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AMAZÔNICO:
educação, currículo e política
Ana Teresa Silva Sousa
Gerson Bacury
Fabiane Maia Garcia
Organização
OS DESAFIOS
AMAZÔNICO:
educação, currículo e política
2019
Comitê Científico:
Maria Salonilde Ferreira/AFIRSE
Patricia Sandalo Pereira/UFMS
Wellington de Oliveira/UNIFATEA
Maria Ozita de Araujo Albuquerque/UESPI
Francisco Afrânio Rodrigues Teles/UNINASSAU
Elieide do Nascimento Silva/UFPI
João Coelho Neto/UENP – Campus de Cornélio Procópio
Maria da Paz Sirqueira de Oliveira/ UNIFACEX/RN
Marlucia Barros Lopes Cabral/UERN
Marlúcia Menezes de Paiva/UFRN
OS DESAFIOS AMAZÔNICOS:
educação, currículo e política
1ª edição: 2019
Revisão
Francisco Antonio Machado Araujo
Editoração
Francisco Antonio Machado Araujo
Diagramação
Wellington Silva
Capa
Mediação Acadêmica
Reprodução e Distribuição
Editora Garcia
E-book.
ISBN: 978-85-5512-674-1
CDD: 370.7
Bibliotecária Responsável:
Nayla Kedma de Carvalho Santos CRB 3ª Região/1188
SUMÁRIO
AFIRSE-SECÇÃO BRASILEIRA: 20 ANOS DE REALIZAÇÕES..................................................9
José Pires
José Pires
É
com prazer que aceitei o convite para pronunciar algumas palavras na abertura deste
IX Colóquio da AFIRSE, nesta acolhedora cidade de Manaus, coração da Amazônia,
e neste belíssimo Campus da Universidade Federal do Amazonas onde, ao longo
destes dias, realizaremos um rico e intenso processo de intercomunicação entre professores-
pesquisadores aqui reunidos, advindos de diferentes recantos do País e do Exterior.
A AFIRSE, como a maioria dos presentes sabe, é uma Associação Internacional de Pesquisa
em Educação, criada na França. Inicialmente envolvia pesquisadores majoritariamente de língua
francesa, por isso, a nível internacional, os eventos costumam ser apresentados em língua francesa,
o que justifica seu nome oficial de Associação Francofone Internacional de Pesquisa Científica em
Educação.
Efetivamente, ela se espalhou um pouco por vários países do mundo, através da criação
de diferentes Secções Nacionais, sendo duas delas em países de Língua Portuguesa: Portugal,
com sede em Lisboa, e Brasil, sediada, oficialmente, por razões estatutárias, na cidade de Natal,
capital do Rio Grande do Norte.
Os temas que vão ser trabalhadas nestes dias de nosso IX Colóquio da AFIRSE-Secção
Brasileira, tem tudo a ver com os objetivos, as funções e as finalidades da Associação. Primeiro,
porque neste ano de 2017 ela está celebrando seus 20 anos de criação, e julgou-se muito oportuno
que todos os participantes deste Colóquio conheçam o que ela é, saibam quais suas realizações
até o presente momento, quais os seus avanços, quais seus desafios, e quais as perspectivas de
ação que se apresentam para a AFIRSE neste conturbado Brasil do Século XXI em que estamos
vivendo.
Dentro de seus objetivos, a AFIRSE propõe-se contribuir para a produção e difusão do
conhecimento Científico em Educação, estabelecer troca de experiências entre pesquisadores e
demais parceiros da educação, em torno das grandes questões em educação, particularmente
aquelas que representam acenos de reflexão, análise e busca de soluções de problemáticas que
mais preocupam o meio educacional, promovendo uma reflexão permanente sobre a evolução dos
campos educativos e das abordagens científicas da pesquisa, e empenhando-se para concretizar
suas metas, simultaneamente às ações concretas dos grupos ou bases de pesquisa de seus
associados, mediante encontros entre si, e a promoção periódica de seus Colóquios e Congressos,
que costumam acontecer em diferentes países do mundo, através de suas Secções Nacionais.
As avaliações sistemáticas que tem sido realizadas relativas aos efeitos concretos, promovidas
pelas instituições que delas se tem beneficiado, comprovam terem trazido contribuições efetivas
no campo da educação, seja pela difusão da pesquisa científica e o recurso a experiências exitosas,
seja pela melhoria das condições gerais da educação e das práticas educativas nas instituições de
formação.
Relativamente às Secções Nacionais da AFIRSE, além da matriz francesa, existem,
oficialmente 9 Secções Nacionais: a Portuguesa, a Belga, a Canadense, a Mexicana, a Centro-
Africana, a Brasileira, a Grega e a recém-criada Secção Espanhola, acolhendo, também, em suas
fileiras, pesquisadores do Marrocos, da Romênia, do Japão, Austrália, Suíça, e outros países que,
por razões diversas, ainda não se organizaram em Secções Nacionais.
As atuais realizações da AFIRSE são, particularmente desenvolvidas através de seus Colóquios
e Congressos Nacionais e Internacionais, e as informações oficiais de cada Secção Nacional
circulam através de seus sites e Boletins e de sua Revista Oficial L’ANNEE DE LA RECHERCHE
EN SCIENCES DE L’EDUCATION, publicada inicialmente por Presses Universitaires de France,
depois por L’HARMATTAN, depois por MATRICE e que, atualmente, pode ser consultada on-line
através do Site www.la-recherche-en-education.org.
Podemos dizer que marcaram grandes eventos da AFIRSE: o Congresso Internacional de Paris,
abordando As problemáticas da Matemática; o Congresso de Sherbrook, no Canadá, voltado para
A análise da pesquisa e das práticas Educativas; o Congresso de Bruxelas, que se aprofundou nas
questões ligadas À formação dos Professores, temática que foi retomada no Congresso de Tunísia,
este voltado especificamente para A Avaliação da Formação Docente; o Congresso Internacional
de Lisboa, dedicado às questões da Educação e da Política; o 5º Congresso Internacional sobre
Lógicas de Gestão e Abordagens Críticas da Educação, realizado pela Secção Francesa em St.
Quentin les Yvelines.
Além dos Congressos Nacionais e Internacionais, a AFIRSE, através das Secções Nacionais,
promoveu, também, Colóquios Nacionais e Internacionais. Foram altamente significativos,
quer pelos temas trabalhados, quer pela quantidade e qualidade de pesquisadores, professores,
estudantes e outros participantes: o Colóquio Nacional de Alençon, que se voltou para o
aprofundamento de Novas formas de Pesquisa em Educação no contexto de uma Europa em
transformação; o Colóquio de Paris-Sorbonne, que abordou A Antropologia dos Esportes dentro
de uma Perspectiva Crítica. Foram também dedicados dois Colóquios específicos à variável
Tempo: um realizado em Lyon, sobre O Tempo na Educação e na Formação; outro, em Caen, sobre
Tempo, História e Sociedade. A Secção Francesa realizou outro Colóquio Nacional em Angers,
este voltado para o principal fator implicado no processo formativo: O Sujeito em Educação. Em
Quebec foi realizado o grande Colóquio Nacional, envolvendo Pesquisa em Educação: a Pessoa e a
Mudança Social; e o Colóquio Internacional do México, altamente participado por pesquisadores
do Brasil, sobre As Problemáticas da Educação na perspectiva da globalização/ mundialização. E
ainda o Colóquio de Rennes, dedicado à análise dos contrastes do Universal e o Singular, numa
visão da educação como dialética.
A Secção Portuguesa, entre as demais da AFIRSE, sempre se mostrou extremamente fértil
e inovadora na proposição de temáticas ligadas simultaneamente à Sociedade e à Educação.
O Colóquio sobre problemas envolvendo Educação e Política contou com uma afluência de
pesquisadores de diferentes países da francofonia e lusofonia, cujas contribuições geraram 02
Volumes com publicação dos textos mais representativos. Num tempo de mundialização da
economia e da globalização da informação, em que até a educação, geralmente considerada “um
bem público” que é preciso proteger, mas que, em muitos aspetos, também é vista e tratada como
uma mercadoria, a Secção Portuguesa, face a essa problemática, realizou na Universidade de
Lisboa um Colóquio sobre Regulação da Educação e Economia, com enfoques na Organização,
Financiamento e Gestão. Mais de 400 profissionais, integrando grupos de pesquisa ligados à
Economia da Educação, a Políticas Educativas, ao desenvolvimento curricular, à formação de
professores, à formação de adultos, à sociologia da educação, do trabalho e das organizações, se
mobilizaram para aprofundar o estudo e a reflexão sobre esses processos e questões, em nossos
dias tão importantes às aquisições e certificações de diplomas na construção do espaço educativo
de qualquer país.
Outra questão de ordem social, particularmente presente em nossas cidades, vitimando
grupos, famílias e instituições, tem sido A indisciplina, a delinquência e a violência na escola,
perturbando e preocupando pais, professores, alunos, assim como autoridades responsáveis pelas
políticas públicas. Face a esses problemas, a Secção Portuguesa da AFIRSE convocou responsáveis
por essas políticas, pesquisadores e professores de diferentes instituições escolares, num Colóquio,
para aprofundamento desses problemas e para instigar mecanismos suscetíveis de minoração dos
mesmos.
Outro Colóquio que ganhou o merecido destaque foi o que retomou as discussões sobre
Diversidade e Diferenciação, num momento em que, nos principais países do mundo, através da
UNESCO, se aprofundaram as análises ligadas à inclusão social e mais particularmente à inclusão
escolar e social de pessoas com necessidades especiais.
Para arremate do envolvimento dos pesquisadores no âmbito da AFIRSE-Secção Portuguesa,
esta promoveu, com uma participação significativa de especialistas nacionais e internacionais,
particularmente de França, Canadá, México e Brasil seu XVII Colóquio na Faculdade de Psicologia
e Ciências da Educação da Universidade de Lisboa, envolvendo Problemas, imprevisibilidades e
incertezas relativas à Escola e ao Mundo do Trabalho.
Como Vocês estão vendo, todas estas ações da AFIRSE, através de suas Secções Nacionais,
deram origem a uma produção científica em educação de elevado nível qualitativo, expressa em
publicações que constituem um precioso acervo que muito enriquece as bases epistemológicas
das ciências da educação, e que o Setor Internacional da AFIRSE poderá empenhar-se em difundir,
em suas publicações, entre seus Associados.
Mas dentro desse universo de Secções Nacionais e o Setor Internacional da AFIRSE cabe-
nos, hoje, voltar mais especificamente nosso olhar para a AFIRSE-Secção Brasileira, que neste ano
de 2017 celebra seus 20 anos de criação.
É uma história bonita e desafiadora que bem merece ser lembrada. Ela teve seus primórdios,
como início de sua fase preparatória, no dia 14 de novembro de 1996, por ocasião do VII Colóquio
da Secção Portuguesa, em Lisboa. Um grupo de pesquisadores da UFRN, entre eles a Drª Maria
Salonilde Ferreira, a nossa querida e sempre saudosamente lembrada Drª Djanira Brasilina de Souza,
as Drª Gláucia Nascimento da Luz Pires, Jomária Mata de Lima Alloufa, Joana D’Arc de Souza Dantas, Márcia
Gurgel Ribeiro, Sandra Maria Borba Pereira e este professor que vos fala, numa reunião promovida
com membros do Conselho de Administração do Setor Internacional da AFIRSE, apresentou a
ideia da criação de uma Secção da AFIRSE no Brasil, proposta que gerou grande interesse por
parte do Setor Internacional, e que contou, de imediato, com o apoio de todos os seus membros.
Objetivamente, resultou dessa reunião apoio à formação de um grupo de trabalho com vistas à
elaboração do projeto de criação da AFIRSE-Secção Brasileira.
De retorno a Natal, esse Grupo de Trabalho promoveu várias reuniões investigando a fundo,
nos Boletins Oficiais da AFIRSE, como haviam sido criadas outras Secções em diferentes países
do mundo francófono. Foi feita uma análise dos Anais dos diferentes Colóquios e Congressos,
conteúdos que animavam as reuniões de estudo que se sucederam, com uma participação cada vez
mais ampliada de pesquisadores interessados. Ao mesmo tempo, dado que o objetivo se voltava
para a criação da Secção Brasileira da AFIRSE, foram enviados ofícios às Instituições Universitárias
– Federais, Estaduais e Privadas, do Brasil, acompanhados de material de divulgação para dar a
conhecer o que era a AFIRSE, quais suas finalidades no mundo da educação, notícia de suas
principais realizações, e identificar virtuais pesquisadores em educação interessados em conhecer
o Projeto científico dessa Associação a nível de Brasil.
Enquanto isso, o Projeto de criação ia ganhando corpo. Em 1997, entre as atividades
preparatórias ao Colóquio de Rabat, em Marrocos, o Grupo de Trabalho responsável pelo projeto,
tinha seu trabalho concluído, e encaminhou, protocolada, uma cópia ao Presidente do Conselho
de Administração do Setor Internacional, relatando, em Ofício, que todas as exigências previstas
pelo Estatuto Internacional da AFIRSE relativas à criação de Secções Nacionais tinham sido
com outras Secções da AFIRSE que têm em comum problemas e dificuldades muito semelhantes
aos nossos, encontram-se confrontados com os mesmos desafios, e alimentam, como nós, os
mesmos anseios.
Julgo que um dos problemas que nós enfrentamos, como Associação, é o isolamento de
nossa ação associativa. Os momentos em que nossa participação em projetos permanentes
de cooperação com pesquisadores de outras Secções se realizou, imprimiu à AFIRSE grande
dinamismo. Esta cooperação ganha cada vez mais sentido particularmente quando ela acontece
através de nossas bases de pesquisa. O trabalho desenvolvido pelos pesquisadores de países
africanos que estiveram presentes no colóquio de Manaus são um belo exemplo disso. Também
aconteceu um intercâmbio e partilha semelhantes, resultantes de um enriquecimento mútuo, com
as bases de pesquisa sobre Educação de Pessoas com Necessidades Especiais, cujo intercâmbio
com outras bases de diversas universidades brasileiras, presentes no evento, oportunizaram
debates, reflexões, intercâmbio de experiências e projetos, muitos dos quais ainda perduram.
Ainda relativamente ao Colóquio Internacional de Manaus, os sócios da AFIRSE-Secção
Brasileira foram contemplados com belíssima publicação do Relatório Final, cuidadosamente
elaborado pela Drª Rosa Mendonça, dando notícia completa de toda programação, composição
de mesas, Resumo dos trabalhos, Conferências, painéis, ateliês, e respectivas sínteses. A síntese
geral avaliativa sobre as diferentes questões estudadas e debatidas ao longo do Colóquio, com
ênfase na Educação e desenvolvimento sustentável, nas Novas políticas de Educação Indígena e
na Educação para todos, sob a ótica da diversidade, inclusão e cidadania constituem um precioso
documento de que a AFIRSE-Secção Brasileira muito se pode orgulhar, e que bem merece uma
publicação específica a ser conhecida e lida por todos os Associados.
Ao término dos trabalhos do Colóquio de Manaus, a Assembleia delegou ao Presidente da
Secção Brasileira a responsabilidade de uma consulta aos Associados das diferentes Universidades
e Centros de Pesquisa do País quanto a temáticas consideradas prioritárias a virtualmente
poderem ser objeto de aprofundamento e discussão num próximo Colóquio, e qual, ou quais
as instituições que assumiriam o compromisso de realizá-lo. Referentemente a este último item,
duas candidaturas foram oficialmente apresentadas: a primeira, sugerindo como sede do próximo
Colóquio a Universidade Federal do Rio Grande do Norte, em Natal; uma segunda candidatura
foi apresentada por associados ligados à Universidade Metodista de Piracicaba, São Paulo. Tendo
sido ambas as propostas apresentadas aos Associados, democraticamente, por uma maioria de
85% dos votos, escolhida a cidade de Natal, e a Universidade Federal do Rio Grande do Norte
para sediar o Colóquio.
Como preparação e reforçamento das bases de pesquisa que se estavam estruturando
em algumas de nossas universidades, foram desencadeados encontros com algumas delas para
troca de ideias e experiências, com vistas a uma maior integração e compartilhamento dos
saberes. Assim, em 22 de dezembro de 2005, sob convite de um grupo de pesquisadores das
Universidades Federal e Estadual de Fortaleza, Ceará, foi realizada uma Jornada de estudos para
analisar e debater algumas questões inerentes à formação dos professores face aos fenômenos da
diversidade e das diferenças. Nesse encontro, nós compartilhamos com os colegas de Fortaleza
algumas experiências que vinham sendo conduzidas em nossa base de pesquisa relativas a esses
temas. Participaram da Jornada vários Professores e estudantes da Pós-Graduação, e, ao final da
Jornada, tivemos oportunidade de pronunciar palestra sobre A Educação para todos no contexto
da diversidade, das diferenças e da inclusão, suas implicações na formação de professores para
enfrentamento desses desafios.
Conforme havia sido, portanto, anunciado, nos dias 26, 27, 28 de Setembro de 2007,
aconteceu, em Natal, o IV Colóquio Nacional da AFIRSE-Secção Brasileira, patrocinado
pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, o Centro de Ciências Sociais Aplicadas, o
devido à burocratização, seja pela resistência às mudanças por parte dos atores, ou das instituições,
terminam ficando distanciadas do alvo, não chegando a gerar programas de ação que as efetivem.
A partir da Conferência sobre Novas Tecnologias de Informação, pronunciada pelo Dr.
Jorge Joaquim, docente da Universidade de Viseu, despertaram particular interesse os estudos
e experiências que ele vem realizando relativas ao papel que as tecnologias da informação e
comunicação (TICs) desempenham nas novas modalidades de ensino, e quanto essas tecnologias
vem transformando a utilização de novos recursos, lançando mão a novos procedimentos para
assegurar educação de qualidade a demandas reprimidas em diferentes níveis de ensino.
Talvez o assunto que se revelou de maior impacto na análise, aprofundamento e discussão,
foi a questão da mercantilização do ensino, galopante em nosso país, que se agudizou a partir
da globalização, regulação supranacional e políticas de ensino superior, a partir da realidade da
internacionalização e globalização dos sistemas de ensino. A exemplo do que se vem descortinando
no cenário dos países da Comunidade Europeia, os Cursos oferecidos no Ensino Superior, em
função da globalização das economias, vem orientando as formações para o atendimento
das necessidades do mercado e transformando os sistemas de ensino em “economias mundiais do
conhecimento” a serviço do mercado. É a chamada mercadorização da educação, ou “a indústria do
ensino superior”, cujos efeitos se fazem sentir, particularmente, numa gestão do ensino inspirada
nos modelos de gerenciamento privado, submetidos à lógica de interdependência e cooperação
que, embora pretenda perseguir boa performance de resultados, vem descambando para uma
massificação do ensino: é que face à burocratização das condições do trabalho da Universidade
Pública e de estruturações curriculares pouco flexíveis, ela não consegue nem impor-se como
referência, nem acompanhar e responder às necessidades de um mercado em rápida mudança.
Inerentes às Políticas educacionais e às Práticas Educativas também foram retomadas
algumas questões ligadas à Educação de Jovens e Adultos, trazendo reflexões e disposições da VI
Conferência Internacional da Educação de Adultos, que acabara de ser organizada pela UNESO,
com participação de 156 países diferentes, com um insistente convite de ser mais do que tempo
de se passar “da palavra à ação”.
Embora venha sendo olhada como uma questão menor dentro de nossas políticas de
educação, também foi retomada a questão que já havia sido trabalhada no Colóquio de Manaus,
da Educação de nossas Comunidades Indígenas. Na verdade, trata-se de uma Perspectiva
Intercultural, com base para um projeto de educação democrática de povos autóctones e
Sociedade Multicultural na América Latina. A questão é séria, é política, é moral e é educacional.
Até hoje, só se tem feito ou massificação, ou abandono, ou esquecimento. O Dr. José Marín, em sua
Conferência, nos alertou que a problemática dos direitos das comunidades indígenas à autonomia
e à gestão de seus territórios ancestrais, assim como os direitos à educação, à revalorização de sua
língua natural e o respeito às suas culturas impõe-se como uma exigência a ter legítimo espaço
nas políticas educativas. É uma herança histórica e uma riqueza cultural que, infelizmente, ainda é
olhada como uma questão menor. Viver juntos com nossas diferenças é um desafio que não pode
ser adiado, e a perspectiva intercultural, do ponto de vista educacional, nos põe em confronto
com a dimensão política que está na base dos programas educativos desenvolvidos junto a essas
comunidades.
Outro grande momento na história da AFIRSE-Secção Brasileira foi vivenciado no VI
Colóquio Nacional ocorrido entre os dias 7 e 10 de novembro de 2011, em Teresina, promovido
pela Universidade Federal do Piaui, em colaboração com a Universidade Federal do Amazonas,
a Universidade Federal do Rio Grande do Norte e a Universidade Federal da Paraiba, as três
instituições que, historicamente, têm sido o esteio de nossa Secção Brasileira da AFIRSE.
O interesse e a efetiva participação de pesquisadores vindos da Saint Quentin les Yvelines,
da Universidade de Caen e da Universidade de Paris 8, França, da Universidade de Lisboa, Porto
mutações que se refletem nas transformações por que passam nossas Universidades e Centros de
formação, e pelas transformações por que passa o mundo ocupacional, o que, necessariamente,
suscita sérios questionamentos no panorama acadêmico universitário. Até onde a pesquisa é capaz
de responder, em seus resultados, às mudanças na educação, para que esta possa responder, mais
adequadamente, às demandas da sociedade, onde a diversidade de expectativas e necessidades
espera encontrar respostas?
O grande questionamento que se levanta, por conseguinte, é se a natureza da ciência
construída em nossas universidades expressa uma efetiva validade social com respostas objetivas
às questões postas tanto no domínio da formação e das práticas pedagógicas, quanto no domínio
das expectativas da sociedade. Se se considerar, ainda, o locus geográfico onde o VII Colóquio
aconteceu, Mossoró, cidade interiorana do sertão nordestino, é natural que seja recordada a
tendência contemporânea para reconhecer o valor das diferentes perspectivas no estudo dos
problemas da educação: a abertura a diversas visões de mundo e, portanto, à complementaridade
da diversidade de paradigmas, naquilo que Huberman chama de uma epistemologia ecumênica da
investigação onde ganha um lugar especial a harmonização do homem com os processos ambientais,
caracterizada pela convergência de enfoques e de perspectivas na pesquisa.
Em 2015, nos dias 14, 15, 16 e 17 de setembro, a Universidade Federal do Rio Grande do
Norte voltou a sediar novo encontro dos Associados da AFIRSE, com a realização do VIII Colóquio
Nacional, ocorrido em Natal, uma realização compartilhada pelo Centro de Educação da UFRN,
Universidade Federal do Piauí e Universidade Federal do Amazonas. Como temática, trabalhou-se
sobre A Pesquisa e Produção do Conhecimento em Educação, com conferencistas e palestrantes
renomados, de várias instituições Universitárias do País, França, Inglaterra, Portugal. Mais uma
vez foram retomadas as implicações da construção do conhecimento, da natureza da ciência em
educação que vem sendo construída em nossas Instituições, com ênfase na trilha epistemológica
dos saberes implicados na pesquisa, no ensino, nas aprendizagens, evidenciados a partir da análise
crítica dos procedimentos de avaliação e validação do conhecimento e, sobretudo, dos resultados
da investigação suscetíveis de conferir, através deles, estatuto científico à educação.
Esta constitui, sem dúvida, um estatuto epistemológico específico e complexo. Pelo fato de
ter por objeto o estudo dos saberes inerentes à formação e às práticas do ensinar e do aprender,
saberes resultantes tanto da investigação como da análise das práticas, pesquisa e docência exigem
abordagens metodológicas sérias e adequadas, para fazerem jus à sua cientificidade.
Não é sem razão, portanto, que os trabalhos dos Colóquios envolveram, tanto nas
conferências e mesas redondas, e quanto nos ateliês, as mais diferentes metodologias e paradigmas
de pesquisa, com grande ênfase no paradigma interpretativo-fenomenológico, na pesquisa colaborativa e
na pesquisa crítica, que suscitou grande interesse por parte dos participantes do evento. A Mesa
Redonda sobre pesquisa crítica foi enriquecida com várias considerações do Dr. Patrik Boumard,
Presidente do Setor Internacional da AFIRSE, que propôs um novo repensar da complexidade do
mundo moderno diante da constatação da ineficácia dos dogmas neoliberais e dos repetidos
ensaios de sua desconstrução, sendo mais do que tempo de se relançar um debate capaz de dar
uma nova dimensão ao choque dos paradigmas, onde a exigência de pensar e repensar o mundo
se constituiria alternativa face ao fascínio de uma modernidade reduzida a uma pseudo mudança
que nada mais consegue produzir além de uma nova inculcação da norma. Seria ótimo, portanto,
na visão do atual Presidente Internacional da AFIRSE, que esta reviravolta paradigmática desperte
cada vez mais seguidores, seja repensada com atenção pelos pesquisadores de nossas instituições
universitárias e, institucionalmente, pela própria AFIRSE-Secção Brasileira, uma vez que somos
um país onde o projeto educativo, entendido como práxis, tem uma longa história.
Com vistas a um maior fortalecimento do partilhamento do saber entre nossas Bases e
grupos de Pesquisa, o VIII Colóquio de Natal foi agraciado com uma bela e rica Mesa Redonda
parte, continuaremos a alimentar a esperança de um futuro cada vez mais promissor para nossa
AFIRSE. Sabemos que os problemas continuam a ser muitos e maiores ainda as necessidades nos
domínios da investigação em educação. Que maior seja, então, nossa coragem e a determinação
destes muitos e jovens pesquisadores para enfrentar os novos desafios com propostas e com a
realização de projetos de ação capazes de acenar com respostas adequadas às maiores necessidades
educativas de hoje e do amanhã.
Que se aproveite momentos deste Colóquio para aclarar ideias, quem sabe, definir metas,
ou traçar rumos para uma revitalização da AFIRSE. Que ela se configure, pelo intercâmbio de
nossos pesquisadores em educação dos grupos e bases de pesquisa de nossas Universidades do
Norte, Nordeste, Centro, Sul, em uma autêntica Secção Brasileira. Foi para isso que ela foi criada.
E hoje, ao completar seus 20 anos de criação, que, em sua plena maturidade, aceite o desafio
de congregar, em torno de si, os melhores pesquisadores em educação de todo nosso País.
Tive o privilégio de ter participado, desde o começo, da criação da AFIRSE-Secção Brasileira.
Regozijei-me, com os demais Associados, de seu crescimento, Brasil afora, e da celebração de
seus 15 anos, numa bonita cerimônia realizada em 2012, no Auditório do Centro de Educação
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Também me sinto altamente honrado, hoje,
pelo privilégio de vos ter trazido à memória a bonita história das realizações da AFIRSE pelo vasto
universo francofone em diferentes países do mundo, e mais particularmente, pela graça que foi
concedida de vos ter dado a conhecer a saga das realizações da AFIRSE-Secção Brasileira ao longo
destes anos. Partilho, com todos vós, das alegrias da celebração dos 20 anos de nossa Associação,
neste Colóquio de Manaus, cujas atividades estamos hoje iniciando.
O sonho que há 20 anos nós sonhamos, ao longo dos anos transformou-se numa bela
realidade. François Jacob afirmou que “o ser humano tem tanta necessidade de sonho quanto de realidade”.
Que a realidade da AFIRSE, por nossas ações, se torne cada vez mais grandiosa e mais bela. Que a
plantinha, há 20 anos atrás plantada, continue crescendo e a produzir muitos frutos.
Viva a AFIRSE!
Notas
(*) – A AFIRSE-Secção Brasileira, em seu primeiro decênio de funcionamento, contou com 172
Associados, conforme consta nas FICHAS DE INSCRIÇÃO de Sócios. No ANUÁRIO DA AFIRSE-
Setor Internacional, organizado pelo Prof. Gaston Mialaret, que, em seu conteúdo, traz dados
sobre:
1) Estatutos da AFIRSE
2) Regimento Interno
3) Lista Nominal dos Associados, por Secções Nacionais
4) Ficha de Informações dos Associados
5) Minuta de Curriculum, com indicação de Produção Científica.
Na Secção Brasileira, entre 2005 e 2008 , constam apenas 127 Associados, assim distribuídos:
4, de Brasília; 4 do Piauí; 3 do Rio de Janeiro; 2 do Maranhão; 5 da Bahia; 2 do Pará; 4 do Paraná;
2 de Alagoas; 8 do Ceará; 4 do Rio Grande do Sul; 13 de São Paulo; 6 do Amazonas; 6 da Paraíba;
64 do Rio Grande do Norte.
Patrick Boumard
2
0 ans de Recherche, 20 ans d’internalisation de la Recherche : après le débat qui vient
d’avoir lieu concernant la section brésilienne de l’AFIRSE, essayons de resituer ces
réflexions dans la problématique générale de l’AFIRSE.
D’abord, cette petite remarque : il n’y a PAS d’ « AFIRSE internationale ». L’AFIRSE
EST international. José Pires n’a pas fait l’erreur. Ensuite, ne pas confondre international et
internationalisation. Internationalisation, c’est comme un phénomène irrésistible: le flot de
l’Amazone.
International, c’est dans le cas de l’AFIRSE, une volonté : la volonté de transformer la réalité
selon sa modalité la plus riche: la confrontation généralisée des expériences.
•Les fondations de l’AFIRSE : l’AIPELF (1958) . Gaston Mialaret, inspiré par PIAGET et
la Pédagogie Nouvelle venue de Suisse, développe une voie francophone de la pédagogie
scientifique, s’opposant au behaviorisme américain (Skinner). Déjà la dimension
internationale est posée, liée à la culture francophone. Suisse, Belgique, Canada. De
Lanscheere, De Ketele (qui est toujours membre de l’AFIRSE). « Pédagogie expérimentale »,
pour s'opposer à la pédagogie comme un art. Psychopédagogie, pour installer la pédagogie
dans un contexte scientifique.
Toute une réflexion sur l’essence et la définition des Sciences de l’Education. En particulier
Guy Avanzini. Proposition de classification en trois axes :
•les sciences qui étudient les conditions de l’institution scolaire : sociologie scolaire,
démographie scolaire, économie de l’éducation et éducation comparée
•les sciences qui portent sur la relation pédagogique et l’acte éducatif lui-même (étude des
conditions de l’acte éducatif, didactique, méthodes, évaluation)
•les sciences de la réflexion et de l’évolution (philosophie, histoire, planification et théorie
des modèles)
D’où la proposition d’une autre définition: les sciences de l’éducation sont l’ensemble des
disciplines qui envisagent les multiples aspects de la réalité de l’individu (physiques, biologiques,
psychologiques…) et aussi les conditions dans lesquels s’effectue le travail éducatif (civilisation,
idéologie, société…), et enfin les techniques instrumentales empruntées à ces disciplines et
appliquées à l’objet éducation.
Approfondissant encore la réflexion, Guy Avanzini va plus loin et propose d’organiser cette
classification « par référence à la structure de l’acte éducatif que celui-ci inclut et met en œuvre » .
La notion d’acte est donc fondamentale dans les sciences de l’éducation, et oblige à les situer
dans le cadre général de la recherche-action.
Finalement, après toute cette réflexion, Guy Avanzini propose de remplacer la classification
des sciences de l’éducation dans l’arborescence classique des sciences par une mise en ordre selon
les fonctions qu’elles remplissent « en les différenciant par référence au type de rapport de leurs
colloques charnières:
•L’apport des sciences fondamentales aux sciences de l’éducation (1973). Gaston Mialaret.
•Sciences anthropo-sociales et sciences de l’éducation (1983) Jacques Ardoino.
triple ambition:
•Les SE peuvent sortir de leur ghetto
•Etat des problématiques épistémologiques
•Etablir des communications avec les sciences anthroposociales
L’AFIRSE (1990). L’accent est mis sur deux éléments : la Recherche et la démarche scientifique.
Cette évolution est portée par Jacques ARDOINO et Guy BERGER. Centration sur l’épistémologie.
Les Sciences de l’Education prennent une place spécifique parmi les sciences anthropo-sociales, de
par la notion de complexité, inhérente à leur objet. Les sciences « mères » sont considérées comme
des « boîtes à outils » (Louis Marmoz).
Celui-ci avait publié en 1988 un ouvrage petit par la taille mais important dans l’histoire des
sciences de l’éducation : Les sciences de l’éducation en France : mythes et réalités.
Un des points forts du travail de Louis Marmoz est de montrer comment les sciences de
l’éducation ont dû (et continuent d’ailleurs actuellement) conquérir leur indépendance par rapport
à ce qu’il nomme les « sciences de départ ». En effet il démontre que les sciences appliquées à
l’éducation ne peuvent répondre à la spécificité du domaine qu’elles traitent : « ne correspondant
pas à la réalité sociale de l’éducation, elles ne peuvent être agies par ceux qui animent l’éducation »1.
Cela d’autant plus que vis-à-vis de la connaissance scientifique l’éducation n’est pas un concept
1 Id., ibid. p 77
unitaire, mais apparaît plutôt comme un champ parsemé d’objets éclatés. En insistant sur la notion
de pratique essentielle à la scientificité des sciences de l’éducation, Marmoz montre clairement
que les sciences appliquées ne sont pas pratiques, introduisant une distinction essentielle à la
construction d’une identité spécifique des sciences de l’éducation.
Christoph Wulf, professeur à la Freie Universität de Berlin, dans un livre publié en français
en 19952, remarque que « les sciences de l’éducation sont devenues, en Europe, dans les années
70 et 80, l’une des disciplines les plus développées des sciences humaines et sociales »3. Elles sont
traversées, évidemment, par les différents courants de pensée des sciences humaines et sociales,
et participent de plein droit maintenant aux controverses et débats paradigmatiques, tels que
théorisés par Kuhn en particulier. Christoph Wulf propose alors de synthétiser les perspectives
et de les appliquer aux pratiques éducatives, ce qui constituerait à son avis la spécificité des
sciences de l’éducation. Ce qu’il appelle le savoir pédagogique est alors un point de référence
pour une épistémologie des sciences de l’éducation. Il s’appuie en particulier sur la perspective
anthropologique et développe l’idée d’une « posture anthropologique » (il travaille actuellement
sur les rituels des jeunes) pour aborder le phénomène éducatif.
Christoph Wulf peut faire ces propositions parce que en Allemagne existe une longue tradition
de réflexion pédagogique et sur l’éducation, directement liée à la philosophie. La question de la
place et de la reconnaissance des sciences de l’éducation ne se pose donc pas en tant que telle.
Au contraire, nous avons constaté dans la réalité des rencontres de la SEEE que les sciences de
l’éducation prennent un sens différent d’un pays à l’autre, en rapport direct avec les situations
nationales. En Italie, la formule s’oppose à pédagogie, pour sortir d’un contexte normatif et
reconnaître l’autonomie de l’acteur ; en Espagne, la réflexion porte surtout sur l’organisation
scolaire et la production de savoir scientifique (une sorte de movida en éducation qui a du mal à
émerger, trente ans après Franco) ; en Angleterre, une grande place est donnée à la sociologie de
l’éducation, et la bataille sur les mots ne semble pas décisive.
Globalement, l’AFIRSE, contre le paradigme positiviste qui privilégie la notion d’objet, va
insister sur l’interdisciplinarité.
Le moment de l’élargissement.
Sous la présidence de Louis Marmoz (2006), l’accent est mis sur d’une part la visibilité
internationale et d’autre part la prise en compte de la spécificité des recherches nationales.
Spécificité : la parole est donnée aux différentes sections nationales. Beaucoup s’expriment
de manière autonome : Portugal, Mexique, Brésil, et plusieurs pays d’Afrique (RDC, Congo,
Cameroun...).
Visibilité : encouragement à la création de nouvelles sections. Nombreuses publications de
membres de l’AFIRSE dans la collection de Louis Marmoz chez l’éditeur L’Harmattan. Passage à la
Revue électronique, qui permet une plus grande souplesse dans les publications internationales.
2 Wulf C., Introduction aux sciences de l’éducation, entre théorie et pratiques, Paris, Armand Colin, 1995
3 Id. ibid., p 7
Deux problèmes :
Sections ou pas (minimum : 10 dans les statuts). Il y a une tension entre la réalité et l’affichage,
comme on l’a vu avec la création de la section brésilienne en 1997, comme l’a dit José Pires.
Quelles relations entre l’AFIRSE et ses sections ? De plus en plus, les sections deviennent des
associations de droit national, ne serait-ce que pour des raisons pratiques (financement, actions
publiques etc.). Louis Marmoz insistait beaucoup sur le fait que les sections nationales devaient
demeurer « sections de l’AFIRSE ». Maintenant, je pense qu’il faut reconnaître un type d’autonomie
aux sections nationales. Ce sera discuté au prochain Congrès (on espére qu’il se tiendra en 2019 à
Beyrouth, au Liban).
Quand nous avons fondé la SEEE, avec quelques collègues de différentes universités
européennes (Espagne, Italie, Grande-Bretagne, Portugal), nous pensions avoir des points de
vue communs, expérimentés dans de nombreux colloques internationaux où nous nous étions
rencontrés.
Nous avons constaté l’existence de différences nationales, alors même que nous fondions
la société sur nos similitudes (approche qualitative, critique du positivisme) par rapport aux
approches traditionnelles qui confondent souvent mesure et vérité.
Les termes même sont différents d’un pays à l’autre, ce qui a posé d’abord des problèmes de
traduction, mais ensuite et de façon plus intéressante, a produit un questionnement sur le sens des
mots et leur relation avec les pratiques sociales concrètes :
Les difficultés des Sciences de l’Education dans la révolution numérique et la montée des
neurosciences.
•L’AFIRSE n’a pas vu que la défense de l’épistémologie ne suffit plus à répondre à la demande
sociale en éducation. Les autres sciences anthroposociales ont confisqué le champ éducatif
et ont réduit son objet à celui de « science appliquée ».
•D’où le problème de la didactique, qui avait sa place à l’AFIRSE tant qu’elle était orientée par
le questionnement épistémologique. Mais à partir du moment où la référence sociale d’utilité
immédiate remplace l’exigence critique, les Sciences de l’Education perdent leur spécificité
et sont ringardisées ou réduites à une fonction instrumentale (techniques d’apprentissage).
•Troisième difficulté : l.e marché de la formation permanente n’est pas (n’est plus) occupé
par les SE. Au contraire des années 80 (Schwartz).
Conclusion
Investir les nouveaux les nouveaux objets du champ éducatif, mais avec les éléments spécifiques
de l’AFIRSE, et particulièrement l’international. Non pas subir l’internationalisation de la
mondialisation néo-libérale, mais utiliser la dimension internationale qui est la marque de fabrique
de l’AFIRSE.
Développer, dans cette perspective, la production internationale de nos analyses en insistant sur
les interactions qui produisent le sens du réel, en s’appuyant sur la diversité culturelle que l’AFIRSE
a revendiquée depuis longtemps dans le monde scientifique.
Sur les innovations pédagogiques par exemple, développer les échanges et rapports critiques à
partir des rercherches et expériences des sections nationales.
Appel à communications dans la Revue.
Enfin, développer la dimension POLITIQUE de l’éducation, contre l’hégémonie de la pensée unique
actuelle : TINA (there is no alternative).
L’alternative, c’est l’éducation dans sa multiplicité et sa diversité internationale, à condition qu’elle
soit « protégée » par la dimension de Recherche scientifique, telle que portée par l’AFIRSE.
Pour résumer l’ensemble de la problématique, je dirais comme José Pires dans sa conférence
introductive : VIVE L’AFIRSE !
INTRODUÇÃO
N
a década de 1950, mais precisamente em 11 de dezembro de 1954, foi criada a
primeira Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), do Brasil, no Rio
de Janeiro (RJ), que veio para atender a necessidade da educação especial pública
no país. Isso ocorreu não como parte de políticas governamentais, mas por famílias empenhadas
em garantir a inclusão dos seus filhos na sociedade, com garantia de direitos igualitários como
qualquer cidadão (GAIO; MENEGHETTI, 2004).
A pesquisa na história da educação sobre as instituições educacionais para as crianças com
deficiência é um desafio frente à realidade Amazônica quanto à dificuldade de se encontrar fontes
de pesquisas organizadas que possam subsidiar a narrativa histórica. Em Manaus, a Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE se constitui em uma instituição que atende desde a
década de 1970 crianças com diversas deficiências. Com o objetivo de socializar os resultados de
pesquisa de iniciação científica (em andamento), este artigo apresenta aspectos da história da
APAE, fundamentado na história social e cultural.
Nesse sentido, as investigações sobre a fundação da APAE-Manaus requerem os seguintes
questionamentos: como disseminou a ideia de uma APAE em Manaus? Quem foram os primeiros
dirigentes dessa associação? Qual o primeiro endereço da sede em Manaus? Como eram suas
instalações físicas? Quantas pessoas atendiam nos primeiros anos? Quem eram essas pessoas?
Quais as suas idades? Eram crianças, jovens, adultos? Quais os serviços eram prestados aos
excepcionais? Havia alguma organização ou especialidade em relação ao atendimento geracional?
Ou ainda à infância? Como foi o apoio dos profissionais para a continuidade dessa fundação da
APAE- Manaus? Em que contexto social e político as APAEs, inclusive de Manaus, foram criadas?
Esses questionamentos são amplos para responderem as inquietações a respeito dessa
proposta de pesquisa que tem como objetivo a investigação sobre a criação da APAE – Manaus,
pelos grupos sociais, e as repercussões dessa instituição no atendimento do deficiente, e para
a sociedade em geral. O período de investigação foi de 1970 a 1980, onde se encontrou alguns
subsídios explicativos para a criação, implantação e permanência de uma determinada instituição
educacional na cidade de Manaus.
Os objetivos gerais propostos para essa investigação foram:
o Investigar sobre a história da APAE em Manaus, no período de 1970 a 1980.
METODOLOGIA
RESULTADOS
No Brasil, o campo da pesquisa histórica nem sempre foi marcado pela história social e
cultural. As primeiras narrativas serviram para elogiar pessoas públicas, de cunho político, com
uma tendência de quem estava no poder. As narrativas poderiam versar defendendo o Império ou
a República brasileira, por meio de fatos e enaltecimento das personagens, em que a história era
produzida como uma invenção (VIDAL; FARIA FILHO, 2003; HOBSBAWM, 2002).
A abertura a novos olhares ainda está em permanentes modificações no Brasil e encontramos
narrações que podem ainda se caracterizar por estudos mais positivistas ou ainda marxistas e
socioculturais. Contudo foi a partir da década de 1980, por meio das associações e interlocuções
entre instituições de pesquisa e profissionais que houve a abertura para as pesquisas que
ultrapassassem a ótica positivista (VIDAL; FARIA FILHO, 2003).
A postura do pesquisador social e cultural envolve novos olhares acerca das categorias do
tempo e do lugar, com as problematizações no presente. O historiador tem que ter a consciência
que ele ao elaborar as narrativas artificializa a natureza, criando um corpo que é subjetivo, social
e político (DE CERTEAU, 1982).
Com a abertura sobre olhar investigativo, as fontes também se expandem e se tornam
documento/monumento (LE GOFF, 2003). Isso significa não apenas a ampliação, mas a sua
pseudoneutralidade. Ao pesquisador cabe a problematização das fontes e sua contextualização.
A pesquisa em história tem uma lógica característica, sendo esta adequada ao material do
pesquisador, flexível às constantes mudanças dos fenômenos, a novos fatos e inquietações, para
que não se perca nada dos eventos históricos. A lógica histórica não pode ser enquadrada nos
critérios lógicos de pesquisa cientifica de outras áreas, como a física, já que não permite repetir
experimentos, mesmo que alguns fatos históricos se pareçam, jamais são iguais. Essa lógica
histórica tem como objetivo: “reconstruir, explicar e compreender seu objeto: a história real”
(THOMPSON, 1981, p. 58).
De Certeau (1982) nos traz o valor/reconhecimento de uma obra histórica que se dá por
meio do quanto ela significou para o progresso em relação ao estado atual dos estudos em seu
meio, e no quanto ela torna possível novas inquietações e, consequentemente, novas pesquisas.
A existência de um arquivo já organizado é uma realidade difícil de ser encontrada.
Normalmente, os documentos estão dispersos por vários locais, em uma condição de conservação
muito ruim, o que é um desafio para o historiador, atuar na construção de um arquivo. É a fase
que determina o sucesso da historiografia sobre pesquisa acerca de uma instituição educacional.
Balanceando entre os arquivos e as memórias é que o historiador consegue informações necessárias
para construção de sua narrativa, dessa dialética que se desenvolve a história das instituições
educativas (MAGALHÃES, 2004).
As formas mais comuns de encontrar memória de uma instituição educacional são por
meio de registros escritos e de vivências, incluindo a biografia dos sujeitos que nela atuaram,
como diretores, alunos e outros agentes. As informações conforme são obtidas vão se cruzando e
seguindo uma linha, mostrando a história de tal instituição, seu percurso. “Não há histórias sem
sentido [...] é preciso considerar os acontecimentos, ligá-los, descobrir os nexos, mesmo os menos
visíveis” (MAGALHÃES, 2004, p.169).
Construir uma narrativa sobre a história de uma instituição é procurar analisar seu contexto,
entender as necessidades sociais para sua criação, sua regulação e funcionamento, o papel dos
sujeitos que a projetaram e que trabalharam para seu funcionamento, o que ela significou sócio
culturalmente, em cunho individual, grupal e social. É também perceber que toda sua construção
e objetivos são inseparáveis das circunstâncias da história (SAVIANI, 2005). “Toda pesquisa
historiográfica se articula com um lugar de produção socioeconômico, político e cultural” (DE
CERTEAU, 1982, p. 66).
