista, escritor, roteirista e poeta brasileiro. Carioca, o filho da cantora Olivia Byington
com o músico Edgar Duvivier, além de sobrinho da atriz Bianca Byington, é formado em Letras na
PUC-Rio desde 2008. Começou a atuar aos 9 anos no curso de teatro Tablado e, aos 17 anos, junto
com os atores Marcelo Adnet, Fernando Caruso e Rafael Queiroga, formou o grupo que faria a peça
“Z. É. Zenas Emprovisadas”, permanecendo em cartaz pelo país por mais de dez anos.
Além de ator, o artista escreveu os livros "Ligue os pontos - Poemas de amor e Big Bang",
"Put Some Farofa", lançado com a atriz Fernanda Torres, e "A partir de amanhã eu juro que a vida
vai ser agora", que foi elogiado por mestres como Millôr Fernandes e Ferreira Gullar. Apesar de ter
começado cedo a carreira e ficar conhecido pelo seu trabalho no cinema e teatro, Gregório ganhou
271
notoriedade por ser um dos criadores e participantes do canal do YouTube Porta dos Fundos.
Atualmente, o artista assina uma coluna semanal no jornal Folha de São Paulo.
Dentre as inúmeras crônicas publicadas na coluna de Duvivier, a escolhida para esta
análise foi “A grande ficha, em algum momento, vai cair”, publicada na editoria Colunas e blogs no
dia 25 de março de 2020. Em termos estéticos, o plano de texto desta crônica se assemelha à produção
de Antonio Prata, já que ambas foram publicadas no mesmo veículo de comunicação. Para começar,
há um cabeçalho, o qual conta com uma foto e o nome do autor (Gregório Duvivier), seguido de um
“fio” que tem a finalidade, na diagramação, de separar elementos da página. Logo abaixo, há o título:
“A grande ficha, em algum momento, vai cair”, destacado com uma fonte maior e o estilo itálico.
Logo abaixo, observa-se, com uma fonte menor, a linha fina: “V pandemia deixa claro
que não estamos todos no mesmo barco”. Um pouco mais abaixo, à esquerda, há as informações sobre
data (25 de março de 2020) e hora (1h00) de publicação. O texto é dividido em dez parágrafos. Ao
longo das crônicas, observa-se alguns recursos gráficos utilizados, como uma tira - logo após o
primeiro parágrafo - de autoria de Laerte e cujo conteúdo norteia o texto de Duvivier. Há ainda, após
o quarto parágrafo, uma galeria de fotos, a qual traz oito imagens sobre o tema: “Coronavírus em
favelas do rio”, que dá título à seleção. Ainda na galeria, nota-se a possibilidade de deslizar para o
lado a fim de conferir todas as fotos. Para cada imagem, nota-se a legenda acompanhada do crédito
do fotógrafo 3. Ao final do texto, o nome do autor aparece novamente, acompanhado de uma breve
caracterização do mesmo (“É ator e escritor. Também é um dos criadores do portal de humor Porta
dos Fundos.”).
As instâncias enunciativas
os cronistas se afastam do dito e imputam a outro enunciador (e2) a responsabilidade pelo conteúdo
proposicional.
[1] Está em curso a maior intervenção do Estado na vida das nações e das pessoas desde a
Segunda Guerra Mundial, mas a velha briga entre dirigismo econômico e mercado persiste,
enquanto contam os mortos. O mundo que emergirá do choque que estamos sofrendo será
um mundo purgado pelo horror, e melhor, ou condenado pelo amoralismo para sempre.
(Crônica jornalística - Luis Fernando Verissimo para o Estadão)
[2] Quando a quarentena acabar eu não vou mais escrever essas crônicas preguiçosas que
repetem uma frase e só mudam o finalzinho, que nem música ruim da MPB. Quando a
quarentena acabar eu vou compor uma sinfonia, escrever um romance, correr uma maratona
273
[3] Vivemos dentro de um prédio construído por gente que não tem onde morar, e essa
conta não fecha. Não pode fechar. [...]A pandemia deixa claro que não estamos todos no
mesmo barco. Ou estamos, mas tem gente remando e tem gente tomando sol na proa [...].