As instituições são criadas pelo homem a fim de atender as suas necessidades, embora nem
toda necessidade humana exija a criação de uma instituição para atendê-la. As instituições são
constituídas ao longo do tempo, não bastam ser criadas, tem que haver nelas a ação para cumprir
seu propósito de criação. Portanto, seus agentes são fundamentais para tal finalidade, sendo um
compromisso com a sociedade a qual pertencem. Nesse sentido, pode-se afirmar que a criação
de uma instituição vem da necessidade da sociedade e de um interesse social e político de uma
determinada época histórica (SAVIANI, 2005).
A Educação Especial no Brasil tem como principais marcos históricos duas instituições
no Rio de Janeiro, o Imperial Instituto dos Meninos Cegos (1854), com a direção de Benjamin
Constant, e o Instituto dos Surdos-Mudos (1857) sob direção do francês Edouard Huet, ambos
no período imperial, final do século XIX (JANNUZZI, 1992, 2004; MAZZOTTA, 2001).
A preocupação com o deficiente mental se deu pela busca da eficácia dos processos de
ensino. Após a Segunda Guerra Mundial houve aumento da população atendida pela rede pública,
paralelamente ao aumento e aplicação de dinheiro público nas instituições privadas.
Em 1954 houve a criação da APAE – Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais, no Rio
de Janeiro, que veio para atender a necessidade da Educação Especial pública no país (GAIO;
MENEGHETTI, 2004; MENDES, 2010; ROGALSKI, 2010). Foi fundada tendo como parâmetro a
National Association for Retarded Children dos Estados Unidos da América, que era uma organização
de assistência as crianças ditas excepcionais (ROGALSKI, 2010).
Tal criação foi ocasionada pela chegada ao Brasil de Beatrice Bemis (mãe de uma menina
com Síndrome de Down), vinda dos Estados Unidos e membro do corpo diplomático norte-
americano: “No seu país, já havia participado da fundação de mais de duzentas e cinquenta
associações de pais e amigos; e admirava-se por não existir no Brasil” (APAE, 2014, p. 9).
Desta forma, um grupo motivado por Beatrice Bemis, formado por pais, amigos, médicos,
professores e até outros profissionais interessados na questão do excepcional no Brasil, fundou
a primeira APAE no Brasil, no Rio de Janeiro, em 11 de dezembro de 1954. Em seguida foram
fundadas as APAEs em Brusque, Santa Catarina (14/09/1955) e Volta Redonda, Rio de Janeiro
(09/04/1956) que se constituíram nas três primeiras no Brasil.
1973, destinada às crianças com deficiência mental e com múltiplas deficiências (APAE, 2002;
MARQUES, 2011).
Em campo, a pesquisa foi realizada de dezembro de 2016 a maio de 2017, primeiramente
na forma de uma visita exploratória à APAE – Manaus no dia 16 de dezembro, localizada na
Avenida Perimetral, S/Nº - Conjunto Castelo Branco, no bairro Parque Dez de Novembro, CEP:
69.055-040. A segunda visita ocorreu no dia 02 de janeiro/2017, com a finalidade de falar com a
coordenação, onde nos informaram que a Instituição estava em recesso e só voltaria às atividades
no dia 8 de fevereiro.
A terceira visita à APAE aconteceu no dia 07 de março/ 2017, quando foi entregue o projeto
de pesquisa, a Carta de Apresentação e de solicitação de Pesquisa à coordenadora da APAE.
A coordenadora foi receptiva e perguntou o porquê da escolha da instituição para a pesquisa,
foi respondido que por não ter encontrado arquivos sobre a história da APAE – Manaus. Ela
confirmou que pensa que estes não existam e reconheceu a importância da pesquisa, salientando
que o resultado teria que ser socializado para a Instituição.
A coordenadora convidou para a participação de alguma semana na rotina da instituição
e chamou uma das professoras mais antigas da APAE que também foi bastante receptiva e
interessada na pesquisa. Marcamos no dia 09 de março a quarta visita, as 13h, para conversarmos
com uma das profissionais mais antigas da Instituição.
Na quarta visita para pesquisa de campo foi disponibilizado o histórico da APAE - Manaus,
que está registrado no Regimento Escolar Ilza Garcia de 2002. Nele consta:
A associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE DE MANAUS é uma sociedade civil,
filantrópica, de caráter cultural, assistencial e educacional, sem fins lucrativos, que tem
entre outras, a finalidade de promover medidas de âmbito municipal que visem assegurar o
ajustamento e o bem-estar dos portadores de necessidades especiais [...] tem como objetivo
proporcionar condição ao desenvolvimento físico, intelectual, social, moral e emocional ao
portador de necessidades especiais tornando-o mais independente e capaz de exercer seus
direitos de cidadania. Nosso alunado é formado por pessoas de deficiência mental e física e
também múltiplas deficiências (p. 1-2, 2002).
Ainda neste documento está a biografia da Patrona da Escola, a Sra. Ilza Oliveira Garcia de
Vasconcelos. Neste primeiro trecho encontram-se dados pessoais e de formação acadêmica:
Nasceu na cidade de Manaus, Estado do Amazonas, em 08 de junho de 1921, filha de Alvaro Leite
de Oliveira e Maria Guimarães de Oliveira. Durante sua vida acadêmica estudou nas seguintes
escolas: Grupo Escolar Cônego Azevedo, (curso primário) Colégio Nossa Senhora Auxiliadora,
(curso secundário e comercial incluindo estenografia e taquigrafia). Escola Remington de
Manaus, (datilografia) Instituto Cultural Brasil Estados Unidos ICBEU, (Ingles). No dia 30 de
dezembro de 1948 casou-se com Agobar Garcia de Vasconcelos, passando a chamar-se de Ilza
Garcia de Vaconcelos, deste casamento teve apenas uma filha, Gina Maria Oliveira Garcia de
Vasconcelos. (p. 2-3, 2002).
A seguir, segundo trecho sobre a Biografia de Ilza Garcia, constam informações sobre a sua
atuação em diversas instituições, incluindo os 16 (dezesseis) anos como Presidente da Associação
de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE de Manaus.
Ocupou vários cargos como: Secretária Executiva e Chefe de Pessoal, da Empresa Companhia
Industrial de Produtos Alimentares – Nestle, Presidente da Associação das Ex-alunas Salesianas
do Colégio Nossa Senhora Auxiliadora, Presidente Inspetorial da Inspetoria “Laura Vicuña”,
Presidente da Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais APAE de Manaus, Vice-presidente
da Federação Nacional das APAEs como sede em Brasilia, por 10 (dez) anos, Diretora da
Associação Comercial do Amazonas e Vice – Presidente para Assuntos Sociais, durante cinco
anos, Presidente do Conselho Permanente da Mulher Executiva por (02) dois anos, Presidente da
Casa da Amizade do Rotary Clube de Manaus, por dois anos. [...] Fazendo trabalho relevante em
todos eles, tanto que recebeu troféus (p. 3-4, 2002).
Ainda na quarta visita foi realizada uma conversa com uma das professoras mais antigas da
APAE que trabalha na Instituição desde outubro de 1982. Ela iniciou sua carreira na instituição
sendo Auxiliar de fisioterapia, pois possui vários cursos, entre eles, de massagista, fisioterapia,
cursos de educação especial e relações humanas. Atualmente ela trabalha como coordenadora de
alimentação. A professora informou que o primeiro endereço da APAE foi no Centro de Manaus,
onde hoje se localiza os Correios, próximo à Praça da Saudade, mas como o local era pequeno, o
governador da época Paulo Nery cedeu o terreno no atual endereço da APAE, no Parque 10.
Quando o prédio foi construído, no bairro do Parque 10, tinha apenas 3 pavilhões, 2 com
térreo e primeiro andar e um só com térreo. Não havia refeitório, a cozinha funcionava em uma
sala e os alimentos eram servidos nas salas de aula. Na época, eram atendidas cerca de 300 pessoas
(atualmente, conforme a coordenadora da APAE, a Instituição atende em torno de 4000 pessoas
por mês.). A ampliação ocorreu no governo de Fernando Collor (1990-1992), porém a professora
informou que a APAE já tinha na década de 1980 apoio médico de neurologista, oftalmologista,
fonoaudiólogo, psicológico, fisioterapêutico, de assistente social e também pedagógico. Para
ela o principal serviço prestado era o médico e em segundo lugar o educacional. Sendo assim,
reconhece que o apoio dos profissionais foi primordial para a APAE – Manaus, do seu início até
os dias atuais.
Um dos documentos que se teve acesso foi a Escritura de doação condicionada do terreno no
bairro Parque Dez de Novembro em Manaus. A Escritura de doação condicionada foi formalizada
pelo Tabelião do 3º Ofício de Notas de Manaus/Am (Livro 2176, Fls 46). A doação foi feita pelo
Estado do Amazonas por meio da Sociedade de Habitação do Estado do Amazonas – SHAM
em favor da Associação dos Pais e Amigos dos Excepcionais de Manaus - APAE. A SHAM esteve
representada pelo seu superintendente Homero de Oliveira Martins e contador Thamar Nogueira
Roland. Pela APAE, a sua presidente Ilza Oliveira Garcia de Vasconcelos e testemunharam o Ato
Mary Brigida Ribeiro e Leia Masulo. O lote de terras no bairro Parque Dez de Novembro limitava-
se ao Norte com a rua 17, com 160 metros. Ao Sul, com a Avenida Perimetral por 15 metros. A
Leste, 200 metros e a Oeste, 269 metros, totalizando 18.500m2. Apesar de o documento constar
que o terreno encontrava-se em linha reta, verificou-se na pesquisa de campo que se trata de uma
estrutura quase que triangular, em declive.
As principais condições da doação foram: 1. A construção de um prédio de alvenaria no
prazo de 3 anos da data da Escritura, caso contrário o Ato seria desfeito; 2. A proibição de doação,
transferência, de realização de hipoteca, exceto se permitido pelo doador. Com isso, as condições
da realização de uma construção para a APAE – Manaus foram satisfeitas e até hoje a Instituição
ocupa o terreno do bairro do Parque Dez.
CONCLUSÃO
O olhar para criança, jovem ou adulto deficiente é marcado por uma trajetória histórica de
preconceitos, rejeição, discriminação. Sempre foi necessário, na história do país, políticas públicas
que garantissem o direito a essas pessoas de viverem dignamente em sociedade. Talvez pela falta
de políticas governamentais, na década de 1950, a APAE chegou ao Brasil e ganhou repercussão
pela organização dos pais, amigos e comunidade para inclusão social da pessoa com deficiência,
ou ainda, na afirmação de Saviani: “Para satisfazer necessidades humanas as instituições são
criadas como unidades de ação” (2005, p. 28). São constituídas por meio de um sistema de
práticas com seus colaboradores com os meios e formas decididas por eles de como agirem tendo
em vista as suas finalidades.
A tessitura das informações até o momento coletadas na pesquisa nos fazem relatar que
o contexto da década de 1970 de criação da APAE – Manaus foi o momento da ideia do Brasil
desenvolvimentista, por meio do regime militar, em que se pensava em uma formação da pessoa
deficiente para ser útil ao país. Contudo, antes dessa época de criação, o Brasil já tinha a APAE
desde a década de 1950.
Os arquivos históricos da Instituição não se encontram organizados e a busca de documentos
primários requer maturidade da pesquisadora nas relações com os sujeitos que fizeram e fazem
parte da história da APAE – Manaus. Conseguiu-se o Regimento Escolar e a Escritura de doação
condicionada do terreno da APAE no bairro Parque Dez de Novembro.
O regimento escolar da Instituição (2002) revelou que a visão utilitarista de formação para o
trabalho defendida na década de 70 foi redimensionada em prol da formação para a independência
e capacidade do deficiente em exercer os seus direitos de cidadão na sociedade, tendo como
importante o seu desenvolvimento físico, intelectual, social, moral e emocional. Constatou-se que
a APAE tem autorização de funcionamento pelo Conselho Estadual de Educação do Amazonas
desde 1994, e que a mesma sobrevive diante dos convênios existentes.
Outro documento importante que se conseguiu foi a Escritura de doação do terreno do
Parque Dez para a APAE de 11/05/1977. As informações preliminares obtidas acerca da doação
em que o governador na época fora Paulo Pinto Nery não se confirmaram, pois o mesmo teve
o seu mandato entre 1982-1983. Na época da doação, era governador do Amazonas o coronel
João Walter de Andrade (1971-1975), escolhido pelo presidente Emílio Garrastazu Médici. Talvez
o nome de Paulo Nery esteja presente na memória da professora pelo fato de o mesmo ter sido
prefeito de Manaus no mandato de 1965 a 1972 e vice-governador no período de 1979-1982,
apesar da escritura de doação tenha sido feita em 11/05/1977. Ainda, na pesquisa, isso pode
levantar indícios da participação de Paulo Nery em defesa da APAE – Manaus.
A Srª Ilza Oliveira Garcia de Vasconcelos como presidente da APAE – Manaus por 16
(dezesseis) anos e 10 (dez) anos Vice-presidente da Federação Nacional das APAEs, em Brasília,
aparece tanto no Regimento da escola da APAE, escola esta que leva o seu nome, quanto na
Escritura de doação do terreno como representante legal da Instituição.
Percebe-se que foi uma personalidade importante, pela quantidade de Instituições que foi
Presidente, e pelo tempo que se dedicou a APAE, tanto em nível regional, na APAE – Manaus,
como em nível nacional. Além disso, está registrado que ela desempenhou trabalho relevante
pelas instituições que passou, o que lhe gerou troféus.
Esta pesquisa de iniciação científica sobre a APAE – Manaus ainda se encontra em
desenvolvimento, direcionada para novos caminhos para o ano de 2017-2018 e espera-se encontrar
novas evidências na história da educação da APAE em Manaus, espaços ainda não contados pela
história oficial.
Nesse sentido, outros espaços serão investigados, pois já se verifica a necessidade de
ampliação das fontes e da “garimpagem” dos documentos sobre a Instituição, entrelaçada com as
relações dos sujeitos históricos ainda presentes em Manaus. Após essa etapa, as informações serão
organizadas, interpretadas e analisadas, onde uma narrativa será produzida para a elaboração de
um relatório final.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
E
ste artigo é parte do resultado do projeto de pesquisa “História da Educação Infantil
no Amazonas”, coordenado por esta autora, dentro da Universidade Federal do
Amazonas, sob o nº PP-SA/0002/2015. A pesquisa ocorreu nos anos de 2015 a 2017
e fundamentou-se na história social e cultural. A mesma teve início por meio do levantamento de
fontes, no período de doutoramento dessa autora, e verificou-se a existência de uma instituição
infantil denominada como Creche “Alice de Salles”, no final dos anos de 1920 em Manaus/Am.
A creche apareceu citada na Mensagem do Presidente do Amazonas Ephigenio Ferreira de
Salles, de 14 de julho de 1929, destinada aos filhos de hansenianos, localizada na antiga chácara
Affonso de Carvalho, no bairro da Cachoeirinha, sob os cuidados da diretora Maria de Miranda
Leão. Essa informação não compôs a tese que se concentrou nos jardins de infância amazonenses
(1897-1933). No entanto, houve alguns questionamentos que nortearam essa investigação: o
que instituição foi a creche “Alice de Salles”? Como se organizava? Quem eram os seus sujeitos?
Que concepções e ideias circulavam para a sua criação? O que representou para uma política de
educação infantil no Amazonas? Quais as relações nacionais dessa instituição infantil? Qual o
período de sua existência e/ou modificações nos anos de 1930?
Tendo como referência os problemas que norteiam o campo de investigação na história da
educação, essa reflexão sobre as instituições infantis no Amazonas, dentro da história da educação,
teve a preocupação de ampliar os estudos além dos centros de referência nacionais (sudeste e sul),
considerando-a não como uma particularidade exótica, mas dentro de uma compreensão em que
a história do Amazonas é, ainda, Amazônica e constitutiva do processo histórico.
A história da infância não pode ser considerada uma história “menor”. Kuhlmann Jr. (2007)
esclarece que as diversas concepções de infância construídas socialmente, assim como as formas
de educação escolarizadas repercutem estratégias de poder, “modeladoras”, advindas do modelo
europeu (creches, escolas maternais e jardins-de-infância), na passagem do século XIX para o XX,
e que no Brasil (no início do século XX) houve um “deslocamento da influência europeia para os
EUA” (p. 8).
A Creche, enquanto instituição, dentro das políticas governamentais, foi criada após
os jardins de infância, apesar do atendimento destinado às crianças com idade mais tenra
(KUHLMANN Jr., 2000). No Amazonas, do primeiro jardim de infância público, em 1897, no
Instituto Benjamin Constant, à creche “Alice de Salles”, houve um espaço temporal de 32 anos, o
que pode representar políticas diferenciadas para a criança por meio das instituições educacionais
(MIKI, 2014).
Nesse sentido, a pesquisa teve os seguintes objetivos:
Objetivo Geral:
•Investigar sobre a história da infância e sua escolarização no estado do Amazonas,
focalizando a creche “Alice de Salles”, no período de 1929 a 1940.
Objetivos Específicos:
•Caracterizar a creche “Alice de Salles” como uma das instituições para a infância
amazonense, tendo como referência a sua organização, funcionamento, instalações físicas
e os seus sujeitos.
•Verificar os encaminhamentos de políticas públicas para a creche “Alice de Salles”, no
período de 1929 a 1940.
FUNDAMENTOS INVESTIGATIVOS
ampliação, mas a sua pseudoneutralidade, pois a sua permanência no tempo/espaço dependem das
lutas entre os grupos que as produziram e as defenderam. Ao pesquisador cabe a problematização
das fontes e sua contextualização.
A pesquisa em história tem uma lógica característica, é antes de tudo uma pesquisa
prática. Os fundamentos teóricos subsidiam os caminhos metodológicos do pesquisador, mas
somente diante da busca e do confronto entre as fontes históricas, assim como a sua seleção,
problematização, análise e produção das narrativas é que a prática histórica se estabelece. Assim,
tudo pode ser revisitado pois encontra-se em movimento em que o se adequa entanto material do
pesquisador, flexível às constantes mudanças dos fenômenos, a novos fatos e inquietações, para
que não se perca nada dos eventos históricos (DE CERTAU, 1982; THOMPSON, 1981). Por esse
motivo, a lógica histórica não pode ser enquadrada nos critérios lógicos de pesquisa cientifica
de outras áreas, como a física, já que não permite repetir experimentos, mesmo que alguns fatos
históricos se pareçam, jamais serão iguais. Essa lógica histórica tem como objetivo: “reconstruir,
explicar e compreender seu objeto: a história real” (THOMPSON, 1981, p. 58).
A IDEIA DE CRECHE
A criação da ideia de creche surgiu na Europa, no fim do século XVIII e início do século XIX.
Tinha como objetivo guardar as crianças (0 a 3 anos) durante a jornada de trabalho das famílias;
nasce, portanto, de uma necessidade ao sistema capitalista de produção e da urbanização
(SANCHES, 2004). Desta forma, sua origem na sociedade ocidental, baseou-se na relação: mulher,
trabalho e criança (PASCHOAL; MACHADO, 2009).
No Brasil, o primeiro registro sobre a existência de creches foi em 1879, no Rio de Janeiro,
em um jornal chamado A mãi de Família, era um jornal destinado às mães burguesas e às senhoras
fluminenses, seu principal redator era o Dr. Carlos Costa, um médico da época especialista em
moléstias infantis. Um artigo nesse jornal intitulado “A Creche (asilo para a primeira infância)”,
escrito por Dr. K. Vinelli, também médico, relatou que a criação da creche popular no Brasil teve o
objetivo diferente das creches implantadas na França e nos países Europeus, que eram destinadas
ao cuidado e proteção da criança para as mães trabalharem fora de seu domicilio (MENDES,
2005; KUHLMANN Jr., 2010; VASCONCELLOS, 2011).
Outro indício refere-se à criação das creches no Brasil para o acolhimento dos filhos das
domésticas, talvez pelo fato delas virem de origem escrava, o que poderia relacionar a popularização
de uma instituição com a condição de classe da mulher negra. Ainda no artigo A mãi de Família
é destacada a Lei do Ventre Livre, que determinava a liberdade aos filhos nascidos das escravas.
Tal condição no império é expressada no artigo 2º, da Lei do Ventre Livre: “O govêrno poderá
entregar a associações, por êle autorizadas, os filhos das escravas, nascidos desde a data desta lei,
que sejam cedidos ou abandonados pelos senhores delas, ou tirados do poder dêstes em virtude
do Art. 1.º- § 6º.” (LEI nº 2040 de 28.09.1871). Com isso, houve a necessidade da criação da
creche cuidar e educar dos filhos das mulheres escravas (MENDES, 2005; KUHLMANN Jr., 2010;
VASCONCELLOS, 2011).
No período republicano as instituições criadas como creches, asilos e internatos, com
objetivo de diminuir o índice de mortalidade infantil e assegurar o cuidado das crianças pobres,
teve a participação das casas de Misericórdia e de organizações filantrópicas e religiosas que
realizavam o amparo a criança pobre com o apoio do Estado. (MENDES, 2005; PASCHOAL;
MACHADO, 2009).
No Brasil, a creche surgiu no final do século XIX para acompanhar o processo de
industrialização e urbanização do país (SANCHES, 2004). O início do século XX foi marcado por
transformações econômicas, políticas e sociais no país (DUARTE, 2012). A origem da creche,
Nos espaços da creche “Alice de Salles” havia uma capela onde a Igreja Católica celebrava
missas frequentemente aos Domingos, às seis horas da manhã. O anúncio no Jornal do Commercio
era impresso em sua primeira ou segunda folha, e teve início em 15/05/1932 a 14/07/1935, onde
se encontrou o último registro do anúncio de missa. A missa na creche era anunciada em conjunto
com outras missas em igrejas e instituições da cidade. Na catedral de Manaus ocorriam às cinco,
sete e dez horas; na Igreja Nossa Senhora dos Remédios, às cinco e oito horas; na Igreja São
Sebastião, às cinco, sete e nove horas, na capela Portuguesa Beneficente e na Santa Casa de
Misericórdia, às cinco e quinze horas; nas capelas de Santa Terezinha do Menino Jesus, da Casa
Dr. Fajardo e da Creche “Alice de Salles”, às seis horas; na capela do Colégio dos Salesianos, às seis
e sete horas; nas capelas dos Colégios Santa Doroteia e Maria Auxiliadora, às seis e meia; em São
Raimundo, às oito horas; na Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, na Villa Municipal, às sete horas.
Após o primeiro anúncio em 15/05/1932, os mesmos ocorreram em todos os Domingos do mês
de julho (03, 10, 17, 24 e 31), e de agosto até dezembro, uma vez ao mês (07/08, 11/09, 02/10,
06/11 e 18/12). Depois voltaram a serem anunciadas no ano de 1933, uma vez ao mês, nas datas
de 12/03, 23/04, 07/05, 14/05 e 21/05/1933. No decorrer desse período não houve mais anúncio
de missas aos Domingos, com exceção de 14/07/1935, onde podemos considerar que foi o último
anúncio de missa na Creche “Alice de Salles”.
A partir de 24/07/1932, sempre abaixo do anúncio das missas, outro era impresso no Jornal
do Commercio, correspondendo a permissão de visitas das seguintes instituições: hospitais da
Santa Casa de Misericórdia e Portuguesa Beneficente; Asilo de Mendicidade; Instituto Benjamin
Constant; Casa de Detenção; Colégio Santa Doroteia; Colônia dos Alienados Eduardo Ribeiro
e Casa Doutor Fajardo. A Creche “Alice de Salles” não constava no anúncio, o que pode ser um
indício da segregação existente e que se constituiu como prática de uma cultura institucional
(escolar) em que os filhos dos pais hansenianos não poderiam receber visitas de seus progenitores
e/ou familiares.
Durante ás horas regulamentares é franca a visita aos hospitais da Santa Casa de Misericordia
e Portugueza Beneficente; ao Asylo de Mendicidade, Instituto Benjamin Constant, Casa de
Detenção, Collegio Santa Dorothéa, Colonia de Allienados Eduardo Ribeiro e Casa Doutor
Fajardo. (JORNAL DO COMMERCIO, 24/07/1932 – 14/07/1935).
No dia de Sábado, de 23 de março de 1940, foi publicada uma matéria, na primeira página,
no Jornal do Commercio, intitulada: “Obra Grandiosa do juiz de menores”. Foi uma extensa matéria
iniciada na segunda coluna e terminada na terceira coluna do jornal. Nela constou a destinação
do prédio da creche “Alice de Salles” à escola premonitória.
Tratou-se de uma ação, [...] em pról do reajustamento social das creanças abandonadas, ou
daquelas cujos responsáveis não estão á altura de ministrar-lhes educação capaz de as transformar
em elementos uteis á família e á sociedade, avulta, pela amplidão de suas finalidades, e da
instalação da escola premunitoria, que dentro em breve será levada a efeito no antigo prédio da
creche Alice Salles (JORNAL DO COMMERCIO, 23/03/1940, p.1).
A matéria defende a ação regulatória do estado sobre a família para cuidar da infância e
da juventude pobre e, consequentemente, do futuro da nação, principalmente nas questões de
patrimônio, cultura e moral, no sentido de retirar as crianças “de casas suspeitas” e de prostíbulos
(JORNAL DO COMMERCIO, 23/03/1940). O prédio estava com as reformas em conclusão, mas
foi considerado apropriado para abrigar a escola premonitória para meninas deixadas à sorte.
A descrição do prédio na matéria do jornal, por mais que a creche não estivesse mais no
local, permitiu que se fizesse uma descrição do espaço da creche, pois o mesmo foi considerado
adaptado para a escola premonitória.
O local foi avaliado como excelente para a escola premonitória pois representava um
exemplo para o bairro da Cachoeirinha, considerado pobre e populoso. As informações coletadas
no Jornal do Commercio não trouxeram com precisão o que ocorreu com a creche “Alice de Salles”
e suas crianças, mas verificou-se que a última missa anunciada para a creche ocorreu em 1935
e em 1940 o prédio da escola fora destinado à escola premonitória para as meninas pobres e
desprovidas da sorte.
CONCLUSÃO
A existência da Creche “Alice de Salles” destinada aos filhos de hansenianos marcou a história
da educação infantil no Amazonas, acompanhando as políticas nacionalistas de profilaxia na
nação brasileira. Essa instituição médico-sanitarista foi criada pelo governo do Amazonas, com a
finalidade de separar os filhos sadios de seus pais com o mal de hansen, e teve projeção nacional
na forma do estado em cuidar da criança amazonense.
As informações no Jornal do Commercio (1928-1940) trouxeram algumas características da
Creche “Alice de Salles” que podem ser consideradas como práticas da instituição no tratamento
destinado às crianças pobres, com os pais hansenianos, e que correspondem em ações onde as
concepções sobre a primeira infância estão presentes.
A primeira diz respeito ao caráter segregador que foi imposto às crianças da creche, onde
não se permitiram visitas abertas de seus pais e/ou familiares. A atenção da Igreja Católica nessa
instituição foi revelada pela prática de missas dominicais e a existência de uma capela no local.
Isso se constituiu em uma segunda característica evidenciada pela pesquisa.
Um terceiro item corresponde às formas de manutenção da creche “Alice de Salles” que
poderiam ocorrer por repasses do governo do Amazonas, mas também houve indícios da
participação municipal e de contribuições particulares fornecidas por meio da Liga da Criança
Pobre, como ocorreu para a Casa Dr. Fajardo, intermediada por Maria de Miranda Leão,
idealizadora e, posteriormente, diretora da Creche “Alice de Salles” e tesoureira da Liga da Criança
Pobre.
O Jornal do Commercio apresentou o último anúncio (1935) da missa para a Creche “Alice
de Salles” e em 1940, o prédio destinado à creche foi adaptado à escola premonitória para
meninas pobres e sem sorte. Isso pode indicar que talvez entre o período de 1935 a 1940 a creche
tenha deixado de existir, ou suas crianças tenham sido direcionadas a outro espaço ou instituição
infantil.
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PESQUISA EM EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: 47
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INTRODUÇÃO
O
artigo em tela é um recorte do relatório de pesquisa de iniciação científica – PIBIC/
UFAM, encerrada em 2016, intitulada “A Educação de Jovens e Adultos na Formação
Inicial de Professores: análise das propostas curriculares dos cursos de Pedagogia
de instituições públicas e privadas de ensino superior de Manaus”, e tem como objetivo discutir
a formação inicial de professores da Educação de Jovens e Adultos a partir de um estudo das
propostas curriculares de cursos de licenciatura em Pedagogia de instituições de ensino superior
(IES) públicas e privadas de Manaus, mediante o que institui a Lei de das Diretrizes e Bases da
Educação Nacional – LDBEN, Lei Nº 9.394/1996 e as Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso
de Pedagogia – Resolução CNE/CP Nº 01/2006.
Estudos sobre a formação inicial de professores que atuam na educação de jovens e
adultos não se constituem uma novidade no contexto nacional. No entanto, ao pesquisarmos
mais minuciosamente a produção nacional e também local, percebemos que muitas questões
ainda carecem de respostas, se atentarmos para os problemas educacionais ainda existentes
no atendimento a essa modalidade de ensino, principalmente no que diz respeito ao conteúdo
curricular da formação inicial dos educadores formados em cursos de Pedagogia.
Dentre os inúmeros fatores que contribuem para a qualidade social da educação, a formação
do professor tem ganhado destaque nas pesquisas. Ser professor requer uma formação inicial
significativa, assim como uma preparação constante, como qualquer outra profissão.
Como consequência dessa formação, a preparação do professor deveria abranger todos os
níveis e modalidades específicos de sua qualificação. Assim, o pedagogo ao ser preparado para
atuar no magistério da educação infantil e das séries iniciais, deveria também ter formação para
atuar nas diversas modalidades abrangidas pela legislação educacional, dentre elas a educação
de jovens e adultos, visto que, dentre outros cursos superiores de licenciatura, a Pedagogia é o
curso responsável para preparar os educadores dessa modalidade, nos anos iniciais do Ensino
Fundamental.
A LDB 9.394/96, em várias proposições determina que se estabeleça uma formação
adequada para atuação na modalidade de ensino de jovens e adultos. Assim também, a Resolução
CNE/CP Nº 001/2006, que Institui Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação
em Pedagogia, licenciatura, em seu Art. 5º, incisos III, IV e VI dispõe que o egresso do curso
de Pedagogia deverá estar apto a atuar não somente para o desenvolvimento e promoção de
aprendizagens das crianças como também daqueles que não possuíram escolarização na idade
própria (BRASIL, 2006).
Observamos, contudo, nos estudos realizados acerca da formação inicial, como os de
Machado (2001) e de Soares (2004, 2011, 2013), que a presença desse arcabouço legal parece
não ter sido suficiente ainda para o estabelecimento de uma formação mais específica para
educadores da EJA.
A necessidade de ampliação desses estudos torna-se ainda mais premente quando
observamos a demanda de sujeitos que procuram essa modalidade. Os dados do Inep referentes
às estatísticas da Educação Básica de 2016 (INEP, 2017) mostram que o total de matrículas em
EJA, nos níveis do Ensino Fundamental, Médio e EJA profissionalizante, correspondeu ao número
de 44.173 alunos, somente no município de Manaus, que equivale a mais de 10% do total de
alunos matriculados nos Ensinos Fundamental e Médio desta localidade, na modalidade regular.
Esses dados revelam uma demanda existente, não diminuta, que reclama educadores habilitados
dentro de sua especificidade.
A metodologia aplicada à pesquisa, resultante das inquietações incitadas pelas informações
e reflexões até aqui inseridas, foi realizada a partir de uma abordagem qualitativa com o propósito
de descrever as tendências e especificidades da formação do pedagogo contidas no PPC (Projeto
Pedagógico de Curso) de instituições de ensino superior que oferecem o curso de Pedagogia na
cidade de Manaus, à luz do que dizem as determinações da legislação educacional atinentes ao
tema (LDB 9.394/96 e Diretrizes Curriculares Nacionais do Curso de Pedagogia) e dos estudos já
existentes sobre as especificidades dos alunos de EJA.
Inicialmente, procedemos ao levantamento de quantas instituições de ensino superior da
cidade de Manaus oferecem o curso de Pedagogia e são regularizadas pelo Ministério da Educação
e obtivemos o número de 22 instituições, em 2014. Os critérios de inclusão para fins da amostragem
e coleta dos dados deveriam atender as seguintes condições: os PPCs de Pedagogia de instituições
de ensino superior deveriam estar disponíveis e publicizados em meios eletrônicos (internet, CDs
institucionais distribuídos à comunidade, etc.) ou serem disponibilizados pelas instituições in
loco para a comunidade acadêmica ou não. Desta filtragem, apenas seis (6) instituições foram
selecionadas.
Assim, a pesquisa tomou por fonte as propostas pedagógicas (documental), cuja análise
dos conteúdos se fez à luz da legislação mencionada, nas quais se buscou identificar categorias
temáticas que evidenciassem as ausências ou tendências da especificidade da formação do
educador de EJA, para então serem apontadas as possíveis interpretações e considerações.
Dentre outras, as principais questões que orientaram a pesquisa foram: como a formação
de educadores de jovens e adultos está sendo atendida nas matrizes curriculares de cursos de
Pedagogia das instituições de ensino superior da cidade de Manaus? Qual a especificidade de
atendimento dessa formação apresentada pelas ementas das disciplinas que correspondem à
educação de jovens e adultos? Há tendências ou particularidades no currículo desses cursos que
atendam a formação dos educadores de EJA?
Para resguardar a identidade das seis instituições de ensino superior cujos PPCs foram
analisados, optamos por não as identificar como públicas ou privadas e adotamos pseudônimos
de divindades mitológicas que representam a sabedoria: Minerva, Atenas, Avalon, Sia, Tot e Balder.
A intenção deste trabalho é contribuir com elementos que motivem reflexões acerca da
formação dos educadores da modalidade EJA no município de Manaus. Espera-se, ainda, com
esta pesquisa evidenciar o panorama da formação do educador de jovens e adultos proporcionado
pelo currículo dos cursos de Pedagogia de instituições de ensino superior de Manaus e apontar
elementos para possíveis discussões sobre o processo de (re)construção de formações mais
adequadas às necessidades do público da modalidade EJA, na região.
Tendo em vista que a análise realizada na pesquisa qualitativa leva em conta a compreensão
do contexto histórico em que o objeto inquirido está situado, bem como o significado que os
termos adquirem nesse contexto, iniciamos nossa discussão com uma revisão bibliográfica que
resgata o histórico sobre a formação do professor. Na sequência tratamos especificamente sobre
os resultados e discussões acerca do que objetivamos na pesquisa.
A Educação de Jovens e Adultos é uma das modalidades mais discutidas e analisadas
na história da educação brasileira devido à herança histórica e cultural que nos segue desde o
Brasil Colônia. O modelo de educação europeia aqui implantado sempre se manteve distante da
realidade do país colonizado, pois as escolas que existiam nesse período atendiam somente os
filhos de famílias privilegiadas das classes médias e altas. A outra parcela da sociedade considerada
classe pobre não tinha direito aos estudos equiparados aos da classe dita superior. No entanto,
quando a classe desprovida de direitos o adquiriam, era de forma superficial e direcionada para o
trabalho.
O estudo sobre as fases da história da educação evidencia a negligência histórica do poder
público com o atendimento das necessidades específicas e educacionais dos sujeitos considerados
jovens e adultos que não conseguiram adquirir na idade própria a escolarização obrigatória e
gratuita. Esse descaso propiciou ao final do século XIX e início do século XX o crescimento do
número de cidadãos analfabetos e fora da instituição escolar, fato confirmado pelos dados do
Censo Nacional de 1890 que apresentavam a existência de 85,21% de “iletrados” na população
total brasileira (PAIVA, 1987).
No contexto da história da legislação educacional brasileira, dentre retrocessos e avanços
surgem algumas leis que direcionam sua atenção para os adultos não escolarizados: a Lei nº
5692/71, denominada Lei da Reforma do Ensino de primeiro e segundo grau, mais conhecido
como supletivo e o Parecer 699/72, do Conselho Nacional de Educação (CNE), que regulamentava
os cursos supletivos seriados, deferindo-lhes quatro funções básicas (Suplência, Suprimento,
Aprendizagem e Qualificação).
Na legislação atual essa modalidade está fundamentada na LDBEN nº 9394 de 20 de
dezembro de 1996, artigos 37 e 38. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação, dentre outras
disposições, determina em seu inciso VII do art. 4º a necessidade de atenção às características
específicas dos trabalhadores matriculados nos cursos noturnos, o que nos remete à necessidade
de pessoas capacitadas para trabalhar com esse público.
Na mesma direção, vislumbramos a instituição das Diretrizes Curriculares Nacionais para
a EJA em 2000 (BRASIL, 2000) e a ocorrência de dispositivos quanto à formação do pedagogo
para atuar no campo da EJA nas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em
Pedagogia, licenciatura, em 2006 (BRASIL, 2006c).
Na Resolução nº 1/2006 – CNE/CP (Conselho Nacional de Educação/Conselho Pleno), que
institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura,
em seu Art. 8, inciso IV, alínea d, insere uma necessidade da integralização do curso que talvez
poucos tenham dado atenção:
Nos termos do projeto pedagógico da instituição, a integralização de estudos será efetivada por
meio de: [...] IV - estágio curricular a ser realizado, ao longo do curso, de modo a assegurar aos
graduandos experiência de exercício profissional, em ambientes escolares e não-escolares que
ampliem e fortaleçam atitudes éticas, conhecimentos e competências: a) na Educação Infantil e
nos anos iniciais do Ensino Fundamental, prioritariamente; b) nas disciplinas pedagógicas dos
cursos de Ensino Médio, na modalidade Normal; c) na Educação Profissional na área de serviços e
de apoio escolar; d) na Educação de Jovens e Adultos; e) na participação em atividades da gestão
Entendemos que o fato da Resolução CNE/CP nº 1/2006 dar prioridade à educação infantil
e aos anos iniciais do Ensino Fundamental, não exclui a necessidade da atenção dos Projetos
Pedagógicos dos Curso de Pedagogia à modalidade EJA, por entendermos também que, dentre
tanto outros motivos, o investimento na educação dos pais ou responsáveis, ou da família como
um todo, influencia positivamente na educação dos menores.
Daí, nos moldes do que sugere os pareceres CNE/CP nº 5/2005 e CNE/CP nº 3/2006, a
resolução CNE/CP nº 1/2006, no que concerne ao Art. 6º, o qual dispõe sobre a estrutura do curso
de Pedagogia, insere a necessidade de se constituir um núcleo de estudos básicos que, levando em
conta as realidades educacionais, articulará: práticas educativas e conhecimentos de processos de
desenvolvimento não somente de crianças, mas também de “adolescentes, jovens e adultos, nas
dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica, artística, ética e biossocial” (BRASIL,
2006c, p. 3).
Constatamos que a legislação educacional em vigor tem se desenvolvido na direção do
atendimento dessa modalidade de ensino no campo escolar, dentro das necessidades dessa
população educacional, ao passo que nas últimas décadas a discussão sobre a formação de
educadores para a EJA ganhou dimensões mais amplas. A V CONFITEA esclarece esse entendimento
quando ressalta que:
Em âmbito nacional, autores como Moura (2007), Soares (2006), Arroyo (2006), trazem
também para a discussão sobre os educadores de EJA suas observações que confluem para a
mesma questão: ausência de espaços e tratamento específico para a formação que leve em conta
a especificidade dos educandos.
Na atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, o novo perfil do educador de
jovens e adultos deve atender o que determinam os artigos 13, 61, 62, 67 e 87. Ao fazer sua análise
sobre esses artigos, Moura (2007) esclarece que o perfil do professor que almeja trabalhar com
a modalidade EJA vai além dos objetivos traçados para a formação do profissional da educação,
pois “[...] necessita incorporar as singularidades que são peculiares desta modalidade de ensino,
não ficando restrita apenas, as exigências formativas próprias dos demais níveis de ensino”
(MOURA, 2007, p. 61).
As leis regulamentadas permitem que a formação do educador seja uma obrigatoriedade
assistida e oferecida como formação inicial e continuada pelas universidades. Como acrescenta
Moura (2007), essas instituições têm o dever de intervir conforme diz o Parecer do Conselho
Nacional de Educação nº 04/98, com: “sensibilização dos sistemas educacionais para reconhecer
e acolher a riqueza da diversidade humana” (BRASIL, 2000).
Nesse sentido, nos atrevemos dizer que, cabe às instituições de ensino superior atentar para a
formação dos educadores que deverão trabalhar com as modalidades que abrangem a diversidade
de sujeitos da população brasileira, como a EJA, já que a própria legislação educacional compeliu
esse propósito.
Embora a qualificação do educador de EJA seja um fator, por vezes, ausente nos PPCs dos
cursos de Pedagogia e pouco discutido durante sua formação inicial, conforme Soares (2006),
é imprescindível lembrar que nas reuniões de professores, seminários, fóruns e encontros de
educação de jovens e adultos essa temática está sempre em pauta. Segundo o mesmo autor, nesses
fóruns a formação vem sendo posta como uma das propostas para se avançar na qualidade da
educação de jovens e adultos.
Soares (2006), afirma que os temas que foram apresentados no VII ENEJA – Encontro de
Educação de Jovens e Adultos, realizado no Distrito Federal em 2005, foram encaminhados em
forma de propostas apresentadas ao Ministério da Educação, como contribuição para a formação
inicial do educador de jovens e adultos. O autor nos apresenta uma demanda significativa de
trabalhos apresentados em todo país sobre o tema formação de professores e diz ainda:
O tema da formação dos professores de EJA tem chamado a atenção de pesquisadores ora
pela inexistência de uma política pública nacional de formação de docentes para a educação
básica de jovens e adultos, ora pela ‘precariedade das condições de profissionalização e de
remuneração desses docentes’ (Haddad; Di Pierro, 1994, p. 16), ou ainda, pela timidez das
produções enfocando a área (SOARES, 2011, p. 37).
Temos assim um desafio, que vamos ter que inventar um perfil e construir sua formação. Caso
contrário, teremos que ir recolhendo pedras que já existem ao longo de anos de EJA e iremos
construindo esse perfil da EJA e, conseqüentemente [sic], teremos que construir o perfil dos
educadores de jovens e adultos e de sua formação. (ARROYO, 2006, p. 18)
Esse lento processo de construção do perfil do educador de EJA vem percorrendo décadas
alimentado pela inexistência de política própria para a formação de educadores da modalidade.
Por certo, esse desafio não diz respeito somente à instituição Estado, mas, como sugere Arroyo
(2006), a mudança deve partir também de muita coragem dos cursos de Pedagogia.
Ressaltamos que a educação de jovens e adultos deve estar de acordo com o cotidiano
desses sujeitos sociais para que o seu aprendizado atenda a suas expectativas e sua reinserção na
sociedade. Para isso, é preciso que os educadores atuantes nessa modalidade se atentem para esse
processo e tenham possibilidades reais de formação inicial e continuada afinadas à EJA.
É, pois, essa atenção exigida aos educadores da EJA que levou muitos pesquisadores a
verem que existia uma problemática a ser respondida a respeito, e que nos permitiu averiguar que
existem poucas pesquisas sobre o tema em pauta. No âmbito local, por exemplo, identificamos
apenas duas autoras, Araújo (2005) e Nogueira (2005), que abordam a temática formação inicial
do professor da EJA, mas não na perspectiva que tratamos neste trabalho.
Araújo (2005) aborda as especificidades entre a Pedagogia e a Andragogia, apresentando
as características especificas de aprendizagem entre elas. Segundo a autora, o reconhecimento
dessas duas ciências permite que os educadores em formação venham aplicar suas práticas
pedagógicas de acordo com a realidade dos educandos da EJA.
Conforme ainda Araújo (2005), a formação inicial dos discentes do curso de Pedagogia deve
ser dada pela diferenciação entre a aprendizagem na Pedagogia e aprendizagem na Androgogia,
pois suas características divergem em se tratando do ensino de jovens e adultos.
A autora aponta as diferenças entre a Pedagogia e a Androagogia, dizendo que ambas
se dissociam quando se tratam da relação entre professor e aluno, razões de aprendizagem e
experiência do aluno. No Brasil o precursor da Andragogia foi Paulo Freire, por apresentar o
ensino de jovens e adultos de forma clara e precisa realizada através das palavras geradoras.
Nesse sentido, Araújo (2005) afirma que tanto a Pedagogia quanto a Andragogia devem
ser conhecidas durante o processo de formação inicial para professores da EJA, pois a segunda
“auxilia aos educadores numa melhor aplicação da ciência e da arte de ensinar pessoas adultas”
(ARAÚJO, 2005, p. 233).
Para Nogueira (2005, p. 60), a formação inicial geralmente é responsabilidade do poder
público, ou seja, “o Estado é o primeiro formador do aluno que opta por um curso de licenciatura.
O mesmo Estado é que forma, também, os professores dos futuros professores”. A autora faz
também uma contextualização histórica sobre o processo de formação dos profissionais da
educação.
O processo de formação do educador de jovens e adultos é uma constante, independente
da área ou nível específico da escolarização no qual irá atuar. Por isso, durante a formação inicial
tanto dos pedagogos quanto das licenciaturas de outros cursos, as instituições de ensino superior
devem ter a preocupação com o seu fazer pedagógico, pois carregam a responsabilidade da
preparação desses futuros profissionais da educação (NOGUEIRA, 2005).
Essa necessidade de um processo cíclico de formação do professor que atua na educação
pública nos permite dizer que a aprendizagem deveria ser constante e fomentada pelo poder
público, no entanto, tem sido encaminhada a partir de práticas autônomas dos professores, pois
durante a graduação não há, segundo a autora, uma formação exclusiva de professores para a
EJA.
A partir desses estudos, presumimos, portanto, que historicamente a formação inicial de
professores de jovens e adultos vem se adaptando às realidades da sociedade e conforme as
condições objetivas permitem. A ineficiência das políticas públicas e dos escassos estudos sobre a
temática têm contribuído para a permanência desse problema.
Sabe-se que o conceito dado à educação de jovens e adultos não se diferencia muito da
educação básica para o ensino fundamental e médio, tendo em vista que:
A educação básica de jovens e adultos é aquela que possibilita ao educando ler, escrever e
compreender a língua nacional, o domínio dos símbolos e operações matemáticas básicas,
dos conhecimentos essenciais das ciências sociais e naturais, e o acesso aos meios de produção
cultural, entre os quais o lazer, a arte, a comunicação e o esporte (GADOTTI e ROMÃO, 2001,
p. 119)
O que diferenciará essa modalidade da educação dos mais jovens será a prática e a aplicação
desse conceito que deverá levar em conta as especificidades dos sujeitos, jovens e adultos.
De posse dos PPCs das instituições de ensino superior, que fizeram parte da coleta de dados
(Minerva, Avalon, Tot, Sia, Atenas e Balder), nesse primeiro momento, procuramos identificar a
posição da educação de jovens e adultos em suas matrizes curriculares.
Antes, é importante dizer que, tendo como norte o novo perfil do Pedagogo mencionado
anteriormente, observamos que todos os PPCs tiveram seus currículos reformulados para atender
as necessidades em que a sociedade atual se encontrava. Ou seja, as instituições adaptaram suas
matrizes curriculares conforme a nova Resolução CNE/CP nº 1 de 2006 (BRASIL, 2006c), que traz
alterações significativas para a formação inicial do Curso de Pedagogia, conforme identificamos
em uma citação de um PPC de uma das instituições estudadas:
Com base neste entendimento do campo de atuação do Pedagogo, o Curso de Pedagogia passa a
ser definido como Licenciatura em Pedagogia, em conformidade com o inciso VIII do art. 3 da Lei
nº 9.394/96, sendo assegurada a formação específica do Pedagogo em nível superior, conforme
indicado nos termos dos Pareceres CNE/CP 5/2005 e 3/2006, assim como na Resolução CNE/
CP nº 1, de 15 de maio de 2006. (FACULDADE MINERVA)
Diferente das outras instituições que apresentam primeiramente em sua matriz curricular as
disciplinas para a Educação Infantil e para os Anos Iniciais do Ensino Fundamental nos primeiros
semestre, nessa instituição a disciplina de educação de jovens e adultos é trabalhada logo no
terceiro semestre do curso, com aulas presenciais.
As faculdades Atenas e Balder oferecem a disciplina Educação de Jovens e Adultos relacionada
a núcleos que envolvem outras disciplinas: a primeira ao Núcleo de Estudos Básicos e a segunda
ao Núcleo de Aprofundamento e Diversificação de Estudos.
Como vemos, o fato dos projetos disponibilizarem apenas uma disciplina de EJA de caráter
obrigatório ou menos ainda, informando-a como tema transversal, nos permite inferir que o
atendimento da formação do educador de jovens e adultos tem sido parcial ou quase inexistem
nos currículos dos cursos de Pedagogia. Assim, o direito à educação que deveria ser de todos,
conforme institui a C.F. de 1988 e a Lei 9394/94, assim como os pareceres e resoluções específicos,
parece não se aplicar aos sujeitos da EJA no que diz respeito ao quesito formação do professor.
a formação de profissionais capazes de exercer a docência na Educação Infantil, nos anos iniciais
do Ensino Fundamental, nas disciplinas pedagógicas para a formação de professores, assim
como para a participação no planejamento, gestão e avaliação de estabelecimentos de ensino,
de sistemas educativos escolares, bem como organização e desenvolvimento de programas não-
escolares” (BRASIL, 2006a, p. 05).
A tendência das propostas em atender a demanda da educação infantil, das séries iniciais do
ensino fundamental e das funções da gestão são respostas às reivindicações da sociedade civil e do
próprio mercado que buscavam uma qualidade significativa para a Educação Básica, no período
equivalente ao final dos anos 1990 e início do novo milênio.
Na atualidade, movimentos sociais e os fóruns que debatem a educação pública e de
qualidade sugerem, por outro lado, políticas públicas educacionais que propiciem “uma formação
no sentido de que os estudantes de Pedagogia sejam também formados para garantir a educação,
com vistas à inclusão plena, dos segmentos excluídos dos direitos sociais, culturais, econômicos e
políticos” (BRASIL, 2006a, p. 05), ou seja, a busca de uma formação inicial que não só atenda a
educação básica, mas as modalidades específicas como a Educação de Jovens e Adultos, Indígena
e Educação Especial.
Mesmo não omitindo a necessidade de atendimento às modalidades de ensino da Educação
Básica, as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia determinam que o projeto
pedagógico de cada instituição não fuja do real interesse que é a “formação comum da docência
na Educação Básica e com objetivos próprios do curso de Pedagogia” (BRASIL, 2006b, p. 10).
Com isso, essas diretrizes sugerem que as instituições de ensino superior podem aprofundar áreas
ou modalidades dentro do curso de Pedagogia, sem que se configure uma habilitação para o
egresso.
Essa abertura dada no parecer CNE/CP Nº 5/2005 acabou por permitir, a nosso ver, a
focalização de algumas faculdades para determinadas modalidades em detrimento de outras. Foi
o que observamos na Faculdade Avalon, que apresenta em sua matriz curricular onze disciplinas
diretamente relacionadas à educação especial e nenhuma sobre educação de jovens e adultos.
Como esclarece o referido parecer, se a modalidade específica for de interesse local, não
pode ser considerada como uma habilitação dentro do curso, mas pode ser aprofundada, sendo
somente atendida como disciplina no histórico escolar do egresso (BRASIL, 2006a, p. 10).
Dessa forma, conforme abordamos acima, em Avalon a modalidade Educação Especial é
tratada de maneira específica na formação, relacionada com a formação na Educação Infantil e
nos Anos Iniciais do Ensino Fundamental. A EJA, no entanto, é mencionada como tema que pode
ser abordado de maneira transversal às outras disciplinas.
Ao nos determos sobre as ementas de todas as disciplinas do curso de Pedagogia dessa
instituição, observamos que a única que possui proximidade com a temática da EJA é uma disciplina
que tem enfoque regional e é oferecida no 2º período, com carga horária de 80 horas. Verificamos
que essa disciplina, além de assuntos históricos, regionais e movimentos sociais aborda também
a educação do campo, outra modalidade atendida no modo transversal.
Sabemos que a educação do campo tem suas similaridades com a educação de jovens e
adultos, mas apresenta uma gama de particularidades que, de modo idêntico à EJA, necessitaria
de uma carga horária maior para serem tratadas.
A Faculdade Atenas apresenta em sua ementa uma especificidade para a EJA não apresentada
nas outras. Essa disciplina está inserida em um eixo descrito como “núcleo de estudos básicos”
que tem por objetivo a “aplicação de conhecimentos de processos de desenvolvimento de crianças,
adolescentes, jovens e adultos nas dimensões física, cognitiva, afetiva, estética, cultural, lúdica,
artística, ética e biossocial”, conforme institui a Resolução CNE/CP nº 1/2006.
Essa faculdade dispõe na matriz curricular de uma única disciplina para jovens e adultos,
sendo ofertada no 4º período com carga horária de 60 horas, com uma ementa bastante ampla
que sinteticamente compreende: significado da educação de jovens no momento atual; as políticas
e as iniciativas da sociedade civil; histórico dos movimentos populares; direito à educação; a EJA
nas suas relações com a educação popular, a juventude, a família, o trabalho, a terceira idade e
aplicações metodológicas.
O que observamos na especificidade dessa faculdade, ao sugerir desenvolver conhecimentos
das variadas dimensões sobre a modalidade em estudo em apenas um eixo e por meio de uma
disciplina de 60h, é que há um descompasso entre a carga horária e a natureza intensa das
temáticas nela inseridas.
Balder e Minerva são as que ofertam a disciplina quase no final do curso. Balder a oferece no
8º período, com carga horária de 60 horas, tendo como um dos assuntos principais a “Formação
e Perfil do Educador de Jovens e Adultos”, cuja ementa não aprofunda a discussão das políticas
públicas para a modalidade, que poderá estar sendo contemplada no item sobre o histórico da
Educação de Jovens no Brasil.
Observamos que a preocupação destas faculdades está direcionada para os aspectos
metodológicos da modalidade, uma vez que as disciplinas oferecidas dispõem de temáticas
referentes às características dos jovens e adultos pouco ou não escolarizados, aos métodos de
alfabetização e a propostas metodológicas para a EJA.
Minerva, por sua vez, é a única que proporciona a disciplina EJA em dois momentos. A
primeira é disponibilizada como disciplina obrigatória - EJA I - com carga horária de 60 horas, tendo
como objetivo as concepções, o contexto histórico e as políticas públicas voltadas para a EJA. A
formação direcionada para o estudo de metodologias aplicadas a essa modalidade é ofertada na
disciplina optativa EJA II, a qual traz apenas um item em sua ementa relacionado às metodologias
de ensino para jovens e adultos. Por ser optativa, concluímos que, consequentemente, nem todos
os egressos a estudarão em sua formação.
E por fim Sia e Tot também oferecem a disciplina EJA, mas com carga horária e períodos
diferentes. Sia oferta a disciplina no 3º período com carga horária de 80 horas e Tot a disponibiliza
no 5º período com carga horária de 60 horas. A ementa da disciplina EJA da Faculdade Sia tem
como objetivo apresentar os fundamentos das Diretrizes Curriculares Nacionais da EJA, as políticas
públicas que incentivam para uma formação de qualidade dos educadores dessa modalidade e
traz o item Formação Docente, que acreditamos variar desde reflexões sobre essa formação a
estudos de metodologias apropriadas para serem adequadas à modalidade.
Já as ementas de Tot não foram disponibilizadas devido a situações particulares internas da
instituição. Esclarecemos que as informações obtidas até o momento sobre essa instituição estão
disponíveis na matriz curricular da unidade, de acesso público pela internet.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante do exposto, a conclusão que chegamos, após estudo dos projetos pedagógicos dos
cursos de Pedagogia de instituições de Ensino Superior de Manaus, é que a disciplina Educação
de Jovens e Adultos é lecionada com aprofundamento do conhecimento histórico, conceitual e
político, mas com pouco tempo disponível para estudo do perfil do educador, das especificidades
dos alunos e do estudo e desenvolvimento de metodologias adequadas à modalidade.
Quando, no entanto, o curso dá maior atenção à dimensão metodológica requerida para o
ensino, negligencia as dimensões histórica, política e conceituais, inserindo aí certa fragmentação
na formação do profissional.
A par dessa constatação, percebemos que não está explícita a importância dada por cursos
de Pedagogia de Manaus à preparação dos futuros educadores da modalidade EJA. A ênfase à
preparação de profissionais aptos a exercer a docência na Educação Infantil e para as crianças dos
anos iniciais do Ensino Fundamental parece não permitir enxergar que a qualidade da educação
de uma parcela da população está articulada à qualidade da educação atribuída a sua totalidade.
Tudo isso nos leva a sugerir que a formação do educador da EJA necessita ser repensada
dentro dos currículos dos cursos de Pedagogia das IES da cidade de Manaus, ou correremos
o risco de estarmos contribuindo com a histórica negligência atribuída à formação escolar das
pessoas jovens e adultas, que não tiveram oportunidade de escolarização na idade própria.
REFERÊNCIAS
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Leôncio (Org.). Formação de Educadores de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica/SECAD-
MEC/UNESCO, 2006
______. Conselho Nacional de Educação. Parecer CNE/CP nº 5/2005. Reexame do Parecer CNE/
CP nº 5/2005, que trata das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Curso de Pedagogia. Diário
Oficial da União, Brasília, DF, 11 abr. 2006b
.
______. Conselho Nacional de Educação. Resolução CNE/CP 1/2006. Institui Diretrizes
Curriculares Nacionais para o Curso de Graduação em Pedagogia, licenciatura. Diário Oficial da
União, Brasília, DF, 16 mai. 2006c, Seção 1, p. 11
GADOTTI, M; ROMÃO J. E. Educação de Jovens e adultos: teoria, prática e proposta. 2 ed. São
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INEP. Sinopse Estatística da Educação Básica 2016. Brasília: Inep, 2017. Disponível em: <http://
portal.inep.gov.br/sinopses-estatisticas-da-educacao-basica>. Acesso em: 14 out. 2017.
MACHADO, Maria Margarida. Formação de professores de EJA: como as pesquisas tratam este
tema? Revista de Educação de Jovens e Adultos, São Paulo, n. 13, dez. 2001.
MOURA, Maria da Glória Carvalho. Educação de Jovens e adultos: que educação é essa? Revista
Linguagens, Educação e Sociedade, Teresina, Ano 12, nº 16, p. 51-64, jan./jun. 2007.
PAIVA, Vanilda. Educação popular e educação de adultos. São Paulo: Loyola, 1987.
SOARES, Leôncio (Org.). Educação de Jovens e Adultos: o que revelam as pesquisas. Belo
Horizonte: Autêntica Editora, 2011.
SOARES, Leôncio (Org.). Formação de Educadores de Jovens e Adultos. Belo Horizonte: Autêntica/
SECAD – MEC/UNESCO, 2006.
INTRODUÇÃO
E
sta pesquisa faz parte da pesquisa de Doutorado sobre os jardins de infância no
estado do Amazonas, fundamentada na história social e cultural. A Escola ao ar
livre foi uma das experiências enquanto política educacional em 1919 que o estado
amazonense assumiu, voltada para as crianças pobres que moravam em áreas suburbanas, da
cidade de Manaus. Concebida diferentemente das experiências mundiais, de São Paulo e do Rio
de Janeiro (onde essas escolas foram destinadas às crianças doentes), no Amazonas esse tipo
de escola atendeu às necessidades do Estado para justificar os parcos investimentos nos bairros
pobres da capital, como substituto dos jardins de infância.
DESENVOLVIMENTO
Na realidade amazonense, a escola ao ar livre, foi destinada ao ensino infantil das crianças
pobres e suburbanas do bairro do Mocó. Por mais que hoje seja uma das áreas mais privilegiadas
de Manaus, com o bairro Nossa Senhora das Graças, Adrianópolis e o Bolevard Álvaro Maia1,
em 1919 o bairro do Mocó constituiu-se na periferia manauense, associado às peculiaridades da
floresta amazônica, de temperaturas altas e áreas sujeitas a endemias, como a malária.
Contraditoriamente, a Vila Municipal (inaugurada em 01/01/1912), no bairro do Mocó, foi
um projeto da municipalidade manauense do final do século XIX para início do século XX que teve
a pretensão de abrigar a elite da cidade com um projeto urbanístico, aprovado pela Lei Municipal
nº 218 de 30/05/1901, na administração do prefeito Arthur Araujo2, com as ruas denominadas
conforme as capitais dos estados nordestinos, arborizadas, de traçados largos, com distribuição
de água, iluminação elétrica (22/12/1911) e a linha de bondes – Vila Municipal no governo de
Pedro de Alcantara Bacellar e prefeito Antonio Ayres de Almeida Freitas. (MENDONÇA, 2001-
2004).
O esforço urbanístico do governo em benefício da capital parecida ter se esgotado com Eduardo
Ribeiro. Manaus limitava-se ao Norte pelo Boulevard Amazonas (agora de Álvaro Maia) e
o cemitério de São João Batista. A instalação da Vila Municipal visava expandir a cidade,
convertendo aquele “espaço ermo e despovoado em um logradouro”, aprazível, dotado de
moradias de elevado conforto e de bela aparência, e mais, dotado de infra-estrutura básica
adequada a belle époque manauara. Nesse sentido, a Lei n.º 239, de 30 de novembro de 1901,
1 O bairro do Mocó e a sua correlação com atuais bairros de Manaus só foi possível devido a um rastreamento por
meio dos nomes das praças citadas na Mensagem de 1919, mais o auxílio de Duarte (2009), combinado com as
imagens via Google Maps.
2 Em 1901, o Amazonas tinha como governador Silverio José Nery. Em 1911, o governador era o Cel. Antonio
Clemente Ribeiro Bittencourt. O governo de Pedro Alcantara Bacellas foi de 01/01/1917 a 01/01/1921. As
Mensagens produzidas em sua administração datam de: 10/07/1917; 10/07/1918; 10/07/1919; e 10/07/1920.
regula a construção das residências. O obstáculo crucial, porém, constituía-se em atrair para
acolá residentes endinheirados, para superá-los, primeiramente foram realizados o arruamento e
o traçado das ruas pelo engenheiro Lopo Gonçalves Bastos Neto, secundado pelo colega Antônio
Paiva e Melo. Seguidamente, por deliberação da Lei n.º 243, de 12 de dezembro de 1901, foram
nomeadas as ruas e as avenidas, todas homenageando capitais nordestinas. (MENDONÇA,
2001-2004, p.1).
Rangel, depois que Euclides se libertou dos cumprimentos de bôas vindas de seus admiradores e
amigos, levou o seu velho camarada para hospedar-se em seu alpendrado chalé, o “Vila Glicína”,
perto do reservatório do Mocó, lugar ermo, silencioso e fresco, perto da mata virgem. [...] A
temperatura estival, muito elevada, o irrita. Também os mosquitos “carapanãs” [...] E a febre o
assalta por fim, escaldante, com tremores, delírios e visões estranhas. (LEÃO, 1966, p. 32-33).
Edinea Mascarenhas Dias (2007) explicitou que a criação de bairros periféricos ocorreu
sem qualquer infraestrutura e foi uma forma de sobrevivência, dos trabalhadores e dos pobres,
empurrados do centro para o subúrbio de Manaus, destoando da belle epoque manauara.
3 Roberto Mendonça indicou que o bairro do Mocó tornou-se elitizado nas décadas de 1970-80 denominado de
Adrianópolis. (2001-2004).
4 Até hoje o que foi o bairro do Mocó tem as contradições de sua implantação, abrigando parte da elite e dos
pobres de Manaus.
Diferente do bairro dos Remédios, o contingente populacional infantil do bairro do Mocó era
expressivo, assim como a frequência em suas escolas isoladas. O governador Pedro de Alcantara
Bacellar espantou-se com a situação da escola “Barão de Ladario”, localizada na praça São João
– Mocó, em uma de suas visitas.
[...] escolas havia, como a “Barão de Ladario”, á praça de São João, no bairro do Mocó, a
qual offerecia uma excessiva frequencia de alumnos, em numero de 67, por accasião de uma
visita que lhe fiz. Esses alumnos, em numero tão avultado, estavam accumulados numa sala
acanhada e impropria, acimentada e sem forro de tecto, e todos entregues ao encargo forçado
e exhorbitante de uma unica Professora, que adoptara o alvitre de ir despachando os alumnos
á medida que fossem leccionados, para admitir outros que viessem occupar as vagas daquelles.
(AMAZONAS – Mensagem, 1919, p.204-205).
Com a creação desses quatro grupos escolares procurou-se transferir um que se achava
impropriamente installado – o “Antonio Bittencourt”, a cem passos talvez do “Silverio Nery”, e
localizados ambos no bairro dos Remedios, cuja população escolar é reduzida, em relação ás de
outras zonas da cidade. Ao passo que esses dois grupos escolares, na vizinhança um do outro,
se faziam concorrencia, com minguada matricula e defficientissima frequencia. (AMAZONAS –
Mensagem, 1919, p.204).
O governador do Amazonas mudou, pela segunda vez, o local do Grupo Escolar “Antonio
Bittencourt” para um prédio que atendia às exigências da higiene, onde a escola “General Pinheiro
Machado” foi anexada:
Com a acquisição de outro predio, mais amplo e hygienico, e dispondo de magnifica área em
roda, convenientemente tratada e ajardinada, á pequena distancia do primeiro, foi para aquelle
mudado o grupo “Antonio Bittencourt”, sendo-lhe anexada mais uma escola isolada, que lhe
ficava proxima, a escola “General Pinheiro Machado.” (AMAZONAS – Mensagem, 1919, p.205).
Assim, a reestruturação foi realizada com o agrupamento das escolas isoladas da Vila
Municipal e a criação de quatro grupos escolares, sendo que um desses foi instalado próximo à
Praça Silverio Nery5. Foram, ainda, anexadas as escolas “Barão de Ladario” e “General Pinheiro
Machado” ao Grupo Escolar “Antonio Bittencourt”.
Com esta ultima organização e installação mais conveniente, attingiu o grupo “Antonio
Bittencourt” a um pé de prosperidade evidente, tornando-se um centro de utilidade real para
aquella população infantil suburbana, que frequenta, assiduamente, numa media de 160
alumnos. (AMAZONAS – Mensagem, 1919, p.205-206).
A imagem que se conseguiu do Grupo Escolar “Antonio Bittencourt” foi uma fotografia no
Relatório de Instrução Pública (1926-1929), de 1929. Essa condiz com o que expôs a Mensagem
de 1919 e Duarte (2009) sobre a localização do grupo escolar, na praça São João, atual praça
Santos Dumont onde é a sede do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Amazonas.
Em 1928, no Grupo Escolar “Antonio Bittencourt” tinha 457 alunos matriculados, com uma
frequência de 178 e aprovação de 187, conforme demonstrado no Relatório de Instrução Pública,
referente ao período de 1926 a 1929, na administração do presidente do Amazonas Ephigenio
Salles, publicado em 1929.
As reformas do ensino pelo Regulamento Geral da Instrução Pública de 1918 e 1926 não
constaram sobre a escola ao ar livre, como na Mensagem de 1919, do governador do estado
do Amazonas Pedro de Alcantara Bacellar. No entanto, as bases de sua implantação estavam
integradas aos cursos preliminares (jardins da infância), nas seguintes características: a existência
junto aos grupos escolares ou de forma isolada; e o espaço de ensino ao ar livre, em jardins, praças
e logradouros públicos6.
A escola ao ar livre foi destinada para atender a população infantil suburbana, diante da
precariedade da população do bairro periférico do Mocó e dos parcos recursos do estado do
Amazonas, por causa da crise mundial do pós I Guerra Mundial, criando uma dualidade no ensino
infantil amazonense, pois para a população infantil tinha-se o jardim de infância e, no subúrbio,
a escola ao ar livre. (AMAZONAS - Mensagem, 1919).
O governador do Amazonas, Pedro de Alcantara Bacellar, expressou que a criação desse
gênero de escola era uma solução aos problemas dos jardins da infância e atendia aos requisitos
da higiene.
Vem de molde falarvos deste genero de installações escolares, que representa uma das soluções
mais progressistas de um dos serios problemas da hygiene escolar. Destinadas, primitivamente,
ás creanças enfermas as escolas ao ar livre passaram depois a constituir um recurso valiosissimo ao
ensino de quaesquer creanças, pelas condições hygienicas favoraveis que lhes offereciam, não só
ao corpo, como ao espirito. (AMAZONAS – Mensagem, 1919, p.206).
6 Artigos 17, 124, 164 do Regulamento de 1918; sendo que o art. 164 teve a mesma redação do art. 163 do
Regulamento de 1926.
Porque os requisitos de uma cuidada hygiene não são reclamados sómente para as creanças
doentes; si são, altamente, vantajosas para estas, convenientes de todo ponto se tornam para
as creanças em satisfactorias condições de saúde. Nem só devemos ter em vista as condições
de bôa saúde com que os alumnos entrem na escola, mas também, e sobretudo, esforçarmo-
nos para que, no tirocinio escolar, não se sacrifique o organismo daquelles seres ainda em
desenvolvimento, e aliás na phase mais critica da evolução do seu crescimento. (AMAZONAS
– Mensagem, 1919, p.206-207).
O governador do Amazonas citou o inspetor escolar da capital federal dr. Fábio Luz7, no
Primeiro Congresso Americano da Criança (Buenos Aires – Argentina), quando defendeu as escolas
ao ar livre como alternativa aos gastos mensais de mais de mil contos com os prédios alugados às
escolas que não atendiam aos requisitos higiênicos por serem impróprios e mal adaptados.
O Sr. Dr. Fabio Luz, inspector escolar na Capital Federal, numa memoria apresentada, ao
Primeiro Congresso Americano da Creança, reunido em Buenos-ayres, mostra que mais de mil
contos despende a Prefeitura do Disctricto Federal em alugueis de predios para escolas, quase
todos improprios e mal adaptados, e opina pela installacção de escolas ao ar livre, como um
recurso que satisfaz, ao mesmo tempo, ás conveniencias e ás exigencias da hygiene. (AMAZONAS
– Mensagem, 1919, p. 207-208).
No ano da Mensagem (1919), o inspetor escolar Fábio Luz vinha do Primeiro Congresso
Americano da Criança (1916) e produzira três anos antes (1913) o folheto A Tuberculose do ponto
de vista social, onde fez uma campanha higiênica, denunciando as condições insalubres do trabalho
operariado. Os temas abordados por Fábio Luz nesse período estão próximos a Clemente Ferreira
que produziu sobre a tísica e as escolas ao ar livre, no Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à
Criança em 1922. (AMAZONAS – Mensagem 1919; KUHLMANN Jr., 2001; 2002; LIBERA, 2008;
FERREIRA, 1925).
O Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância de 27/08 a 5/09 de 1922 foi
realizado junto com o 3º Congresso Americano da Criança e a Exposição Nacional comemorativa
do centenário da independência - 19228. As ações em conjunto aconteceram por questões
orçamentárias e de trâmites burocráticos do governo brasileiro que culminaram em um mega
evento que discutiu sobre vários aspectos a criança. (KUHLMANN Jr., 2001; 2002).
Os cuidados com a infância tornam-se um aspecto a ser considerado nesse modelo de nação
moderna, com suas políticas sociais e instituições. O CBPI tinha por objetivo tratar de todos os
assuntos que direta ou indiretamente se refiram à criança, tanto no ponto de vista social, médico, pedagógico e
higiênico, em geral, como particularmente em suas relações com a Família, a Sociedade e o Estado. A reunião
revestia de caráter simbólico, ao se realizar durante a Exposição do Centenário da Independência,
que celebrava a nação brasileira como parte do mundo ‘civilizado’. (KUHLMANN Jr., 2002,
p.465).
Esses movimentos e ideias circulantes constituíram-se como um ápice no Brasil de uma fase
anterior caracterizada pela elaboração de propostas e ações acerca da educação infantil. “Se até
a década de 1920, no caso brasileiro, o período é de formulação de propostas e de iniciativas
embrionárias, a partir daí as realizações em relação à infância ganham mais expressão e chegam
às leis e à organização do Estado.” (KUHLMANN Jr., FERNANDES, 2004, p.27).
Anterior ao Primeiro Congresso Brasileiro de Proteção à Infância, mas pertencente às ideias
7 Fábio Lopes dos Santos Luz nasceu em 1864, cursou medicina e foi durante a sua trajetória profissional e política:
médico, higienista, inspetor escolar do 9º distrito do Rio de Janeiro, pedagogo, intelectual das letras, romancista,
professor, dramaturgo, jornalista, crítico literário e anarquista. (LEMME, 2004; LIBERA, 2008).
8 Junto ocorreram a Conferência Interestadual do Ensino Primário, o Congresso Jurídico, o 1º Congresso Eucarístico
Nacional, o 2º Congresso Internacional de Mutualidade e Previdência Social e o Congresso Nacional dos Práticos.
(KUHLMANN Jr., FERNANDES, 2004).
que circulavam acerca das políticas governamentais para a criança pequena, o governador do
Amazonas justificou a implantação das escolas ao ar livre:
Instruindo por esses conselhos, installamos a primeira escola ao ar livre, assim que nos foi possivel
dispôr de local proprio e convenientemente ajardinado. Fal-o-emos ainda assim por deante,
sempre que disponhamos dos recursos indispensaveis para a devida apropriação do local,
e como um recurso que nos amplie a insufficiencia dos predios escolares, ao mesmo tempo
que proporcione bem estar ás creanças, principalmente de idade mais tenra, e para as quaes
o regimen escolar deve ser mais cuidado, mais hygienico e mais attrahente. (AMAZONAS –
Mensagem, 1919, p.208).
Mandei vir ainda dous predios desmontavéis, de madeira e ferro, os quaes foram armados, um
em Flôres e o outro na costa do Amatary. De modelo muito elegante, têm a feição das habitações
campestres e, si bons forem os resultados que delles se obtiverem, serão adoptados como typo
das escolas dos suburbios da capital e do interior do Estado. (AMAZONAS – Mensagem, 1907,
p.39).
Seja como adaptação ou como política de arquitetura moderna, que se diferenciava das
construções suntuosas do império (ARRUDA, 2010), ao ensino dos jardins de infância, o pavilhão
se constituiu em um modelo de baixo custo ao governo do Amazonas, assim como em relação às
escolas ao ar livre no Rio de Janeiro e no “mundo civilizado” europeu.
A condição climática era um dos requisitos voltados à higiene, onde as aulas aconteciam ao
ar livre, em jardins ou praças, ou nos prédios escolares, ou dentro dos pavilhões, usados no caso
de mau tempo. Os locais ao ar livre deveriam ser arborizados para a proteção e o vento era uma
condição importante para a renovação do ar. (MELLO, 1917; FERREIRA, 1925; DELBEN, 2009).
9 A costa do Amatary foi colônia agrícola desde o final do século XIX onde abrigou os retirantes nordestinos, depois
foi transformada em vila e, hoje, Amatari é um distrito a oeste pertencente ao município de Itacoatiara (FALM,
2017).
Attendendo á edade ainda tenra das creanças que estudam o 1º gráo, os trabalhos escolares
começarão ás 7 1/2 da manhã e deverão terminar ás 11. Roubando assim essas infantis
organizações ao accumulo de trabalho e á acção mais intensa do sol amazonense, procurou
a commissão obedecer aos preceitos de hygiene, de accôrdo com as condições mesologicas de
nossa capital. (AMAZONAS – Relatorio do Director de Instrucção Publica, 1904, p.12-13).
10 Balthazar Vieira de Mello (1917) classificou três tipos de escolas ao ar livre: “1. Typo allemão, em florestas, com
abrigo e coloriferos, onde as creanças entram pela manhan e sahem á tarde (externato); 2. Typo francez, em predios
adaptados á permanencia dos escolares durante semanas ou mezes, com parques e bosques para recreios e aulas
ao ar livre (internato); 3. Typo italiano, em jardins, terraços e galpões, onde as creanças fazem a sua aprendizagem
passeando (peripatetico)”. (p.5).
11 Regulamento da Instrução Pública do Amazonas de 1904.
CONCLUSÃO
No Amazonas, a escola ao ar livre foi criada pelo Estado e depois, ao que se parece, foi
integrada à estrutura de ensino dos cursos preliminares, anexados aos grupos escolares da
capital. Isso se torna uma possibilidade, pois no ordenamento jurídico de ensino do Amazonas
não houve qualquer referência explícita que estabelecesse a escola ao ar livre como um gênero,
como foi especificado pelo governador Pedro Alcantara Bacellar, na Mensagem de 1919. Ainda
nas Mensagens posteriores do Amazonas até 1930 e no Relatório do interventor federal de 1935
e nas Exposições dos interventores federais amazonenses de 1931, 1940 a 1944, não se encontrou
qualquer que fosse a referência da escola ao ar livre.
REFERÊNCIAS
01/1914
ARRUDA, Ângelo Marcos Vieira. Arquitetura dos edifícios da escola pública no Brasil (1870-1930):
construindo espaços para a educação. Tese de Doutorado. Campo Grande, MS. Programa de Pós-
Graduação em Educação. Centro de Ciências Humanas e Sociais. Universidade Federal de Mato
Grosso do Sul, 2010.
MELLO, Balthazar Vieira de. Escolas ao Ar Livre e Colonias de Ferias para debeis. Escolas especiaes para
tardos (Annormaes intellectuaes). Trabalho apresentado ao Exmo. Sr. Dr. Secretario do Interior.
São Paulo: Casa Espindola, 1917.
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(1930 – 1945). 2009. Dissertação de Mestrado em Educação Física. Faculdade de Educação Física.
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2007.
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2009.
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officiaes, memorias e conclusões).
HOBSBAWM, Eric J. A Era dos Impérios: 1875-1914. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1988.
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Cortez, 2002.
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Introdução
N
as últimas décadas, muitas foram as conquistas indígenas no que diz respeito à
garantia de direitos, e entre estes, o direito a uma educação escolar propriamente
indígena. A Constituição Federal de 1988 garante o direito a uma perspectiva
educacional pautada “na organização social, línguas, crenças e tradições” próprias de cada povo
(CF – 1988, artigos 231 e 232).
De forma a contemplar esses direitos específicos nas escolas indígenas, desenvolveram-se
mecanismos legais que os normatizaram. Entre estes a formação de professores indígenas em
nível superior, para responder a demanda por docentes nas escolas das aldeias com os Anos
Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio. Essa formação, assim como a educação escolar
indígena, também deve ser pautada nos princípios da educação escolar indígena: Comunitarismo,
Interculturalidade, Diferenciada, Específica, Bi/Multilingue.
A interculturalidade pode ser considerada umas das principais características da educação
escolar indígena, por possibilitar o cumprimento de todos os outros princípios. Através da pesquisa
bibliográfica, verificou-se que a interculturalidade tem base no relativismo cultural e na alteridade,
quando busca uma inter-relação horizontalizada entre culturas. A educação intercultural seria um
dos caminhos para alcançar a interculturalidade na sociedade. A educação intercultural consiste
então na tratativa do pluralismo cultural não só no âmbito teórico, mas também através das
experiências e atividades de inter-relação entre sujeitos de culturas diversas, possibilitando também
processos de problematização e reflexão acerca de preconceitos, estereótipos e etnocentrismo.
Assim, este artigo objetiva apresentar parte das reflexões e resultados obtidos a partir do
Projeto de Iniciação Científica, voltando o olhar para a efetivação das ideias interculturais nas
práticas dos docentes da Turma Mura em seu período de estágio, bem como indicar possibilidades
para estas práticas, baseando-se nos estudos teóricos e nas determinações legais, acerca dos
conceitos de interculturalidade e educação intercultural.
A pesquisa desenvolveu análise bibliográfica e documental, de forma a construir a
conceituação teórica de interculturalidade e educação intercultural, bem como apresentar os
ditames legais para a Educação Escolar Indígena. A coleta dos dados foi realizada a partir dos
Relatórios de Estágio da turma da etnia Mura, das áreas de Letras e Artes e Ciências Humanas e
Sociais, concluintes no ano de 2013.
Embora o início das ideias multi/interculturais tenha se dado nos Estados Unidos, de
maneira dispersa e tímida, os pioneiros ao desenvolverem um conceito de interculturalidade,
segundo Candau (2012), foram Mosonyi e Gonzalez, venezuelanos que atuaram como linguistas-
antropólogos, nos anos de 1970, com os povos arhuacos. Candau e Russo (2010) afirmam que,
entre 1980 e 1990, onze países da América Latina fazem o reconhecimento constitucional do
caráter multiétnico, pluricultural e multilíngue das suas sociedades: Argentina, Bolívia, Brasil,
Colômbia, Equador, Guatemala, México, Nicarágua, Paraguai, Peru e Venezuela.
Daí em diante, elevam-se os números de ações afirmativas do combate a discriminações,
preconceitos e exclusão às minorias étnicas, bem como as reformas políticas e educacionais que
visam a incorporação da perspectiva intercultural (WALSH, 2009). Vê-se também um relevante
aumento nas discussões acerca da multi/interculturalidade na educação. Por sua vez, os países
da Europa e América do Norte inserem em suas pautas questões relativas à diversidade cultural
e étnica, adotando também políticas educacionais nacionais voltadas para a implementação da
interculturalidade e a ampliação dos estudos acadêmicos sobre o tema.
Em 1980, a redemocratização do país abriu espaço para as discussões educacionais e os
envolvidos nesses diálogos, baseados em ideais pós-modernos, apontam para a importância de
um currículo escolar que se aproximasse da realidade cultural dos alunos, oportunizando um
aprendizado significativo, crítico e situado sócio-historicamente. Os documentos oficiais acerca
da educação nacional, desenvolvidos a partir daí, apresentam um modelo de educação que respeite
e trabalhe com as culturas de forma inter-relacional. Porém, Santiago, Akkari & Marques (2013)
em suas pesquisas identificam que, ainda que com a existência de leis e diretrizes que direcionam
para uma educação intercultural, ainda impera na maioria das escolas do Brasil, o monopólio da
cultura única e universal eurocêntrica.
Mas o que vem a ser multi/interculturalidade de fato? Percebe-se certa confusão por parte
dos profissionais da educação quanto ao uso dos termos multiculturalidade e interculturalidade
e em muitos casos vemos os dois termos sendo usados inclusive como sinônimos. Porém, há
autores que os diferenciam por acreditarem que estes possuem diferenciação semântica.
Candau (2008) divide o multiculturalismo em três modalidades distintas. O multiculturalismo
assimilacionista admite a existência de diversas culturas, mas induz a uma cultura hegemônica
que deve ser preservada e culturas menos desenvolvidas que devem ser extirpadas. Os sujeitos
dessas culturas “inferiores” devem então assimilar a cultura dominante como sua. Os processos
educacionais são universalizantes e monoculturais, deslegitimadores das especificidades e saberes
de outras culturas. (CANDAU, 2008).
Candau (2008) ainda define a perspectiva diferencialista, como sendo a admissão da
coexistência das diferentes culturas. Neste modelo, as manifestações culturais e identitárias devem
ter um espaço próprio de expressão das suas diversidades, incentivando a segregação dentro das
sociedades. O reflexo na educação é a separação entre escolas por grupo sociocultural. Este
fenômeno foi muito comum nos EUA, onde latinos, negros e brancos se encontravam estudando
em escolas diferentes.
Candau (2012) ainda apresenta uma terceira perspectiva multiculturalista denominada
multiculturalismo interativo ou simplesmente interculturalidade. O termo interculturalidade tem
preferência frente aos pesquisadores da área, por ficar claro em seu significado a posição que
se quer apresentar. O prefixo latino -inter caracteriza a relação recíproca entre uma cultura e
outra, em um relacionamento ativo e horizontalizado, no qual uma cultura tem influência sobre a
outra, em um constante aprendizado mútuo. Candau define interculturalidade (2011, p. 246-247)
em “um multiculturalismo aberto e interativo [...] promoção deliberada da interrelação entre
diferentes sujeitos e grupos socioculturais presentes em uma determinada sociedade”.
Esta perspectiva concebe a cultura não como estática e imutável, mas em um processo
contínuo de (re)elaboração e (re)construção, baseados em processos históricos e dinâmicos. Essa
forma de pensar a cultura concorda com os conceitos de Bhabha (1998) que entende que as
culturas não são fixas e absolutas, mas espaços-tempos de construção de sentidos e, embora as
sociedades etnocêntricas tentem regulá-las para mantê-las intactas, estas são irreguláveis.
Pagé (1993) apud Santiago, Akkari e Marques (2013, p. 57) coloca a importância dos ideais
interculturais para as sociedades atuais ao apontar três propósitos fundamentais: “ (1) reconhecer
e aceitar o pluralismo cultural como um fato da sociedade; (2) contribuir para o estabelecimento
de uma sociedade de igualdade de direitos e de equidade; e (3) contribuir para o estabelecimento
de relações interétnicas harmoniosas.”. Ou seja, visa estabelecer isonomia entre as diversas
culturas, a partir da relação e do entendimento de que não há uma cultura superior à outra.
Ainda dentro da perspectiva intercultural, vê-se movimentos divergentes atuando com
interesses e objetivos opostos. Catherine Walsh (2009) trabalha a diferenciação de olhares e
interesses dentro dos ideais interculturais e define a existência de três viéses que se contrapõem: a
interculturalidade relacional, a interculturalidade funcional e a interculturalidade crítica.
A interculturalidade relacional consiste, segundo a autora, no contato de maneira geral
entre as culturas, na maioria das vezes, a nível individual, sendo ou não baseado em condições de
igualdade. Trata-se de um contato que oculta ou minimiza os contextos de dominação e exclusão
ocorridos historicamente, já que apenas consiste na relação entre estas sem uma problematização
acerca das estruturas que condicionam, excluem e diminuem determinados segmentos culturais
da sociedade.
Quanto à interculturalidade funcional, Walsh a coloca como utilitária para as finalidades
do capitalismo global neo-liberal, uma vez que esta reconhece a diversidade e diferença cultural,
mas as providências tomadas para o “reconhecimento e valorização” dessas são basicamente
medidas para controlar os conflitos, amenizando os atritos e mantendo inalterados as causas e
causadores das desigualdades e exclusões.
A perspectiva intercultural crítica, como o próprio nome já enuncia, busca realizar uma
reflexão crítica sobre diversidade, usando como ponto de partida as problemáticas estruturais
advindas dos processos de colonização e do preconceito étnico-racial, requerendo, a partir das
reflexões, a transformação das estruturas e relações sociais bem como a instituição de direitos que
permitam a equidade e a democracia para todos, independentemente de sua origem étnica ou
socioeconômica. Traz a reflexão sobre diferença (diversidade) e desigualdade (exclusão) ao longo
da história, no que diz respeito a etnicidade, gênero, sexualidade e etc.
A partir do exposto, entende-se então a interculturalidade como instrumento para a obtenção
de justiça social e de uma sociedade democrática, na qual as pessoas terão igualdade de direitos
ainda que pertençam a grupos socioculturais distintos, dando então real valor e condições sociais,
política e econômica àqueles que foram excluídos e inferiorizados historicamente. Basil Bernstein
(1998) apud Candau (2012, p. 164) reintera que “se existem as estruturas de classe significa
necessariamente que há uma distribuição desigual de possibilidades materiais e simbólicas.
Mas isso não significa que os indivíduos estejam em uma situação de déficit em relação às suas
possibilidades culturais”.
Acerca da identidade dos sujeitos, a perspectiva intercultural propicia seu fortalecimento,
pois, através da valorização positiva das diferenças e do trabalho de reflexão contra estereotipação
das identidades, inicia-se um processo de autoestima e empoderamento, principalmente nos
sujeitos oriundos de grupos identitários inferiorizados sociohistoricamente, bem como torna a
construção identitária mais profícua, uma vez que as identidades se formam a partir da relação
com as possibilidades identitárias.
No que diz respeito à educação, este conceito se estabelece sobre a égide da educação
para a alteridade. Os alunos não aprendem apenas os conceitos relativos às outras culturas e
à diversidade, mas também, através da experiência de relacionamento intercultural, passam a
Um ensino pode estar endereçado a um público culturalmente plural, sem ser ele mesmo,
multicultural. Ele só se torna multicultural quando desenvolve certas escolhas pedagógicas
que são, ao mesmo tempo, escolhas éticas e políticas. Isto é, se na escolha dos conteúdos,
dos métodos e dos modos de organização no ensino, levar em conta a diversidade dos
pertencimentos e das referências culturais dos grupos de alunos a que se dirige, rompendo com o
etnocentrismo explícito ou implícito que está subtendido historicamente nas políticas escolares
‘assimilacionistas’, discriminatórias e excludentes.
Com a Constituição Federal de 1988, os povos indígenas deixam de ser tutelados pelo Estado
e passam a ser cidadãos de direitos, com pluralidade cultural e linguística reconhecidas legalmente,
outrora negados até então por políticas que afirmavam ser essas características empecilho para a
integração social indígena (SANTOS e PINHEIRO, 2016).
A fim de responder às assertivas legais quanto aos povos indígenas asseguradas nos artigos
210, 231 e 232 da CF – 1988, foram desenvolvidas políticas educacionais voltadas especificamente
aos povos indígenas, de modo que na Educação Escolar Indígena ocorra a vinculação dos
conhecimentos da escola regular com os saberes tradicionais de cada povo indígena, uma vez que
“cada um desses grupos indígenas tem um modo próprio de ser e uma visão de mundo específica.
A diversidade se manifesta nas tradições, nos contos, nos mitos, na arte, na economia, na história
e nas línguas.” (GRUPIONI, 2001, p. 9). Ou seja, cada povo, possuindo especificidades, deve ter
seus próprios processos de educação escolar, baseados em seus preceitos e processos educacionais.
Nesse contexto de redemocratização do Estado brasileiro, para buscar concretizar os
direitos assegurados, a responsabilidade da coordenação e gestão da Educação Escolar Indígena
é transferida ao Ministério da Educação - MEC através do Decreto no 26/1991 e da Portaria
Interministerial no 559/1991, que define os parâmetros a serem implementados. As Diretrizes
para a Política Nacional de Educação Escolar Indígena, publicadas em 1993, estabelecem os 5
princípios fundamentais da Educação Escolar Indígena: comunitarismo, especificidade, diferença,
interculturalidade e bi/multilinguismo (SANTOS e PINHEIRO, 2016).
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no 9.394/1996 – LDBEN/1996, reintera
os documentos anteriores e dispõe acerca dos programas de ensino e pesquisa para a educação
bilingue e intercultural, sobre o resgate e valorização da história e saberes tradicionais dos povos,
bem como sobre a participação deles no planejamento e deliberações acerca de seus sistemas
educacionais (LDBEN/1996, art. 78 e 79). O Referencial Curricular Nacional para as Escolas
Indígenas, publicado em 1998, já com a participação das comunidades indígenas, vem como
grande contribuição para o fazer pedagógico das escolas indígenas. Outros se seguem a estes,
fundamentando e direcionando os preceitos de Educação Escolar Indígena.
Todos os documentos oficiais, acima mencionados, elencam a interculturalidade como um
dos preceitos para a efetivação da Educação Escolar Indígena. Januário (2002) apud Whan (2003,
p. 75) afirma que “[...] a base dessa educação específica e diferenciada é a interculturalidade, isto
é, o diálogo com as culturas”. Diálogo esse que enfatiza a interação entre as culturas envolventes e
tradicionais, de forma que uma cultura não se subordine à outra, nem que uma se imponha como
melhor ou mais desenvolvida à outra, estando todas em constante processo de (re) construção.