(Crônica jornalística - Gregório Duvivier para a Folha de S. Paulo)
No caso da crônica jornalística escrita por Gregório Duvivier no jornal Folha de S. Paulo,
o excerto [3] também traz à tona marcas linguísticas que sinalizam a assunção do L1/E1 quanto ao
conteúdo proposicional. O cronista assume a responsabilidade enunciativa pelo dito já na minha
274
primeira quando decide utilizar o verbo “viver” conjugado na primeira pessoa do plural. Ou seja, a
expressão ”vivemos” demonstra que o L1/E1 se inclui na situação tratada, marca a pessoalidade do
texto e, mais que isso, traz para si a incumbência pelo que será dito na sequência. O mesmo fenômeno
é demonstrado pelo verbo “estamos”, que também aparece em outro momento do excerto.
Quanto ao processo de sinalizar, no tempo e no espaço, o contexto sobre o qual está sendo
falado, o cronista promove essa focalização no momento em que escolhe utilizar os dêiticos espaciais:
dentro de um prédio; onde; no mesmo barco e na proa. Esse mecanismo funciona como uma
ferramenta para aproximar o L1/E1 e o leitor da situação citada. A opinião é também marcada pelo
uso de modalizadores, como a expressão “claro”, um adjetivo utilizado pelo cronista para
caracterizar um dos efeitos provocados pela pandemia, que é o de deixar claro, ou melhor, comprovar
que “não estamos todos no mesmo barco”.
Há ainda a presença de conectores argumentativos que, além de conectar as partes do
texto, também promove sentido a partir da perspectiva que o L1/E1 pretende imprimir no conteúdo
proposicional: adição (e), alternância (ou) e adversidade (mas). Diante de todas essas marcas
linguísticas, as quais apresentam, de forma explícita, a percepção do autor, constatamos que o excerto
também traz à tona um ponto de vista assertado.
[4] Na guerra, temos dois caminhos pessoais que determinam o coletivo: nos tornarmos
melhores do que somos ou nos tornarmos piores do que somos. Esta é a guerra
permanente que cada um trava hoje atrás da sua porta. Momentos radicais expõem uma
nudez radical. Isolados, é também com ela que nos viramos. O que o espelho pode mostrar
não é a barriga flácida. Pouco importa, já não há onde nem para quem desfilar barrigas-
tanquinho. O duro é encarar um caráter flácido, uma vontade desmusculada, um desejo sem
tônus que antes era mascarado pela espiral dos dias. O duro é ser chamado a ser e ter medo
de ser. Porque é isso que momentos como este fazem: nos chamam a ser. (Crônica
jornalística - Eliane Brum para o El País)
Eliane Brum, em sua crônica jornalística publicada no jornal El País e escolhida para esta
análise, também faz escolhas lexicais que demonstram o seu engajamento com o conteúdo
proposicional. No excerto [4], constatamos a presença, primeiramente, de dêiticos - espaciais e
temporais - que transmitem a ideia de, respectivamente, espaço e tempo dentro do contexto narrado.
Expressões como na guerra; atrás da sua porta; onde e hoje; já; antes; este sinalizam para o leitor
onde e quando a situação citada pelo L1/E1 se constrói, permitindo uma aproximação entre quem
enuncia e quem recepciona o dito.
Esse processo de aproximação também ocorre no momento em que L1/E1 apresenta
escolhas lexicais classificadas na categoria de índices de pessoas. Um exemplo são os pronomes
pessoais oblíquos na primeira pessoa do plural (nós), bem como os verbos conjugados também na
275
primeira pessoa do plural (temos; tornamos; somos; viramos; chamam). Esse mecanismo, ao passo
em que permite ao L1/E1 assumir a responsabilidade enunciativa pelo dito, também possibilita à
cronista a inclusão dos receptores no contexto citado.
Outro ponto analisado refere-se aos advérbios (melhores, piores) e adjetivos (radicais,
radical, permanente, isolados, flácida, desmusculada, mascarado) utilizado pela cronista a fim de
demonstrar, por meio dessas escolhas, a sua opinião acerca das mais diversas situações apontadas.