Os povos indígenas não desejam se isolar do mundo fora das comunidades. Pelo contrário,
entendem que, como toda cultura, as suas culturas também não são fixas, mas estão passíveis
dos mesmos processos que todas as outras. Grupioni (2001, p. 13) reconhece que “À medida que
a realidade se transforma, o homem busca novos símbolos que possam traduzir o significado das
novas realidades.
O fato de consumir produtos industrializados, de dominar novas técnicas e novos
conhecimentos, não faz com que uma sociedade deixe de ser indígena.” Então, os povos indígenas,
compreendendo este processo de constante construção, desejam uma escola que, ao mesmo
tempo que ensina língua portuguesa e os conhecimentos científicos da sociedade envolvente,
também ensine e valorize a língua materna e seus saberes tradicionais, todos esses em cooperação
e interação horizontal.
Para garantir os direitos reservados à Educação Escolar Indígena, viu-se como imprescindível
que os professores das escolas indígenas fossem também índios, pertencentes às comunidades a
qual a escola faz parte. Para tanto, é necessária a formação em nível superior, de forma a aumentar
seus conhecimentos acerca dos saberes científicos, bem como das concepções da nova escola
indígena, atuando nos Anos Finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio.
Em 2002, foram publicados os Referenciais para a Formação de Professores Indígenas,
no qual se apresentam as determinações acerca das características e objetivos propostos para
a formação dos professores que atuam ou irão atuar nas escolas indígenas. Foi desenvolvido a
partir da análise dos cursos de formação de professores indígenas já existentes no país de forma
a formular o perfil profissional do professor indígena e quais os objetivos da formação a a fim de
alcançar este perfil.
O processo de construção dos referenciais se deu em parceria com professores de diversos
povos indígenas, secretárias de educação e visa a formação inicial e continuada dos professores
indígenas, de forma a atender às demandas das comunidades indígenas em todo o país, mas
obedecendo aos preceitos da Educação Escolar Indígena. Taukane (2003, p. 17/18) afirma que a
formação de professores indígenas “[...] está nos preparando para que tenhamos uma formação
digna e apropriada para atendermos nossa educação na aldeia. Sermos planejadores de nosso
próprio sistema educacional, banindo de uma vez aqueles velhos sistemas programados para
atender uma realidade que não era nossa”.
Sendo os Referenciais imbuídos dos 05 (cinco) princípios da Educação Escolar Indígena, a
interculturalidade deve ser um dos pontos principais no currículo das Formações de Professores
Indígenas, de forma sistemática, de maneira a construir e/ou fortalecer nesses, os ideais para
uma educação renovadora e desconstruidora de preconceitos e estereótipos, bem como
proporcionadora de autonomia social, econômica e cultural dos povos indígenas.
Assim, Cochran-Smith (2003;2004) apud Akkari, Santiago e Marques (2013) propõe a
análise da formação dos professores dentro da perspectiva intercultural lançando mão de sete
critérios, que norteiam as características de uma formação e práxis docente voltada para os
preceitos de educação intercultural. São eles:
1. Estatuto da Diversidade Cultural - a visão como se é trabalhada a diferença cultural,
se como uma oportunidade desafiadora de aprendizagem e um direito reconhecido
constitucionalmente ou se como um problema a ser resolvido. No caso da Educação Escolar
Indígena, se as características e especificidades dos povos são usadas como aliadas do
processo de ensino-aprendizagem, ou se estão sendo vistas como problemas que devem ser
sanados a partir da assunção de uma monocultura.
2. Justiça Social - se existe a consciência de que através da interculturalidade nos processos
educacionais pode-se alcançar a igualdade de trajetória educacional para todos. Assume-se
que a desigualdade nos processos educacionais é imposta por um sistema etnocêntrico e
hierarquizante, e que, a partir de uma educação que permita as várias formas de aprendizados,
todos se beneficiariam de igual forma.
3. Conhecimentos e aprendizagens dos professores - se estes possuem conhecimentos,
crenças, representações e práticas adequadas para trabalhar com e para a diversidade, com
subsídios teóricos metodológicos para a educação intercultural.
4. Prática Profissional –se possuem as competências necessárias para ensinar em um contexto
de diversidade, estando abertos a aprenderem sobre as culturas dos seus alunos, e entendendo
que os processos de ensino-aprendizagem precisam ser revistos e problematizados de forma
a oportunizar a equidade.
5. Efeitos da formação para a diversidade - diz respeito a questão da gestão da diversidade
cultural, em como estes efeitos devem ser avaliados, por quem esses efeitos devem ser avaliados
e as finalidades da avaliação desses efeitos. A avaliação deve ser feita baseada na premissa
intercultural e levando em conta os objetivos educacionais sociais aplicados. Esta avaliação
deve ser feita por profissionais que estejam imbuídos, trabalhem e entendam a perspectiva
intercultural e seus benefícios. A avaliação deve visar a melhoria da qualidade educacional,
numa perspectiva de educação crítica e igualitária e não apenas para quantificação.
6. Recrutamento-seleção - Diz respeito à quais professores devem ser selecionados. O autor
coloca que é importante considerar a mescla étnica do corpo docente e os atributos do
profissional docente necessários para o trabalho intercultural. Exemplo disso seria um
professor índio que reproduz o modelo de educação tradicionalista. No caso da educação
indígena, ele pertence à etnia e teoricamente deveria possuir aproximações com sua cultura,
mas, ao invés disso, seu trabalho docente nada mais é que baseado no modelo de escola
universalizante monocultural.
7. Coerência global entre os critérios anteriores - alinhamento entre todos os critérios de
forma a torná-los sólidos em um conjunto.
Percebe-se então que não basta que os professores das escolas indígenas sejam pertencentes
àquela comunidade em específico e conhecedores dos costumes e saberes daquela etnia e/ou
dos conhecimentos da sociedade envolvente. É preciso que este se aproprie da práxis educativa
que privilegie o desenvolvimento da interculturalidade, aliando os saberes e conhecimentos,
trabalhando os diversos métodos de ensino-aprendizagem e proporcionando em sua prática
docente as reflexões e problematizações necessárias para o desenvolvimento educacional dentro
da égide intercultural.
Cientes da necessidade de uma formação adequada para o exercício de uma prática docente
de qualidade em suas escolas, os povos indígenas reivindicam cursos de formação indígena a nível
superior. É do interesse manifesto destes e da consciência da Universidade Federal do Amazonas –
UFAM da sua responsabilidade social quanto à formação de professores indígenas que o Conselho
de Ensino, Pesquisa e extensão, através da Resolução no 010/2007, aprova o Curso de Licenciatura
em Formação de Professores Indígenas, vinculado à Faculdade de Educação.
Sendo o primeiro povo a levantar interesse na formação docente em nível superior para
a UFAM, os Muras correspondem à primeira turma estruturada no Curso de Licenciatura em
Formação de Professores Indígenas. A turma em questão era composta por 60 alunos e as
aulas eram ministradas no município de Autazes/AM. Atualmente, o curso atende a 7 turmas,
envolvendo mais de 20 povos indígenas.
Segundo o Projeto Pedagógico Curricular – PPC (2013), o curso é elaborado com e para o
povo em específico, levando em consideração suas particularidades culturais e suas demandas
comunitárias, sendo organizado em três grandes áreas: Ciências Humanas e Sociais; Ciências
Exatas e Biológicas; Letras e Artes, com Temas Transversais também escolhidos minuciosamente
pela comunidade a que se dirige a formação. Busca-se também uma política linguística, que
Considerações Finais
Referências
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Educação Escolar Indígena – 3º Grau Indígena. Barra do Bugres: UNEMAT, vol. 2, n. 1, 2003.
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho corresponde a um recorte preliminar da pesquisa de mestrado
em educação da Universidade Federal do Amazonas. A construção deste ensaio
está ancorada em quatro partes. A Primeira explanando os aspectos introdutórios
envolvendo questões como a problemática, realidade pesquisada, objetivos geral e específicos e
o porquê do interesse no tema. A segunda tem como foco as principais referências teóricas e os
conceitos explorados no estudo. A terceira parte se refere a descrição da abordagem da pesquisa,
e os procedimentos metodológicos previstos, trazendo uma visão de como será realizado este
estudo, envolvendo aspectos como: os sujeitos, instrumentos e técnicas de pesquisa a serem
utilizados, local de pesquisa, além do detalhamento da proposta de análise e interpretação
de dados. Por fim, o trabalho apresenta uma análise preliminar realizada a partir dos títulos e
resumos da produção teórica nacional e local, disponíveis em plataforma online (TEDE/UFAM e
Banco de Teses – CAPES), sobre os conceitos norteadores vinculados a três categorias: a vocação,
orientação profissional e formação profissional
A pesquisa representa uma construção a partir de uma proposição inicial, para ingresso no
mestrado em educação – 2017, que se vinculava a questão da orientação vocacional e ao processo
de escolha de uma profissão. O processo de orientação, tomada de informações complementares
e o acesso ao estado da arte sobre a temática escolhida evocou duas percepções: de um lado, a
vocação, relacionada com a inclinação, tendência ou dom de cada indivíduo (Super, 1972), de
outro, a profissão vinculativa aos aspectos como ocupação, tarefas, habilidades, entre outros.
Desta forma, a escolha profissional, como previsto inicialmente pela pesquisa, centrava a análise
em fatores subjetivos, pessoais e familiares. Na composição atual há um deslocamento para o
processo de como o estudante conduz suas escolhas e a orientação no interior da escola para o
acesso a uma formação universitária, no que se destaca a exigência da sociedade moderna para
o exercício de uma profissão.
Como visto, o problema abrange algumas questões fundamentais no entendimento do
processo de escolha pelo estudante de Ensino Médio para sua futura formação profissional na
universidade. Dentre elas, a pesquisa destaca: quais as ações e iniciativas públicas voltadas para a
orientação e escolha da formação profissional pelos estudantes de Ensino Médio no Amazonas?
Como o processo ocorre no ambiente escolar e de que forma os estudantes estão vivenciando
a escolha da formação universitária, quando associada às demandas pessoais, familiares e de
atuação profissional no mercado de trabalho tipicamente amazônico? Neste sentido, foca-se
neste estudo como objetivo geral a analise dos processos educacionais voltados para a orientação
no ambiente escolar do Ensino Médio da rede pública estadual e como objetivos secundários:
discutir as concepções teóricas da orientação profissional quando associada a escolha de uma
Ensino Médio. Outro aspecto a ser considerado é a precariedade das informações sistematizadas
sobre o tema da orientação relacionada à escolha da formação profissional na região amazônica,
ou seja, dados que evidenciem como os estudantes estão sendo orientados para a escolha e de
que forma escolhem sua futura formação.
Vocação, orientação profissional e formação profissional: uma revisão teórica
As questões descritas podem ser melhor compreendidas a partir da discussão dos conceitos
delineadores desta temática, dos quais houve a opção por três categorias básicas. Assim, a
vocação, orientação profissional e formação profissional compõem a análise proposta.
A vocação, como primeira categoria escolhida, é entendida a partir de concepções
tradicionalmente estabelecidas que lhe classificam como um chamamento, destinação, habilidade
ou até mesmo dom. A segunda categoria composta naquilo que socialmente se reconhece como
orientação Profissional, é vista como um termo que abrange aspectos essenciais no processo de
escolha de uma formação profissional. Super (1972), refere-se ao termo como o ato de construir
a partir do autoconhecimento, uma decisão mais assertiva, quando se trata da escolha de uma
profissão. Melo, Pacheco e Penna (2004), em seu artigo “A Orientação Profissional no Contexto
da Educação e Trabalho” vem construindo discussões sobre o assunto da orientação vocacional,
educação e o trabalho de uma forma ampla, trazendo uma visão realista sobre o tema. Por fim,
a terceira categoria cunhada como formação profissional, é percebida como um conjunto de
preparação técnica para desempenhar uma determinada atividade. Ana Maria Mendes (2014) em
sua dissertação aborda o conceito de formação profissional como aquela que:
Neste sentido, Nicolau (2004) citado por Ana Mendes (2014) aponta que “o saber
transmitido numa formação profissional integra conhecimentos, valores, modelos, símbolos, etc.,
acumulados naquele próprio fazer e no viver de formadores e formandos”. Desta forma, pensa-
se a formação profissional como o espaço para a construção do saber técnico, de determinada
profissão ou ocupação.
Abordagem metodológica
com a universidade e por fim, a escola com a maior quantidade de ingressos (PSC e ENEM) na
Universidade Federal do Amazonas - UFAM. No momento atual a UFAM já disponibilizou a partir
da consulta pública nº 23480017825201760 que a Escola Estadual Senador João Bosco é a que
possui maior número de acesso aos cursos da referida universidade, também já se confirmou
que a escola possui projeto pedagógico consolidado e formalmente constituído e aprovado pelo
Conselho Estadual de Educação do Amazonas -CEE. A partir da definição da escola, será realizado
o processo de abertura de campo, com início previsto para o mês de outubro de 2017. Iniciando
os contatos formais para adesão de membros da gestão escolar e demais sujeitos partícipes do
estudo, nomeadamente o professor, os estudantes e seus respectivos responsáveis.
O terceiro objetivo, que tem como foco o entendimento de como se processam as escolhas
das formações profissionais pelos estudantes finalistas Ensino Médio, e o quarto, que está
centrado em estabelecer as relações do processo de escolha da formação profissional no contexto
amazônico, serão efetivados pela técnica de grupo focal (GP), realizada com os sujeitos partícipes
da pesquisa, como membros da gestão escolar, estudantes, professores e responsáveis. Esta
técnica é definida por Gaskell (2002), como uma conversação continuada menos estruturada
da observação participante, na qual a ênfase é, mais em absorver informações sobre local e a
população, crenças, valores, cultura, etc. Desta forma objetivando entender e captar as diferentes
percepções envolvidas por cada participante.
O grupo focal (GP) será desenvolvido a partir de um cronograma contendo pelo menos
quatro encontros, agendados em um dia da semana com duração média de aproximadamente
duas horas. Em cada encontro será abordada uma temática predefinida. Assim, as temáticas
propostas são as seguintes: A primeira entendendo e discutindo o papel dos responsáveis, no
processo de orientação da escolha da formação profissional dos filhos, explorando as percepções
de responsáveis, estudantes e professores. A segunda discutirá a questão da escola, as ações
que têm sido planejadas e de fato desenvolvidas como parte de suas atribuições formativas no
processo de escolha da formação profissional. A terceira temática, se debruça “o estudante e suas
demandas” e finalmente a temática do mercado de trabalho na região amazônica encerrará o
processo de realização do GF.
Os encontros contarão com profissionais de instituições educativas, que como convidados,
possam trazer informações e conhecimentos básico para iniciar as discussões e apoiar a condução
do debate. Profissionais estes como: psicólogos, representantes da SEDUC, entre outros.
A realização do grupo focal (GP) atende alguns preceitos metodológicos considerados
fundamentais na área da educação e da pesquisa qualitativa. Assim, a técnica favorece o
contexto no qual não se impõe a necessidade de definição de uma amostra, tendo em vista que
não estamos centrando o estudo numa visão estatística ou quantitativa. No caso da opção pelo
GP fica assegurada a livre adesão dos sujeitos sem a necessidade de especificarmos um limite
quantitativo. Contudo, o processo de abertura de campo será cuidadoso no sentido de assegurar
a representatividade de pelo menos um sujeito de cada segmento, sem os quais a realização da
atividade fica inviabilizada. Assim, o GP será formado pelos sujeitos que desejem participar de
uma discussão, que tem como foco diversas possibilidades da fundamentação do profissional e
a troca de experiência. A prática do GP se desdobra como um elemento relevante para pesquisa,
mas também para a organização escolar, e já neste momento o estudo se reverte como uma
oportunidade e um contributo para a reflexão do processo de orientação para escolha da
formação profissional em uma universidade.
Quanto ao tipo de pesquisa é possível caracterizar pelos objetivos, opções teóricas e caminhos
metodológicos traçados, que o estudo se apresenta como uma pesquisa qualitativa. Para Minayo
(2001), essa escolha trabalha com o universo de significados, motivos, aspirações, crenças, valores
e atitudes, o que implica em um espaço mais profundo das relações, dos processos e dos fenômenos
que não podem ser reduzidos à operacionalização de variáveis. A autora também cita algumas
características da pesquisa qualitativa como: objetivo e fenômeno; hierarquização das ações de
descrever, compreender, explicar, precisão das relações entre o global e o local em determinado
fenômeno; observância das diferenças entre o mundo social e o mundo natural; respeito ao caráter
interativo entre os objetivos buscados pelos investigadores, suas orientações teóricas e seus dados
empíricos; busca de resultados os mais fidedignos possíveis e o envolvimento emocional do autor.
Neste sentido, tanto o levantamento da produção teórica internacional, nacional e estadual sobre
a temática em questão, quanto os documentos, normativos e dados sobre políticas públicas ou
ações educacionais voltadas para a orientação da formação profissional serão interpretados pelos
aspectos marcantes e característicos aos estudos qualitativos.
De acordo com Gil (2008), a pesquisa documental ocorre a partir de materiais que não
receberam ainda um tratamento analítico, ou que ainda podem ser reelaborados de acordo com os
objetos da pesquisa. Ou seja, além de analisar os documentos de “primeira mão” (documentos de
arquivos, igrejas, sindicatos, instituições, secretarias, etc.), existem também aqueles que já foram
processados, mas podem receber outras interpretações, como relatórios de empresas, tabelas
etc. Já a pesquisa bibliográfica é desenvolvida com base em material previamente elaborado,
constituído principalmente de livros e artigos científicos.
A pesquisa ocorrerá no interior de uma escola da Rede Estadual de Ensino da cidade de
Manaus nomeadamente a Escola Estadual João Bosco Ramos de Lina, escolhida a partir dos
critérios previamente estabelecidos como o de possuir projeto pedagógico definido, atuar
exclusivamente com Ensino Médio, possuir políticas ou ações associadas com a universidade e por
fim, ter o maior quantitativo de ingressos (PSC e ENEM) na Universidade Federal do Amazonas.
Desse modo, os dados fornecidos pela Secretaria de Educação do Estado do Amazonas (SEDUC)
e pela Universidade Federal do Amazonas já nos indicaram qual a escola que mais se aproximou
dos critérios de elegibilidade definidos.
A pesquisa envolve a participação voluntária da equipe de gestão da escola, professores,
responsáveis e estudantes do terceiro ano do Ensino Médio. Estes serão convidados a participar
mediante a anuência ao termo de aceite livre e esclarecido, processo recomendado aos estudos
com seres humanos como prevê a Resolução a Resolução 510 de 07 de Abril de 2016 do Conselho
Nacional de Saúde. Os dados serão analisados e gerenciados no sistema de banco de dados N-Vivo
–(qualitative data analysis – QDA), sistema em que serão realizados os registros e categorizações
referentes à pesquisa. Desse modo, o estudo trata como base de análise as leituras, documentos
oficiais, dados públicos, os diários de observação de campo, entre outros. Seguidamente serão
elaboradas categorizações que permitam evidenciar a análise dos dados coletados, num movimento
que segundo Garcia (2015) se tipifica como categorização mista ou composta, visto que não são
previamente estabelecidas, tão pouco negam ou se efetivam exclusivamente no campo cotidiano,
no qual se processa o estudo.
Segundo Duarte (2002), na pesquisa qualitativa, encontramos dados muito significativos
e amplos, mas, também, muito difíceis de serem analisados, sendo necessário, portanto, uma
organização dos dados coletados para sua posterior análise. Esta análise deve ocorrer a partir
de muitas leituras do material de que se dispõe, cruzando informações, interpretando respostas,
notas e textos, estabelecendo-se categorias teóricas ou “nativas” que ajudam a classificar, com
um certo grau de objetividade, o que se depreende da leitura/interpretação daqueles diferentes
textos (DUARTE, 2002). Os dados obtidos a partir das técnicas apresentadas serão ordenados e
analisados a partir da “Análise Interpretativa”, onde interpretar, segundo Severino: “é tomar uma
posição própria a respeito das ideias enunciadas, é superar a estrita mensagem do texto, é ler nas
entrelinhas, é forçar o autor a um diálogo, é explorar toda a fecundidade das ideias expostas, é
cotejá-las com outras, enfim, é dialogar com o autor” (SEVERINO, p.56, 2002).
As relações dos desafios Amazônicos com a pesquisa na área de orientação profissional para a
escolha de um curso universitário.
Desta forma percebe-se que as discussões teóricas propostas nas produções científicas
locais embora não sejam centradas diretamente com a temática proposta são congruentes e
complementares às categorias teóricas propostas.
Estes e outros conceitos apresentados nas diversas produções identificadas serão ampliados
como parte da primeira parte da pesquisa em andamento. Configurando a oportunidade de
explorar as categorias definidas como marco teórico do projeto de pesquisa. Neste contexto
pretende-se realizar um mapeamento teórico cientifico da produção regional em relação às
categorias supracitadas. Como base para este levantamento foram utilizadas as plataformas TEDE
e CAPES. Inicialmente foram analisados na plataforma TEDE doze dissertações relacionadas com
a temática proposta conforme quadro abaixo, em seguida foram identificados na plataforma
CAPES oitenta e seis dissertações desenvolvidas no programa pós-graduação em educação
(mestrado) com a temática proposta, porém retratando outras regiões do Brasil. Entre estas
temáticas encontram-se no segundo quadro comparativo as produções identificadas.
No Temática No de dissertações
encontradas
1 Fatores que influenciam na escolha profissional do jovem e a 1
orientação profissional
2 Orientação Profissional e escolha de formação profissional 1
3 Formação profissional e Trabalho 1
4 Orientação profissional no contexto educacional 1
5 Educação e Trabalho 1
6 Orientação profissional no Ensino Médio 2
7 Políticas públicas e orientação profissional 1
TOTAL = 8
Considerações finais
O ensaio teórico mostrou-se uma excelente oportunidade para alavancar a análise inicial
das categorias focadas no projeto de pesquisa em andamento para o mestrado em educação.
Permitindo uma investigação e levantamento de informações em relação á produção teórico
científica sobre a temática, nas esferas nacional e local.
Quando se trata da produção nacional está presente com frequência nos trabalhos realizados
nas últimas décadas conceitos como: orientação profissional e não mais vocacional, tendo
em vista a questão da preparação para o mundo do trabalho. Numa perspectiva educacional
as categorias teóricas propostas no trabalho de pesquisa precisam ser mais profundamente
exploradas, entendendo como tem se dado realmente a transição de termos e o que cada um
abrange, quanto á questão das políticas públicas o que existe atualmente e quando ao ambiente
escolar o que tem sido produzido.
Tendo exposto os principais elementos do projeto de pesquisa em fase de consolidação é
válido ressaltar que esta atividade apoia o processo de validação metodológica, além de resultar
numa excelente oportunidade de esclarecer, organizar e redirecionar o projeto de pesquisa,
mediante novas leituras e discussões realizadas, pois atualmente a pesquisa se caracteriza por um
movimento de ordenar ideias sobre as temáticas e as categorias que serão exploradas a partir de
cada movimento.
Bibliografia
Introdução
E
ste estudo discute a perspectiva dos internos (alunos) sobre o processo educativo
em uma unidade de internação de adolescentes em conflito com a lei. A pesquisa foi
desenvolvida em uma instituição socioeducativa na cidade de Manaus, utilizando-se
de entrevistas semiestruturada e com a realização de um grupo focal. A produção de estudos
envolvendo está temática vem crescendo, possibilitando uma compreensão diferente do que
é apresentado no senso comum. Rocha, Silva e Costa (2010) apresentam a falta de formação
do docente para se trabalhar com as especificidades do contexto socioeducativo e do público
atendido.
Dialogamos com algumas pesquisas que caminham por essa temática. Lazzarotto (2014)
problematiza a experiência desenvolvida na defensoria interdisciplinar de adolescentes em conflito
com a lei num programa de extensão acadêmica no contexto de políticas públicas brasileiras.
Sciesleski et al (2014) problematizam os modos pelos quais a tecnologia disciplinar, presente nas
medidas socioeducativas de internação direcionadas aos jovens em conflito com a lei, vem sendo
operacionalizada.
Mavasi (2011) discutiu as contradições entre o objetivo institucional de evitar a reincidência
de atos infracionais no auxílio ao adolescente a tornar-se um cidadão autônomo, e as narrativas
e expressões corporais dos adolescentes durante o cumprimento das medidas. Ferrão (2016)
apresenta um relato de experiência de profissional da área da Psicologia, dentro de uma Unidade
de Internação de adolescentes em conflito com a lei, visando relacionar práticas restaurativas com
possibilidade de experiência exitosa ao sistema socioeducativo
Já Menicucci e Carneiro (2011) analisaram as formas de implementação do Estatuto da
Criança e do Adolescente (ECA) e do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)
em dois centros socioeducativos de Minas Gerais, relacionando a maneira como essas instituições
lidam com a presença de duas lógicas coexistentes na política voltada ao adolescente em privação
de liberdade: a coerção e a socialização.
Percebemos que a questão do atendimento aos adolescentes em conflito com a lei vem sendo
debatida em diversas áreas, mostrando cada vez mais a relevância social do tema. Neste estudo
estamos dando visibilidade as opiniões dos adolescentes internados em um centro socioeducativo
a se posicionarem a respeito das atividades educacionais desenvolvidas na instituição.
cento) estão no nível adequado para sua faixa etária. Segundo este documento, a escolarização
diminui na medida que a idade vai aumentando. Especificamente sobre os adolescentes em conflito
com a lei, os dados são alarmantes, já que “51% (cinquenta e um por cento) não frequentavam a
escola e 90% (noventa por cento) não concluíram o Ensino Fundamental” (ROCHA apud SINASE,
2006).
Percebemos que mesmo estudando em uma instituição socioeducativa, que ainda possui
características prisionais, existe uma série de aspectos positivos em relação à oferta das atividades
educacionais na instituição, tais como: o número reduzido de aluno, o acompanhamento mais
próximo do professor junto a alunos que possuem mais dificuldades e a organização didática do
professor é mais favorável a aprendizagem do aluno.
Sobre a oferta de todas as atividades educacionais dentro da instituição, Arapaso nos
diz que: “Aqui dentro tudo é fácil, tudo é perto, a gente não tem que pegar ônibus nem nada, os professores
vêm até nós, diferente que lá fora é a gente que vai, aqui é os professores que vem” (Arapaso – Entrevista).
Esta fala nos permite traçar uma discussão de suma importância no âmbito educacional: o
acesso à escolarização. Segundo Caregnato e Meinerz (2011), o acesso ao ensino fundamental
em escola pública e gratuita no país está praticamente consolidado. Mas a permanência e a
conclusão da escolarização com o nível de exigência e de qualidade desejada ainda é tema que
instiga. O acesso é amplo a escola de nível fundamental, mas somente esta etapa não é capaz
de garantir formação integral e acesso a trabalho com qualidade. É necessário garantir avanços
na compreensão de mundo e nas possibilidades concretas para os indivíduos em outros níveis
educacionais (CAREGNATO, MEINERZ, 2011). O desafio não é apenas garantir o acesso, mas
possibilitar também a permanência nos estudos e que este possibilitasse a transformação social
de cada indivíduo.
Outro aspecto positivo é o comportamento que o adolescente passa a ter dentro da
instituição: “Aqui o ensino é o mesmo lá de fora (...) aqui eu sou mais comportado que lá fora, lá fora eu
gazeto, falto, vou pra lan house” (Arapaso – Grupo Focal). Dentro desse contexto, Siriano afirma que
a aprendizagem passa a ser possível a qualquer um que quiser: “Aprende quem quiser, quem não quiser
não aprende não” (Siriano – Grupo Focal). Nesse contexto socioeducativo, Costa (2005) declara
que muito ainda há que se percorrer para a superação do quadro negativo ao qual se encontra
o contexto socioeducativo, mas existem experiências bem-sucedidas que vão na contramão do
fracasso, que auxiliam o resgate da dignidade dos adolescentes, bem como na construção de seu
projeto de vida, possibilitando mudanças significativas em sua trajetória social.
As atividades educacionais desenvolvidas na instituição possuem alguns aspectos positivos
e a atuação do professor é primordial nesse processo, podendo favorecer a participação e
inclusão educacional do adolescente, fundamental em seu processo de socioeducação. Assim,
concordamos com Freitas (2008) que afirma que os professores devem estar abertos a acolher
a diversidade e às práticas inovadoras em sala de aula, direcionadas para a adaptação e para a
interação social entre diferentes estilos e aptidões para aprender. É necessário que o professor crie
estratégias diversificadas para atender alunos diferentes, possibilitando melhores resultados no
processo pedagógico na instituição. Outra característica que consideramos essencial na prática
docente é sua disponibilidade para o diálogo, estando aberto às experiências e realidades dos
alunos, respeitando suas diferenças e sendo coerente na sua prática diária (FREIRE, 1996).
Outro aspecto que denota a diferença nas atividades educacionais na instituição e nas
demais escolas é apontado por Desana: “A diferença é que aqui os professores respeitam essas coisas de
tarefa que a gente tem que fazer, ai lá fora também que ele explica assim de um jeito assim que não
dá pra entender por causa das matérias também ai fica difícil, confundindo as coisas” (Desana
– Entrevista). Apesar de ser uma ação que deveria fazer parte das atividades educacionais, o
oferecimento de atividades escolares e a cobrança da realização das mesmas, fez com que esta
ação passasse a ser cobrada e valorizada pelo aluno, comparando com a didática do professor na
escola em sua comunidade, que muitas vezes não consegue transmitir os conteúdos ministrados
de forma a ser compreendido pelo aluno.
Outro dado significativo é o reconhecimento de que o processo de ensino e aprendizado
dentro da instituição não se dá de forma unidirecional: “Assim como eles nos ensinam, eles aprendem com
nós aqui” (Arapaso – Entrevista). Na perspectiva do adolescente, os professores também aprendem
com os alunos, havendo uma relação recíproca de ensino e aprendizagem. Segundo Freire (p.13,
1996), “[…] nas condições de verdadeira aprendizagem, os educandos vão se transformando em
reais sujeitos da construção e da reconstrução do saber ensinado, ao lado do educador, igualmente
sujeito do processo”.
A oferta dos cursos profissionalizantes na instituição é um aspecto positivo, em que os
adolescentes afirmam gostar de participar. “Porque eu gosto de fazer esses cursos aí” (Jihaui – Entrevista).
Existe uma clara distribuição das atividades educacionais da instituição em cada período do dia:
“Participo da aula de manhã, participo dos cursos profissionais que vai servir pra nos lá fora. Vime, estamparia,
chocolate, texturização, marmorização, fora uns e outros aí. Informática, cartonagem, fiz vime que eu falei já,
teve alguns que eu gostei e outros que eu não gostei muito, mas eu fiz, vai que de repente eu vá trabalhar num
canto, e tem curso disso, aí eu já mostro o certificado lá. Só por causa disso mas não é por interesse mesmo não”
(Arapaso – Entrevista).
Esta distribuição possibilita que o adolescente participe de todo tipo de atividade a cada dia,
sem ser excluído de nenhuma delas. Os adolescentes geralmente gostam de participar dos cursos
profissionalizantes, mas algumas vezes, permanecem no curso apenas para obter a certificação,
por compreender que poderia facilitar a sua inserção no mercado de trabalho após o cumprimento
da medida.
Também é possível que o adolescente mude de curso, caso não goste daquele no qual ele
está inscrito: “Se eu tô fazendo um curso e eu não gostei desse curso, mesmo que já esteja quase no final, eu
passo pro diretor, que ele vai fazer um modo que eu seja tirado daquele curso que eu não me adaptei e passe pra
outro” (Kaixana – Entrevista). A troca de curso se dá a partir do interesse pessoal do adolescente,
necessitando apenas que ele entre em contato com a direção da instituição: “Pode pedir pra chamar
lá pra gente conversar com ele, pra trocar e pra botar no outro curso” (Desana – Entrevista).
Através da participação em diversos cursos, o adolescente passa a construir uma formação
profissional que, acompanhada da frequência à escola, constituem-se em importantes fatores
para o desenvolvimento de suas potencialidades e para a capacitação para o exercício profissional,
o exercício da cidadania e o desenvolvimento de conhecimentos, habilidades e competências
(JUNQUEIRA; JACOBY, 2006).
Os cursos são oferecidos em parceria com um órgão do Governo do Estado, voltado para
formação profissional: “O diretor que liga pro CETAM e vê qual curso que nós fizemos, o que fica aqui é só
o vime, serigrafia, estamparia e os cursos da professora que tem uns trezentos cursos que ela vai passando um por
um. Agora só retornou o chocolate de novo, eu já fiz vários cursos com ela, eu já fiz cinco cursos. Agora os que fica
aqui, que não sai, é serigrafia, estamparia e o vime” (Arapaso – Entrevista).
Através desta instituição, é oferecida uma grande quantidade de cursos: “É simples, são uma
faixa de uns quinze cursos, aí a gente opina, qual a gente escolhe. Três, tu vai fazer três cursos por dia,
entre os quinze nós mesmo escolhemos três por dia, quanto nós vamos fazer, no caso, estamparia, serigrafia, vime,
percussão, teatro, curso de chocolate, curso de texturização, curso de marmorização, entre estes no caso, se eu
quinze fazer só três desses eu faço, são num prazo de um mês cada curso” (Kaixana – Entrevista). E mesmo
em face do significativo aumento do número de cursos oferecidos na instituição, Baniwa afirma
que mais cursos poderiam ser disponibilizados em um mesmo dia: “Incluir mais cursos pra não ficar
assim não, só três, mas fazer uns cinco, seis, ficar melhor” (Baniwa – Entrevista).
A partir de todo quadro apresentado, percebe-se que os adolescentes possuem uma formação
profissionalizante em que lhes são oferecidos uma grande quantidade de cursos, embora, em
nosso entendimento, essa formação não abranja uma diversidade de áreas profissionais, pois, em
sua maioria, são voltados para áreas de serviços, inexistindo cursos que preparem para atender as
demandas do Polo Industrial de Manaus, por exemplo, ou mesmo para as áreas administrativas ou
que visem atender as potencialidades regionais. Algumas possibilidades de formação profissional
mais significativas são apontadas por Aguiar (2006): panificação, capotaria, estofaria, marcenaria,
artes, mecânica, reciclagem, serigrafia e informática.
Arapaso reconhece a importância da formação profissional e da escolarização: “Porque lá
fora o pessoal assim quando vai pedir emprego, hoje em dia, raramente o cara… Tem que ter informática, se não
tiver…. Até pra varrer rua o cara tem que ter o segundo grau. Se a gente puder trabalhar, a gente pode, menos
informática que pega o certificado pra arrumar emprego. Agora, a maioria dos cursos é pra gente mesmo, pra
montar o nosso próprio negócio, vai servir pra gente mesmo” (Arapaso – Entrevista).
É interessante a diferenciação feita entre os cursos que podem ser utilizados para trabalhar
de forma autônoma e aquele para trabalhar como funcionário. Ainda segundo este mesmo
adolescente, o conhecimento adquirido em cada um desses cursos pode ser realizado na prática:
“Eu falo, de todos os cursos que eu fiz, todos eles, se alguém chegar comigo e mandar eu fazer, eu faço, que eu
aprendi. Eu falo pra elas e elas ficam feliz de eu falar isso pra elas, que eu aprendi alguma coisa de bom aqui
dentro” (Arapaso – Entrevista).
Em pesquisa realizada por Oliveira (2002), os adolescentes atendidos em uma instituição
socioeducativa, afirmam que a participação em cursos profissionalizantes pode possibilitar
a conquista de uma autonomia financeira e de ascensão profissional. Segundo a autora, isto
ocorre tendo em vista que o trabalho é tido como uma forma de regeneração diante da família e
da sociedade. Posição diferente é apresentada por Jacobina (2006), ao falar sobre a perspectiva
de adolescentes sobre a profissionalização, afirma que eles possuem uma perspectiva idealizada
do trabalho e seus possíveis resultados de sucesso e não uma vontade própria de atuar em uma
determinada área, esta autora faz a seguinte conclusão: “É como se o projeto de vida deles também
estivesse esvaziado de sentido”, (JACOBINA, p.91, 2006).
Arapaso descreve como se sente participando das atividades educacionais na instituição:
“Essas atividades que vai servir pra nós no futuro, porque eu tô aqui [na instituição], mas ao mesmo tempo
eu acho que não tô preso, tô aqui passando um tempo, tipo um hotel, eu tô preso quanto tô lá pra dentro [no
alojamento]. Aqui fora a gente estuda pra ganhar o certificado e tal. Tô aprendendo, se eu tivesse lá fora eu não
estava fazendo curso, só vender droga e assaltar”, (Arapaso – Grupo Focal). Além da compreensão da
perspectiva de futuro, outro dado bastante relevante nesta fala são diferentes significados que a
instituição representa: de prisão a hotel, de local de reclusão a um lugar de aprendizagem.
Outro significado bastante marcante é o comparativo que ele faz em relação ao período de
internação e sua vida na comunidade. Mesmo as instituições socioeducativas possuindo uma série
de características prisionais, que segundo Costa e Assis (2006), caracterizam-se fortemente pelo
enfoque punitivo-repressivo de atendimento, dado também confirmado por Bandeira (2006), ela
promove uma série de aprendizagem que podem favorecer o seu futuro, diferentemente do que
ocorre em sua comunidade, que o direciona a prática de atos infracionais, e, consequentemente,
pode lhe impor uma morte prematura. No nosso entendimento, a comunidade acaba
desempenhando um papel na contramão da necessidade dos adolescentes e ele acaba recebendo
em uma instituição para medidas corretivas, uma série de ações que não tem acesso no dia a dia
de sua comunidade.
Ao receberem visitas, seus familiares buscam informações sobre o dia a dia do adolescente
na instituição: “Ela perguntou o que eu faço aqui dentro? E eu expliquei pra ela que eu faço os cursos aqui, que
eu to estudando e que eu acho muito bom aproveitar os cursos aqui dentro e… Os outros que vão começar ai e
aprender né” (Desana – Entrevista). Percebe-se que o diálogo com os familiares gira em torno das
atividades desenvolvidas pelo adolescente em relação aos cursos que participa. Apesar de não
sabermos especificamente como ocorre esse diálogo, acreditamos ser de suma importância que os
familiares acompanhem a aplicação da medida, não apenas obtendo informações, mas dialogando
no sentido de promover fatores de proteção a reincidência em atos infracionais, valorizando as
conquistas alcançadas, mesmos aquelas que são consideradas pequenas para muitas pessoas,
consideramos importante também que a partir deste diálogo, seja possível construir um projeto
de vida no qual a prática de atos infracionais não esteja presente.
Diferentemente do adolescente Desana, Arapaso não costuma conversar com seus familiares
sobre a vida na instituição: “Eu não costumo conversar muito…. eu não costumo participar nada pra minha
mãe daqui de dentro, eu pergunto lá de fora quando ela chega, como minha família ta, meu pai, meus irmãos, se
alguém me procurou, como tão as coisas. Aí, às vezes que eu levo uma coisa pra ela, um pato, um jarro e ela leva
pra casa, ela sabe que a gente faz aí. Mas ela sabe de tudo que a gente faz aqui dentro porque sempre tem reunião,
ela sabe que a gente faz os cursos” (Arapaso – Entrevista). Neste caso, o adolescente foca seu interesse
em obter informações sobre a vida social fora da instituição, mas consideramos significativo esse
interesse sobre informações familiares.
Os familiares conversam com a equipe técnica da instituição sobre o comportamento dos
seus filhos: “Mas é com os técnicos daqui mesmo que eles procuram conversar né. Conversar como tá meu
comportamento, como eu tô aqui dentro, se eu tô bem e o que eu tô fazendo aqui dentro, os cursos, tudo isso aí
eles perguntam” (Desana – Entrevista). Diante das afirmações dos adolescentes, é possível perceber
que existem aqueles que estabelecem um diálogo próximo com seus familiares sobre seu dia a dia
na instituição e há aqueles que preferem falar apenas de temáticas que não envolvam o centro
socioeducativo. Diante destas afirmativas, não identificamos o dado apresentado por Paula
(2004) de que o comparecimento da família visaria demonstrar aos funcionários seu interesse e
pretendia apenas colaborar para uma boa avaliação no relatório semestral do adolescente durante
o seu cumprimento da medida.
Ao discorrer sobre como se daria a inclusão do adolescente na escola em sua comunidade
após o cumprimento da medida socioeducativa, Kaixana afirma que: “Como se fosse um aluno da
escola, ele fez a escola aqui, vamos supor, se ele estudou aqui até o meio do ano, saindo daqui ele pode pegar
a transferência dele e transferir pro colégio que ele bem entender e estudar normalmente, não tem nenhum
problema” (Kaixana – Entrevista). Existe, portanto, a compreensão de que o adolescente seria um
aluno normal na escola em sua comunidade, apenas se transferindo de uma instituição educacional
para outra, e a escola para a qual ele fosse se matricular, seria a partir de uma escolha pessoal.
A inclusão na escola em sua comunidade seria possível dado o desejo de mudança que é
manifestado pelo adolescente: “Porque eu quero mudar, eu quero e vou conseguir, eu sei que roubar não
dá futuro, porque eu não preciso roubar, eu não preciso matar ninguém pra sobreviver, é melhor ser humilde.
Quando eu sair daqui, eu vou trabalhar, tirar minha carteira de motorista, comprar minha moto, comprar meu
carro e assim vai até…. pagar minha casa, pagar minha faculdade” (Arapaso – Entrevista).
Este discurso denotando um sentimento em prol de uma mudança de vida, demonstra
que o adolescente está estabelecendo um projeto de vida longe da prática de atos infracionais,
destacando que a prática de roubos e demais atos infracionais não são necessários para a
sobrevivência pessoal. É importante ressaltar que o estabelecimento de um projeto de vida, em
que “[….] vislumbrar o futuro e planejando-o pode ser visto como um fator de proteção por
estimular a preservação e a conquista da felicidade”, (COSTA; ASSIS, 2006, p.79)
Entre as possíveis dificuldades que o adolescente encontrará na escola em sua comunidade,
Kaixana destaca o preconceito: “Algumas pessoas criticam, outras entendem, essa seria a dificuldade, o
preconceito” (Kaixana – Entrevista). Esse sentimento de preconceito na comunidade escolar não
se restringe aos adolescentes que tenham cumprido a medida socioeducativa de internação, mas
também àquele que cumpre outra medida, como a prestação de serviços à comunidade: “Eu pagava
prestação de serviço, aí quase todas sabiam que eu tinha tido bronca, a professora sabia, o pedagogo, mas eles
confiavam em mim lá, nunca desconfiaram de mim em nada, só que tinham alguns alunos que me olhavam de
um jeito diferente, eu cabulei eu, aí eu fiquei indignado até que eu dei um tapa no moleque lá e tal. Mas eu era
aluno também né, trabalhava o dia todinho e já ficava pra aula, aí eu sai fora, fui beber, curtir, aí to aqui né meu
irmão” (Arapaso – Entrevista).
Apesar de não ser uma posição generalizada, os adolescentes que cumpriram a medida
socioeducativa de internação são alvos de preconceito na escola em sua comunidade e as pessoas
que demonstram ter preconceito são seus próprios pares, os demais alunos. Consequentemente,
por não concordar em ser alvo de preconceito, os adolescentes acabam criando um sentimento
de insatisfação pessoal, levando a agressão física e a motivação para o uso de bebidas alcoólicas.
Sobre o preconceito que muitas vezes acontece na escola e na comunidade, Almeida (2008)
afirma que isso se dá porque eles se sentem marcados pela sociedade por terem sido internos
na instituição, fato que marcará sua vida. O adolescente precisará lutar contra uma imagem de
“marginal”, que lhes é imposta pela sociedade.
Outra dificuldade identificada é apontada por Desana é o fato da escola na comunidade
possuir uma metodologia que envolva um grande número de professores e disciplinas distintas: “A
dificuldade que ele iria ter lá é que lá ele iria ter mais, ia ser mais professor, não seria só um dois como é aqui não.
Ele ia ter matemática, ciências, religião, todos esses professores que tem lá e seria mais difícil pra ele” (Desana –
Entrevista). Para o adolescente, a variedade maior de professores e disciplinas dificulta o processo
de aprendizagem do aluno, diferentemente do que ocorre na instituição, onde os adolescentes
estudam por módulos na educação de jovens e adultos.
Assim, o ideal é que o adolescente passe a estudar em uma escola na sua comunidade que
trabalhe com a mesma modalidade de ensino que é desenvolvida na instituição, a Educação de
Jovens e Adultos. Ao discorrer sobre esta modalidade de ensino, Oliveira (2007) afirma que não
se deve pensar que a Educação de Jovens e Adultos seja uma solução mágica, pois esta não existe,
mas ela pode proporcionar uma série de avanços no âmbito educacional com ações diárias que
provoquem pequenas mudanças e que tragam melhorias qualitativas ao processo educativo nesta
modalidade de ensino.
No nosso entendimento, esta modalidade de ensino pode contribuir de forma significativa
na educação dos adolescentes atendidos na instituição, mas não significa que ela não tenha
limitações e aspectos que precisam ser melhoradas ou que seja a forma mais adequada de ensino
de adolescentes. O foco da EJA é jovens e adultos e não adolescentes. Portanto, a própria natureza
desta modalidade de ensino já apresenta algumas limitações para sua oferta junto a adolescentes.
Entre os pontos negativos no processo socioeducativo na instituição, os adolescentes
enfocaram o trabalho dos monitores: “É o monitor que fica embaçando” (Jihaui – Grupo Focal).
Segundo Kaixana, postura do monitor chega a afetar o processo educativo: “Outra coisa que eu acho
que é errado, o professor passa um filme pra gente explicar o filme, escrever sobre o filme, porque o horário é onze
horas, as vezes o filme passa do horário, as vezes não dá tempo pra gente assistir ao filme, terminar o filme, ai as
vezes o pessoal chega lá e desliga o filme na caixa, desliga a luz, sem pedir permissão pro professor, eu acho que isso
é errado, que deveria melhorar esse negócio. Eles desligam na cara de pau mesmo” (Kaixana – Grupo Focal).
Percebe-se que no intuito de seguir as normas da instituição, o monitor atua de forma rígida,
mas se equivoca ao fazer isso, tendo em vista que acaba desrespeitando tanto os professores,
quanto os alunos. Mas esta relação não se aplica a todos os monitores: “No caso o tratamento do
monitor com a gente, às vezes eles, não são todos, mas a metade deles as vezes xingam a gente, chamam palavrão
pra gente, porque aqui é um centro socioeducativo, eles não tratam a gente como era pra tratar aqui dentro, porque
aqui dentro eles tratam a gente como se a gente fosse preso, era pra tratar como se fosse adolescente” (Arapaso
– Grupo Focal). Segundo Aguiar (2006) o cargo do monitor já possui um clima institucionalizado
e os conflitos surgem como se fossem inevitáveis.
Sobre a relação com a equipe técnica, Arapaso faz um comparativo em relação aos
profissionais que atuam hoje na instituição com aqueles que não fazem mais parte do corpo
técnico da unidade: “Tinha um major que era mais ou menos e umas assistentes sociais que eram cem por
cento. Agora, tem umas aí que não faz nada, não faz o trabalho direito, não chamam o cara pra conversar, tinha
a dona Kanamari, a dona Kambeba, que conversavam com a gente, ligaram do celular dela, gastava dinheiro
pra ligar pra nossa família” (Arapaso – GF). O adolescente valoriza o trabalho do profissional que
promove um trabalho periódico de atendimento individualizado, valorizando, inclusive, o fato de
demonstrar mais comprometimento, não limitando seu trabalho por conta das falhas estruturais
da instituição. Isso denota que os acontecimentos e a forma de tratamento dos funcionários
também é um fator importante para a promoção das medidas de reinserção do adolescente na
sociedade.
Considerações Finais
A partir das discussões apresentadas, podemos perceber que há interesse dos adolescentes
em participar das atividades educacionais, e esta ação pode ser favorecida por uma série de fatores,
tais como: uma boa relação professor-aluno; o professor tratar o adolescente como aluno e não
como infrator; o número pequeno de alunos em sala de aula, que possibilita maior diálogo entre
professores e alunos, fazendo inclusive que o professor tenha mais tempo para focar nos alunos
com mais dificuldade de compreensão do assunto que esteja sendo trabalhado; a fato da oferta
educacional ser parte da ação institucional, não havendo distância entre o local de residência e a
escola, não havendo motivo para a evasão escolar.
Outro aspecto positivo é a possibilidade do adolescente participar de diversos cursos
profissionalizantes, que amplia as chances dele ser incluído na sociedade após o cumprimento da
medida socioeducativa.
Percebe-se, portanto, que mesmo diante das adversidades do contexto socioeducativo, a
escola em unidade de internação de adolescentes em conflito com a lei desenvolve uma ação
inclusiva. Sendo, portanto, fundamental para a inclusão social e promoção dos direitos dos
adolescentes.
Consideramos ser necessário a realização de estudos em outras instituições em regiões
distintas do país. Com a confirmação desses dados, pode ser planejado programas específicos
junto as ações educacionais no sistema socioeducativo. Outra linha de pesquisa que sugerimos
é identificar a inclusão educacional e profissional desses sujeitos ao serem liberados destas
instituições.
Referências
INTRODUÇÃO
O
presente artigo se preocupa em analisar a trajetória da mulher no ensino profissional
em Manaus no período de 1962-1971 na Escola Técnica de Manaus e posteriormente
substituída pela denominação Escola Técnica Federal do Amazonas1. Frente a
essa investigação questiona-se: Quais dinâmicas podem ser percebidas nas atividades exercidas
pelas mulheres na educação profissional? Que espaços eram ocupados pelas mulheres no ensino
profissional em Manaus?
As primeiras fontes encontradas estavam dentro de caixas no arquivo geral da instituição,
hoje denominada de Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Amazonas. Trata-
se de um arquivo localizado na Av. 7 de Setembro que contém inúmeras caixas, organizadas de
forma precária.
No decorrer da investigação a pesquisa apontou para a existência de vestígios, sobre a
inserção e a trajetória da mulher na Escola Técnica em uma época em que as mesmas podiam estar
inseridas no ensino profissional, mas, ao mesmo tempo, havia determinados processos que nos fez
questionar se realmente a mulher poderia ocupar todos os espaços nesta instituição. Dentre esses
documentos, treze abordam os espaços onde as mulheres trabalhavam, os cargos que ocupavam,
e como ocorriam as dinâmicas de substituições nesses espaços. A problematização dessas fontes
consistirá na etapa de análise dos documentos para a construção de uma narrativa histórica. (DE
CERTAU, 1982; MAGALHÃES, 2004).
Este artigo está estruturado em três itens, o primeiro aborda a mulher na invisibilidade da
história, o segundo refere-se ao gênero e trabalho, e o terceiro sobre os espaços ocupados pela
mulher no ensino profissional em Manaus.
Para desmistificar a narrativa histórica tradicional voltada para os “heróis” e pelos grandes
eventos, vários historiadores modificaram essa visão e passaram a valorizar os indivíduos
desconhecidos e comunidades que também contribuíram para a realização desses acontecimentos.
Nos últimos trinta anos nos deparamos com várias histórias notáveis de tópicos que anteriormente
não se havia pensado possuírem uma história, como, por exemplo, a infância, a morte, a loucura,
o clima, os odores, a sujeira e a limpeza, os gestos, o corpo, a feminilidade, a leitura, a fala e até
mesmo o silencio. O que era previamente considerado imutável é agora encarado como uma
1 Denominação por meio da Lei 4.759, 20 de agosto de 1965: Art. 1º As Universidades e as Escolas Técnicas da
União, vinculadas ao Ministério da Educação e Cultura, sediadas nas capitais dos Estados serão qualificadas de
federais e terão a denominação do respectivo Estado.
“construção cultural”, sujeita a variação, tanto no tempo quanto no espaço. (BURKE, 2009,
p.11).
Isso deve ser objeto de investigação na contextualização social e cultural das mulheres
enquanto professoras no ensino profissional em Manaus, e mais especificadamente na Escola
Técnica Federal. Não se trata de estreitar as análises em polos de vitimização ou de independência
enquanto sexo feminino, mas de compreender os movimentos e as dinâmicas dos espaços
ocupados pela mulher na instituição educacional profissionalizante, sem sectarismos, pois a
maior preocupação se encontra nos estudos da realidade frente o objeto de investigação e não no
enquadramento teórico diante do que se vai investigar. (XAVIER, 2005).
GÊNERO E TRABALHO
A autora explica que essa exposição sobre as mulheres era citada pelos jornais de Manaus
e que expressavam posições favorecendo a classe dominante, demonstrando críticas ao
comportamento das mulheres.
Segundo Scott (2009) historicamente a palavra gênero foi utilizada para designar traços
ou caráter sexual. Na atualidade o gênero é utilizado para designar as relações sociais que se
estabelecem em processos sociais e históricos.
Nessa análise histórica do gênero, entende-se que as relações sociais, culturais e econômicas
apontam para o processo de exploração do capital sobre o trabalho, e se entrecruzam com a
concepção do gênero, que estabelece a explosão do capital sobre o trabalho, atingindo de forma
diferenciada homens e mulheres, e “[...] as contribuições de cada qual ao processo histórico.”
(MATOS, 2000, p.15).
Art. 1º Esta lei estabelece as bases de organização e de regime do ensino industrial, que é o ramo de
ensino, de grau secundário, destinado à preparação profissional dos trabalhadores da indústria
e das atividades artesanais, e ainda dos trabalhadores dos transportes, das comunicações e da
pesca.(BRASIL, Decreto-Lei nº 4.073 de 30 de janeiro de 1942, p.01)
Esse documento apresenta três momentos referentes à distinção da educação para os homens
e educação para mulheres: Conceitos Fundamentais do Ensino Industrial, Práticas Educativas e
2 A constituição de 1937 traz em seu bojo a preocupação com a formação profissional indicando no artigo 129 que
esta cabia ao Estado, mas era também responsabilidade das indústrias. (SILVA, 2010, p.12).
Providencias para o desenvolvimento do ensino industrial. Nesse último item do Decreto-Lei fica
evidente essa disparidade:
A Escola Técnica de Manaus foi criada pelo Decreto-lei nº 4.127, de 25 de fevereiro de 1942,
sendo um instituto oficial de ensino profissional, subordinado à Divisão do Ensino Industrial do
Ministério da Educação e Saúde. O prédio estava localizado entre a Av. Sete de Setembro e as
ruas Duque de Caxias, Ajuricaba e Visconde Porto Alegre. O prédio foi construído no período
entre 1938 a 1941. (MELLO, 2009, p.2).
O primeiro, com 4 anos – são os cursos industriais básicos, nas escolas industriais, e que se
formam artífices especializados –, e o segundo, com 3 anos, nas escolas técnicas – são os cursos
técnicos –, para a formação de técnicos especializados. Previa também o curso de maestria, de 2
anos, e estágio correspondente aos cursos industriais básicos e cursos pedagógicos na indústria,
de um ano, para preparo de professores e administradores. Estabeleceu, ainda, a denominação
de escolas artesanais às escolas mantidas pelos estados (RIBEIRO, 1986, p. 137).
Apesar desse crescimentoe estrutura, Maria Luísa Ribeiro alerta que o ensino secundário
atendia “[...] uma população bastante reduzida, em comparação com o ensino elementar” (1986,
p. 132).
No período de 1940 a 1960, em Manaus, a Escola Técnica passou por várias transformações
para se adequar ao Decreto-Lei4.127/42. Em 1965, através da Lei nº 4.759, de 20 de agosto
de 1965 ocorre a transformação da Escola Técnica de Manaus para Escola Técnica Federal do
Amazonas (ETFAM). Essas transformações “foram sendo regulamentadas juntamente com o
ensino, conforme o projeto de governo do momento, que tinha como meta o desenvolvimento do
país” (LOBATO, 2012, p.43). De acordo com Nogueira, a ideologia do desenvolvimento cumpriu
no campo ideológico o que foi formalizado legalmente: “os textos legais foram ajustados para
atender às demandas capitalistas em território brasileiro. A partir da década de 1960 e 1970,
foram orquestrados pela ideologia do desenvolvimento.” (2016, p.30).
Tais demandas significaram a pressão do sistema capitalista em tornar o Brasil um país
industrializado e cada vez mais dependente da política liberal internacional. Aestruturação do
ensino industrial serviu a esses propósitos, marcados por uma política de educação, com forte
apoio militar, voltada para a profissionalização em nível médio, com os cursos técnicos. (SILVA;
MEDEIROS NETA, 2017).
Ao estudarmos a história do ensino profissional no Brasil verificamos que existem duas
concepções básicas sobre o ensino profissional e que foram marcadas no Período Republicano
(1889-1930).Nascimento assim as apresenta:
Uma dirigia-seà educação formal e, por conseguinte, desfrutava de certo caráter sistemático
que, na Idade Média, deu origem aos colégios e universidades que hoje possuímos. A outra
concepção de ensino – com características progressivas, não sistemáticas, lentas e sem método –
refere-se aquele destinado à aprendizagem de ofícios e que ficou conhecido como “aprendizagem
medieval”. (2007, p. 39).
Mais do que a preocupação com as necessidades da economia, parece que a motivação que
justificou a criação dessas escolas foi a preocupação do Estado em oferecer alguma alternativa de
inserção no mercado de trabalho aos jovens oriundos das camadas mais pobres da população.
(1988, p. 13).
3 A pesquisa está sendo realizada no IFAM, mas o período analisado perpassa pela Escola Técnica de Manaus,
posteriormente, Escola Técnica Federal do Amazonas.
Art. 174. Extinguindo-se o cargo, o funcionário estável ficará em disponibilidade com provento
igual ao vencimento ou remuneração até seu obrigatório aproveitamento em outro cargo de
natureza e vencimento compatíveis com o que ocupava. (p. 20).
27, de fevereiro de 1962. Em outro momento, através da Portaria nº 23, de 27 de ferreiro, o Diretor
designou que Zeneide para exercer a função de Chefe do Serviço de Escolaridade, com direito a
gratificação mensal de Cr$ 6.000,00 (seis mil cruzeiros). Em agosto de 1962, Zeneide recebeu 60
dias de férias através da Portaria nº 105, de 17 de agosto de 1962.
A escriturária Zilma Teixeira Garcia, de acordo com a Portaria nº 21, de 27 de fevereiro de
1962 foi designada pelo Diretor Executivo a exercer a função de Secretária da Diretoria a partir
de 1º de fevereiro do referido ano, com direito a gratificação de Cr$ 6,000.00 (seis mil cruzeiros).
A professora Maria Nazaré Rocha da Silva, através Portaria nº 66, de 27 de abril de 1962,
foi designada pelo Diretor Executivo a lecionar História Geral, à noite no curso Técnico de
Eletrotécnica, com direito a gratificação de Cr$ 11.000.00 cruzeiros mensais. Ciente da necessidade
de assegurar a eficiência do Curso Técnico de Eletrônica, e de oferecer a cadeira de História Geral,
foi considerado que a professora “revela capacidade para a referida função”.
A funcionária Nathalia de Mendonça, atravésda Portaria nº 27, de 3 de março de 1962, no
qual o Diretor determinaa exercer função de Orientador Educacional, com o salário mensal de
Cr$ 30.000.00 (trinta mil cruzeiros). Em outro documento, a Orientadora Educacional relatou
ao Diretor que um aluno da 2º série do Curso Industrial Básico ao ser advertido por ela e pelo
Guarda de alunos, a desrespeitou, e espancou um colega, assim, através da Portaria nº 113, de
11 de setembro de 1962, o Diretor resolveu aplicar a pena de suspensão por 5 dias ao aluno. O
terceiro documento refere-se à Portaria nº 137, de 20 de outubro de 1962, onde o Diretor resolve
dispensar as funções de Orientadora Educacional, a pedido, sendo cumprido o disposto no artigo
487, inciso III,da Consolidação das Leis do Trabalho. 4
A escriturária Maria Lenize Lima de Queiroz recebeu Cr$ 11.500 (onze mil e quinhentos
cruzeiros) no período de 26 a 30/04/1965 através do documento de Serviços Prestados do dia 29
de abril de 1965.
A professora Lindalva Paes de Albuquerque, através da Resolução nº 84, de 03 de agosto de
1970, recebe a licença, pelo Conselho de Representantes, para cursar especialização, correlato à
respectiva cadeira de Biologia, na Universidade de São Paulo, sobre a condição de no término do
curso, a professora volta a lecionar na ETM durante 2 anos, e que o pagamento seja determinado
ao recebimento do atestado de frequência da Faculdade de Higiene da Universidade de São Paulo.
A Orientadora Educacional LeonidaZadorosny, através da Ordem de Serviço nº 140, de 31
de dezembro de 1971, recebe do Diretor a autorização para viajar a RJ, SP, Curitiba, e Porto
Alegre, para atualizar os serviços específicos de Orientação Educacional e modernizar os testes
psicotécnicos durante o período de 60 dias.
CONCLUSÃO
A realização desta pesquisa de Mestrado, que se encontra em fase preliminar, nos faz
refletir que devido todo o contexto de descriminação e limitações da participação da mulher, em
determinados espaços da sociedade, é possível que na ETM e ETFAM essas diferenças ocorressem
com menos frequência e a mulher, nesse espaço, tivesse mais visibilidade.
Sem esquecer as contradições que impulsionaram a trajetória da mulher no ensino profissional
em Manaus, pode-se entender as diferenças sociais, culturais e econômicas que possivelmente
tenham favorecido o homem e limitando os espaços que as mulheres pudessem ocupar.
As transformações a acerca do capitalismo configurou-se na ausência da igualdade,
liberdade e da cidadania, assim como Santos (1995) afirma, esses elementos são reconhecidos
como princípios emancipatórios da vida social. Assim, causam o surgimento da desigualdade e a
4 Não foi encontrado o inciso III na Consolidação das Leis do Trabalho, entende-se que o documento pode ter sido
redigido com esse equívoco.
exclusão, principalmente relativo aos indivíduos de classes menos favorecidas, e de grupos sociais
como as mulheres, os negros e indígenas.
A história das mulheres é primordial que seja sempre discutida, estudada e problematizada,
propiciando seu crescimento e a sua visibilidade entre as pesquisas, no sentido de enfatizar que
a igualdade de direito nas relações de gênero podem ser favoráveis para o desenvolvimento na
sociedade.
Percebemos que mesmo estando nessa fase da pesquisa é indispensável, através dos
documentos encontrados, iniciar questionamentos (DE CERTEAU, 1982) e formular as primeiras
hipóteses (THOMPSON, 1981) sobre os acontecimentos e prováveis causas referentes às
trajetórias das mulheres na ETM e ETFAM. Portanto nos cabe, nesse primeiro momento, procurar
em arquivos, acervos, bibliotecas e na própria instituição (IFAM), as fontes que irão extinguir as
possíveis interrogações.
REFERÊNCIAS
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CERTEAU, Michel de. A escrita da história. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1982. Tradução
de: Maria de Lourdes Menezes; Revisão técnica: Arno Vogel.
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Paulista: Editora Universitária São Francisco, 2004.
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2016. 212 f. Tese (Doutorado) - Curso de Educação, Programa de Pós-Graduação em Educação,
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escola pública no Brasil: história e historiografia. Campinas: Autores Associados; HISTEDBR,
2005.
INTRODUÇÃO
O
estudo em andamento apresenta a temática de Educação do campo como uma
política pública de direito social. É parte de uma pesquisa em andamento no Curso
de Mestrado 2017/1 da UFAM-Universidade Federal do Amazonas, que contempla a
análise teórica de Educação do Campo, cujos principais autores mobilizados são Arroyo, Caldart e
Molina (2004), que criticam as políticas compensatórias e defendem a Educação do Campo como
política de emancipação social através das lutas dos povos do campo através dos movimentos
sociais. O texto também apresenta aspectos normativos que passam pela Constituição Federal,
LDBN e Diretrizes Curriculares para as escolas do Campo, além da análise da política social no
Brasil na década de 1990 pelas autoras Beheing e Boschetti (2011) onde realizam o desdobramento
da política social no Brasil e suas consequências nas políticas educacionais brasileiras e a análise
da Educação do Campo no contexto amazônico pelo autor Araújo (2003).
No século XX, os sistemas educacionais eram segregados por raça, gênero e classe social.
Com os movimentos sociais estabeleceu uma escola secundária abrangente a fim de democratizar
a educação para todos os excluídos. Verificamos uma defasagem na educação oferecida aos povos
da Amazônia. A Educação foi trazida para o contexto da assistência social por meio de políticas
compensatórias.
Segundo o Relatório de Educação para o século XXI de Jacques Delors (1988), relatava
que para sobreviver á concorrência do mercado, para conseguir ou manter um emprego, para
ser cidadão do século XXI, seria necessário dominar os códigos da modernidade. Nessa mesma
década foi elaborada uma documentação pelos organismos multilaterais através dos diagnósticos,
análises e propostas aos países da América Latina que foram decisivas na construção de políticas
públicas para educação no Brasil. Foram no governo de FHC que se efetivaram as reformas
neoliberais no Brasil na década de 1990.
A política social no Brasil, país de periferia do mundo capitalista, desenvolveu-se de forma
diferenciada e foram implantadas a partir de 1930. Na verdade, essas políticas significavam
freios ao Capital e uma forma de contenção da pobreza, desemprego, miséria e marginalidade.
O Capital precisava de uma nova ordem para poder se manter após sua fase de apogeu. Por
isso, o Capital promoveu políticas sociais até não romper com suas expectativas. O processo
ideológico foi bem articulado para hegemonia do Capitalismo. O Brasil foi visto como País em
Desenvolvimento, onde a burguesia tentava implantar a industrialização. Porém o Capitalismo
era engendrado por outra potência. Os acordos de classes tinham objetivo de garantir altas taxas
de lucro e produtividade, em contrapartida teriam que garantir alguns direitos aos trabalhadores.
Por isso é necessário analisar essa nova dinâmica do Capital, pois a organização social é fruto
dessa nova organização.
Na década de 90, ocorreu na Inglaterra no governo de Thatcher (1979-1990) uma
contrarreforma onde houve um processo de desregulamentação, privatização, flexibilização
e estado mínimo, configurando o neoliberalismo. No Brasil nos anos de 1990 no governo de
Fernando Color de Melo iniciou o modelo implantado por Thatcher onde o país foi inserido na
economia mundial. Nesta época foi retomando a Teoria do Capital Humano que afirmava que a
educação era um dos principais determinantes na competitividade entre os países.
O contexto Amazônico possui características bem peculiares em relação a outras regiões
do Brasil afetadas pelo capitalismo. De um lado possui uma extensa diversidade cultural devido
os processos migratórios ocorridos na região dando origem a diferentes povos, de outro lado
possuem muitos problemas sociais dentre os quais podemos citar: o êxodo rural onde o homem
do campo desiste das tentativas de sobrevivência no campo amazônico e parte para a cidade,
ficando relegado à margem da sociedade urbana; a fome que devasta milhares de famílias, afetando
principalmente as crianças que não tem motivação para enfrentar uma sala de aula e sequer
condições de aprender, entre outras situações de pobreza que resultam da falta de políticas públicas
que atendam os sujeitos que vivem no campo de forma que garantam o acesso aos direitos sociais
como educação, saúde, segurança, moradia entre outros.
Percebemos a necessidade de uma Educação do Campo que valorize seus sujeitos e sua
realidade e seja construída junto com eles e não mais para eles a fim de que tenham autonomia no
processo de emancipação social. A partir da construção de Escolas do Campo haverá possibilidades
de discussão, análise, criação e implementação de políticas públicas para os povos das florestas,
ribeirinhos, quilombolas, indígenas e tantos outros que habitam o cenário amazônico.
Dentre os problemas da educação nas zonas rurais da Amazônia, podemos observar os
grandes índices de analfabetismo (IBGE, 2010) devido a vários fatores que essas populações
enfrentam como: grandes distâncias, precária qualidade de ensino, escassa oferta de educação
para todos os níveis de ensino, falta de recursos financeiros para investimentos no transporte
público, estrutura dos prédios escolares entre outros.
Os programas de educação compensatória foram uma resposta ao fracasso da expansão
educacional do pós-guerra e do acesso igualitário para oferecer uma igualdade efetiva. A crença
de que o indivíduo pobre não é como o restante de nós, afetou a elaboração dos programas
de educação compensatória através da cultura da pobreza. Nesse contexto, os professores
deveriam apenas “seguir a cartilha” e executar as políticas públicas e nunca ajudar na elaboração
das mesmas ou mesmo se contrapor a elas. As pessoas pobres no contexto da Amazônia são
consideradas objeto dessas políticas e não como sujeitos de sua história e autoras do processo de
transformação social.
Os programas compensatórios foram planejados para reinserir as crianças em desvantagem
no caminho da escola regular. Os métodos de ensino e de avaliação tradicional tornaram-se fontes
de dificuldades sistemáticas. E são estes programas escolares falidos que são implantados nas
escolas do campo, rompendo com a verdadeira realidade dos povos da Amazônia e distanciando
a escola da vida, do trabalho, do próprio campo.
Lareau (1987) aponta os pais proletários que desejam o avanço educacional para seus filhos,
mas que não têm as técnicas ou recursos que a escola exige. As pessoas pobres do campo possuem
poucos recursos e com isso possuem vulnerabilidade em relação ao poder constitucional, não
tendo voz ativa para ir a busca de garantir os direitos assegurados na Constituição (1988) que
relata no artigo 205 que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e será
DESENVOLVIMENTO
A partir da Conferência foi produzido um diagnóstico dos países a fim de traçar um perfil
das condições adequadas à concretização do ideário em discussão. A expressão Para Todos
significava universalizar a educação básica que compreendia desde o ensino infantil até o ensino
médio e de acordo com alguns autores, o NEBA dizia que para estratos sociais diferentes seria
disponibilizado um ensino diferente. Comprovamos o dualismo na Educação Brasileira onde
haveria uma Educação diferenciada para os ricos e outra para os pobres.
Podemos destacar que houve Reforma no século XX, no chamado Welfare State, combinação
entre acumulação e diminuição dos níveis de desigualdade citado por Behring (1998), sob pressão
dos trabalhadores com a ampliação do papel do fundo público através de medidas Keynesianas
como a proteção do emprego e do atendimento de algumas demandas dos trabalhadores. Esses
feitos eram realizados por um Estado de Direito e da social-democracia que lutava por direitos e
melhores condições de vida e de trabalho para a classe trabalhadora.
Nos anos de 1990 ocorreram reformas no Brasil orientadas pelo mercado cujos problemas
eram vistos como principais causas da crise econômica e social vivida pelo país desde a década de
1980. Por isso, segundo Behring e Boschetti (2011) estaria aberto o caminho para o novo projeto
de modernidade. As reformas eram baseadas na privatização e na previdência social, destacando
que as conquistas realizadas na Constituição Federal de 1988 eram consideradas ineficientes para
o progresso da nação e que nesta nova conjuntura seria necessária uma nova forma de organização
que promoveria a hegemonia do projeto neoliberal.
Porém de acordo com Berhing e Boschetti (2011) a social-democracia passou a trair suas
próprias reformas, adotando políticas neoliberais em vários países a partir de 1980. No caso do
Brasil não houve reformas socialdemocratas, mas sim processos de modernização conservadora
e de revolução passiva. Nessa perspectiva houveram mudanças na vida e trabalho na massa da
população, porém de forma que a classe dominante continuasse no controle do poder. Com a
instituição do Plano Real em 1994, no governo de FHC- Fernando Henrique Cardoso houve uma
reorganização do Estado Brasileiro que passava a se articular de acordo com a lógica do Capital
com argumento da crise que se estendia desde 1980 e dos processos de democratização do país.
O centro dessas reformas foi o ajuste fiscal. Argumentava-se que o problema estaria
centrado no Estado que necessitava de uma reformulação e precisava seguir novas orientações a
fim de encontrar soluções que minimizassem custos e corrigissem as distorções. Enquanto isso a
economia interna passava a ser inserida na ordem internacional através de financiamentos que
deixaram o país cada vez mais endividado.
Na reforma do Estado destacou-se a regulamentação do terceiro setor para a execução das
políticas públicas. Este processo caracterizou-se por meio de parcerias com ONGs e Instituições
Filantrópicas para execução dessas políticas. Essas políticas sociais eram criadas através das
reformas constitucionais e das medidas provisórias relegando a grande maioria da população
o papel de aceitar e seguir as novas políticas, além dos cortes de recursos e implementação de
políticas sociais a uma lógica de adaptação ao Capital.
Com o impeachment do presidente Collor em 1992 iniciou o processo de implantação de
políticas educacionais a partir da I Conferência de Educação para Todos que impulsionou a criação
do Plano Decenal de Educação em 1993, já no governo de Itamar Franco. As recomendações
de Jomtien através dos organismos multilaterais eram identificadas nos anteprojetos da LDBN
que constavam cortes de verbas e a privatização de vários setores educacionais. Na LDBN foi
inaugurada uma lei genérica; legislações em doses homeopáticas; estratégias de reformas políticas
educacionais. A Educação como direito social. Direito é correlação de forças, ter enquanto direito,
lutar por esse direito até então conquistado.
A política educacional da década de 1990 foi reformada através do currículo, no financiamento,
formação e avaliação. Houve o rompimento do dualismo em 1982 com a Profissionalização do
2° grau para todos- Ricos e pobres. A Concepção de Subdesenvolvimento foi substituído pelo
fomento das economias locais chamado de Neo desenvolvimentismo, embasado numa política
para dar resposta a uma crise onde o Estado seria o coordenador e por meio da governabilidade
iria garantir o crescimento econômico articulado ao crescimento social. Nesse contexto era dever
do Estado garantir os direitos sociais e a LDBN dizia que primeiramente seria dever da família,
desresponsabilizando o Estado de seu compromisso com a criação de políticas públicas efetivas
no setor educacional a fim de contribuir na construção de políticas públicas educacionais para
toda a população.
Com a ascensão do Capitalismo, a exploração dos trabalhadores cresceu de forma avantajada
e consequentemente, a luta de classes. Nessa luta de classe, os trabalhadores organizaram-se para
enfrentar os processos exploratórios e em contrapartida, os capitalistas promoviam estratégias de
controle social através das políticas sociais que atendiam algumas demandas dos trabalhadores
organizados. Os processos de exploração dos trabalhadores causaram elevados índices de
pobreza e desigualdade social e a partir das lutas os trabalhadores conseguiram alcançar melhores
condições de vida e de trabalho. De acordo com Heloísa e Arminda (2016, p. 191) “por meio das
lutas os trabalhadores asseguraram importantes conquistas as quais constituíram padrões de
proteção social que puderam desempenhar um papel na redução da vulnerabilidade e ensejaram
proteção e bem-estar dos pobres”.
O campo no Brasil é tido como entrave ao Desenvolvimento Capitalista que o subordina
ás cidades e o considera como atrasado e insuficiente. O Amazonas possui uma população rural
de 728.495, que se encontram, geralmente segundo os dados do IBGE (2010), em condições de
pobreza, passando, também, por um processo de exclusão de seus direitos sociais, tendo em
algumas ocasiões somente a presença da escola, como politica pública. Os sujeitos do campo
amazônico são compostos por milhões de brasileiros entre ribeirinhos, agricultores, indígenas,
caboclos, mestiços e entre outros povos que tiveram origem nos processos de migração e
miscigenação dos povos formando uma extensa diversidade cultural na região.
A Educação do Campo leva em consideração a participação dos sujeitos que vivem e
trabalham no campo, suas peculiaridades e particularidades. A Educação deve ser no e do
Campo e não para o Campo seguindo os mesmos parâmetros dos processos educacionais da
cidade. Segundo Caldart (2002, p. 10), no: o povo tem direito a ser educado no lugar onde vive;
e do: o povo tem o direito a uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação,
vinculado á sua cultura e as suas necessidades humanas e sociais. Nessa educação há necessidade
de incluir os diversos sujeitos que vivem no campo, como sujeitos de direito e protagonistas dos
seus processos educacionais.
Diante da I Conferência Nacional Por uma Educação do Campo (1998) foi concluído que
seria necessário uma escola e uma educação que se identificasse com seus sujeitos e valorizasse
a cultura local. Foi ressaltado que a Educação do Campo deveria ser colocada na luta pelos
direitos. É através dos Movimentos sociais que a Educação do Campo será colocada no terreno
dos direitos a partir das relações da educação com: saúde, cidadania, cooperação, justiça. Para
Arroyo, Caldart e Molina (2004) o movimento Social no campo representa uma nova consciência
do direito á terra, ao trabalho, á justiça, á igualdade, ao conhecimento, á cultura, á saúde e á
educação. O conjunto de lutas e ações que os homens e mulheres do campo realizam, os riscos
que assumem, mostram quanto se reconhecem sujeitos de direito.
De acordo com Vidal (2003) há necessidade de uma Educação do Campo que contenha uma
política educacional que organize melhores escolas; que dissemine escolas rurais pelo interior, com
a formação de um professorado próprio para esse fim, o que se poderia fazer sem muita demora,
realizando-se uma política para a construção da escola rural em todos os cantos.
É necessária uma reforma educacional no campo amazônico onde a escola que é
reconhecida como meio para que esses sujeitos alcancem desenvolvimento social, ofereçam a
eles uma formação integral capaz de dinamizar sua ação pedagógica e interagir com a vida no
campo. Porém o que vemos na Educação do Campo é uma realidade bem diferente onde ao
invés de educar o homem do campo para a vida é somente instruído a ele os conteúdos básicos
das disciplinas como matemática, português, história, geografia entre outros caracterizando uma
educação tradicional e bancária a exemplo da educação da zona urbana.
Os programas escolares devem promover relações entre a escola e a vida no Campo,
oferecendo ao educando um ensino que contenha significados para a sua vida pessoal a fim de
terem uma formação integral. Isso exigiria uma reforma educacional nos métodos, no interesse
com a disciplina, na criança com a escola, nos pais com o ensino. Essa aproximação entre a
escola e a realidade do homem do campo faria toda a diferença no projeto de emancipação deste
homem. Para isso os poderes públicos deveriam criar políticas públicas que dessem prioridade a
essas mudanças e disponibilizassem investimentos financeiros para que essa reforma educacional
beneficiasse a grande população do campo que se encontra no Amazonas.
Verificamos que a falta de importância dada a Educação desses povos do campo traz consigo
um atraso dessas comunidades que acabam desistindo de suas vidas no campo e partindo para
as cidades em busca de melhores condições de vida. Araújo (2003, p. 438) diz que o Campo e o
meio rural estão sendo despovoados. Esse despovoamento se dá devido aos elevados processos
de exploração que esses povos do meio rural do Amazonas sofreram e sofrem até nos dias atuais.
A posse de terras para a exploração das matérias-primas de forma predatória e a exploração da
força de trabalho dos que se encontravam no meio rural eram metas de integrar a região a nova
ordem do Capital ocasionando grande resistência e em consequência o extermínio de muitos,
principalmente os nativos (indígenas) que se encontravam na região. De acordo com Arminda
(2016, p. 23) o mercantilismo europeu não ocupou a Amazônia, mas implementou um processo
de despovoamento, acentuado pela ruptura de modo de produção indígena e refletindo nos ciclos
econômicos posteriores.
O campo está sendo despovoado e por isso a base da educação deve ser voltada para
o sentido rural. Devemos criar uma cadeira de ruralismo nas escolas normais. Deve-se criar a
campanha contra o êxodo do homem, pela escola rural é de extrema importância, pois o homem
é considerado o centro da vida e do universo. E é com a permanência desse homem no Campo que
ajudaremos nossa nação a alcançar desenvolvimento.
A democratização da educação seria um ponto de partida, pois para o Autor Araújo, a
educação nacional não existe de fato. Percebemos que a educação só atinge a minoria das pessoas
enquanto a maioria vive á margem educacional. Não se dá ao povo uma educação do e para o
povo, de acordo com a sua realidade e segundo as suas reais necessidades. O homem anseia por
uma educação completa e que se desenvolva em todos os setores de sua vida. A educação é um
meio que pode fazer com que o homem evolua sobra terra e assim alcance a sua emancipação
á medida que pratique a democracia, transformando a escola em comunidade escolar onde os
alunos passam a ter autonomia e permita a criação dos conselhos escolares juntamente com os
pais. Dessa forma toda a comunidade escolar teria voz ativa e poderia participar das tomadas de
decisões. Para Arroyo, Caldart e Molina (2004, pág. 12):
Não se trata de “inventar” um ideário para a Educação do Campo; isso não repercutiria na
realidade concreta, que é a que nos interessa transformar, e nem seria uma verdadeira teoria. O
desafio que temos, como sujeitos que colocaram esta “bandeira em marcha”, é de abstrair das
experiências, dos debates, das disputas em curso, um conjunto de ideias que possam orientar
o pensar sobre a prática da educação da classe trabalhadora do campo; e, sobretudo, possam
orientar e projetar outras práticas e políticas de educação. Por isso, esse é um trabalho que será
tanto mais legítimo quanto realizado de modo coletivo.
Deveríamos pensar numa escola onde todos tivessem acesso e não somente uma parte da
população fosse privilegiada. Uma educação para todo o povo, porém uma educação de qualidade
que atendesse os anseios do homem do campo e compreendesse sua vida, trabalho, cultura e
principalmente o meio em que vive. Devido o descaso do Estado e da família, a escola não cumpre
as suas funções sociais. Estamos em um problema que é transformar a escola primária em escola
ativa. A educação é vida, desde o nascimento até a morte do homem.
O MEC- Ministério da Educação desenvolveu várias ações educacionais ás populações que
residem no campo - compreende agricultores familiares, extrativistas, pescadores artesanais,
ribeirinhos, assentados e acampados da reforma agrária, trabalhadores rurais assalariados,
quilombolas, caiçaras, povos da floresta, caboclos. A esses cidadãos, a escola deve atender
respeitando uma série de princípios, entre os quais se destaca o respeito à diversidade, nos aspectos
sociais, culturais, ambientais, políticos, econômicos, de gênero, raça e etnia- como: Escola Ativa,
Projovem Campo, Procampo, Construção de escolas entre outros.
De acordo com a LDBN- Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no seu 1° artigo
diz que:
A escola deverá entrar em sintonia com toda a dinâmica do campo e associar para dentro
dela os saberes produzidos em outros espaços de vida existentes no campo como a família,
trabalho, movimentos sociais e assim reformular suas práticas pedagógicas que irão interpretar
sintetizar e produzir novos saberes de acordo com a realidade do campo fazendo que o acesso a
esses saberes produzidos sejam disponibilizado para todos.
Temos que dar aos homens do interior o ensejo de um maior acesso á cultura geral da
humanidade. Esse movimento de elevar a cultura desses homens humildes, esquecidos, é o
da chamada “educação popular”. É possível ir ao homem do interior levando outros recursos
para transmutar a cultura primitiva. Só a produção comunicada ou a educação intuitiva ou a
autoeducação poderá levar o homem para essa destinação dos céus (ARAÚJO, 2003).
A Educação possui uma função social e está sempre a serviço da Comunidade, da ordem,
da prosperidade e da paz amazônica, neste caso pensando em uma educação para a Amazônia.
A escola é responsável por formar cidadãos para a República. Sabemos que a escola está dividida
em dois aspectos: o urbano e o rural. Um povo não pode evoluir sem ser bem encaminhado na sua
educação. É pela escola que a vida social se desenvolve. As escolas da zona rural devem preparar o
espírito e a mentalidade agrária, pois somos um país agrário, porém deixamos de lado o espírito
rural de nossa formação. A Educação do Campo vem se destacando na luta pelos direitos através
das ações dos Movimentos sociais que torna possível uma nova escola onde seriam recuperados
os valores próprios do homem do campo que é considerado um sujeito de direito, o qual se
pauta, segundo Arroyo, Caldart e Molina (2004) sujeitos de história, de lutas, como sujeitos de
intervenção, como alguém que constrói que está participando de um projeto social.
De acordo com as Diretrizes operacionais para a Educação Básica nas do Campo no artigo
2°, parágrafo único ressalta que:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação ás questões inerente á sua
realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória
coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia, disponível na sociedade e nos
movimentos sociais em defesa dos projetos que associem as soluções exigidas por essas questões
sociais em defesa dos projetos que associem as soluções exigidas por essas questões á qualidade
social da vida coletiva do país.
Percebemos que essas diretrizes apontam a escola como espaços que irão associar os saberes
produzidos nas escolas com os saberes que emanam de outros espaços da vida do educando a fim
de que a formação humana do indivíduo do campo contemplem meios que beneficiem a sua vida
social em diversos aspectos e não somente o educacional. Essas Diretrizes apontam que o poder
público tem o dever de garantir a universalização do acesso da população do campo á Educação
Básica e a Educação Profissional de Nível Técnico (Art. 3°, p. 34). Porém essa Educação deve ser
oferecida ao homem do campo com qualidade social, valorizando-o e preparando-o não somente
para o mundo do trabalho, mas para a vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste contexto a educação do campo necessita se dinamizar, dinamizar sua ação pedagógica
para acompanhar e suprir as necessidades do campo, tornando-se um meio que faça o homem
evoluir na terra (ARAÚJO, 1956). Percebemos a escola como um espaço capaz de integrar os
saberes, a cultura, as experiências e as necessidades apresentadas por estes sujeitos que vivem
no campo a fim de produzir novas práticas educativas que formem cidadãos que exerçam sua
cidadania.
A educação do campo visa integrar em seu currículo os saberes que não são aqueles retirados
das escolas das cidades, mas saberes que se relacionem com a vida, com o trabalho, com a cultura,
com a tecnologia, possibilitando a sua formação de forma integral. Dessa forma percebemos a
escola como um espaço que inclua o homem, a mulher, o jovem e a criança do campo tornando-
os sujeitos de direito responsáveis pelas suas próprias lutas e transformação social.
Portanto, a Educação do Campo vista como concepção de vida do homem do campo deve
propiciar uma educação que tem a função social a serviço da comunidade e que seja um espaço
onde se promova lutas contra o que é imposto pela sociedade capitalista. Embora a Amazônia
possua uma população rural que vive em condições de pobreza e muitas vezes esquecida pelos
setores públicos, a Educação ainda é o caminho para que os povos amazônicos se tornem
protagonistas de sua história e assumam autonomia na transformação social e emancipação
humana. Verificamos que é por meio das lutas que os povos do Campo irão conquistar seus
direitos, principalmente através da criação de políticas públicas que garantam o direito a uma
educação de qualidade.
REFERÊNCIAS
ARROYO, M. G.; CALDART, R. S.; MOLINA, M. C. Por uma Educação do Campo. Petrópolis:
Vozes, 2004.
BEHRING, Elaine Rossetti. Política Social no Capitalismo Tardio. São Paulo: Cortez, 1998.
BEHRING, Elaine Rossetti; BOSCHETTI, Ivanete. Política Social: fundamentos e história. 9 ed.
São Paulo: Cortez, 2011.
noticias/591061196/16002-decreto-organiza-politicas-publicas-educacionais-no-campo>.
Acessado em: 17 de setembro 2017.
______. Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Lei número 9394, 20 de dezembro de
1996.
MOURÃO, Arminda Rachel B.; BORGES, Heloisa da Silva. Pensando a educação básica no
campo amazônico. In: PINHEIRO, Maria das Graças Sá Peixoto; FALCÃO, Nádia Maciel (orgs).
Políticas Públicas, Educação e Desafios Amazônicos. Manaus: EDUA, 2016.
INTRODUÇÃO
A
Constituição Federal de 1988 em seu art. 205 descreve que a educação é um direito
de todos e dever do estado e da família, com vistas ao pleno desenvolvimento do ser
humano tanto para exercer sua cidadania quanto para sua qualificação profissional.
Dentre algumas competências em cada esfera governamental, explicitamos algumas: cabe
ao governo federal a responsabilidade a elaboração das normas para os sistemas de educação;
ao municipal, a educação infantil e os anos iniciais do ensino fundamental; ao estadual, os anos
finais do ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos.
Nesse sentido, os movimentos sociais do campo vêm afirmando que é dever dos órgãos
públicos em suas instâncias federal, estadual e municipal, a responsabilidade constitucional de
providenciar escolas para todos, inclusive, em contextos de assentamentos e acampamentos
rurais.
Segundo esses movimentos, o campo é um espaço onde vivem milhões de famílias que
plantam e colhem, criam peixes e animais para o abate, enfim, pessoas que tiram seu sustento da
terra e, ao mesmo tempo, contribuem com o desenvolvimento da economia do país.
O texto busca contribuir com o desafio de construir uma educação infantil que valorize a
história econômica, social e cultural das crianças moradoras dos contextos de assentamentos e
acampamentos rurais. As crianças tanto dos contextos urbanos quanto dos rurais, constroem sua
identidade na relação com o meio em que vivem, incluindo seus pares, os adultos e sua cultura
e, no caso das crianças do campo, numa relação orgânica com a terra. Assim questionamo-nos:
Qual a concepção que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem sobre a educação de
crianças menores de seis anos de idade moradoras nas áreas de assentamentos e acampamentos
rurais?
Este estudo, de caráter teórico, de abordagem qualitativa, tem como objetivo compreender
a concepção que o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra tem sobre a educação de
crianças menores de seis anos de idade moradoras nas áreas de assentamentos e acampamentos
rurais. Assim, trazendo algumas reflexões que foram organizadas a partir dos estudos realizados
pela autora, para a construção de sua dissertação de mestrado, desenvolvida no Programa de
Pós-Graduação em Educação e Ensino de Ciências na Amazônia da Universidade do Estado do
Amazonas –UEA e, com apoio financeiro da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de
Nível Superior - CAPES.
Para alcançar o objetivo proposto, fizemos uma revisão de literatura nas obras de Caldart
(2004); Kuhlmann (2000); Silva, Pasuch e Silva (2012); Cadernos de Educação do MST; Boletins
de Educação do MTS e outros.
Estruturamos o texto em dois tópicos. No primeiro tópico, tecemos um diálogo sobre a
história da infância e o tratamento dado a elas no percurso da história. No último, abordamos a
gênese da educação infantil do e no campo e a concepção que os movimentos sociais do campo
tem sobre as crianças que vivem em assentamentos e acampamentos.
As crianças na Idade Média eram tratadas como um pequeno adulto. Na faixa etária entre
seis e sete anos, a criança vivia no meio dos adultos e deveria comportar-se como tal, não tendo,
portanto, diferenciação no tratamento e no cuidado (KUHLMANN, 2000).
Segundo o pesquisador, nesse período, a mortalidade infantil era altíssima, visto que a
ciência médica ainda não havia sido desenvolvida, e assim, não se tinha conhecimentos sobre as
doenças e nem como trata-las. Frente a isso, os pais não costumavam apegar-se aos filhos para
não sofrerem, caso os pequenos viessem a óbito.