Por exemplo, ao falar que “nos tornamos melhores do que somos ou nos tornamos piores do que
somos”, Eliane Brum consegue expressar uma dicotomia existente no contexto da pandemia. Isto é,
há dois caminhos - um positivo e outro negativo - aos quais os seres humanos estão sendo expostos
para que façam sua escolha ao longo desse processo.
Essas marcas linguísticas demonstram que o excerto analisado exprime um ponto de vista
assertado, já que o posicionamento de L1/E1 aparece de maneira explícita.
Marcas de enunciação do e2
[6] Um estudo alemão afirma que a economia global será totalmente repensada até o fim do
ano. Um estudo espanhol afirma que não haverá mais economia global até o fim do ano. Os
imbecis do governo brasileiro não acreditam em estudo. (Crônica jornalística - Antonio
Prata para a Folha de S. Paulo)
276
[7] “A grande ficha”, diz a tira da Laerte, “em algum momento, ela vai cair”. (Crônica
jornalística - Gregório Duvivier para a Folha de S. Paulo)
[8] Desde o segundo semestre de 2018 adolescentes do mundo inteiro abandonam as escolas
toda sexta-feira para gritar nas ruas que os adultos estão roubando seu futuro. Eles dizem:
parem de consumir, fiquem no chão, nosso planeta não aguenta mais tanta emissão de
carbono. Dizem ainda, literalmente: “vocês estão cagando no nosso futuro”. Greta
Thumberg, a jovem ativista sueca, avisou repetidamente: “nossa casa está em chamas”.
Acordem.
O que há em comum nos excertos acima mencionados é a presença dos chamados verbos
“dicendi”. Eles têm a função de remeter ao discurso direto ou indireto de outra pessoa. No caso das
crônicas, esse mecanismo foi utilizado pelos autores para trazer ao texto outras vozes e retirar do
produtor do texto, em dado momento, a responsabilidade enunciativa. Nesses casos, o autor se afasta
do conteúdo proposicional e imputa a outro indivíduo ou instituição a responsabilidade pelo dito.
Conforme exemplificado em negrito nos excertos [5], [6], [7] e [8], os verbos utilizados
pelos jornais que remeteram à fala foram: afirma; (não) acreditam; diz; gritar; dizem; avisou. A
função desses verbos é deixar claro que o conteúdo proposicional exposto se refere a outras pessoas.
Além disso, por meio dos excertos escolhidos para análise, percebemos que os enunciadores
segundos, sinalizados nos exemplos com um sublinhado, que aparecem são: Naomi; um estudo
alemão; um estudo espanhol; os imbecis do governo brasileiro; Laerte; adolescentes; Greta
Thumberg.
Em alguns casos, a referência a enunciadores segundos pode representar a tentativa do
produtor do texto de se amparar em um chamado “argumento de autoridade” como um mecanismo
de sua própria argumentação. Isso pode ser visualizado, por exemplo, através do uso das conjunções
subordinativas adverbiais conformativas. Nas crônicas analisadas, constatamos, no excerto [5],
sinalizada em itálico, a presença da conjunção segundo. Essa é uma estratégia bastante utilizada no
âmbito jornalístico, visto que comprova que as informações foram checadas e torna público as fontes
das quais foram extraídos os dados apresentados. Além disso, o uso das aspas, as quais foram
identificadas nos excertos [7] e [8], também é uma maneira de inserir o discurso de outra pessoa no
corpo do texto, visto ser possível identificar os conteúdos que foram citados por outros enunciadores
e que estão transcritos de maneira direta nas reportagens./ Dessa maneira, quando o locutor
enunciador não assume a responsabilidade enunciativa, ocorre um quadro de mediatiavidade, nos
termos de Guentchéva (2011).
CONCLUSÕES
Neste trabalho, discutimos como a responsabilidade enunciativa e a visada argumentativa,
enquanto dispositivos enunciativos, são marcados no gênero discursivo textual crônica jornalística.
277
Para tanto, descrevemos as instâncias enunciativas presentes nos textos analisados, constituídos por
quatro crônicas de jornais online (El País, Estadão e Folha de S. Paulo), e pudemos analisar o
engajamento do locutor enunciador primeiro (L1/EI), nesse caso o cronista que assina a matéria, bem
como a imputação do dizer aos enunciadores segundos (e2), gerando, dessa maneira, um quadro
mediativo, conforme Guentchéva (1994, 2011).
Com base na Análise Textual dos Discursos (ADAM, 2011), foi possível demonstrar o
plano de texto de cada crônica jornalística analisada, além da identificação das sequências textuais
predominantes, como a narrativa, descritiva e argumentativa, as quais objetivaram a orientação
argumentativa pretendida pelos enunciadores.
Por fim, percebemos que a investigação em texto jornalístico contribui para a
compreensão desse domínio discursivo e que a assunção da responsabilidade enunciativa é
estruturada por meio de argumentos que auxiliam na produção opinativa dos meios de comunicação,
a exemplo dos jornais online.
REFERÊNCIAS
ADAM, Jean-Michel. A Linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. Tradução: Maria das
Graças Soares Rodrigues, João Gomes da Silva Neto, Luis Passeggi e Eulália Vera Lúcia Fraga Leurquin. 2.
ed. rev. e aum. São Paulo: Cortez, 2011.
BOGDAN, Robert; BIKLEN, Sari. Investigação qualitativa em educação: uma introdução à teoria e aos
métodos. Tradução: Maria João Alvarez, Sara Bahia dos Santos e Telmo Mourinho Baptista. Porto: Porto
Editora, 1994. (Coleção Ciências da Educação).
BRUM, Eliane. O vírus somos nós (ou uma parte de nós). 2020. Disponível em:
https://brasil.elpais.com/opiniao/2020-03-25/o-virus-somos-nos-ou-uma-parte-de-nos.html. Acesso em: 29
set. 2020.
CAMPOS, Maria Inês Batista. A construção da identidade nacional das crônicas da Revista do Brasil. São
Paulo: Olho D'água, 2011, p.88.
CRESWELL, John W. Projeto de pesquisa: métodos qualitativo, quantitativo e misto. Tradução Magda
Lopes. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2010.
DUVIVIER, Gregório. A grande ficha, em algum momento, vai cair. 2020. Disponível em:
https://www1.folha.uol.com.br/colunas/gregorioduvivier/2020/03/a-grande-ficha-em-algum-momento-vai-
cair.shtml. Acesso em: 29 set. 2020.
GUENTCHÉVA, Zlatka. Manifestations de la catégorie du médiatif dans lês temps du français. Langue
Française, Paris, v. 102, n. 1, 1994, p. 8-23. Disponível em: http://www.persee.fr/doc/lfr_0023-
8368_1994_num_102_1_5711. Acesso em: 18 dez. 2015.
GUENTCHÉVA, Zlatka. L’ opération de prise em charge et la notion de médiativité. In: DENDALE, Patrick;
COLTIER, Danielle. La prise en charge énonciative: éthudes théoriques e empiriques. Bruxelles: De Boeck/
Duculot, 2011, p. 117-142.
MELO, José Marques de. Prefácio. In: PEREIRA, Wellington. Crônica: a arte do útil e do fútil: ensaio sobre
crônica no jornalismo impresso. Salvador, BA: Calandra, 2004. p. 7-10.
278
MENEZES, Rogério. Relações entre a crônica, o romance e o jornalismo. In: Jornalismo e Literatura: a
sedução da palavra. São Paulo: Escrituras Editora, 2002.
RABATEL, Alain. Homo Narrans: por uma abordagem enunciativa e interacionista da narrativa – pontos de
vista e lógica da narração- teoria e análise. Tradução Maria das Graças Soares Rodrigues, Luis Passeggi, João
Gomes da Silva Neto. São Paulo: Cortez, 2016. v.1.
SILVA, Daniela da; LÜERSEN, Angélica. A construção da identidade nacional das crônicas da Revista
do Brasil. In: CONGRESSO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO NA REGIÃO SUL, 27°, 2016, Curitiba.