Segundo o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra - MST (2011) as transformações
ocorridas no século XVIII, causadas pelo avanço da ciência, a implantação do capitalismo, a
solidificação da sociedade de classes e a luta dos trabalhadores, é que
vão atribuindo à criança um lugar social diferente dos adultos e vai se dando outro sentido à
infância. A crianças não é mais vista como o adulto que será, e a infância passa a ser compreendida
como um tempo próprio de vida, com suas características e necessidades, um tempo a ser vivido
por todo ser humano. (p. 12)
Ainda para o MST (idem), a infância se torna importante no período capitalista, porém, o
propósito é prepara-la como um novo consumidor. Na escola, a finalidade é formar “o trabalhador
obediente e disciplinado, que não reage, não se organiza e aceita a realidade como está”, (p. 12).
Quanto a história da educação infantil no Brasil, havia dois tipos de atendimentos. A creche,
que atendia as crianças das camadas populares das mães trabalhadoras, enquanto, o jardim de
infância, vinculado ao sistema de ensino, atendia as crianças das classes média e alta.
As primeiras instituições para atendimento das crianças no Brasil foram as denominadas
Rodas dos Expostos, sob gestão da Santa Casa de Misericórdia. Estas instituições recebiam
crianças abandonadas com intuito de dirimir o índice de mortalidade infantil dos pequenos.
A primeira Roda dos Expostos foi criada em Salvador no ano de 1726; a segunda no Rio de
Janeiro em 1738 e, a terceira, foi em Recife no ano de 1789. Nesse tipo de atendimento, a criança
passava a morar na instituição até a idade adulta ou ser adotada por outra família, perdendo,
portanto, o vínculo com sua família biológica. A Roda dos Expostos existiram no Brasil até 1950.
A creche surge nos anos de 1896, final do século XIX, quando a Companhia de Fiação e
Tecidos Corcovado, inaugura uma creche com intuito de atender os filhos das suas colaboradoras.
Início do século XX, outras creches, algumas ligadas às indústrias e, outras, de cunho filantrópicos,
para atender às trabalhadoras das indústrias, as trabalhadoras domésticas, visto que, com o fim
da escravidão no Brasil, as trabalhadoras domésticas substituem os trabalhadores escravos.
Quanto ao jardim de infância ou pré-escola, a primeira foi criada em São Paulo no ano de
1875, por uma iniciativa particular. O jardim de infância criado pela rede pública só ocorreu no
ano de 1896, também na capital paulista. Com o movimento Escolanovista nos anos 1920 a 1930
e a consequente Reforma Educacional, outros jardins de infâncias são implantados em vários
estados do Brasil. Ainda nos anos 30, em São Paulo, sob a coordenação de Mário de Andrade
que estava à frente do Gestão da Cultura, cria os Parques Infantis para atendimento de crianças
de três a dez anos de idade. O movimento por creches, se consolida nos anos 1970 nas grandes
cidades do Brasil, citamos o Rio de Janeiro, São Paulo, Belo Horizonte e Recife, estendendo-se,
posteriormente, a outros estados.
Ressalta o MST em seu Caderno de Educação no 12 (2004) que o movimento por creches
deixa de ser uma reivindicação das mães trabalhadoras e passa a ser uma reivindicação por
uma Educação Infantil, organizada pelos movimentos da sociedade civil organizada. Assim
pesquisadores voltados para as questões da infância, trazem à discussão sobre a importância do
trabalho educativo para os pequenos de zero a seis anos de idade.
Assim, nos anos 1980, dá-se início a uma política nacional de educação infantil. O direito
da criança à educação infantil em espaços coletivos se dá com a Constituição Federal de 1988
no art. 208. Na década de 1990, com o lançamento do Estatuto da Criança e do Adolescente –
ECA, o direito a educação é reafirmada. Com a promulgação da Lei de Diretrizes e Bases para
a Educação Nacional – LDB em 1996, a creche e a educação infantil passam a fazer parte da
educação básica, vinculada ao sistema de ensino, sendo portanto, a primeira etapa da educação
básica. Nos anos 1998 o Conselho Nacional de Educação elabora as Diretrizes Nacionais para a
Educação Infantil – DCNEI, direcionando os princípios e eixos norteadores para o desenvolvimento
de projetos pedagógicos para o trabalho com crianças, estabelecendo que cuidados e educação
são indissociáveis.
Afirma o MST (2004) que as discussões em torno da Educação Infantil para os contextos
de assentamento e e acampamentos surgiu dada a necessidade de compartilhar com as famílias
do movimento, os cuidados e a educação de seus filhos, e que esta educação, fosse coerente
com os ideais de justiça social almejados pelos participantes do movimento sem-terra. Para eles,
o movimento em si, é um grande educador de suas crianças, visto que é nesse meio social que
as crianças vivem suas infâncias e participam na luta pela terra. A partir desta consciência dá-se
início a luta do povo do campo por políticas públicas que garantam o direito a ter escolas do e
no campo, nas áreas de assentamentos e acampamentos. No campo, porque “o povo tem direito
a ser educado no lugar onde vive” (CALDART, 2004, p. 17). Do campo, refere-se ao “direito a
uma educação pensada desde o seu lugar e com a sua participação, vinculada à sua cultura e as
suas necessidades humanas e sociais” (Idem, idem, idem), nesse sentido, trata-se de uma educação
gestada a partir do trabalho e da cultura do campo.
Ratificamos a valorização dos saberes vividos, visto que estes saberes, são constitutivos da
identidade das crianças, sejam elas dos contextos urbanos ou campesinos. Salientam Silva,
Pasuch e Silva (2012) que início dos anos 2000, no documento Por uma Educação Básica do Campo,
que foi produzido no Seminário Nacional por uma Educação do Campo, a educação infantil do campo
foi uma das pautas de suas reivindicações. Segundo as pesquisadoras, o Movimento Interfóruns
de Educação Infantil – MIEIB, que é um movimento que defende a educação infantil de qualidade
para todas as crianças brasileira, também iniciou em 2011 a discussão sobre a educação infantil
das crianças moradoras dos contextos campesino em seus encontros regionais e nacionais.
A Resolução 5/2009 é “um marco legal e histórico da educação infantil e no atendimento à
criança do campo” (SILVA, PASUCH E e SILVA, 2012, p. 68). Para elas, garantir a educação infantil
do e no campo, é garantir o compromisso com a múltipla infância brasileira.
ALGUMAS CONSIDERAÇÕES
Como vimos, a discussão sobre a educação infantil, tem mostrado que, a concepção de
criança muda com a transformação da sociedade, varia de acordo com o momento histórico ao
qual se está vivendo.
Em relação as crianças dos contextos campesinos, no que se refere da educação infantil,
as lutas dos movimentos sociais, fizeram avançar a necessidade de creches e pré-escolas, não para
atender as mães trabalhadoras, mas, por ser tanto um direito quanto uma necessidade da criança
em seu processo de desenvolvimento enquanto pessoa e cidadã.
O campo, é um espaço onde trabalha e vive pessoas que plantam e colhem, que criam
peixes e animais e que, também, extraem da terra o sustento para manutenção própria e da
família, e ainda, contribui com o desenvolvimento econômico da nação.
Assim, a educação do campo, é uma educação pensada pelos sujeitos que moram e
trabalham nesses contextos e, nessa perspectiva, a concepção que o Movimento dos Trabalhadores
Rurais Sem-Terra tem sobre a educação de suas crianças menores de seis anos de idade é que a
criança deve ser educada desde a mais tenra idade para militar dentro do movimento, como eles
afirmam, o movimento em si, é um grande educador de suas crianças, visto que é nesse meio
social que as crianças vivem suas infâncias e participam na luta pela terra, pois, a educação do
campo tem um vínculo de origem com as lutas sociais camponesas e, nasceu voltada ao trabalho
e a cultura do campo.
Frente ao exposto, compreendemos que atender o direito da criança à educação infantil do
e no campo, é de fato, garantir o compromisso com a múltipla infância brasileira.
REFERÊNCIAS
INTRODUÇÃO
O
trabalho situa-se em meio ao debate sobre a formação contínua de professores,
no desenvolvimento das mediações pedagógicas e sua implicação ao processo de
aprendizagem docente. A contribuição que estamos forjando nasce, de um lado,
como resultado da pesquisa de mestrado, que indicou algo preocupante: os professores não
reconhecem a formação contínua como um processo que contribui com a construção do trabalho
docente. As queixas locais, dos professores da rede municipal de Manaus, são semelhantes àquelas
encontradas em outros trabalhos sobre formação contínua em território nacional. Termos como:
fragmentada, hierárquica, descontínua e teórica, são os mais comuns quando os professores
buscam adjetivar tais processos.
Do outro lado, e em razão do primeiro, acompanhamos o fluxo dos debates que ao
apontar o descontentamento docente e a ineficiência da maioria dos processos formativos,
anseiam por constituir referenciais capazes de subsidiar práticas diferentes e mais profícuas
para o desenvolvimento do ensino e da aprendizagem de professores. Do todo que envolve essa
problemática – ditames dos bancos internacionais; sucatização deliberada da formação docente
com a finalidade de fácil dominação e precarização dos professores; políticas de secretarias de
educação conduzindo os processos com vistas no Ideb e financiamentos – uma situação reluz
aos nossos olhos com maior força: as formações passam, mas não tocam os professores; os
professores interpretam as orientações encaminhadas como meio de sobrevivência no turbilhão
das muitas cobranças, mas não as compreendem.
Portanto, estamos imersos na questão da compreensão como produto ideal da
aprendizagem e da emoção como sua condição. O debate sobre a compreensão será construído
em outro momento. Nesse texto, o foco principal é apresentar o processo cognitivo da emoção
em sua implicação à aprendizagem, bem como, pensar a pertinência desse debate no cerne da
formação contínua de professores.
O trabalho apresenta três subseções para discussão teórica e dos resultados parciais da
pesquisa. Na primeira, retrata, brevemente sobre o estudo sobre as emoções, numa perspectiva
histórica. A segunda comenta sobre as implicações da emoção para a aprendizagem, trazendo
resultados de pesquisas, principalmente do campo da Neurociência. O terceiro aborda os estudos
sobre a emoção no contexto da formação contínua de professores, apresentando os dados do
estado da arte, realizado para melhor conhecimento do objeto, que indicam uma abertura das
pesquisas aos processos emocionais na construção de dados. Ainda nessa sessão, apresentamos
algumas percepções provenientes da pesquisa de campo e as discutimos à luz da problemática
anunciada.
para pensar meios e espaços diferenciados e mais ricos no sentido da diversidade das
mídias, geralmente dialogando com os conceitos de complexidade, sistematicidade, inter
e transdisciplinaridade. O que esperam os autores dessa articulação é a construção de
um mundo solidário, igualitário, justo, democrático, que cultive uma cultura de paz e da
dignidade humana, frente às inúmeras diversidades, assentado nos paradigmas e métodos da
conectividade, cartografia e complexidade. Dentre estes estudos, os mais críticos, defendem
que a mera presença da ferramenta tecnológica não constitui uma mudança no processo
de ensino e aprendizagem, concluindo que as mudanças nas concepções só podem ocorrer,
na perspectiva das NTIC, se operadas ações conjuntas e que tenham como objetivo central,
promover tais mudanças.
3) Processos que incidam na reflexão e ampliação da consciência do professor-formando,
valorizando sua subjetividade, numa relação horizontal formativa, esperando como
consequência a capacidade de auto crítica e modificação de práticas pouco fecundas, esses
trabalhos geralmente são desenvolvidos no âmbito da escola, no formato de pesquisa-
formação, ou formação em serviço. No bojo destas propostas encontram-se movimentos
que visam auxiliar no autoconhecimento dos professores acerca de suas motivações para
o exercício da prática docente, objetivando processos de autoformação; processos de
autovalorização e reconhecimento.
No que tece o nosso objeto de pesquisa foi interessante identificar, não em muitos, contudo,
já está presente em alguns trabalhos que não têm como objeto o processo cognitivo da emoção,
a preocupação dos pesquisadores em perceber os sentimentos dos professores em relação
ao conteúdo da investigação, seja sobre a violência, seja acerca da implantação de currículos
prescritos nas redes, refletindo como os professores geram o sentimento de pertencimento em
relações as propostas, formas de organização das escolas, entre outros questionamentos. O que
demonstra uma abertura, ainda pouco explorada, às dimensões afetivas do humano no contexto
da pesquisa acadêmica.
Dentro dos trabalhos que dialogam outras dimensões da formação docente, encontra-se,
a concepção de inteireza do professor, inteireza do ser, dando ênfase a dimensão subjetiva do ser
humano em seus aspectos sociais, emocionais e espirituais. É perceptível a preocupação com as
experiências profissionais e pessoais dos sujeitos da formação, as quais têm servido como repertório
e ponto de partida das ações de muitos pesquisadores, principalmente àqueles que empreendem
a pesquisa-ação, mas não exclusivamente. Parece um consenso, entre as pesquisa que se arrolam
sob esse enfoque, que a colaboração é um caminho frutífero para o desenvolvimento da formação
contínua, seja nos centros de formação vinculados às secretarias, seja na pós-graduação lato e
stricto senso.
Neste levantamento, verificamos que os trabalhos envolvidos com a questão do afeto,
sentimento ou emoção1 alinham-se principalmente a quatro paradigmas teóricos, sendo que, em
alguns casos, vê-se interagir com mais de um. Desse modo, destacaram-se.
a)Teoria walloniana: este, sem dúvida, é o referencial mais recorrente, àqueles que por
ela enviesam defendem seu potencial para a compreensão de processos formativos, por
considerar ato motor, afetividade, cognição e pessoa, uma unidade explicativa; a partir da
qual, se espera repensar a formação de professores para a adoção de uma prática pedagógica
que vise à formação integral dos alunos.
b)Teoria damasiana: conhecida como Teoria do Marcador Somático, reúne explicações
acerca das relações entre emoção e cognição, a partir de dados provenientes do campo da
1 A busca foi realizada verificando nos títulos, primeiramente, a incidência desses termos. Ao todo foram encontrados
33 teses, num universo de mais de 6.000 trabalhos, distribuídos entre 71 programas de Pós-Graduação em
Educação reconhecidos pela Capes em território nacional.
Neurociência. Indica que os estados de bem estar e mal estar desenvolvidos no corpo são
produto da aprendizagem ao longo da vida e precedem a tomada de decisão. A pesquisa de
Antônio Damásio também comparece para explicar as bases biológicas do medo, compondo
relações com a questão da violência nas escolas.
c)Teoria Histórico Cultural: desenvolvida a partir dos trabalhos de Vigostki e colaboradores,
afirma a experiência social como base da formação humana, das funções psíquicas superiores,
dentre as quais, figura a emoção. Nessa perspectiva, o universo afeto-cognitivo compõe
uma unidade, que é explicada a partir das mediações sociais e das vivências construídas.
d)Teoria Autopoiética de Humberto Maturana: também conhecida como Biologia do Amor,
busca explicar o conhecimento a partir do ser humano e sua complexidade inerente na sua
organização biológica, estrutura e reestruturação que ocorre no fluxo da deriva natural,
onde sujeito e meio se modelam. O emocionar surge como elemento que se constitui
na linguagem a partir da práxis do viver, do suceder da experiência. Nessa perspectiva, a
realidade é multiversa, pois cada observador constrói uma realidade.
Pensar na emoção como um componente da formação de professores, é, em primeiro lugar,
reconhecer que sentir é um aspecto constante no humano, é ele que nos possibilita significar o
mundo, agirmos em meio a ele, desenvolvermos uma personalidade madura e assim por diante.
E, em segundo, se é um componente presente invariavelmente da minha vontade, como formador,
por exemplo, é útil que eu o utilize deliberadamente para alcançar as metas formativas, e a maior
delas, é fazer aprender.
É natural que as formações contínuas aconteçam em grupo, pois o número de formadores
é sempre menor que o de professores. Um exemplo dramático é a realidade da rede municipal de
Manaus, atualmente temos cerca de 8.781 professores atuando no ensino fundamental I e II, e
4 formadoras que atendem a demanda do 1º ao 3º ano concentradas no Bloco Pedagógico da
Divisão de Desenvolvimento Profissional do Magistério (DDPM), setor de formação da Secretaria
Municipal de Educação – SEMED/AM. Não dispomos dos dados isolando os primeiros anos, mas
se vê que a distribuição entre formador e professore configura ações coletivas.
Nesse aspecto, uma descoberta da neurociência pode fazer compreender certas experiências,
como de irritabilidade coletiva que observamos nos professores, antes mesmo de começarem as
formações. O processo cognitivo da emoção conta com um tipo especial de célula nervosa, os
chamados neurônios-espelho, ele nos capacita a realizar uma conexão cérebro a cérebro. “esse
canal subterrâneo significa que há um subtexto emocional em qualquer uma das nossas interações
que é extremamente importante ao que quer que esteja acontecendo”. Goleman (2011, p. 77).
O que acontece é que somos capazes de ativar neurologicamente as mesmas áreas que as
pessoas com as quais estamos em contato, transmitindo estados de humor, de todas as ordens,
como um mecanismo que garante nossa empatia. Goleman (2011) cita um estudo realizado no
Hospital Geral de Massachusetts, na Faculdade de Medicina de Harvard, consistia na filmagem
de sessões de psicoterapia e do controle da frequência cardíaca de médico e paciente. Os vídeos
foram mostrados aos pacientes para que eles indicassem quais momentos se sentiram escutados e
compreendidos pelos médicos. Os resultados indicaram uma sincronia entre as expressões nas faces
e os batimentos cardíacos de médico e paciente nos momentos de conexão, e um descompasso
quando os pacientes não se sentiam compreendidos e em harmonia com os médicos.
Desse modo, estamos a todo momento influenciando estamos emocionais nas outras
pessoas, e segundo Goleman (2011), no jogo de quem emite emoções e quem as recebe, geralmente
os grupos humanos prestam atenção ao que a pessoa mais poderosa do grupo. Mas quando se
trata dos grupos de formação contínua os formadores não parecem ser essa figura mais poderosa,
pelo menos não em um primeiro momento.
Realizamos algumas entrevistas com as professoras formadores do Bloco Pedagógico e, dentre
outras questões, perguntamos sobre que emoções elas percebem nos professores nos diferentes
momentos da formação e como lidam com essa emoções. Assim como os nossos neurônios-espelho
tinham captado durante as observações de campo, a emoção mais presente e forte é raiva. Uma
raiva que chega junto com o professor antes mesmo de começar a interação com o formador. Na
opinião das formadoras os fatores que influenciam nesse estado de humor são externos, têm a ver
com o clima quente, com a localização difícil do DDPM, com a ausência de material escolar para
implementar as atividades que são sugeridas na Divisão. Nenhuma se refere ao processo formativo
em si, ou sua real coerência com as necessidade de desenvolvimento docente.
Para Goleman (2011) o subtexto emocional é de muitas maneiras mais poderoso do que a
interação manifesta e ostensiva que temos, dessa forma, não adianta passar por cima desse estado
tão presente de humor, devemos entender suas causas e auxiliar os formadores a trabalhar com e
a partir desses estados emocionais. Algumas das estratégias citadas frente à identificação desses
estados foram: ganhar a confiança do professor; suavizar os humores; esquecer os descontentes e
focar nos satisfeitos; mostrar poder; não ligar porque esse descontentamento não tem a ver com
a formação, mas com outras coisas maiores.
Conhecer não guarda apenas uma dimensão racional, mas também uma dimensão afetiva.
Contudo, as emoções têm sido vistas como um problema, mais que uma possibilidade de renovação
dos currículos, posturas e caminhos da formação de professores. Precisamos compreender melhor
que emoções os processos de formação inspiram os professores e de que modo isto tem impactado
na qualidade da sua aprendizagem dos conteúdos que emergem dessa situação de ensino.
Toassa (2011), discute a distinção dos conceitos de experiência e vivência para Vigotski,
enquanto na vivência, o sujeito é irremediavelmente tocado emocionalmente, mobilizado em
suas sensações e nunca fica indiferente ao acontecimento, na experiência, que integra os vários
momentos da vida, nem sempre o sujeito se sente afetado, isso quer dizer que podemos, ao longo
da sua vida, constituir inúmeras experiências, mas só algumas são consideradas vivência à medida
que nos mobilizaram realmente.
O desafio que vislumbramos à formação contínua é passar do nível da experiência ao de
vivência na carreira e desenvolvimento docente dos professores da rede pública municipal de
Manaus.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O trabalho traz uma problemática que carrega questões importantes e muito pouco
discutidas na academia, principalmente, no campo da formação de professores. Os conhecimentos
acerca do processamento cognitivo construído no ultimo século têm ficado restrito ao seu espaço
de produção, sendo dialogado mais com seus pares do que com outras ciências.
Em que medida conseguimos responder ao problema de pesquisa anunciado anteriormente:
como os conhecimentos sobre os processos cognitivos da emoção contribuem à construção de
formas de mediação pedagógica que possibilitem a compreensão dos conceitos desenvolvidos na
formação contínua e impliquem na construção do trabalho docente?
Não existe didática sem matética, a arte de aprender deve orientar aquilo que desenha a
arte de ensinar. O trabalho contribui as mediações ao colocar em evidência um importante, mas
desprezado, componente da aprendizagem, as emoções. Na verdade, o que chamamos atenção
não é para uma possível decisão do formador em incluir os processos da emoção na formação,
ele está lá, para o bem ou para o mal. O que está em questão é de que modo os formadores
mobilizarão essas emoções ao seu favor, ou melhor, em favor da aprendizagem dos professores.
Vimos que a emoção tem um papel de seleção dos conteúdos que prestamos atenção,
e, que em razão do grau de atenção concedido, têm mais chances de se transformar em uma
representação. Dessa feita, a mediação pedagógica que tenha como público os professores, deve
primeiro se questionar sobre o que move os professores? Apesar de cada sujeito ter um repertório
singular a esse respeito, há, de certo, fatos comuns, possivelmente relacionados às demandas
concretas e desafios que os professores não estão conseguindo superar em seu dia a dia.
As pesquisas também nos indicaram um importante dado que ajuda a explicar a dificuldade
que temos em mudar nossas concepções de ensino e aprendizagem, e que se manifesta como um
ponto complicador às formações contínuas – tendo em vista sua estrutura precária para insistir em
alguns pontos – quando estamos prestando atenção a algo organizado no sentido de influenciar
na nossa aprendizagem, as ideias contrárias às nossas concepções preferenciais de explicação
do mundo ativam a área do cérebro responsável por equilibrar conflitos, interpretando o dado
como um erro. O que não acontece quando as ideias reafirmam nossas concepções, o sistema se
prepara para receber mais do mesmo.
Se há uma colaboração intensa nas complexas pesquisas sobre a Neurociência para a
formação de professores é a de desacomodar formandos e formadores, como quem diz “ei, não
é só isso!”. Temos muito a aprender sobre o aprender, para então ensinar. Os conhecimentos
desenvolvidos pelas neurociências não garantem, pelo próprio modo como são construídos e
pelo lugar de onde parte, transposições imediatas as práticas de mediação pedagógica. Lapidar
esse tesouro bruto, que nos aparece em forma de dados isolados sobre a importância da emoção,
do sono, da memória, e transformá-los em recursos ao trabalho docente é um trabalho a ser
construído. Aqui tecemos alguns ensaios.
Quanto às pesquisas na área da educação e formação de professores, vimos que o
conhecimento sobre a emoção está sendo liberto do seu cárcere, mas ainda caminha solitário
pelos corredores do presídio. De todo o universo produzido, pouco dialogou com a educação, dos
que dialogaram, muitos alcançaram resultados superficiais da interlocução entre neurociência e
educação. Ou seja, o campo está aberto à pesquisa e às descobertas de incitantes relações entre
sentir, aprender e formar.
REFERÊNCIAS
CHABOT, D.; CHABOT, M. Pedagogia Emocional: Sentir para aprender. Como incorporar a
inteligência emocional às suas estratégias de ensino. São Paulo: Sá, 2005.
DARWIN, C. A expressão das emoções no homem e nos animais. São Paulo: Companhia das
Letras, 2009.
GIROUX, Henry A. Professores como intelectuais transformadores. Porto Alegre, Artmed Editora,
1997.
____________. Inteligência Emocional: a teoria revolucionária que redefine que é ser inteligente.
Rio de Janeiro: Objetiva, 1995.
LENT, Roberto. Sobre Neurônios, cérebros e pessoas. São Paulo: Atheneu, 2011.
MARTINS. José Maria. A lógica das emoções: Na ciência e na vida. Petrópolis: Vozes, 2004.
PIMENTA, Selma Garrido; GHEDIN, Evandro (orgs). Professor reflexivo no Brasil: Gênese e crítica
de um conceito. São Paulo: Cortez, 2002.
PINTO, A. C. O impacto das emoções na memória: alguns temas em análise. Psicologia, Educação
e Cultura. V. 2, n. 2, p. 215-240, 1998. Acesso em: 10 de out 2017, disponível em: http://pec.
ispgaya.pt/index.php/publicacoes/14-volume-ii-n-2/64-o-impacto-das-emocoes-na-memoria-
alguns-temas-em-analise-1
STERNBERG, J. S.; STERNBERG, K. Psicologia Cognitiva. 2ª ed. São Paulo: Cengage Learning,
2016.
Aliuandra B. C. HEIMBECKER
Maria Ione F. DOLZANE
Rosa M. de BRITO
Zeina R. C. THOMÉ
INTRODUÇÃO
E
sta pesquisa investiga a usabilidade e as suas contribuições para a construção da
aprendizagem no AVA do curso de Educação, Pobreza e Desigualdade Social, um
ambiente virtual de Pós-graduação Ciberespaço Lato Sensu, destinado à formação de
profissionais da educação.
Ao longo dos anos, diversas Tecnologias da Informação e Comunicação - TIC’s
proporcionaram aos cursos formativos presenciais e a distância variadas maneiras de interação
e mediação, dentre essas tecnologias está o impresso, o rádio, a TV, a videoconferência, a
teleconferência e, mais recentemente, os Ambientes Virtuais de Aprendizagem - AVAs. Os AVAs
são ambientes desenvolvidos que visam, em relação aos profissionais em processo de formação,
a promoção da aprendizagem.
Entretanto, a maioria dos ambientes virtuais com propostas voltadas para a formação de
profissionais da educação, pouco se preocupam com a qualidade do desenvolvimento e aplicação
de critérios de usabilidade em suas interfaces, o que resulta na maioria das vezes no desinteresse,
dificuldade de aprendizagem e evasão dos estudantes. A usabilidade em um ambiente virtual
é a combinação de características disponibilizadas ao usuário, tais como facilidade de uso
e de percepção intuitiva, rapidez no desempenho da tarefa, baixa taxa de erros de operação e
satisfação do usuário. Uma vez implementada, tem importância decisiva no processo de interação
e, consequentemente, de aprendizagem.
Na Educação mediada por tecnologias digitais, grande parte do fluxo de conhecimento passa
por um Ambiente Virtual de Aprendizagem - AVA, onde ocorre a interação e o compartilhamento
entre os atores do processo e a interatividade com o conteúdo a ser aprendido. Nele são
disponibilizados os materiais didáticos digitais, os objetos de aprendizagem entre outros recursos
pedagógicos como chats, wikis, blogs e fóruns de discussão.
Os ambientes virtuais de aprendizagem estão disponíveis no ciberespaço e quando são
utilizados como recursos mediatizadores das práticas formativas ampliam, flexibilizam e
desterritorializam os processos de aprendizagem para além do atual.
A usabilidade é o acordo entre as características da interface de um sistema e as características
de seus usuários ao tentarem alcançar determinados objetivos em determinadas situações de
uso. É no campo da ergonomia cognitiva que se estuda a usabilidade de software. A norma ISO
9241 define usabilidade como a capacidade que um sistema interativo oferece a seu usuário, em
determinado contexto de operação, para a realização de tarefas de maneira eficaz, eficiente e
agradável.
A presença de critérios de usabilidade no desenvolvimento de ambientes virtuais formativos
é extremamente importante para a construção dos processos de aprendizagem. Quando esses
critérios não são respeitados, a aprendizagem dos usuários pode ficar comprometida, pois a
utilização de um software com uma péssima interface, gera na maioria das pessoas, palpitações,
cólicas, ansiedade generalizada, comportamento compulsivo e em casos mais graves crises de
pânico.
O aborrecimento e o estresse causado pela frustração de uma experiência negativa na
interação humano-computador, desencadeia no usuário uma resistência ao uso do sistema e,
consequentemente, o abandono. Devido às diversas variáveis existentes que podem afetar de forma
positiva ou negativa o fluxo de conhecimento, a qualidade da usabilidade no contexto dos cursos
de formação de profissionais da educação, que utilizam Ambientes Virtuais de Aprendizagem,
deve ser uma ação presente no processo de elaboração e produção destes.
A pesquisa foi realizada ao longo do ano de 2016, na Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas e buscou investigar se o sistema desenvolvido para a oferta do curso de Pós-
graduação em Educação, Pobreza e Desigualdade na modalidade a distância, apresenta critérios
ergonômicos de usabilidade em conformidade com a qualidade exigida para uma amigável
interação humano-computador, já que esta é uma condição imprescindível para a aprendizagem
em ambiente virtual.
Acredita-se que os resultados pela pesquisa são relevantes a sociedade e a toda comunidade
acadêmica, por possibilitar a construção de um referencial teórico próprio de uma prática de
ensino que utiliza as tecnologias de comunicação digital na formação de profissionais da educação.
MARCO TEÓRICO
1 Para Lévy (2000, p.119) o ciberespaço atua como uma espécie de veículo informativo, onde cada indivíduo,
durante os atos de acesso e emissão de informações, esboça incondicionalmente sua cultura, a qual, dadas as
proporções, se faz presente em várias partes do globo terrestre.
espaços rígidos para um outro espaço com potencial de liberdade de movimento para se percorrer
por vários caminhos, a partir de uma concepção de não-linearidade e não-espacialidade, chamado
de ciberespaço.
O “ciberespaço” é um termo fortemente relacionado à informática e aos meios da rede
mundial decomputadores. O termo foi criado em 1984, por William Gibson:
A palavra “ciberespaço” foi inventada em 1984 por William Gibson em seu romance de ficção
científica Neuromante. No livro, esse termo designa o universo das redes digitais, descrito
como campo de batalha entre as multinacionais, palco de conflitos mundiais[...] O termo foi
imediatamente retomado pelos usuários e criadores de redes digitais. Hoje existe no mundo uma
profusão de correntes literárias, musicais, artísticas e talvez até políticas que se dizem parte da
“cibercultura” (LÉVY, 2010-b, p. 94).
A palavra virtual vem do latim medieval virtualis, derivado por sua vez de virtus, força, potência. Na
filosofia escolástica, é virtual o que existe em potência e não em ato. O virtual tende a atualizar-
se, sem ter passado no entanto à concretização efetiva ou formal. A árvore está virtualmente
presente na semente. Em termos rigorosamente filosóficos, o virtual não se opõe ao real mas ao
atual: virtualidade e atualidade são apenas duas maneiras de ser diferentes (LÉVY, 2011-b, p.15).
Ao exemplificar a árvore presente na semente, Lévy explica que toda semente é potencialmente
uma árvore, ou seja, ainda não existe em ato, mas existe em potência. Assim também o virtual
faz parte do real, não se opondo a ele. Todavia, nem tudo o que é virtual necessariamente se
atualizará. Ainda no exemplo da semente, caso ela seja engolida por um pássaro, jamais poderá
vir a ser uma árvore.
Logo o que está no campo do virtual existe em potência no mundo real e se opõe ao que é
atual, conforme explica Thomé (2001, p. 33):
[...] virtual e atual são “metades desiguais, ímpares”, que coexistem em todo e qualquer objeto.
Assim, todo objeto é duplo. Contudo, não há semelhança entre as duas metades. Longe de
conceber o virtual como inexistente, fictício ou imaginário, Deleuze afirma que “possui uma
plena realidade enquanto virtual”, não se opondo ao real, mas somente ao atual. No processo de
2 A ideia de virtual, desenvolvida neste trabalho, foi construída por Pierre Lévy a partir de um olhar filosófico.
Conforme explica a autora, a atualização se opõe ao que é virtual porque é um processo que
parte, quase sempre, de uma problematização para uma solução, já a “virtualização passa de
uma solução dada a um (outro) problema” (LEVY, 2011-b, p. 18). Nessa perspectiva,
De acordo com o autor, é preciso entender o que é a virtualização. Que movimento seria
esse? A virtualização transforma a atualidade inicial em caso particular de uma problemática
mais geral. Portanto, virtualizar processos didático-pedagógicos, consiste em problematizar,
questionar e emergir em um processo contínuo de desterritorialização e criação.
Lévy (2010-b, p.49) compreende que “é virtual toda entidade desterritorializada, capaz
de gerar diversas manifestações concretas em diversos momentos e locais determinados sem,
contudo, estar ela mesma presa a um lugar ou tempo em particular”. Nesta perspectiva, o autor
apresenta algumas características a serem consideradas para uma melhor compreensão do que é
virtual:
•A desterritorialização da informação: o virtual existe sem estar presente e é uma fonte
indefinida de atualizações. Ele está na rede e pode ser acessado de qualquer ponto de
conexão ao sistema, onde, cada nó representa um sujeito conectado. O território já está
estabelecido no atual, mas o virtual está desterritorializado porque ultrapassa os limites do
território.
•Tempo e espaço não são mais rígidos: a informação pode ser acessada de qualquer lugar,
a qualquer hora do dia ou da noite. A continuidade de uma ação não está diretamente
relacionada a uma presença física dos sujeitos envolvidos.
•O fomento de novas velocidades: o tempo gasto para pesquisar um determinado
tema é muito menor em relação ao tempo gasto utilizando outros meios. Os avanços e
transformações nas tecnologias informáticas são extremamente acelerados, ocasionando o
surgimento de novas formas de organização da sociedade.
O virtual por sua característica desterritorializante interliga em rede o mundo todo. Pessoas
a todo instante podem ter acesso as informações mais recentes, pois na rede há um coletivo em
agenciamento contínuo. Portanto, as informações se renovam a todo instante, permitindo que o
virtual faça emergir um tempo mais veloz entre os humanos, uma mutação nos espaços-tempos.
Assim sendo, a função-mor do docente não pode mais ser uma «difusão dos conhecimentos»,
executada doravante com uma eficácia maior por outros meios. Sua competência deve
deslocar-se para o lado do incentivo para aprender e pensar. O docente torna-se um animador
da inteligência coletiva dos grupos dos quais se encarregou. Sua atividade terá como centro o
acompanhamento e o gerenciamento dos aprendizados: incitação ao intercâmbio dos saberes,
mediação relacional e simbólica, pilotagem personalizada dos percursos de aprendizado, etc.
Logo, a aprendizagem colaborativa em AVA aponta para uma processo educativo cujo foco
não está centrado no professor, mas nos próprios sujeitos da aprendizagem, que neste espaço se
constituem também como um coletivo pensante, pois aprender com a mediação de um sistema
virtual rico em potencialidades didáticas, implica uma prática de comunicação interativa, viva,
heterogênea, na qual professores e alunos podem participar e contribuir uns com os outros. Lévy
explica que,
pensar é um devir coletivo no qual misturam-se homens e coisas. Pois os artefatos têm o seu papel
nos coletivos pensantes. Da caneta ao aeroporto, das ideografias à televisão, dos computadores
aos complexos de equipamentos urbanos, o sistema instável e pululante das coisas participa
integralmente da inteligência dos grupos (2010-a, p. 171).
O coletivo pensante é uma forma de sociedade anônima na qual cada um de seus membros
possui uma história, experiências diversificadas, capacidades para aprender e compartilhar saberes.
Lévy (2011-a, p. 96), na obra Inteligência Coletiva, escreve que o coletivo inteligente não submete e
nem limita as inteligências individuais; pelo contrário exalta-as e abre-lhes novas potências. Neste
sentido, a inteligência coletiva desenvolvida em ambiente virtual de aprendizagem não é a soma
das inteligências individuais, mas uma forma de inteligência qualitativamente diferente gerada a
partir do coletivo, que se acrescenta a inteligência pessoal e faz florescer uma mega rede cognitiva,
complexa e rica de saberes, culturas e identidades.
O conceito de inteligência coletiva em Lévy, não pretende indicar pretensões deterministas
de anulação do sujeito que pensa e age. A ideia aqui concebida é a de que o sujeito tem a sua
consciência individual, mas o pensamento é e pertence ao coletivo. Partindo dessa premissa
Thomé (2001, p. 21-22) explica que:
A inteligência coletiva é uma inteligência totalmente distribuída, de modo que ninguém sabe
tudo, mas todo mundo sabe algo; ela é valorizada de modo permanente e co-gerida em tempo
real. Está relacionada ao conjunto da produção de conhecimentos humanos. Cada indivíduo, ao
realizar uma ação, o faz tendo por base este conjunto. Portanto o indivíduo não é algo isolado,
mas um cruzamento de múltiplos componentes relativamente autônomos e inter-relacionados.
Deste modo, naquele que mobiliza ou produz conhecimentos, pensam também as comunidades
que forjaram e fizeram evoluir os saberes humanos. Por isto, podemos dizer que o indivíduo é
ele mesmo um coletivo, que se auto-organiza no interior da inteligência coletiva, participando
simultaneamente de sua incessante produção.
De acordo com a autora, a inteligência também se torna coletiva, pois não é possível que o
sujeito desenvolva suas habilidades cognitivas, emocionais e sociais se não estiver dentro de uma
sociedade, de um grupo, de uma cultura com seus valores e dogmas, aprendendo, portanto, com
outros atores humanos e não-humanos, se configurando como um sujeito coletivo.
De acordo com Amaral e Nascimento (2010), após a Segunda Guerra Mundial, a ergonomia
concentrou esforços para o aperfeiçoamento de eletrodomésticos e automóveis. Porém foi somente
a partir do final da década de 60 para meados dos anos 70, que a indústria de computadores
incorporou, nas novas máquinas, os primeiros princípios ergonômicos que contribuíram para
revolucionar um novo campo de atuação dos computadores, o computador de uso pessoal, que
deixava de ser uma máquina complexa para se tornar uma máquina usual, interativa e amigável
aos humanos.
Neste período, a ergonomia passou a ser consolidada como uma área de estudo
interdisciplinar e começou a ser definida como “o estudo científico da relação entre o homem
e seus meios, métodos e espaços de trabalho, tendo por objetivo elaborar conhecimentos que
pudessem resultar numa melhor adaptação ao homem dos meios tecnológicos e dos ambientes
de trabalho e de vida” (STORCHI, 2004, apud AMARAL E NASCIMENTO, 2010, p. 14).
Dentro do campo da ergonomia, surgiu um campo mais específico chamado de ergonomia
cognitiva, é dentro desse campo que se estuda a usabilidade de software.
Na tentativa de aproximar ainda mais os sistemas interativos e os homens, os pesquisadores
buscaram identificar os problemas relativos ao contexto de uso dos sistemas3. Com isso
desenvolveram um conjunto de métodos e técnicas que ficou conhecido como a Usabilidade ou
Engenharia de Usabilidade, cuja definição está especificada na ISO4 9241, como “a extensão em
que um produto pode ser usado por usuários específicos para alcançar objetivos específicos como
efetividade, eficácia e satisfação num contexto específico de uso”.
A ergonomia cognitiva visa analisar os processos cognitivos envolvidos na interação, ela não
tem por objetivo teorizar sobre a cognição humana, mas busca entendê-la dentro de um contexto
específico de ação para que se possa alcançar um determinado objetivo (SARMET apud SILVA
FILHO et al.2008, p. 2).
Para uma melhor compreensão, a ergonomia cognitiva trata de forma mais minuciosa dos
aspectos mentais na execução das ações de trabalho de homens e mulheres. Ela não se contenta
em estudar a adaptação dos objetos às características e necessidades humanas a partir de uma
visão puramente física, pois entende que a execução de tarefas tem suas premissas básicas nos
atos de pensamento do executor.
O processo cognitivo perceptivo do ser humano capta as mensagens do ambiente externo
e as transforma em informações de natureza simbólica que são identificadas, interpretadas e
armazenadas com o auxílio das memórias de curto e longo prazo. A partir desse processo, o
sujeito decide como será a sua ação, por meio dos esquemas sensório-motores, sobre determinado
artefato/interface.
As ciências cognitivas perpassam de forma interdisciplinar pelo campo da ergonomia. São
elas que dão o suporte sobre o funcionamento do sistema cognitivo humano para que a ergonomia
possa estudar e compreender melhor a interação humano-computador.
Cybis, Betiol e Faust (2010, p.16) afirmam que a usabilidade é o acordo entre interface,
usuário, tarefa e ambiente, pois é ela quem caracteriza e confere a qualidade de uso dos programas
e suas aplicações. Neste sentido, a usabilidade busca um acordo entre as características da
interface de um sistema e as características de seus usuários ao tentarem alcançar determinados
objetivos em determinadas situações de uso.
PROCEDIMENTOS METODOLÓGICOS
[...] abordando aqueles dados e problemas que merecem ser estudados e cujo registro não
consta de documentos. Os dados, por ocorrerem em seu habitat natural, precisam ser coletados
e registrados ordenadamente para seu estudo propriamente dito. [...] Em síntese, a pesquisa
descritiva em suas diversas formas trabalha sobre dados colhidos da própria realidade.
Considera que há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, isto é, um vínculo
indissociável entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser traduzido em
números. A interpretação dos fenômenos e a atribuição de significados são básicas no processo
de pesquisa qualitativa. Não requer o uso de métodos e técnicas estatísticas. O ambiente natural
é a fonte direta para coleta de dados e o pesquisador é o instrumento chave. É descritiva. Os
pesquisadores tendem a analisar seus dados indutivamente. O processo e seu significado são os
focos principais da abordagem.
5 Acrônimo de modular object oriented dynamic learning environment, cuja tradução para o português significa
ambiente modular de aprendizagem dinâmica orientada a objetos.
RESULTADOS
mesmo impedem o uso do sistema, pois aborrecem os usuários e são motivo de frustração e perda
de autoestima. Algumas pessoas se culpam e se sentem inferiorizadas por não saberem usar um
programa de software.
Sistemas com problemas de usabilidade são extremamente prejudiciais à aprendizagem,
pois geram aborrecimentos e estresse. O estresse não liberado pela dificuldade na interação
com um sistema pode desenvolver em seus usuários palpitações, cólicas, ansiedade generalizada,
comportamento compulsivo e crises de pânico.
Em se tratando de instituições educacionais que utilizam sistemas tecnológicos no auxílio
das mediações didáticas, a utilização de um software com uma péssima interface poderá levar seus
usuários a resultados prejudiciais quanto ao processo de aquisição dos conhecimentos. Portanto,
a avaliação de usabilidade deve ser uma ação presente no contexto de instituições que utilizam
sistemas interativos, pois esse procedimento permitirá a aquisição de informação sobre a situação
da usabilidade de uma interface em desenvolvimento ou até mesmo já finalizada, a fim de que
possam ser melhorados fatores que não estejam em conformidade.
Se a ergonomia é a qualidade da adaptação de uma interface a seu operador e à tarefa
que este realiza, a usabilidade se define a partir da capacidade do software em permitir que o
usuário alcance suas metas de interação com o sistema e, por isso, ela se caracteriza como uma
interface simples, intuitiva e fácil de usar. Interfaces que apresentam essas qualidades geram em
seus usuários autoconfiança e satisfação e consequentemente contribuem com a qualidade das
mediações didáticas do professor e a aprendizagem dos alunos.
Em 1993 Scapin e Bastien, desenvolveram um conjunto de oito critérios ergonômicos que
se subdividem em subcritérios e critérios elementares. A proposta visa minimizar a ambiguidade
na identificação e classificação das qualidades e problemas ergonômicos de usabilidade. Esses
critérios proporcionam o aumento da sistematização dos resultados das avaliações de usabilidade
de uma dada interface, pois uma vez que vários especialistas adotam esses critérios como
ferramentas de avaliação de um mesmo sistema, eles obtêm resultados mais parecidos (CYBIS,
BETIOL e FAUST, 2010, p. 26). O quadro abaixo exibe os critérios principais, os subcritérios e os
critérios elementares da inspeção ergonômica de usabilidade de Scapin e Bastien :
Os critérios de usabilidade que se acabou de mostrar formam um check list10, que de acordo
com Thomé et al. (1999), tem por objetivo “realizar uma inspeção sistemática da qualidade
ergonômica na interface IHC11, possibilitando o conhecimento de modo informal das questões e
recomendações ergonômicas que podem contribuir nas decisões e processos de interface com o
usuário.”
Baseando-se nos critérios ergonômicos de Bastien e Scapin, foi criada pela UFSC12a ferramenta
chamada ErgoList, instrumento que se utilizou para a validação da qualidade ergonômica de
usabilidade do sistema em estudo nesta pesquisa. Thomé et al. (1999) afirma que o ErgoList
“constitui-se numa ferramenta de verificação de usabilidade que é o resultado de associação dos
critérios principais definidos por Scapin e Bastien, desdobrados em critérios passíveis de uma
aplicação prática e objetiva disponível em rede”.
Tendo em vista a importância da usabilidade para sistemas de gerenciamento da
aprendizagem, realizou-se a avaliação ergonômica de usabilidade do AVA do curso em estudo, pelo
ErgoList, módulo check list com 194 questões, alocadas em critérios de acordo com a classificação
de Bastien e Scapin. O quadro nº 2, mostra os resultados dos dados coletados na pesquisa
de inspeção ergonômica. A resposta “Conforme” se deve à porcentagem de conformidade do
ambiente virtual com o critério avaliado, a resposta “Não Conforme” apresenta a porcentagem
da não conformidade com o critério avaliado e “Não aplicável” quando a questão não se encaixa
no contexto do ambiente avaliado.
Conforme, apresentado no Quadro 2, a aplicação das 194 questões que compõe o Check
List, mostrou que o AVA EPDS apresenta resultados em conformidade com a usabilidade em
todos os oito critérios estabelecidos para a validação ergonômica de software. Para Cybis et al.