RESUMO
A cada dia, as interfaces entre os estudos da linguagem e os estudos do Direito avançam para
caminhos de convergência, uma vez que vários linguistas procuram analisar como a linguagem é
utilizada pelos operadores do direito para relacionar fatos, julgar ações e propor soluções. Além disso,
como o direito se constitui, sobremodo, por meio da linguagem, os estudos linguísticos também fazem
mais conhecidas as práticas utilizadas pelos locutores dessa esfera de comunicação, bem como
colaboram com o entendimento dos textos pela sociedade, porque podem atuar analisando as
construções complexas, geralmente, contidas nos gêneros jurídicos. Inserido nesse contexto de
produção e análise é que se encontra nosso trabalho. Nele, analisamos como ocorre o fenômeno da
responsabilidade enunciativa em uma sentença judicial, além de verificar como ocorre a
mediatividade nesse gênero discursivo textual. O corpus usado para demonstrar como ocorre esse
fenômeno é composto por uma sentença judicial sobre ameaça a policiais. A sentença encontra-se
disponível de forma pública no portal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo – TJSP. A
corrente linguística que foi empregada para análise dos dados é a Análise Textual do Discurso. Nela,
proposta por Adam (2011), é considerado como objeto de análise o texto, o que está posto e os fatores
que ali se apresentam. O texto e o discurso são vistos sob um novo paradigma teórico e, assim, a
linguística textual é vista como o ponto mais amplo situado na análise de discurso. A importância
desta pesquisa reside, entre outros, no fato de ser necessário utilizar mecanismos de análise linguística
que levem em consideração o uso real que os falantes fazem, em contextos efetivos de uso da língua,
bem como demonstra como um fenômeno linguístico acontece em um gênero do âmbito jurídico, o
que faz com que as relações entre o direito e a linguagem se desenvolvam. Metodologicamente, o
trabalho possui viés qualitativo, e as análises são realizadas por meio do método interpretativista. O
resultado demonstra que a locutora/enunciadora primeira utiliza as demais vozes para embasar sua
decisão acerca da lide. Desse modo, ela tende a assumir o grau da responsabilidade enunciativa pelo
discurso enunciado.
Palavras-chave: Análise textual dos discursos. Responsabilidade enunciativa. Sentença judicial.
INTRODUÇÃO
93
E-mail: bruno.madson2011@gmail.com;
94
E-mail: gracarodrigues@gmail.com.
280
[...] o Direito, mais que qualquer outro saber, é servo da linguagem. Como Direito posto é
linguagem, sendo em nossos dias de evidência palmar constituir-se de quanto editado e
comunicado, mediante a linguagem escrita, por quem com poderes para tanto. Também
linguagem é o Direito aplicado ao caso concreto, sob a forma de decisão judicial ou
administrativa. Dissociar o Direito da Linguagem será privá-lo de sua própria existência,
porque, ontologicamente, ele é linguagem e somente linguagem. (CALMON DE PASSOS
2001, p. 63-64).
Com a citação, podemos enxergar que é muito salutar essa união, de forma
interdisciplinar, entre os campos científicos, uma vez que o Direito fez faz a partir do uso da
linguagem e, quando a utilizamos para estudar os ordenamentos jurídicos e realizações do Direito,
enxergamos dados que, em somente uma análise linguística restrita, talvez não fosse possível.
A teoria empregada para análise dos dados é a Análise Textual dos Discursos – ATD –
quadro teórico formulado por Adam (2011), no qual o texto e o discurso são utilizados em uma mesma
teoria, a fim de dar conta da análise de um objeto extremamente multifacetado, o texto. Assim, é
fomentada uma teoria de conjunto para perceber as nuances e os usos do texto, esse produzidos de
forma real, por falantes em determinada situação sociocomunicativa.
A justificativa reside na importância de tecermos comentários acerca do gênero sentença
judicial, uma vez que ele é basilar na estrutura do nosso ordenamento jurídico. Com a sentença, o juiz
pode decidir o desenrolar da vida das pessoas envolvidas na lide. Nesse sentido, esse gênero
discursivo / textual é de grande relevância e, com os estudos da RE na sentença, podemos analisar
como se constrói o jogo argumentativo envolvido na enunciação do locutor enunciador primeiro, a
saber, o juiz.
281
FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA
Por meio desse esquema, podemos ver que os planos ou níveis do discurso são: 1 – ação
de linguagem (visada, objetivos); 2 – interação social; 3 – interdiscurso (formação sociodiscursiva,
socioletos, intertextos e gêneros). Já nos planos ou níveis do texto, temos: 4 – textura (proposições
enunciadas e períodos); 5– estrutura composicional (sequências e planos de textos; 6 – semântica
(representação discursiva); 7 – enunciação (responsabilidade enunciativa e coesão polifônica) e 8–
atos de discurso (ilocucionários e orientação argumentativa).
Ao averiguarmos o nível 7, enxergamos a presença da coesão polifônica e da
responsabilidade enunciativa, chamada adiante de RE. Ela está ligada ao jogo de vozes presente nos
enunciados, pois, consoante Adam (2011), por meio de algumas marcas textuais, o locutor pode se
engajar pelo dito, assumindo o conteúdo proposicional do dizer ou pode utilizar outros meios para
mostrar menor engajamento, recorrendo a quadros mediativos.
Passeggi et al. (2010), adaptando os estudos de Adam (2011), expandem as categorias
abordadas pelo autor e propõem um quadro adaptado das categorias de marcação da responsabilidade
enunciativa, a saber:
282
Com o quadro, vemos que variadas categorias linguísticas e discursivas podem ser
utilizadas para que os analistas estudem tal fenômeno. Em nossa análise, a partir da leitura da
sentença, analisamos os verbetes, as construções linguísticas e as marcas, a fim de perceber o
posicionamento enunciativo da L1/E1 em relação ao processo de (não) assunção.
Os gêneros discursivos/textuais são construções sociais e históricas. Sem eles, não pode
haver comunicação humana. Nessa direção, os interlocutores, em um contexto situacional específico,
datado e com viés histórico, imerso a processos ideológicos, produzem um enunciado. Esse, é dito
sob determinadas condições, tem um valor interacional e se realiza por meio de gêneros.
Nesse contexto, Bakhtin (2016, p. 12) afirma: “evidentemente, cada enunciado particular
é individual, mas cada campo de utilização da língua elabora seus tipos relativamente estáveis de
enunciados, os quais denominamos gêneros do discurso.”. Com tal definição, podemos enxergar que
os gêneros são tipos de enunciados produzidos em determinados campos de uso da língua. Assim, os
gêneros podem perpassar diversas áreas, como a área jornalística, médica, jurídica entre outras.
Marcuschi (2008) apresenta alguns desses campos, os quais o autor denomina como
domínios discursivos. Vejamos:
De Plácido e Silva (1993, p. 201) estudam tal gênero discursivo/textual. Em suas análises,
os autores a definem como: “sentença designa a decisão, a resolução, ou a solução dada por uma
autoridade a toda e qualquer questão submetida à sua jurisdição”.
A estrutura desse gênero advém do Código de Processo Penal, artigo 381. O plano de
texto do gênero discursivo / textual deve ser composto, de acordo com o ordenamento jurídico,
(BRASIL, 2018), por:
Assim, vemos que o gênero possui uma estrutura fixa e é de extrema relevância social,
uma vez que, por meio dela, uma lide é resolvida. Com isso, visualizamos que é um gênero que evoca
a argumentação, a fim de satisfazer as partes, tendo uma articulação de dizeres por parte do juiz, o
responsável por proferir a decisão.
METODOLOGIA
O corpus é composto por uma sentença judicial do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo – TJSP. A escolha do corpus foi relativa à facilidade de acesso, uma vez que tal sentença
judicial foi publicada eletronicamente no sítio do Tribunal. Trata-se, assim, da sentença resultante do
processo de número 1502929-20.2018.8.26.0577, que tem como classe - Assunto Inquérito Policial
– Ameaça.
RESULTADOS E DISCUSSÃO
Trata o presente feito de fatos tipificados no artigo 147, do Código Penal, bem como no
artigo 21, do Decreto-lei 3.688/1941, onde figuram como vítimas XXXXXXX XXXXXXX
XXXXXX e XXXXX XXXXX XX XXX e como investigado XXXXX XXXXXXXXX XX
XXXXX, cuja autoria veio a ser conhecida em 20/03/2018, tendo as ofendidas comparecido
em Juízo e se retratado das representações anteriormente oferecidas (fls.32 e 39).