(2010), um software não está em conformidade com os padrões de usabilidade sob o ponto de
vista ergonômico, quando os critérios avaliados se encontrarem abaixo de 50%, o que não é o
caso do sistema avaliado. Portanto, a avaliação do AVA aponta para 83% de questões conformes,
12% de questões não conformes e 5% de questões não aplicáveis ao contexto de uso. Considera-se
irrelevante o percentual de 12% de questões não conformes em vista dos resultados obtidos em
conformidades.
A partir do critério condução, analisa-se a interface quanto ao aprendizado do sistema pelo
usuário. Esse critério considera quatro dimensões principais: convite, agrupamento e distinção de
itens, legibilidade e feedback imediato.
Com respeito a dimensão convite, o AVA apresentou 71% de questões em conformidade
com a usabilidade. Uma interface convidativa apresenta títulos claros para as telas, janelas e
caixas de diálogo; informações claras sobre o estado dos componentes do sistema; informações
sobre o preenchimento de um formulário e opções de ajuda claramente indicadas.
A interface convidativa possibilita aos usuários informações que o permitam identificar o
estado ou o contexto na qual ele se encontra na interação. No AVA em estudo, é possível que o
usuário navegue por vários caminhos e ainda assim consiga identificar a sua localização.
A dimensão agrupamento é uma qualidade a serviço da intuitividade da interface e
busca facilitar a interação de usuários novatos e experientes.A rápida assimilação de uma tela
pelo usuário está ligada à forma como os objetos (imagens, textos, etc.) estão posicionados e
são apresentados. Esta dimensão se subdivide em dois critérios elementares: agrupamento por
localização e agrupamento por formato.
No controle explícito, o AVA apresenta conformidade de 87%. Este critério se aplica as tarefas
longas sequenciais nas quais os processamentos sejam demorados. Neste caso, o usuário deve ter
controle sobre as ações do sistema, pois se isso não ocorrer, haverá perda de tempo e perda de
dados. Suas dimensões para análise são: ações explícitas do usuário e controle do usuário.
As ações explícitas do usuário no sistema apresentaram conformidade de 100%. Elas se
caracterizam por permitir que o usuário realize somente o que ele deseja e quando ele ordena. Isso
foi perceptível em todos os comandos das ações no sistema.
O controle do usuário se aplica ao controle que esse usuário tem de todos os comandos
do sistema tipo a interrupção, o cancelamento, o reinício, a retomada ou a finalização dos
tratamentos. Neste elemento, a conformidade do sistema ficou em 75%. Observou-se que é
permitido ao usuário controlar todos os comandos de navegação, assim como a interrupção,
a retomada ou a finalização de tratamentos demorados. Esse critério se mostra eficaz, pois o
controle das interações favorece a aprendizagem.
Na adaptalidade o sistema alcançou conformidade de 89%. Ela se refere ao conceito em
que a interface deve propor maneiras variadas de realizar uma tarefa, permitindo também ao
usuário adaptar as representações e estilos de diálogo a suas necessidades. A adaptabilidade está
subdividida em dois subcritérios: flexibilidade e consideração da experiência do usuário.
A flexibilidade corresponde às diferentes formas colocadas aos usuários para a realização de
uma mesma tarefa. O AVA do EPDS é um sistema que apresenta flexibilidade em várias situações,
dentre elas pode se exemplificar o sistema de lançamento de notas pelo professor. Neste elemento,
o usuário com login de professor, pode lançar as notas das atividades individualmente pelo menu
de cada tarefa ou pode lançá-las de uma forma mais rápida pelo modo de “avaliação veloz”.
Pode, ainda, por uma terceira opção pelo menu “notas”, localizado na coluna esquerda, no
box administração da sala virtual, lançar de uma forma geral as notas de todas as atividades da
disciplina. Na flexibilidade o AVA alcançou 100% de conformidade.
Na dimensão experiência do usuário o sistema possui o percentual de 83% de conformidade.
Constatou-se que o AVA considera os diferentes níveis de experiência dos usuários, conforme
propõe este subcritério, fornece aos especialistas atalhos que permitam acesso rápido às funções
do sistema, e proporciona aos usuários, totalmente inexperientes, diálogos sob a iniciativa do
computador. Como exemplo, ao mesmo tempo em que o usuário tem a possibilidade de utilizar o
mouse para a seleção e execução de menus, oferece possibilidades de utilização do teclado.
A Gestão de erros se aplica a mecanismos colocados à disposição do usuário para detectar
e prevenir os erros de entradas de dados ou de comandos que possam trazer consequências
irreparáveis. Portanto, quanto menor forem os erros melhor será o desempenho do usuário. A
conformidade do AVA EPDS na gestão de erros apresenta-se em 85%. Três dimensões são analisadas
neste critério: a proteção contra os erros, a qualidade das mensagens de erro e a correção dos
erros.
A proteção contra os erros informa ao usuário o risco de perda de dados, não oferece um
comando destrutivo como opção default13 e detecta os erros já na digitação dos dados de uma
entrada individual. No sistema em estudo, essa dimensão foi encontrada em todos os comandos
de dados que levavam o usuário a uma possível exclusão de arquivos e outros elementos, portanto,
o AVA EPDS apresenta conformidade de 100% na proteção contra os erros.
A correção de erros coloca meios à disposição do usuário com o intuito de permitir que
ele próprio realize a correção. Neste caso, a interface fornece funções do tipo “fazer” e “desfazer”,
possibilita ao usuário refazer apenas o que errou em uma entrada e fornece ligação direta entre o
relatório de erro e o local onde está sendo gerado. O AVA EPDS apresenta 80% de conformidade
na correção de erros. É possível encontrar na interface essa dimensão. Após enviar mensagem ao
13 Uma opção que o sistema seleciona automaticamente, colocando-se no foco da ação do usuário.
fórum, o sistema disponibiliza ao usuário, as opções “mostrar principal, editar, excluir, responder”
para que possa consertar possíveis erros cometidos.
Na homogeneidade os procedimentos, rótulos, comandos, etc., são mais bem
reconhecidos, localizados e utilizados, quando seu formato, localização ou sintaxe são estáveis
de uma tela para outra, de uma seção para outra. Nessas condições, o sistema é mais previsível
e a aprendizagem mais generalizável; os erros são diminuídos. Neste critério, o sistema analisado
alcançou conformidade em 100%. Percebeu-se que o AVA EPDS possui localização similar dos
títulos e das janelas; formatos de telas semelhantes; procedimentos similares de acesso às opções
dos menus; apresenta na mesma posição, os convites para as entradas de dados e de comandos e
os mesmos formatos dos campos de entradas de dados.
A dimensão Compatibilidade é eficiente quando: a) os procedimentos necessários ao
cumprimento da tarefa são compatíveis com as dos usuários em termos cognitivos (percepção
e memória), demográficos (idade, sexo), de competência (conhecimento e desempenho); b) os
procedimentos e as tarefas são organizadas de maneira a respeitar as expectativas ou costumes
do usuário; c) quando as traduções, as transposições, as interpretações ou referências a
documentação são minimizadas.
Verificou-se que a compatibilidade do AVA está em conformidade de 80%, pois o sistema
moodle é compatível com os sistemas operacionais Windows, Linux, Apple mais utilizados pela
maioria dos usuários; suas telas são compatíveis com os documentos em papel impresso; suas
denominações de comandos são compatíveis com o vocabulário do usuário; a apresentação de
datas respeita o formato brasileiro e a organização das informações segue a ordem dos dados a
entrar.
CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL. Portaria Ministerial nº 4.059 de 10 de dezembro de 2004. Dispõe sobre a oferta, nos cursos
de graduação presencial, de até 20% da carga horária total do curso na modalidade semipresencial. Disponível
INTRODUÇÃO
O
presente trabalho é parte da pesquisa em andamento intitulada: “Concepção dos
professores e egressos sobre a formação docente em um curso de licenciatura
em educação física: tensões e desafios” que será realizado no município de
Parintins/AM pelo Programa de Pós-Graduação em Educação (PPGE) da Universidade Federal
do Amazonas (UFAM).
A pesquisa em andamento possui os seguintes objetivos: Geral: Analisar e discutir a concepção
dos professores e egressos a respeito de sua formação no curso de licenciatura em Educação
Física e os que eles dizem sobre como desenvolveram sua formação relativas às disciplinas que
compuseram a matriz curricular, baseando-se em sua trajetória de aprendizagem e de atuação
profissional.
E específicos: 1. Averiguar as concepções dos egressos sobre o PPC de Licenciatura em
Educação Física do ICSEZ; 2. Identificar como os egressos desenvolveram suas atividades
acadêmicas no curso de Licenciatura em Educação Física; e 3. Apontar como se encontra a
formação e atuação do professor de Educação Física graduado no ICSEZ na visão dos egressos.
A pesquisa seguirá em uma abordagem qualitativa, onde os resultados serão expressos “com
o aprofundamento da compreensão de um grupo social, de uma organização, de uma instituição,
de uma trajetória” (GOLDENBERG, 2004, p.47), do tipo estudo de caso (ANDRÉ, 2005), pois
buscará a compreensão do processo de formação dos egressos do referido curso, suas experiências
e suas concepções sobre esses processos formativos.
Para a execução da pesquisa, a mesma ocorrerá em seis etapas, são elas: 1. Revisão de
literatura; 2. Construção dos instrumentos de pesquisa; 3. Análise documental; 4. Entrevistas; 5.
Análise do material coletado; 6. Redação da dissertação.
A etapa “1. Revisão literatura” se faz importante para contextualizar o tema, para apresentar
os principais conceitos, categorias e estudos já realizados sendo este o objetivo dessa etapa. Este
aporte teórico servirá para a discussão entre os autores e os resultados coletados. Essa etapa é
uma constante em todo o processo de execução da pesquisa.
A seguir apresentaremos os resultados relacionados a etapa 1 da pesquisa em andamento
“Revisão literatura”. Esclarecemos que os resultados preliminarmente apresentados são referentes
a programas de formação docente em contexto amazônico
A formação de professores aborda - não somente, mas também - sobre as experiências
acadêmicas de ensino, pesquisa e extensão (experiências formativas) enquanto acontecimentos
significativos na formação educacional e consequentemente na formação profissional.
De acordo com Cardoso, Batista e Graça (2016) a formação é entendida como o processo
de apropriação pessoal e reflexiva, de integração entre as experiências de vida e as profissionais,
em função das quais a ação educativa adquire significado.
Nesse sentido buscamos no presente estudo investigar sobre os processos de “formação
de professores no contexto Amazônico” enquanto aporte sobre os principais desafios relatados
durante essa formação profissional. Abordaremos a partir da perspectiva dos programas de
formação e também dos alunos egressos ou em formação, com destaque a suas experiências
formativas e profissionais.
Na busca do referido aprofundamento teórico contextualizado a realidade local buscamos
respostas a seguinte questão norteadora: Quais são os principais desafios relacionados a
formação de professores que se apresentam na atualidade em contexto amazônico? E definimos
enquanto objetivo principal “Analisar os desafios apresentados nos trabalhos científicos que
tematizem sobre a formação de professores no contexto amazônico”, logo, pretendemos oferecer
uma sucinta contribuição à referida temática sem com isso esgotar as discussões sobre esse tema,
mas contribuir para o aprofundamento reflexivo sobre a mesma.
MÉTODO
Outro desafio bastante discutido foi quanto a questão da obrigatoriedade imposta pela Lei
de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDB), nº9394/1996, que determinava como requisito
para a atuação docente na educação básica a formação superior até 2006 (BRASIL, 1996). Essa
obrigatoriedade impôs a uma formação continuada em graduação para os egressos do curso de
magistério de nível médio.
Uma egressa relatou que recorreu ao Programa Especial de Formação Docente (PEFD),
desenvolvido pela SEMED/Manaus em parceria com a UFAM na qual havia um processo de seleção
para ingresso como forma de obter o requisito necessário para a atuação docente, os desafios
foram: “[...] sofríamos uma rejeição de alguns alunos do curso regular [referindo-se ao curso de
Pedagogia] e não tínhamos lugar fixo para estudar na instituição.” (ORDONES, p.56. 2013).
O segundo trabalho a ser analisado do ano de 2013 é a dissertação do autor José Valderí
Farias de Souza e teve como título “Educação do campo e da floresta: um olhar sobre a formação
docente no programa asas da florestania2 no alto Juruá/AC”.
Sua intenção era compreender se a formação continuada do referido programa para os
professores (educadores e coordenadores) do campo e da floresta estava ou não coerente com as
perspectivas da educação do campo (SOUZA, 2013).
Um desafio que o autor coloca é sobre sua própria formação básica e superior. Ele, enquanto
habitante, nascido e criado, na cidade de Guajará (no interior do Estado Amazonas e que faz
fronteira com o Estado do Acre) teve que abandonar o convívio familiar e suas atividades típicas
da floresta para continuar seus estudos até a formação superior em pedagogia na UFAM. Os
desafios sobre a área da educação que o autor traz são: “[...] faltava (e ainda falta) infraestrutura
e/ou preocupação do Estado com a qualificação/educação das pessoas que viviam (vivem) na
floresta.” (SOUZA, p.5, 2013).
Uma das professoras educadoras entrevistadas relata que a falta de material para o
desenvolvimento de suas práticas pedagógicas é um desafio para a atuação docente no campo e
que o acúmulo de funções para os professores exercerem, tais como, fazer a merenda e realizar a
limpeza das salas de aula são desafios extras na rotina desses profissionais (SOUZA, 2013).
O curso seria realizado por meio de materiais didáticos já construídos pelo Telecurso 2000 e
as cartilhas seriam construídas pelo grupo Abaporu, porém, segundo uma coordenadora regional
do programa, nem o material do telecurso foi disponibilizado nem as cartilhas chegaram na cidade
e os momentos de formação para os professores educadores, em um primeiro momento serviram
para os mesmos construírem materiais que seriam utilizados em sala de aula em seus respectivos
locais de trabalho e depois esses momentos serviram apenas para a discussão de problemáticas
vivenciada na escola e na comunidade pelos mesmos (SOUZA, 2013).
Segundo o autor o desafio primordial foi a inserção do supracitado programa nas áreas
de difícil acesso para oportunizar o prosseguimento dos estudos a população local e que essa
educação ofertada respeitasse os interesses e demandas locais3 (SOUZA, 2013).
Outro desafio apresentado pelo autor é que os professores educadores e coordenadores do
programa deveriam estar conscientes e participativos com o contexto sócio-histórico-cultural e
econômico da população local para assim atingir a concepção de educação popular4, defendida
pelo autor com base nas entrevistas realizadas, como a perspectiva na qual o programa se
desenvolvia (SOUZA, 2013).
2 “O Asas da Florestania, até o final do ano de 2012, tinha sido uma iniciativa conjunta da Fundação Roberto
Marinho, Instituto Dom Moacir e Secretaria de Educação do Estado do Acre, que procurava/procura proporcionar
escolarização em comunidades rurais de difífil acesso” (SOUZA, p 77, 2013).
3 São realizados também encontros de formação continuada com os professores educadores do referido programa.
4 “[...] pretende organizar a sociedade em torno dos interesses, do potencial humano e dos valores dos grupos
sociais que vivem do trabalho e da cultura [...]” Benjamin apud Souza (p.72, 2013); “[...] esforço de mobilização,
organização e capacitação das classes populares; capacitação científica e técnica” Freire e Nogueira apud Souza
(73, 2013)
que teve como objetivo proporcionar conhecimentos básicos sobre a Língua Brasileira de Sinais
(Libras) na cidade de Manaus/AM, implementado pela Secretaria Municipal de Educação/
SEMED/Gerência de Educação Especial/GEE no ano de 2009 (CORRÊA, 2013).
O primeiro desafio apresentado pela autora refere-se ao fato de que o tema da diversidade e
inclusão na escola tornou-se um novo desafio ao professor, pois, baseado nos estudos de Nóvoa,
este profissional é o que materializa os processos de inclusão e de promoção da educação na
realidade concreta dos alunos com deficiência nas escolas (NÓVOA apud CORRÊA, 2013).
Dessa forma, tanto para as práticas pedagógicas quanto para qualificação profissional, a
formação em Libras tornou-se um novo desafio aos professores do ensino regular, onde os alunos
com deficiência auditiva passaram a ter direito de estudar nesse ambiente democraticamente
conquistado pelo movimento surdo. Tal conquista se amplia para outras deficiências também e
com isso novos desafios de formação e atuação dos docentes (CORRÊA, 2013).
Todos os professores entrevistados na pesquisa de Corrêa (2013) relataram que sua
formação inicial não foi suficiente para o trabalho com os alunos surdos e que não obtiveram
conhecimentos específicos sobre essa temática na formação inicial. A autora justifica que pelas
datas relatadas pelos entrevistados, estes foram formados anteriormente ao decreto de nº
5.626/2005 que regulamentou a lei de nº 10.436/2002 e a partir de então tornou obrigatória a
inclusão da disciplina de Libras nos cursos de formação de professores.
Especificamente a temática dos alunos surdos, o desafio primordial é a comunicação com
eles, sendo a aprendizagem da Libras essencial para a concretização da comunicação de maneira
mais satisfatória, este é considerado o maior entrave para os professores que ainda não sabem
a referida língua e precisam atuar com esses alunos. Para os alunos a Libras é essencial para a
assimilação dos significados e sentidos apreendidos e na estruturação do pensamento (CORRÊA,
2013).
Para todos os entrevistados a formação continuada é uma importante ferramenta de
melhoria da qualidade do ensino ao aluno surdo, pois essa formação propiciou a adequação
de suas estratégias de ensino a essa demanda educacional e que, portanto, se faz necessário tal
formação para todos os professores de rede de educação para que haja uma melhora significativa
na educação inclusiva. Três participantes da pesquisa acrescentaram que essa formação deveria
ser estendida a todos os funcionários da escola (CORRÊA, 2013).
Porém, a autora destaca que a rejeição para implementação dessa política de inclusão
ocorreu no meio de muita resistência por parte dos professores, que segundo relato dos mesmos,
o medo do desconhecido é uma barreira psicológica a ser enfrentado. Outros, no entanto, já viram
o curso de formação continuada como um desafio que iria promover habilidades e conhecimentos
necessários para o aperfeiçoamento profissional deles (CORRÊA, 2013).
Corrêa (2013) deixa claro que situações socioeconômicas históricas, tais como, “[...]
baixos salários, ausência de planos de cargos e carreiras, ausência de incentivo à qualificação do
docente [...], ausência de formação continuada, entre outras ausências e deficiências” (p.106) são
elementos que tornam frágil a autoestima do profissional docente, sendo estes desafios da rotina,
elementos que o impedem de se sentir capaz de continuar nos estudos de formação acadêmica e/
ou profissional.
Uma entrevistada realiza a crítica de que um dos primeiros desafios está na própria gestão da
escola, que não divulgou para os docentes sobre os cursos de formação oferecidos pela secretaria
municipal de educação. Outras duas entrevistadas relataram situação contrária, onde o gestor
da escola incentivou a participação das mesmas, portanto, o apoio ou não da gestão escolar é
um primeiro desafio prático para a tomada de conhecimento sobre as formações profissionais
oferecidas pela referida secretaria (CORRÊA, 2013).
Por fim, a autora deixa claro que apesar das iniciativas realizadas pela secretaria municipal de
educação (que desde 2009 vem implementando cursos que visem atender as exigências legais para
a categoria), a formação docente que vem sob determinações legais não oferece em contrapartida
políticas consistentes para essa formação ser concretizada (CORRÊA, 2013).
O quinto trabalho a ser analisado do ano de 2013 é a dissertação da autora Tatiana da Silva
Almeida e teve como título “A formação docente via PROINFANTIL: com a palavra os professores
de Manaquiri-AM”.
A autora tomou como objetivo investigar sobre professores egressos do curso de formação
de professores PROINFANTIL no qual oferecia formação docente para leigos no município de
Manaquiri (interior do Estado do Amazonas) (ALMEIDA, 2013).
Os primeiros desafios apresentados pela autora referem-se ao fato de que o município de
Manaquiri, primeiramente, não oferecia o nível de educação infantil, pois valorizava o ensino
fundamental que conta com recursos financeiros próprios e, em segundo lugar que dos 5
entrevistados, apenas um se encaixava no critério de estar atuando como professor leigo na escola
e os outros 4 entrevistadas entraram no referido programa por motivos diversos (ALMEIDA, 2013).
A autora enfatiza que a LDB de nº 9.394/96, admite em seu artigo 62, como requisito para
atuação na educação infantil e anos iniciais do ensino fundamental, cursos como o pesquisado
por Almeida (2013), PROINFANTIL, de nível médio, na modalidade Normal.
A autora cita que a modalidade do programa em investigação foi EaD e que os encontros
presenciais que estavam previstos de ocorrer quinzenalmente tiveram que ser adaptados à
realidade amazônica, onde professores levavam de 3 a 10 dias para chegarem na capital do Estado
do Amazonas (Manaus), onde ocorriam os encontros, devido as longas distancias e dificuldades
de locomoção, por isso, excecionalmente nesse Estado, os encontros passaram a ser mensais
(ALMEIDA, 2013).
Outro desafio apresentado, semelhante ao apresentado por Gomes (2013), foi sobre
a comunicação, porém no programa de formação investigado por Almeida (2013) a solução
encontrada foi o contato não somente pelo uso da internet, mas também, por telefone, onde
os cursistas utilizavam-se de telefones públicos, para realizar contato, troca de informações e
esclarecimento de dúvidas. Esse suporte técnico e de tutoria por meio telefônico, ainda assim,
apesar das dificuldades, propiciou melhorias para a formação dos professores-cursistas. O uso de
cartas, também segundo a autora, auxiliou na efetividade da comunicação no contexto amazônico.
Um dos desafios na formação apresentados pelos professor-cursistas refere-se ao curto
espaço de tempo destinado ao estudo dos conteúdos, na visão dos mesmos, esse período de
estudo tendo o auxílio dos formadores poderia ser mais extensivo para a aprendizagem dos
conteúdos, avaliados por eles, como os mais complexos.
Um desafio operacional evidenciado por Almeida (2013) refere-se ao acordo de participação
entre os entes federativos do programa PROINFANTIL, nesse documento são descritos as
responsabilidades e obrigações de cada membro (União, Estado e Município), segundo a autora,
o Município foi o que mais encontrou dificuldades em zelar pelo acordado que, dentre outras
funções, era responsável pelo pagamento de diárias, transporte, alimentação e hospedagem para
que os tutores pudessem supervisionar a prática pedagógica dos cursistas nas instituições onde
atuavam quando necessário e programado nas ações do programa.
Todas as dificuldades apresentadas, no âmbito do cumprimento dos acordos administrativos
refletiam no âmbito pedagógico, onde, as atividades de avaliação eram prejudicadas, pois não se
cumpriam as responsabilidades acordadas e reflexo disso se deu em atividades entregadas fora do
prazo, falta de acompanhamento dos tutores e avaliação por frequência prejudicada (ALMEIDA,
2013).
Em específico, para muitos dos cursistas do programa de formação PROINFANTIL em
Manaquiri/AM, esta foi a primeira experiência deles enquanto professor(a) e, literalmente, de
um dia para o outro, foram para escola desempenhar as funções docentes, sem ter experiência
nenhuma nessa profissão, para outros a formação foi importante para a sensação de segurança
em suas práticas pedagógicas, pois agora não eram mais leigos, porém para ambos os perfis
apresentados o reconhecimento profissional e a realização pessoal foi determinante para o
cumprimento do curso (ALMEIDA, 2013).
Semelhante ao apresentado por Gomes (2013) e Corrêa (2013) a dimensão psicológica é um
fator determinante para o cumprimento do curso. Almeida (2013) enfatiza que muitos cursistas
não acreditavam em si próprios e que, por diversas vezes, pensaram em desistir.
Outro desafio apresentado nessa formação foi em relação ao acompanhamento que os
cursistas deveriam realizar em sala de aula, pois não eram todos que dispunham de uma sala de aula
no ensino infantil e por isso tinham que acompanhar outro professor no ensino fundamental. Essa
relação nem sempre era harmoniosa e as diferenças quanto concepções teóricas e metodológicas
ocorriam dificultando a interação entre ambos (professor titular e professor cursista do programa)
e a realização das práticas educativas relacionando teoria e prática (ALMEIDA, 2013).
Por fim, no exercício das funções docentes, o conhecimento mais significativo para os
cursistas foi o planejamento, elencado por eles como indispensável na docência, sendo este, o
desafio de aprendizagem mais importante durante a formação dos mesmos (ALMEIDA, 2013).
O sexto trabalho a ser analisado do ano de 2013 é a dissertação do autor Valciney Ramires
Medeiros e teve como título “Formação do pedagogo na contemporaneidade: análise da proposta
pedagógica do curso de pedagogia – FACED/UFAM-2008”.
Os desafios apresentados pelo autor referem-se a especificidades da pedagogia, em
predominância nas concepções apresentadas sobre: pedagogia, currículo, finalidade do curso,
perfil do egresso e outros. Por esses motivos a pesquisa apresentou desafios existentes no campo
das concepções diferenciadas entre todos os envolvidos na elaboração da nova proposta de
projeto do curso (MEDEIROS, 2013).
Os desafios apresentados além das concepções, referem-se ao histórico dessa área do
conhecimento, que já teve tendência liberal tecnicista no passado e que atualmente possui outras
tendências, chamadas progressistas que adotam outras concepções de educação e de ser humano
(MEDEIROS, 2013).
O autor destaca também as influências legais que hodiernamente estão voltadas para a
formação do pedagogo com foco no ato de ensinar para a educação infantil e anos iniciais do
ensino fundamental, mas que também já apresentam concepções voltadas para o pedagogo como
o profissional que planeja, executa, coordena, acompanha e avalia atividades e projetos no setor
de educação em áreas escolares e não-escolares (MEDEIROS, 2013).
Por fim, após debates e reuniões colegiadas o perfil profissional do egresso em pedagogia
da FACED/UFAM é aquele apto para atuar na docência (em uma concepção ampliada para além
do ato de ensinar), na gestão educacional (onde inclui-se saberes administrativos implicitamente
a sua prática) e na produção do conhecimento na área de educação. Esse perfil vai ao encontro
das Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) (MEDEIROS, 2013).
Em 2015 foram selecionados 2 trabalhos que abordavam sobre o tema da formação de
professores no contexto amazônico, sendo 1 dissertação e 1 tese.
O primeiro trabalho a ser analisado do ano de 2015 é a dissertação da autora Maria Ione
Feitosa Dolzane e teve como título “Estratégias pedagógicas e gerenciamento aberto: uma análise
cartográfica dos novos formatos de acompanhamento de ações pedagógicas no campo da
formação continuada de professores”.
A autora buscou pesquisar sobre o uso de Tecnologias de Comunicação Digital (TCDs) na
formação continuada de professores no programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade
Certa (PNAIC), que se realiza por meio de mediadores tecnológicos (DOLZANE, 2015).
Um desafio apresentado pela autora foi referente a elaboração e preparação de material
5 Centro de formação continuada, desenvolvimento de tecnologia e prestação de serviços para a rede pública de
ensino
para que o planejamento futuro desses profissionais venha a contribuir para a superação das
diversidades e da consequente exclusão social bem como ao estimulo ao trabalho coletivo,
tanto com pedagogos como com outros profissionais, e que os mesmos devem estar conscientes
das diretrizes e determinações legais que regem a educação nacional. Além disso, como dito
anteriormente a formação deve abranger a educação em sua diversidade, especificamente a
educação de promoção a diversidade étnico-racial, a especial, a indígena e a de jovens e adultos
(SOUZA, 2015).
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
Os desafios apresentados são diversos, mas os que se apresentam com frequência são
referentes as dificuldades de locomoção na região amazônica e ao não cumprimento, de forma
adequada ou integral, aos objetivos e metas dos programas de formação de professores.
Acreditamos que tais resultados referem-se a não prioridade que é dada a formação docente
e a educação no Brasil, onde as mesmas podem ser realizadas de qualquer maneira, atendendo
ou não a critérios pré-estabelecidos pelas organizações promotoras. Acreditamos que isso ocorre
devido ao fato da educação nacional não possui uma representação social valorizada em nossa
sociedade e isso contribui para que políticas públicas de incentivo a formação de professores
sejam realizadas da maneira que puder, muitas vezes sem as condições mínimas de manutenção
e operação.
Esperamos que as discussões e análises apresentadas fomentem reflexões quanto a relevância
da formação de professores no contexto Amazônico, pois acreditamos que a educação é uma
grande ferramenta de promoção de uma nação na dimensão da cidadania e da construção de
uma nação mais igualitária.
REFERÊNCIAS
ANDRÉ, Marli Eliza Dalmazo Afonso de. Estudo de caso em pesquisa e avaliação educacional. 13
ed.: Liber Livro Editora, 2005
DOLZANE, Maria Ione Feitosa. Estratégias Pedagógicas e Gerenciamento Aberto: Uma Análise
Cartográfica dos Novos Formatos de Acompanhamento de Ações Pedagógicas no Campo da
Formação Continuada de Professores. Dissertação (Mestrado em Educação) –– Universidade
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bitstream/tede/4130/2/Disserta%C3%A7%C3%A3o%20%20Maria%20Ione%20Feitosa%20
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MINAYO, Maria Cecília de Souza; DESLANDES, Suely Ferreira; GOMES, Romeu. Pesquisa
Social: teoria, método e criatividade. 28 ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. Disponível em: <http://
wp.ufpel.edu.br/franciscovargas/files/2012/11/pesquisa-social.pdf >. Acesso em: 24 jul. 2017.
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SOUZA, José Valderí Farias de. Educação do Campo e da Floresta: Um Olhar Sobre a Formação
Docente no Programa Asas da Florestania no Alto Juruá/AC. Dissertação (mestrado em
Educação) –– Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2013. Disponível em: <http://tede.
ufam.edu.br/bitstream/tede/3174/1/Jose%20Valderi%20Farias%20de%20Souza.pdf>. Acesso
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SOUZA, Paulo Ricardo Freire de. A Representação Social da docência pelos alunos do curso de
Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas: um diálogo com
Bourdieu em um estudo do Percurso no processo de formação. Tese (Doutorado em Educação)
- Universidade Federal do Amazonas. Manaus, 2015. Disponível em: < http://tede.ufam.edu.br/
bitstream/tede/4698/2/Tese%20%20Paulo%20Ricardo%20Freire%20de%20Souza.pdf>. Acesso
em: 03 ago. 2017.
INTRODUÇÃO
E
ste ensaio pertence aos estudos bibliográficos em nível de Mestrado em Educação,
do Programa de Pós-Graduação em Educação, da Faculdade de Educação, da
Universidade do Amazonas. A pesquisa de Mestrado compreende a política de creche
em Manaus e os estudos históricos acerca da infância, e os debates nas ideias de Ariès, podem
elucidar as correlações com a infância nos documentos oficiais de Estado.
Apesar de a infância haver sido incorporada como um novo objeto de investigação de
inúmeras produções de estudos, de pesquisas e trabalhos acadêmicos, ainda há muito o que se
pesquisar sobre a infância enquanto uma categoria social, considerando a criança como sujeito
real e historicamente situado, que vive e produz história, que apreende o mundo ao seu redor e,
independente da época, tem seus anseios, receios e vontades. Possui suas próprias referências e
preferências. Tem capacidade para expressar suas inquietações, indagações e ansiedades sobre o
mundo circundante.
No entanto, muitas pesquisas desenvolvidas sobre a infância no início do século XX,
voltaram-se os olhares para a saúde e, em conformidade com Sarmento (2008), a criança foi
estudada por uma psicologia do desenvolvimento que em suas construções de analíticas relevou
mais os aspectos biopsicológicos em detrimento da criança como sujeito que vive e produz história.
Discorrer sobre a infância e sua educação tem sido ocupação de diversos autores e das áreas
mais diversas do saber, como bem salienta Sarmento (2008). Entretanto, os estudos construídos
ao longo do tempo sobre a infância, considerou a criança mais como objeto de estudo de
pesquisadores do que o próprio sujeito do estudo. Sujeito que tem voz, que possui opiniões
próprias, que vive e apreende a cultura o que independe do tempo e do espaço onde se encontra
inserida.
Então, que dizem os autores sobre a infância e sua educação? Que imagens foram e são
projetadas a respeito da infância e sua educação em tempos remotos e nos dias atuais? Pois bem,
é sobre essas questões que serão tecidos alguns comentários, sem a pretensão de esgotá-los por
completo. A existência de diferentes olhares e concepções a respeito da temática aqui abordada é
considerada, sobremodo, significativa, dependo dos referenciais consultados, ter-se-á um sentido
para o termo.
Kuhlmann Jr. (2004, p.15) compreende “a infância como a concepção ou a representação
que os adultos fazem sobre o período inicial da vida, ou como o próprio período vivido pela
criança, o sujeito real que vive essa fase da vida”. O autor trabalha os termos infância e criança como
dimensões que carregam sentidos diferenciados, isto é, a história da infância seria a relação que se
estabelece entre a sociedade para com essa fase da vida humana e a história da criança como a relação
que se estabelece entre a criança e seus pares. Neste sentido, a infância então se apresenta como
“condição das crianças”, considerando que em cada sociedade e em cada momento histórico, a
criança vivencia sua própria infância.
Neste sentido, o autor retrata o seguinte o posicionamento acerca de infância e criança:
Desta forma, a infância é conceituada como uma etapa da vida humana, momento em que
a comunicação ainda não se estabelece por meio da palavra pronunciada, sendo considerada
como o período da construção do léxico, ou seja, da apropriação e da assimilação dos signos
linguísticos, dos sinais da comunicação verbalizada, para a partir desse repertório fazer-se entender
através da comunicação articulada pela palavra. A criança, com ser psicobiológica refere-se ao
desenvolvimento do psiquismo em suas articulações com as funções biológicas, isto é, o ser em
desenvolvimento físico.
Miki (2014) compreende que a concepção de infância, ou a representação que se atribui a
fase inicial da vida dos sujeitos sempre foi flexibilizada, isto é, a concepção de infância é construída
conforme a época vivenciada, o que implica dizer que não há uma única compreensão de infância
que possa ser atribuída a todas as eras históricas, pois depende das “nuances presentes nos
ideários sobre a infância e a prática exercida nas instituições educacionais” (MIKI, 2014, p. 3).
Sendo assim, o conceito de infância, conforme a autora, é construído de acordo com o
momento histórico, “nas diferentes realidades e temporalidades, nos diferentes lugares, por
homens e mulheres em suas relações sociais” (MIKI, 2014, p. 5).
Uma das primeiras pesquisas sobre a infância que se tem conhecimento são os estudos
produzidos por Philippe Ariès (1978), cuja a tese original data de 1962 sobre a História da criança
e da família, na qual, o autor considera a ausência de um sentimento da infância na sociedade
medieval, século XII, onde a criança muito pequena, por apresentar características delicadas e,
ainda vivenciando uma fase que poderia vir à óbito a qualquer momento, devido ao alto nível de
mortalidade, não era considerada pelos adultos como um membro familiar até demonstrar uma
certa parcela de autonomia para conviver sem os cuidados da mãe ou da ama.
Não existem representações coletivas onde as crianças pequenas e grandes não tenham seu
lugar, amontoadas num cacho pendente do pescoço das mulheres, urinando num canto,
desempenhando seu papel numa festa tradicional, trabalhando como aprendizes num ateliê, ou
servindo como pajem de um cavaleiro. (ARIÈS, 1981, p. 157).
A imagem da criança representado na iconografia, para o autor, foi suficiente para atribuir
uma concepção de infância no período medieval. O que se diz que até por volta do século XII a
arte medieval ignorava a infância ou não tentava representá-la. Sendo assim, a sociedade da época
uma vez não representando a criança por meio de suas artes, não atribuía a estas a importância
devida, dando a ideia de não haver espaço para a infância nesse período histórico. Se os homens
não se detinham em apreciar a representação da infância é porque não havia para eles interesse
algum, dessa forma, passava desapercebida, passando muito rapidamente que nem dava tempo
para fixar na memória.
Ariés conclui que, é por volta do século XIII que surge um perfil de criança que se aproxima
do sentimento de infância representado mais recente. Este aspecto de criança está muito ligado
ao mundo religioso onde procura mostrar o anjo com a “aparência de um rapaz muito jovem, de
um jovem adolescente” (ARIÈS, 2012, p.18).
As representações de criança também nesse período, surgiram por meio da arte sobre o
Menino Jesus e a da Virgem Maria menina, muito ligada a religiosidade. Jesus reproduzido, inicialmente,
como um adulto em miniatura, com a aparência de “ um pequeno Deus-padre majestoso, evoluindo
para uma reprodução de uma outra imagem de Jesus em pé com vestidos transparentes e com
braços envolvidos ao pescoço de sua mãe. A infância entrou em cena nas representações devido a
maternidade da Virgem, e ficou limitada a esta reprodução até o século XIV (ARIÈS, 2012).
A criança nua é outra representação de criança apontada pelo autor, sendo que a imagem
do Menino Jesus nunca era reproduzida despido, estava sempre envolto a panos que cobriam
partes de seu corpo. Ariès apresenta a evolução do sentimento de infância baseado na evolução
iconográfica durante o século XIV e principalmente durante o século XV. As representações que se
reportavam a imagens de crianças, durante esse período, ganham traços diferenciados, imagem
como de Jesus e a Virgem Maria se tornaram verdadeiros temas fecundos da imaginação de
artistas. A criança ganha aparência ternas e graciosa como “a criança procurando o seio da mãe
ou preparando-se para beijá-la ou acaricia-la; a criança brincado com os brinquedos tradicionais
da infância, com um pássaro amarrado ou uma fruta; a criança comendo seu mingau [...]” (ARIÈS,
2012, p. 20).
Com o passar do tempo, mais precisamente nos séculos XV e XVI a iconografia vai
incorporando outros aspectos que não fazem parte de uma infância restrita à religião, incorpora
em sua arte o mundo leigo, ou seja, uma imagem laica representadas por sujeitos não ligados a
religiosidade, até então ausente nas representações, mas essa iconografia ainda não reproduzia
a imagem da criança sozinha, pois, nas reproduções trabalhadas a criança estava sempre na
companhia ou da família, ou de outros adultos, em meio à multidão, no colo da mãe ou em
outras cenas, mas sempre na companhia de pessoas (ARIÈS, 2012).
É a infância sendo retratada como mais interesse, mais peculiaridades na iconografia
que respalda o autor da evolução desse sentimento no plano coletivo, a mentalidade do adulto
em evolução também. Sendo assim, até o século XII, como essa fase da vida não aparecia
esculpida, ou pintada, ou mesmo retratada de forma mais particular, então, não havia distinção
ou peculiaridades a representar. Dessa forma, Ariès declara que na Idade Média, até o século
mencionado, o sentimento de infância não existia.
A partir do século XIV, a iconografia passa a representar a criança já com expressões que
trazem um significado encantador, poético e familiar, admitindo haver nelas uma particularidade
em relação ao adulto, culminando numa reprodução mais diferenciada de seus trajes, especialmente
dos meninos, no entanto, essa diversificação é mais aparente nas classes mais abastadas da
sociedade do século XVI e XVII. “Essa especialização do traje das crianças, e sobretudo dos meninos
pequenos, em uma sociedade em que as formas exteriores e o traje tinham uma importância
muito grande é uma prova da mudança ocorrida na atitude com relação às crianças” (ARIÈS,
2012, p.100).
Ariès afirma em seus estudos que esse sentimento se despertou, primeiramente, nas classes mais
abastadas da sociedade, enquanto que a classe pobre só veio percebê-lo posteriormente. O que
evidencia “um preconceito às classes subalternas, desconsiderando a sua presença no interior das
relações sociais” (KUHLMANN JR. 2010, p. 23).
Diante disso, presume-se que a infância estudada e trabalhada por Ariès em suas pesquisas
foi prioritariamente infância da elite, o que fez calar a infância das classes populares. É a concepção
da infância elitizada, servindo de parâmetro a todas as infâncias existentes em um período tão
abrangente da história.
O trabalho com as imagens do período medieval fez uma parcela da população desaparecer,
a população pobre, que pouco ou quase nada deixou de sua história. Kuhlmann Jr. (2010)
reportando-se a Dominique Julia constata a precariedade na aquisição de testemunhos sobre a
criança na cultura popular em suas pesquisas realizadas “sobre o período do final da guerra dos
trinta anos à época das Luzes” (p. 23) onde:
Geralmente são nos registros deixados pela população elitizada, de caráter público, que são
encontrados informes sobre a vida privada das classes populares, e mesmo assim, carregados de
preconceitos e ações com vistas a disciplinar e corrigir suas crianças.
O aspecto linear sobre a história do desenvolvimento do sentimento da infância, durante
a Idade Média, realçado por Ariès também é alvo de controvérsias apontado por Kuhlmann
Jr. (2010), que se contrapõem à existência de uma história pronta e destinada a acontecer da
mesma forma e em sociedades de diferentes épocas. Este desconsidera os estudos que “pretendem
identificar o desabrochar do sentimento de infância no Brasil do final do século XIX. Postulando
que nessa época se estaria vivenciando um processo semelhante ao que teria ocorrido na França
do século XVII” (KUHLMANN JR., 2004, p. 21). Período este em que Ariès considera o aflorar do
sentimento da infância na sociedade medieval.
De acordo com Kuhlmann Jr. (2010, p.22) “o que se vive no Brasil são as manifestações
do grande impulso com relação a infância que representou o próprio século XIX, em todo o
mundo ocidental, especialmente após a década de 1870”, e não a mesma história vivenciada pela
sociedade europeia com relação ao seu despertar pela especificidade da infância.
Concernente a inserção da criança ao mundo dos adultos, Kuhlnann Jr. (2004) se contrapõe
a Ariès afirmando que não ocorria de maneira imediata e nem de forma idêntica para todas
as fases, havia “processos de iniciação em que o aprendiz necessitava percorrer certas etapas
para a obtenção de maiores graus de autonomia” (p.22). Mesmo vivendo no mesmo espaço em
que os adultos circulavam, havia aprendizagens diferenciadas às crianças, no período medieval
e “ a defesa da necessidade da educação fundada nas instituições familiar e escolar fez dessas
instituições o ‘novo mundo dos adultos ‘ pela qual elas deveriam passar”. (KUHLMANN JR., 2004,
p.22).
O autor faz referência a obra de João Amós Comenius1, publicada no século XVII, mais
precisamente no ano de 1657, onde sugere para a instituição escolar uma proposta educacional
organizada por faixa etária, forma esta desenvolvida pelos artesões da época que trabalhavam
1 João Amós Comenius nasceu em Nivnice, na cercania de Uherský Brod, na Morávia, hoje República Tcheca, em
28 de março de 1592. Estudou na escola latina de Prerov em 1608 quando tinha 16 anos. É considerado como um
dos primeiros defensores da universalização da educação, concepção trabalhada em sua obra Didática Magna, tido
também por muitos como pai da Pedagogia moderna (CAULY, 1995).
com seus aprendizes o ofício, partindo de aprendizagem simples às lições mais complexas e isso,
com lições que perduravam de dois a sete anos.
Sobre o prolongamento da infância o autor declara que não passou de uma “representação
dos clérigos, moralistas e pedagogos, pois a frequência aos colégios era realidade apenas para
uma minoria de crianças da sociedade europeia” (KUHLMANN JR., 2004, p.23). Isso porque, em
conformidade com o autor, a presença da massa infantil nas instituições escolares só ocorreu a
partir do século XIX, momento em que é atribuído a escola uma nova concepção, bem diferente
da propagada até então. Se antes a escola era vista como um local de isolamento das crianças do
mundo cheio de vícios e atitudes perniciosas dos adultos, nesse momento estaria passando por
um outro significado que consistia com a escola como o reflexo da própria sociedade.
Sendo a concepção da infância trabalhada por Kuhlmann Jr. (2004) como uma representação
que os adultos constroem em relação a criança, logo, “seria arbitrário utilizá-lo como tradução
imediata da sua vida real” (p. 24). Nesse sentido, uma representação de terceiros sobre a infância
pode distorcer a própria vivência da criança em suas relações na sociedade, na relação criança-
criança. Como afirmar que a infância não fez parte da vida de uma criança, mesmo nas sociedades
consideradas primitivas? Mesmo vivendo e convivendo em ambientes em que aos olhos atuais
poderiam ser classificados como impróprios para esta fase da vida? Ainda que Ariès desconsidere
essa visão, “é possível reconhecer atributos e manifestações típicas de um universo infantil mesmo
em fontes que nos contam de crianças submetidas às mais degradantes condições de vida”
(KUHLMANN JR., 2004, p. 24).
Cada período histórico vivenciou e definiu uma concepção de criança e infância que serviu
de referência a sua época. O que não se pode enfatizar que, em determinado momento histórico
- apenas porque esses conceitos não se harmonizaram ou não se harmonizam com concepções de
outras eras - inexistiu uma consciência da peculiaridade de cada fase da vida.
Heywood (2004) também apresenta suas críticas as ideias sobre a infância trabalhada por
Ariès, apontando a fragilidade da obra deste autor e evidenciando alguns pontos que podem
contestar a afirmação concernente a ausência do sentimento sobre essa fase da vida humana na
sociedade medieval. Uma dessas fragilidades e inconsistências encontram-se nos seus métodos de
análise, e no procedimento com que tratou as fontes escolhidas para essas análises.
A declaração sobre a ausência do sentimento de infância de Ariès, respalda-se nas leituras
iconográficas realizadas por este, na Europa medieval, mais precisamente no século XII, como já
delineado. Percebendo que as crianças não eram retratadas em suas peculiaridades, mas como
adultos em miniaturas, nos trabalhos dos artistas da época, o autor constatou, então, não haver
consciência de infância até o período descrito. O contraponto apresentado por Heywood (2004)
sobre essa afirmação se sustenta no fato de que os artistas da Idade Média não se detinham em
pintar a aparência particular de cada sujeito e sim realçar o “status e posição de seus retratados”
(p.24). Este autor considera Ariès “um historiador amador de fim de semana” (p. 24).