No tocante ao crime de ameaça, diante das retratações das vítimas, ocorreu a extinção da
punibilidade, que, com fulcro no artigo 107, inciso IV, do Código Penal, combinado com o
artigo 38, do Código de Processo Penal, fica declarada.
Isso posto, quanto ao delito previsto no artigo 147, do Código Penal, declaro extinta a
punibilidade e determino o arquivamento dos presentes autos, com fundamento, ainda, no
artigo 395, inciso II, do Código de Processo Penal.
P.R.I.C.
São José dos Campos, 25 de setembro de 2018.
CONCLUSÃO
Por meio da marcação da RE, vemos que a L1/E1 tende a assumir o conteúdo
proposicional do dizer, utilizando, para isso, a categoria das modalidades, com o uso de lexemas
avaliativos, verbos de opinião e os quadros mediadores, com o uso da voz do representante do
Ministério Público.
Com isso, vemos que, no gênero discursivo/textual sentença judicial, o qual segue uma
estrutura composicional rígida, evocada pelo ordenamento jurídico vigente e faz parte do domínio
jurídico, o L1/E1 tende a realizar a assunção da RE, porquanto é necessário um engajamento
enunciativo, o qual, com valor argumentativo, faz com que haja a resolução de um problema de
âmbito social.
É interessante perceber ainda que toda a assunção se dá em concordância com alguns
dispositivos jurídicos, como leis e normas. Assim, vemos o caráter de consonância entre a voz da
L1/E1 e dos ordenamentos que segue, fato que pode ser visto em trabalhos futuros. Além dessa
temática, também é possível enxergar temas como o jogo das vozes, por meio da coesão polifônica,
os atos ilocucionários, o plano de texto dos gêneros, as sequências entre outros.
REFERÊNCIAS
ADAM, J-M. A linguística textual: introdução à análise textual dos discursos. 2.ed. rev. aum. São
Paulo: Cortez, 2011.
DE PLÁCIDO E SILVA. Vocabulário Jurídico. v.1. 12 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense. 1993.
MARCUSCHI, Luiz Antonio. Produção textual, análise de gêneros e compreensão. São Paulo:
Parábola Editorial, 2008.
MICHEL, Maria Helena. Metodologia e pesquisa científica em ciências sociais. 2. Ed. São Paulo:
Atlas, 2009.
288
PASSEGGI, Luis et al. A análise textual dos discursos: para uma teoria da produção co(n)textual dos
sentidos. In: BENTES, A. C.; LEITE, M. Q. (Orgs.). Linguística de texto e análise da conversação:
panorama das pesquisas no Brasil. São Paulo: Cortez, 2010. p. 262-312.
ANEXO
290
291
RESUMO
Este trabalho tem por escopo a função de estudar a responsabilidade enunciativa no depoimento de testemunha
e na sentença condenatória judicial, uma vez que nos interessa saber se, quando o locutor enunciador primeiro
assume a responsabilidade enunciativa pelo conteúdo proposicional do seu dizer no depoimento de testemunha,
essa assunção impacta na decisão do juiz, que é o locutor enunciador primeiro da sentença condenatória. Para
responder a essa indagação, a investigação focaliza a descrição, análise e interpretação das instâncias
enunciativas (locutor e enunciador), das posturas enunciativas, pontos de vista e o quadro de mediatividade.
Por essa razão, se faz mister a correlação entre os dois gêneros supracitados, para que se compreenda a relação
entre eles. A relevância desse fenômeno é tamanha que ele permite ao interlocutor compreender se o locutor
e/ou enunciador é/são responsável(eis) ou não pelo conteúdo proposicional do enunciado veiculado. Para o
estudo, seguimos Adam (2011), Guentchéva (1994, 2011), Rabatel (2009, 2016) e Rodrigues e Passeggi
(2016). No que concerne aos procedimentos metodológicos, tomamos como fundamento uma abordagem
qualitativa, inerpretativista de pesquisa, baseada no método indutivo, haja vista partirmos dos dados
observados no gênero sentença judicial condenatória, enquanto marca de (não) assunção da responsabilidade
enunciativa, bem como em depoimentos de testemunha. A construção do corpus da pesquisa se deu a partir da
investigação virtual ao site do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (http:/www.tjrn.jus.br), visando a
obtenção de sentenças penais condenatórias. Nesse sentido, foram consideradas sentenças disponibilizadas
para consulta pública, por meio do referido site. Esse parâmetro resultou no quantitativo de 02 (duas) sentenças
penais condenatórias e seus respectivos depoimentos testemunhais, prolatadas por diferentes juízes,
protocoladas na Comarca de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, ambas relativas ao ano de 2018. Os
documentos consultados versam sobre matéria de Direito Processual Penal. Os resultados apontam que o
locutor enunciador primeiro, nesse caso, o juiz da sentença condenatória judicial, assume o dizer a partir de
pontos de vista assertado, representado e narrado em consonância com o depoimento da testemunha, que
colabora para a culpabilidade do réu.
INTRODUÇÃO
95
UFRN / Bolsista PIBIC CNPq (IC) / vmo.ufrn.letrasesp@gmail.com
96
UFRN/ Doutora/ gracasrodrigues@gmail.com
292
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
sentença judicial condenatória, enquanto marca de (não) assunção da RE, bem como em depoimentos.
Para tanto, delimitamos o tempo e espaço da pesquisa, dos objetos de estudo, a revisão da literatura
e a coleta de dados.
A construção do corpus da pesquisa se deu a partir da investigação virtual ao site do
Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (http:/www.tjrn.jus.br), visando a obtenção de sentenças
penais condenatórias. Nesse sentido, foram consideradas sentenças disponibilizadas para consulta
pública, por meio do referido site. Esse parâmetro resultou no quantitativo de 02 (duas) sentenças
penais condenatórias e seus respectivos depoimentos testemunhais, prolatadas por diferentes juízes,
protocoladas na Comarca de Natal, no estado do Rio Grande do Norte, ambas relativas ao ano de
2018. Os documentos consultados versam sobre matéria de Direito Processual Penal.
Nesse sentido, o nosso foco de investigação diz respeito à relação entre a sentença
condenatória judicial e o depoimento de testemunha, conforme esquema a seguir:
SENTENÇA
CONDENATÓRIA
JUDICIAL
DEPOIMENTO DE
SENTENÇA PENAL
TESTEMUNHA
Realizada a coleta dos dados, fez-se necessária a revisão bibliográfica dos pressupostos
teóricos que embasaram o fenômeno da responsabilidade enunciativa, partindo da análise textual dos
discursos e contemplando, na sequência, a linguística enunciativa, a teoria dos pontos de vista e o
quadro mediativo, além da consulta a artigos científicos, capítulos de livros, livros, dissertações e
teses do grupo de pesquisa em Análise Textual dos Discursos.
Sobre os procedimentos de análise dos dados, foram realizadas as seguintes etapas: a)
descrição do plano de texto de cada sentença e de cada depoimento; b) identificação e descrição do(s)
locutor(es) enunciador(es) primeiro(s) (L1/E1) e enunciadores segundos (e2) de cada sentença; c)
identificação e descrição do(s) locutor(es) testemunhas de cada depoimento; d) identificação e
descrição das marcas linguísticas reveladoras de (não) assunção da responsabilidade enunciativa nos
dois gêneros investigados; e e) análise e interpretação dos resultados.
em face das definições e dos requisitos essenciais da sentença judicial, e levando-se em conta
o seu funcionamento na esfera jurídica e o seu papel social, podemos entendê-la como um
texto com características normativas que obedece às exigencias prevista na lei e na jurisdição.
Acrescenta, ainda, que o gênero sentença apresenta uma estrutura ritualizada, formal,
padronizada, evidenciando uma linguagem técnica, às vezes incompreensível ao cidadão comum.
A sentença judicial é obrigatoriamente um texto escrito, embora possa ser proferido
oralmente em audiência. É do domínio público, sendo um documento indispensável nos autos do
processo como documento da “perene memória da decisão que o contém”, diz a doutrina.
Assim, de acordo com o art. 489, do Código de Processo Civil,