Outro posicionamento de que se contrapõe a afirmação de Ariès evidencia-se com relação
a centralização desmedida dos estudos deste autor sobre os temas voltados a religião, o que
ignorava, sobremodo, a vida em seu contexto real, a vida secular em seus pormenores, a realidade
em ação, a vida e as pessoas em seus contextos particulares. Ao afirmar que a descoberta da infância
ocorreu devido a evolução nas representações dos artistas a partir do século XII, também é algo
questionável, pois artista nenhum seria capaz de representar, por meio de pinturas, a vida em sua
amplitude real, em sua dinâmica secular, na cotidianidade de todas as pessoas.
A busca por evidencias sobre uma concepção da infância no século XII, especificamente na
Europa medieval, não se constitui material suficiente para afirmar a ausência desse sentimento
em todo um período histórico e em todas as sociedades, ignorando assim, toda a vivencia real
dos povos de diferentes lugares, bem como a subjetividade de seus sujeitos, é o que argumenta
Heywood (2004).
Este autor também destaca que, na civilização da Idade Média havia sim uma consciência da
especificidade da infância ao se referir aos códigos jurídicos medievais que apresentavam certas
permissões a fase de menoridade das crianças.
Por exemplo, costumavam proteger os direitos de herança de órfãos e, por vezes exigiam o
consentimento das crianças em relação a um casamento. As ordenanças de Aethelstan, rei dos
saxões ocidentais do início do século X, estabeleciam que qualquer ladrão com mais de 12 anos
de idade que roubasse bens de valor superior a 12 pence deveria ser executado. (HEYWOOD,
2004, p. 26).
No entanto, levar a morte uma pessoa tão jovem, incomodava o rei, ainda mais em
decorrência de infrações consideradas tão leves. Outra evidência apontada pelo autor, concernente
a consciência da infância, na época medieval, diz respeito ao regime estabelecidos nos monastérios,
que deveria ser menos rigoroso à criança que os aplicados aos adultos.
Um comentário do século IX sobre a Regra de São Bento permitia que os infantes fizessem
refeições mais frequentes do que os maiores, dormissem mais e tivessem algum tempo para
brincar no campo (ainda que apenas durante uma mísera hora por semana ou por mês)
(HEYWOOD, 2004, p.26).
Nesse contexto, o autor aponta particularidades no trato com a infância muito antes do
século XII, período situado por Ariès como ausente do sentimento sobre a singularidade infantil.
Outras evidências que podem se contrapor a afirmação de Ariès, encontram-se no campo da
medicina, que dispunham de obras que faziam referência ao caráter pediátrico, destacando o
cuidado de bebês.
A tradição hipocrática de dividir a infância em três etapas também pode refutar Ariès em
sua afirmação, pois no período medieval a divisão por idades ficou assim representado, com
relação as etapas da infância: “infantia, do nascimento aos 7 anos; pueritia, dos 7 aos 12 anos para
meninas, e dos 7 aos 14 para os meninos; e adolescentia, dos 12 ou 14 até os 21 (HEYWOOD, 2004,
p. 26).
Heywood (2004) considera impróprio afirmar que uma cultura teve ou não a presença de uma
consciência da particularidade da infância, no caso da Idade Média seria mais prudente afirmar
que as concepções atribuídas à criança, durante este período histórico, eram provavelmente bem
diferentes das concepções do período contemporâneo.
Havia diferentes concepções de infância durante o período medieval. Existia a concepção da
elite instruída que concebia a criança “como uma criatura pecadora, um pobre animal suspirante”
(HEYWOOD, 2004, p.28). A infância “compreendida como um processo, ao invés de um estado
fixo” (p.28). Estudos, também, relatados por este autor demonstram que a infância, no século XII,
em decorrência de ritos sagrados oferecidos ao Menino Jesus, foi bastante enlevada. Outros vieses
da infância e sua particularidade, nesse período, giram em torno das características específicas
das etapas de idade, “da consciência das transformações fundamentais em torno das idades de 2
e 7 anos, e da adolescência” (HEYWOOD, 2014, p.28).
Um aspecto negativo apontado pelo autor, característicos dos autores medievais, é a
ausência de interesse em descrever a infância e suas histórias, preferindo a fase adulta como fonte
de inspiração de seus escritos. As histórias que encantavam os escritores medievais estavam quase
sempre relacionadas as batalhas ocorridas à época, a política que configurava a sociedade e
outros temas de interesse dos adultos.
Concernente a estimativa de idade, no período medieval, os termos apresentavam sentidos
ambíguos, palavras como ‘criança’, como puer, kneht, fante, vaslet ou enfes, eram muitas vezes
desviadas para indicar dependência ou servidão. Sendo assim, elas também poderiam se aplicar a
adultos bem como a jovens” (HEYWOOD, 2004, p. 29).
Desta forma, como bem demonstra Heywood (2004) “a infância (assim como a adolescência)
durante a Idade Média não passou tão ignorada, mas foi antes definida de forma imprecisa, e,
por vezes, desdenhada” (p.29). No entanto, não se pode afirmar que este desdém se relacionava
a falta de sentimentos dos adultos para com as crianças, mas uma demarcação precisa e definida
referente as estimativas de idade, pois as nomenclaturas utilizadas, apresentavam significados
dúbios.
Ao longo do século XIX, muitas iniciativas advindas da área médica e educacional contribuíram
para a consolidação de ações em favor da criança. Pode-se dizer que neste período histórico
aflora-se um interesse maior por parte de profissionais de diferentes áreas para com a criança.
Instituições para o acolhimento de crianças expandiram-se nesse período como escolas, asilos
e hospitais que começam a ser pensadas visando não somente o desenvolvimento das mesmas,
como também uma melhor adequação. (KUHLMANN JR., 2004).
O início do século XX a infância e sua educação, em decorrência da expansão do sistema
capitalista e das transformações sociais que ocorriam, principalmente, na Europa, tornaram-se
alvos dos novos ideais que se consolidavam gradativamente na sociedade moderna2. Ideais estes
que poderiam ser alcançados por meio de uma formação pela educação sistematizada, ou seja,
pensada e desenvolvida em instituições construídas para esse fim, e isso desde a tenra infância,
visando formar pessoas civilizadas, educadas para um novo tempo, o tempo da ‘civilidade’.
(KUHLMANN JR., 2004).
Diante de tantas transformações que passaram a ocorrer nas sociedades no final do
século XIX e início do século XX, a infância e sua educação começaram a fazer parte das agendas
governamentais e dos “discursos sobre a edificação da sociedade moderna” (KUHLMANN JR.,
2004, p. 26). A visão de progresso e de um país avançado, muito propalado no período, dependia
do grau de civilidade de seu povo.
Visando atender esse novo tempo, e em nome desse progresso, entram em cena as influências
‘médico-higienistas nas questões educacionais’, intuindo o saneamento da sociedade a fim de
promover mais resistência e saúde na vida da população e, em consequência disso, criar melhores
trabalhadores para um maior desenvolvimento.
Sobre isso, comenta Leite (2003):
No final do século XX a infância tornou-se uma questão candente para o Estado e para as
políticas não governamentais, para o planejamento econômico e sanitário, para legisladores,
psicólogos m educadores e antropólogos, para a criminologia e para a comunicação em massa.
(LEITE, 2003, p. 19).
2 A gênese da modernidade que se realiza no século XIX esteve nas profundas mudanças políticas, culturais, sócias e
econômicas ocorridas em diferentes parte do mundo a partir do século XVI, quais sejam as viagens ultramarinas, as
reformas religiosas, o Racionalismo e Iluminismo, Revolução Industrial, as alterações na produção da consciência
do indivíduo, as distinções entre o público e o privado, a redefinição dos núcleos familiares, as alterações nas
relações de trabalho, as profundas mudanças na cultura material da sociedade, enfim uma infinidade de outros
acontecimentos perturbadores dos costumes e habitus então correntes dos indivíduos e da sociedade (VEIGA,
2004, p. 35).
Houve maior visibilidade e divulgação a partir da segunda metade do século XIX, seja pelas
condições materiais da expansão do liberalismo, assim como dos movimentos migratórios,
como pela possibilidade de maior circulação entre mercadorias e pessoas, com o aumento
das navegações e o desenvolvimento das ciências colocadas sob um altar que propiciaram um
intercâmbio entre intelectuais do novo e antigo mundo.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante desta revisitada teórica e histórica nos posicionamentos dos autores sobre as
representações de infância e sua educação é perceptível que, apesar dos termos representarem
familiaridade, fazendo parte do repertório linguístico da vida cotidiana comum, trazem consigo
diferentes concepções, dependendo do referencial adotado. A infância não deve ser vista em
sentido singular, mas no sentido de pluralidade, visto ser considerado para alguns estudiosos
como condição da criança, ou seja, a vivencia da criança em diferentes momentos históricos,
carecendo de ser compreendida na conjuntura das relações sociais. Os trabalhos de Philippe
Ariès, aqui mencionados, apesar de receberem muitas críticas a respeito de suas análises por meio
da iconografia, é considerado um marco para o entendimento da infância enquanto categoria de
análise e pesquisas.
REFERÊNCIAS
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LTC, 1981.
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Faria Filho. A infância e sua educação: materiais, práticas e representações (Portugal e Brasil).
Belo Horizonte: Autêntica, 2004.
INTRODUÇÃO
Os jovens indígenas buscam um nível mais elevado de educação e lá nas nossas aldeias estão
sonhando que alcançarão algum dia a universidade – momento que pode ser bastante importante
para todos nós. No Brasil, temos um número muito pequeno de indígenas que chegou a
completar uma graduação; começaram talvez em número maior, mas poucos conseguiram
completar (FLORES, 2007, p. 45).
A
situação atual das populações indígenas situadas em território brasileiro, cuja luta
maior é pela sobrevivência não somente no plano material, como também enquanto
nações distintas, detentoras de culturas próprias, tem sua presença reconhecida
não apenas em relação à sociedade nacional, mas também está presente na comparação dos
povos indígenas entre si, os quais tem “uma tradição oral independende da escritura” (DERRIDA,
2013, p. 37). Acredita-se que a presença indígena pode ser expressa na existência de 200 a 305
povos indígenas – as estimativas variam dependendo do referencial adotado –, os quais habitam centenas
de aldeias localizadas em todos os estados brasileiros (FUNAI, 2012; ISA 2014; MELATTI, 2007).
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), esses povos vivem em
687 terras indígenas contínuas e descontínuas, totalizando 12,76% do território nacional. Apesar
da distribuição pelo Brasil, 48,32%1 da população indígena concentra-se na região da Amazônia
Legal2. O estado do Amazonas possui uma população estimada de 3.590.985 habitantes, sendo
que 1.861.8383 habitantes residem em Manaus, representando 51,85% de toda a população do
estado. Tem aproximadamente 1,85% da população brasileira e ocupa 18,31% do território do
País. Sua população atual resulta de um complexo processo que envolveu povos indígenas e grupos
migrantes. A composição étnica contemporânea do estado revela que historicamente houve uma
tendência de miscigenação entre os diversos grupos que povoaram seu território.
A população indígena do estado do Amazonas é de 183.514, dos quais 34.302 índios residem
em áreas urbanas, e, destes, 3.837 indígenas residem em Manaus (IBGE, 2015a, 2015b). As
estimativas feitas pela Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira (Coiab)
(2013) e pela Fundação Estadual de Política Indigenista do Amazonas (Fepi)4 variam de 15.000 a
25.000 indígenas vivendo em Manaus, mas tais estimativas são as mesmas há vários anos. Outras
estimativas foram realizadas por Bernal (2009) e pelo Conselho Indigenista Missionário (Cimi)5,
os quais afirmam que os índios em Manaus somam 8.000 e 8.500, respectivamente.
O presente estudo buscou compreender a finalidade das ações afirmativas do tipo quotas
étnicas no ensino superior brasileiro, a partir da experiência da Universidade do Estado do
Amazonas (UEA). A pesquisa foi de natureza qualitativa, tendo sido adotado o método histórico
crítico e os tipos de pesquisa foram: documental e bibliográfica. Os dados foram coletados na
Secretaria Geral e Arquivo Geral da UEA, e na Gerência de Arquivo da Diretoria de Documentação
da Assembleia Legislativa do Estado do Amazonas (Aleam).
A constatação de índios vivendo em zonas urbanas não é apenas uma realidade brasileira, mas
também latino-americana. E muitos desses grupos indígenas que vivem em cidades, metrópoles
ou meio urbano – portanto, fora de seus locais de origem – não são reconhecidos como indígenas,
seja por entidades indigenistas ou pelo próprio poder público. No entanto, para Laraia (1982),
certas vozes do poder público que insistem em não aceitar a legitimidade de alguns líderes sob
a alegação de que não são mais índios, uma vez que já frequentaram uma escola e conhecem a
sociedade dos não índios, não tem sustentação, pois o sentimento de lealdade e a identidade,
a qual não se apaga na diferença (DERRIDA, 2014), não podem ser destruídos por um período
efêmero de escolaridade ou de vida urbana.
Na terra manauara, esses índios vivem em bairros de periferia, sem acesso a direitos e serviços
públicos básicos, principalmente de saúde e educação. Isso é comprovado nos dados do Censo
Escolar (2013) do Ministério da Educação, onde Manaus registra o número de 726 instituições
públicas de educação básica em atividade, sendo que apenas três delas são reconhecidas como
escolas indígenas6, as quais atendem 90 alunos. Logo, é imprescindível a ampliação do acesso
escolar diferenciado para as comunidades indígenas, possibilitando-lhes uma educação específica
e o respeito às características étnicas e socioculturais.
O acima exposto, soma-se a afirmação de Lúcio Flores (indígena da etnia Terena e
representante da Coordenação das Organizações Indígenas da Amazônia Brasileira [Coiab]),
exposta no Seminário Desafios para uma educação superior para os povos indígenas no Brasil:
políticas públicas de ação afirmativa e direitos culturais diferenciados, a qual reitera os anseios
e as lutas dos povos indígenas pela educação escolar, em espacial o acesso e a permanência no
ensino superior, “esse lugar em que se sabe aprender e em que se aprende a saber” (DERRIDA,
1999, p. 126). E visando garantir essas lutas e anseios, o estado brasileiro, vem promovendo,
desde o início do século XX, a reserva de vagas nas universidades a partir de critérios étnicos,
também conhecidas como ações afirmativas7 do tipo quotas étnicas.
Essas ações buscam promover o princípio da igualdade e encontram-se nas atuais agendas de
discussões políticas, sociais e acadêmicas brasileiras8 e têm suscitado polêmicas, e conforme Leite
(2006, p. 80) surgem da “emergência das reivindicações por reconhecimento e igualdade social
dos grupos historicamente excluídos da sociedade brasileira”. E esses debates são caracterizados
pela desinformação da sociedade brasileira e pela formação de grupos de intelectuais, uns contra
e outros a favor, e uma minoria que finge que nada está acontecendo, mas que ainda acredita
na suposta democracia racial. De modo geral, a ideia veiculada para a sociedade brasileira,
6 Dessas escolas indígenas, uma está localizada na zona urbana e cinco localizam-se na zona rural (MEC; INEP,
2014a, 2014b).
7 O termo surgiu nos Estados Unidos sob a denominação de affirmative action (ação afirmativa), na Europa sob
os nomes de positive discrimination (discriminação positiva) e de positive action (ação positiva). Neste trabalho,
a denominação utilizada será a primeira, pois é esse o termo mais utilizado pelos movimentos sociais que as
reivindicam no contexto brasileiro.
8 Tais discussões tomaram maiores proporções no Brasil a partir das propostas defendidas pelo governo na III
Conferência Mundial contra o Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Intolerância Correlatas, a qual foi
realizada em Durban (África do Sul), no ano de 2001 (ZONINSEIN, 2006).
principalmente pela mídia, é a associação de ações afirmativas como sinônimo de quotas9 e cópia
das políticas implementadas nos Estados Unidos, com a finalidade de fundamentar a ideia de
que tais ações não foram exitosas e ainda acirraram os casos de racismo. No Brasil, acreditam os
contrários, também será assim.
Outros argumentos daqueles que são contra as ações afirmativas podem ser assim
sintetizados: o da inconstitucionalidade, pois fere o princípio da igualdade10; o da subversão do
princípio do mérito, o que ocasionaria um declínio da qualidade do ensino e perda da excelência
nas pesquisas; o da impossibilidade de no Brasil, em virtude do seu tipo de miscigenação, se afirmar
com fidedignidade quem é indígena; o da estigmatização dos indígenas como intelectualmente
incapazes, o que os discriminaria mais ainda; o dos critérios adotados para a criação das
proporcionalidades das quotas; o dos custos políticos e econômicos inerentes à implementação
de políticas afirmativas; e o de que o verdadeiro problema seria de ordem social, e não étnico ou
racial.
Já os favoráveis afirmam que elas buscam oferecer aos grupos historicamente discriminados
e excluídos um tratamento diferenciado, buscando compensar as desvantagens devido às suas
situações de discriminação (justiça compensatória). Afirmam ainda que as quotas, como um
dos tipos de ações afirmativas, poderão se tornar instrumentos de transformação da situação
de exclusão das pessoas discriminadas em virtude de sua condição étnica ou racial, dando-lhes
condições para ascenderem profissionalmente e assim gerar a mobilidade social e econômica
desejada (justiça distributiva).
Isso corrobora com o pensamento de Bergmann (1996), a qual afirma que existem três ideias
por trás da ação afirmativa: primeira, a necessidade de combater a discriminação existente em
certos espaços na sociedade; segunda, o desejo de integração e a busca da diversidade envolvendo
os diversos grupos sociais; e terceira, a identificação do objetivo de reduzir as desigualdades que
atingem certos grupos, como aquelas marcadas pela raça, gênero, etnia e outras.
Porém, referindo-se às ações afirmativas para inclusão de indígenas no ensino superior,
advertem Lima e Barroso-Hoffmann (2007) que é necessário conjugar uma perspectiva pluricultural
que respeite a diversidade e as perspectivas indígenas diferenciadas, sob pena de se tornarem
expedientes de controle e regulação burocrática das demandas de cidadania indígena. No entanto,
vale ressaltar que as reformas educacionais para as populações indígenas propostas pelo governo
brasileiro, vem propiciando um grande estímulo à discussão sobre escolarização das e nas aldeias,
com inúmeros projetos de formação e capacitação de professores indígenas realizados no País nos
últimos anos (BANIWA, 2015), com financiamento público e participação de secretarias estaduais
e municipais de educação, universidades e organizações não governamentais (ONG).
A Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional
(Ldben), também conhecida como LDB –, assegura, aos povos indígenas, o atendimento, em
universidades públicas e privadas, mediante a oferta de ensino e assistência estudantil, e também
o estímulo à pesquisa e desenvolvimento de programas especiais (Art. 79, caput e § 3.º),
determinação esta, incluída pela Lei n.º 12.416, de 9 de junho de 2011.
9 O sistema de quotas consiste em estabelecer um determinado percentual a ser ocupado por grupos definidos, de
maneira proporcional ou não, de forma mais ou menos flexível.
10 Aos 26 de abril de 2012, o Supremo Tribunal Federal (STF), ao analisar a Arguição de Descumprimento de
Preceito Fundamental (ADPF) 186, proposta pelo partido político Democratas (DEM) contra atos administrativos
da Universidade de Brasília (UNB), os quais instituíram o programa de quotas étnicas e raciais para ingresso
na referida universidade, julgou, por unanimidade, totalmente improcedente a arguição, e assim, considerou
constitucional a política de ação afirmativa de reserva de vagas no ensino superior brasileiro. Alegava o DEM, na
referida ação, ofensa aos artigos 1.º, caput e inciso III; 3.º, inciso IV; 4.º, inciso VIII; 5.º, incisos I, II, XXXIII, XLII,
LIV; 37, caput; 205; 207, caput; e 208, inciso V da Constituição Federal de 1988.
Compreendemos que essa determinação legal é uma política social de ação afirmativa
do tipo quotas étnicas, voltada para alcançar a igualdade de oportunidades entre as pessoas,
distinguindo e beneficiando grupos afetados por mecanismos historicamente discriminatórios,
objetivando alterar, positivamente, a situação de desvantagem desses grupos. Assim, o ingresso
de alunos indígenas pelo sistema específico de quotas étnicas, iniciado em 2005, terá vigência até
que a Lei Estadual n.º 2.894 seja revogada, pois o Supremo Tribunal Federal (STF), ao julgar a
Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 186, considerou constitucional a
política de ação afirmativa de reserva de vagas no ensino superior destinada às minorias étnicas.
De acordo com o levantamento realizado pelo Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj), o número de vagas reservadas para negros, pardos
e índios, nas instituições de ensino superior (IES), subiu 225%, de 2012 para 2014, representado
neste ano 43.613 vagas, o que significa um avanço no processo de inclusão social (LEI de Cotas...,
2015). Diante desta constatação afirma Baniwa (2015, p. 1), que “são inegáveis as conquistas e
os avanços de inclusão social no campo das políticas públicas brasileiras [...], destacadamente no
campo do acesso à educação superior por parte de segmentos sociais historicamente excluídos,
como são os povos indígenas”. No entanto, o número de vagas oferecidas pela Universidade do
Estado do Amazonas, para os candidatos pertencentes às etnias indígenas, no período de 2005 a
2013, totalizaram 1.469, porém apenas 796 foram efetivamente preenchidas e, desse total, 52,26%
dos alunos indígenas matriculados estão realizando cursos na capital.
Frente a esta realidade diversa e contraditória, a qual abre as possibilidades para a criação
do campo e da história (DERRIDA, 2013), questiona-se: a política de ação afirmativa de reserva
de vaga para indígenas implementada pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA) viabiliza
o acesso e garante a permanência dos índios na Universidade? O atual sistema de acesso e
permanência de indígenas da UEA atende aos anseios dos beneficiados e as reivindicações dos
Movimentos Indígenas do Amazonas? Existem programas institucionais que a UEA desenvolve de
apoio aos estudantes indígenas? Como tais programas são avaliados pelos estudantes indígenas
atendidos?
11 A Lei Estadual n.º 2.637, de 12 de janeiro de 2001, autorizou o Poder Executivo a instituir a Universidade do
Estado. A referida instituição ocorreu por meio do Decreto n.º 21.666, de 1.º de fevereiro de 2001.
12 Atualmente, encontram-se em construção, em mais 20 municípios do interior do estado do Amazonas, novas
unidades acadêmicas da UEA.
Diante destes questionamentos ainda não temos respostas, mas partimos do pressuposto
que a introdução das políticas de ação afirmativa representou, em essência, a mudança de postura
do Estado, que, em nome de uma suposta neutralidade, aplicava suas políticas governamentais
universais indistintamente, ignorando a importância de fatores como sexo, raça, etnia, cor e
origem nacional. Nessa nova postura, passa o Estado a levar em conta tais fatores no momento
de contratar seus funcionários ou de regular a contratação por outrem, ou ainda no momento de
regular o acesso aos estabelecimentos educacionais.
E mais, as quotas, assim como todas as políticas de ações afirmativas, não pode ser
considerada como um fim em si mesma, tampouco como uma solução única para todos os
problemas de desigualdade e exclusão educacional no país. Ela deve ser um ponto de partida
para se pensar o enfrentamento das desigualdades associadas à exclusão e discriminação racial,
sociocultural, econômica e étnica. E os povos indígenas, no entender de Baniwa (2015), são um
dos segmentos sociais brasileiros que mais têm cobrado do Estado políticas de ações afirmativas
com vistas a combater a histórica exclusão e desigualdade social, econômica e política, e também
para atender as suas demandas, realidades, projetos e filosofias de vida.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Compreendemos que o acesso ao ensino superior por indígenas não é apenas um direito: é
também uma necessidade deles, pois a formação superior de indígenas reveste-se de importância
para a construção de espaços e experiências de convivência intercultural13 entre povos indígenas
e a sociedade nacional, considerando a conformação recente do Brasil enquanto um Estado
pluriétnico. Ou seja, a adoção de políticas de ação afirmativa – entre elas a reserva de vagas
no ensino superior brasileiro – pode ser considerada um dos meios para se atingir uma série de
objetivos que restariam, normalmente, inalcançados caso a estratégia de combate à discriminação
se limitasse à adoção, no campo normativo, de regras meramente proibitivas de discriminação.
Isto significa que não basta proibir, é preciso também promover, tornando rotineira a observância
dos princípios da diversidade e do pluralismo, de tal sorte que se processe uma transformação no
comportamento e na mentalidade coletiva, os quais são, como se sabe, moldados pela tradição,
pelos costumes – em suma, pela história.
Desta feita, as ações afirmativas, em particular as quotas, devem se constituir em um conjunto
de políticas públicas e práticas interdependentes e complementares, relativas a experiências e
vivências sociopolíticas e culturais dos/as atores socioeducacionais, na contemporaneidade.
Esse enfoque se coloca avesso às simplificações, ao tempo em que sublinha a possibilidade de
compreendermos ações afirmativas como uma construção histórica e sociocultural em movimento.
Consequentemente, ao se analisar as ações afirmativas do gênero quotas e a própria
democratização do ensino superior no Brasil, enfoca-se, diretamente, a problemática do acesso
e permanência de estudantes oriundos das escolas públicas, de afrodescendentes e de índios.
O sistema de reserva de vagas, que ora ocupa o debate dos movimentos sociais, das políticas
institucionais e das políticas públicas, constitui-se como importante tema no que tange à criação
do espaço necessário para a formulação e implementação de políticas de promoção da igualdade
tanto étnica quanto racial e social. Como adverte Munanga (2004), no Brasil os preconceitos e
a discriminação racial não foram zerados, persistindo em superposição a exclusão étnico-racial e
social.
Partindo da premissa de que tais grupos normalmente não são representados em certas
13 Entende-se por interculturalismo, a postura dialógica, para além da perspectiva da tolerância, entre os diferentes
grupos culturais que se entrecruzam nos espaços sociais, destacando as desigualdades que podem marcar essas
relações e a necessidade de seu enfrentamento (CANDAU; LEITE, 2006, 2011).
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Introdução
O
artigo discute a concepção de transição para a vida adulta situando as diferentes
perspectivas que se esboçam no campo de estudos da juventude em torno deste
tema. Propõe ainda a reflexão sobre o lugar e os desafios de se tomar a juventude
enquanto objeto de estudos da pesquisa em educação na região amazônica.
Elege-se o recorte da transição para a vida adulta, como ponto de partida para este debate
sobre juventude e educação por ser este um dos temas centrais para o estabelecimento da
perspectiva a partir da qual a educação pode se propor a pensar a juventude.
A concepção de transição para a vida adulta está na base da definição da categoria juventude.
Não por acaso este tem sido um dos temas mais explorados nos estudos sobre jovens. Os estudos
sinalizam dois polos de compreensão da transição, quais sejam, a noção de transição para nomear
o fenômeno da saída da juventude e entrada na vida adulta como fato concluído; e no outro polo o
estudo da transição enquanto processo de maior extensão, constituído de aproximações graduais
dos jovens com relação aquilo que representa e institui o adulto nas diferentes sociedades.
Para o enfrentamento deste tema na perspectiva de processo é preliminar considerar que a
juventude não é uma categoria universal e imutável, mas situada no tempo e espaço das diferentes
sociedades. Quando a juventude desponta nas sociedades modernas enquanto uma categoria
social que se diferencia da infância e da vida adulta, sua representação estava associada enquanto
uma condição apenas possível para os indivíduos da elite. Nos dias atuais, porém não é incomum
pensa-la com relação a diferentes grupos. No entendimento de Abramo (2008, p. 44),
A juventude, mesmo que não explicitamente, é reconhecida como condição válida, que faz
sentido, para todos os grupos sociais, embora apoiada sobre situações e significações diferentes.
Agora a pergunta é menos sobre a possibilidade ou impossibilidade de viver a juventude, e mais
sobre os diferentes modos como tal condição é ou pode ser vivida.
Assim como os significados de ser jovem e de ser adulto podem variar, a passagem entre
essas fases da vida também se associa a diferentes marcadores. Há grupos sociais para os quais
os sinais de maturação do corpo são indicadores suficientes para considerar que um indivíduo
entrou na vida adulta. Nesse tipo de sociedade, a passagem geralmente inclui atos públicos e
rituais.
As sociedades modernas ocidentais consideram os aspectos biológicos na definição de
juventude e vida adulta e também possuem alguns rituais típicos de determinados momentos da
vida, mas estes dois elementos não são suficientes para enquadrar um indivíduo na condição de
jovem ou de adulto e também não o são para compreender o processo de transição.
A produção acadêmica das últimas décadas sobre o tema das transições já representa um
acúmulo significativo de reflexões, que têm permitido delinear algumas tendências. Apesar das
flagrantes diferenças entre as realidades de distintos países, os estudos sinalizam um alargamento
do espaço compreendido entre juventude e vida adulta e um processo de despadronização e
fragmentação dos processos de transição.
A dilatação do tempo de transição da juventude para a vida adulta ocorre em função de
diferentes questões, podendo remeter ao fenômeno do prolongamento da juventude, como
também a situações de diferimento da entrada na vida adulta. Para Singly (2005) esse processo
é tomado como um indicativo de que o fluxo da vida, cada vez mais marcado por processos de
formação permanente do eu, não permite encerrar definitivamente todas as características que
são peculiares a determinadas fases.
A noção de prolongamento da juventude refere-se à extensão do tempo que se leva para
atravessar etapas social e culturalmente utilizadas para demarcar a condição juvenil nas sociedades
ocidentais, sobretudo nos meios urbanos. Estes marcadores muitas vezes se traduzem em ações
institucionais e normativas dirigidas à juventude.
A noção de diferimento da entrada na vida adulta é apresentada por Casal et al. (2006),
para nomear os crescentes casos em que a permanência do indivíduo no domicílio de origem é
uma opção, antes que uma necessidade. Considerando a juventude como um trecho da biografia
que se estende do início da puberdade até a emancipação familiar plena, caracterizada pelo
estabelecimento de domicílio próprio, estes autores consideram que os casos em que estão
dadas as possibilidades de emancipação, mas o sujeito opta por adiá-la, não se enquadram
analiticamente na categoria de prolongamento da juventude, retratando antes um diferimento da
entrada na vida adulta.
Na perspectiva de Singly (2005), a dificuldade em dimensionar a duração da transição deve-
se ao fato de que o término da juventude é um processo que só se efetiva de maneira parcial,
quando se considera que a idade adulta não retira do sujeito a possibilidade de “formação
permanente do eu” e não encerra a persecução da coerência entre as dimensões da autonomia e
da independência, processo que ao longo da juventude potencializa a experimentação e a projeção
de futuro. Para Singly (2005, p. 120), “los indivíduos contenporáneos no se niegan a crecer; sin
embargo, no quieren renunciar a lo que simboliza la juventude: su próprio nacimiento y a la vez la
posibilidade de renacer.”
Desvelar a realidade dos jovens brasileiros e seus processos de transição a partir dos matizes
que os constituem, parece ser um investimento oportuno, pois seguramente há elementos que
distinguem esses jovens daqueles que vivem em outras partes do mundo. Sabe-se que a diversidade
é uma característica que pode sobressair mesmo quando tratados indivíduos de um mesmo país
ou região, pois embora reflitam uma unidade do ponto de vista geracional, os jovens também
espelham o diverso a partir dos elementos culturais, sociais, etários, étnicos, de gênero etc.
Entender os modos como ocorrem os processos de transição dos jovens brasileiros para a
vida adulta exige um exercício de rigorosa combinação de elementos de unidade e diversidade e um
olhar atento às fendas produzidas pelas desigualdades socioeconômicas que marcam a história
deste País. Além disso, essa é certamente uma tarefa que exige um esforço coletivo.
Pesquisas sinalizam que o quadro de mudanças que as sociedades de economia capitalista
vêm atravessando desde meados da década de 1970 têm afetado substancialmente os modos de
passagem da juventude para a vida adulta.
Os pesquisadores identificam que o modelo de transição assentado no cumprimento de
uma sequência linear das etapas de escolarização, inserção profissional, saída da casa dos pais,
casamento e nascimento do primeiro filho, que predominou em outros momentos das sociedades
modernas de economia capitalista, já não ocorre para a maioria dos jovens.
No modelo linear de transição para a vida adulta, as passagens entre estágios (escola-trabalho;
trabalho-saída da casa dos pais; saída da casa dos pais-casamento etc.) configuravam transições
específicas a partir das quais se fazia a travessia mais ampla para a vida adulta. Assim, as maiores
possibilidades de uma pessoa permanecer no mesmo emprego ou numa carreira profissional
por toda a vida, independente do grau de qualificação ou prestígio social da ocupação, era pré-
requisito importante à concretização de fases seguintes, como domicílio próprio ou casamento.
Nos contextos em que transições intermediárias foram incorporadas aos projetos político-
institucionais e culturais de transição para a vida adulta, cada um dos estágios proporcionava
uma espécie de preparação e recursos para o estágio seguinte. Sabe-se, contudo que este modelo
aterrissou com diferente força nas distintas sociedades. Na transição da escola para o trabalho, por
exemplo, há países que configuraram uma relação de passagem mais ou menos pré-programada
Se transição é um processo de passagem entre duas coisas que estão relacionadas, no Brasil – ou
melhor, para os jovens que procuram trabalho por meio de mecanismos institucionalizados de
intermediação na maior metrópole do país – a passagem da escola para o trabalho só parece
adquirir sentido quando se dá entre a faculdade e um trabalho da área. Em outras palavras,
quando não se chega ao ensino superior, não se trata efetivamente de transição escola-trabalho,
seja por causa do distanciamento entre a experiência da escola regular e o mundo do trabalho,
seja porque essas duas esferas são largamente conviventes, isto é, são vividas ao mesmo tempo.
(TARTUCE, 2007, p. 354)
O que pode ser generalizado acerca dos novos padrões de transição é que a sequência típica
que outrora predominou já não é vivida pela maioria dos jovens em virtude, tanto de mudanças
socioeconômicas e culturais mais amplas, quanto por questões que se operam no campo subjetivo.
Em seu lugar vão surgindo trajetórias diversificadas que emprestam sentidos diferentes a cada
uma das etapas isoladamente e também às relações estabelecidas entre estas.
Assim, é que, com muita frequência, podem ser encontrados, hoje, jovens que se casam
ou passam a coabitar sem ter saído da casa dos pais; permanecem na casa dos pais mesmo
tendo alcançado independência financeira por meio de empregos bem remunerados; casam-se,
separam-se e voltam à moradia da família de origem; adiam o ingresso no mercado de trabalho
em função do prolongamento da escolarização; saem da casa dos pais, mas continuam a receber
auxílios financeiros e de outras ordens; assim como podem ser encontrados também jovens que
descrevem trajetos lineares aos moldes tradicionais.
Se, por um lado, a maior plasticidade das estruturas e das relações sobre as quais se
desenvolvem a experiência juvenil nos dias de hoje sugere que as possibilidades de escolha dos
jovens estão ampliadas, por outro, também apresenta elementos contraditórios, que podem
camuflar estados perversos de estagnação sob a aparente fluidez. Como destacam Guerreiro e
Abrantes (2007, p. 39),
Nessa direção, é importante abrir aqui um parêntese para salientar que as mais recentes
pesquisas sobre a população juvenil no Brasil apontam dados preocupantes relacionados a um
significativo número de jovens que não se encontram nem na escola, nem no trabalho.
Quando considerado o conjunto das pessoas que têm entre 15 e 29 anos, os mais velhos
são maioria entre aqueles que estão fora da escola e do mercado de trabalho. Mesmo com a
ponderação de que para alguns desses jovens a condição de desfiliação possa ser provisória, haja
vista que a população juvenil é fortemente atingida pelo desemprego recorrente e que para muitos
a conclusão da escolarização básica ainda é um desafio, os dados preocupam porque no Brasil
escola e mercado de trabalho são primordiais na estruturação das identidades juvenis.
O estudo de Camarano e Kanso (2012) traz o perfil dos jovens que se estão nessa condição
que vem sendo nomeada de nem-nem. Segundo as autoras, a maioria destes jovens é do sexo
feminino; moravam nos domicílios da mais baixa faixa de renda, nos quais um menor número de
pessoas encontrava-se trabalhando e havia uma maior dependência da renda dos chefes, que, por
sua vez, tinham a mais baixa escolaridade.
Saber mais sobre esses jovens é um importante desafio para as políticas públicas e a
academia. No estudo da transição esse é um tema relevante, pois, a primeira vista, pode acenar
para uma suspensão do movimento, que é uma característica central da transição. Porém, é
preciso avançar no mapeamento dos fatores que têm produzido essa situação, para verificar até
que ponto ela expressa uma evasão do jovem da cena pública, e até que ponto ela é resultado do
investimento que os jovens podem estar fazendo em modos de inserção laboral e de formação não
necessariamente compatíveis com as medidas da estatística oficial.
Fechando esse parêntese sobre os jovens nem-nem, pode-se considerar que a transição para
a vida adulta ocorre em meio aos constrangimentos estruturais mais amplos, mas também reflete
a diversidade de percursos individuais. Diante do embate que se estabelece entre prescrições e (im)
possibilidades, que derivam das estruturas sociais, e intenções e estratégias de ação, que marcam
a ação do indivíduo, a reversibilidade ganha força como uma característica das ações e decisões
juvenis.
Como alternativa a opostos binários tais como: estudante/não estudante, empregado/
desempregado, solteiro/casado etc, os jovens da geração ioiô (Pais, 2005) se desdobram em
personagens possíveis experimentando estatutos intermediários e reversíveis, com maior ou menor
grau de transitoriedade, precariedade ou formalidade.
Além disso, por suas estratégias de se centrar no presente, em tempos em que futuros
pensados em termos de médio e longo prazo despertam preocupações, os jovens têm sido
considerados modelos culturais.
[...] Nas “voltas que a vida dá” é curioso constatar que o movimento (iô) de socialização de pais
para filhos dá uma volta de retorno (ioiô) que assegura que também os pais sejam socializados
pelos filhos, aculturizados por uma cultura juvenil, cada vez mais referencial, nomeadamente no
domínio da moda e da valorização do corpo. (PAIS, 2005, p. 59, grifos do autor)
Também, neste aspecto, é preciso estar atento a uma contradição fundamental, pois ao
mesmo tempo em que os jovens têm se destacado na invenção de estratégias para lidar com as
novas ordens econômicas, sociais e culturais, muitos dos referenciais do modelo tradicional do ser
adulto permanecem a povoar seus horizontes.
Conforme constata Pimenta (2007) acerca dos relatos dos jovens participantes de sua
pesquisa: “a angústia dos(as) entrevistado(as) está justamente no menor controle sobre o momento
e a possibilidade de realização desses modelos, daí a sensação de ‘atraso’ ou ‘descompasso’ em
relação às suas próprias expectativas e projeções para a vida adulta” (p. 451, grifos da autora).
Refletindo sobre as especificidades dos processos de transição no Brasil, Dayrell (2007),
chega à conclusão de que por aqui o princípio da incerteza é dominante no cotidiano dos
jovens. Diante das encruzilhadas de vida com as quais se deparam, as transições tendem a ser
ziguezagueantes, sem rumo fixo ou predeterminado. “No caso dos jovens pobres os desafios são
ainda maiores, uma vez que contam com menos recursos e margens de escolhas, imersos que
estão em constrangimentos estruturais”. (DAYRELL, 2007, p. 1114)
O desafio que se coloca como fundamental para o estudo dos processos de transição para
a vida adulta na atualidade é o de compreender que, para além das variações que aqui foram
tratadas no nível mais panorâmico, a transição tem a propriedade de se diversificar e complexificar
ainda mais, na medida em que ganha sentidos e materialidade nas experiências dos jovens.
Novos arranjos das relações intergeracionais na família e seus efeitos sobre a ampliação da
autonomia e independência dos jovens
Se a democracia se vinha revelando [...] no modelo de organização social entendido como mais
justo, pois assente na ideia de que todos os indivíduos são (ou devem ser) iguais em liberdade
e autonomia, também na família a forma democrática de relações sociais, reproduzindo à
escala os mesmos princípios se foi, muito lentamente ainda assim, consolidando como modelo
normativo a seguir nas relações entre os membros do casal, estendendo-se a perda de força das
relações baseadas na autoridade e no estatuto hierárquico, às relações de filiação.
Esses novos padrões e valores que predominam no âmbito das relações, se expressam
materialmente em arranjos familiares que não cessam de se renovar. Não é necessário regressar
muito no tempo para perceber a expressividade que adquirem as famílias monoparentais, o
fenômeno da redução do número de filhos por casal, a articulação da noção de família ao núcleo
composto por no máximo duas gerações, o crescimento das famílias homo afetivas, entre outras.
Pode-se perceber que a posição assumida pelos adultos e os jovens com relação à manutenção
e provimento de recursos materiais da casa é um aspecto fundamental na estruturação das relações
entre ambos. Apesar de serem mais comuns os casos em que o apoio material procede dos adultos
para os jovens, nas classes populares é possível encontrar muitos casos em que os jovens dividem
ou assumem integralmente as responsabilidades pelo provimento da casa.
As experiências dos jovens participantes da pesquisa comprovam a existência de uma relação
estreita entre a conquista da independência financeira e a ampliação da autonomia, mas este é
um processo que é influenciado por muitas outras variáveis, inclusive algumas de fundo moral.
Mesmo entre os jovens que declararam ser completamente independentes dos pais no campo
financeiro e inclusive para aqueles que assumem o papel de provedores da casa, verifica-se que
algumas regras e outros tipos de controle feito pelos pais operam fortemente sobre suas decisões.
Independentemente da posição que ocupam na manutenção do domicílio, os jovens
entendem que a casa é de seus pais e enquanto ali estiverem a principal contrapartida a ser dada
aos “donos da casa” é a obediência. Em todo caso a situação é ambígua, como se pode perceber
nos relatos do jovem Renato1.
Quando é indagado de modo genérico sobre quem é responsável pelo estabelecimento das
regras em casa Renato afirma:
Agora mudou! Quem coloca (regras) sou eu! Sou eu que imponho as regras. Ela (a mãe) acaba
executando. Todas, tipo: quando eu chego, quando eu vejo alguma coisa bagunçada eu peço
para ela arrumar. Tudo... se tem alguma coisa para fazer eu falo.
Na entrevista anterior, Renato havia mencionado que a mãe impunha uma regra que o
proibia de levar alguém para dormir em casa, então quando é indagado especificamente sobre
esta imposição, ele diz: “Ainda continua. Continua impondo essa regra. A casa é dela, né. Eu
que sustento, mas a casa é dela, o prédio. Eu acabo obedecendo. E nem ela também (pode levar
ninguém), nem ninguém. É para todos”. (Renato).
A pesquisa traz também realidades que espelham outras combinações no que diz respeito à
participação dos jovens na subsistência da família e à ampliação da autonomia.
Havia jovens que não possuíam renda ou cujas rendas cobriam apenas uma parte dos gastos
de subsistência e itens de uso pessoal, mas que apesar disso registram ganhos significativos no
plano da autonomia ao longo do período pesquisado. Fatos tais como: completar dezoito anos,
concluir o ensino médio, ingressar no ensino superior e progredir no mercado de trabalho, são
citados como fatores importantes no alargamento dessa autonomia juvenil.
A jovem Kelly, que nas duas primeiras entrevistas foi enfática ao falar do controle e rigidez
da mãe sobre seus horários e atividades, na terceira entrevista afirma que algumas coisas haviam
mudado radicalmente nesse plano familiar:
Mudou pra caramba a minha relação com a mamãe, a gente tá mais companheira, digamos
assim, depois que eu... sei lá... mudei, eu mudei pra caramba, como eu te falei, dezoito anos
pra mim foi uma mudança muito grande, o pensamento é bem diferente. Então a gente tá bem
companheira. A minha mãe tá com um projeto de voltar pro Maranhão, [...] então a gente tá
vendo como vai suceder isso da melhor forma e acho que até o final do ano ela tá indo, [...] e eu
vou ficar e aí depois quando eu me formar a gente vai ver como é que faz isso.
A ampliação da autonomia dos jovens também é impulsionada pelo movimento de resistência
ou questionamento que fazem acerca de algumas regras ou costumes com os quais não estão
plenamente de acordo. O trecho extraído do relato da jovem Denise elucida um caso desse tipo.
1 Por razões éticas são utilizados pseudônimos para designar os sujeitos da pesquisa, a fim de resguardar o
anonimato dos mesmos.
Tinha um período que eu tava usando alargador (de orelha), mas por minha família ser evangélica
eles não gostaram muito dessa ideia, mas eu tentei conversar, explicar, perguntar, pedir conselhos
com relação a isso e por meu pai ser evangélico ele foi pra bíblia dizer que não pode e tal [...],
mas mesmo assim eu não acreditei porque a gente por ser jovem a gente pesquisa muito, não tô
desacreditando no que diz a bíblia ou que Deus existe ou qualquer coisa assim, mas a gente passa
a entender de forma melhor, a gente procura saber o que diz na bíblia, procura interpretar da
melhor forma possível, então eu tentei explicar isso pra ele, mas meu pai e tal... não aceitou né.
Eu tirei desse lado, desse lado ficou e não é por birra não, por ser rebelde é porque eu comecei
a gostar.
Há casos também em que as principais mudanças na relação com a família surgem como
respostas a algumas contingências da vida. A jovem Taís, por exemplo, obteve autorização para
dormir na casa do namorado, visando facilitar seu deslocamento para o trabalho. Na última
entrevista Taís avalia as mudanças ocorridas em sua vida no período da pesquisa e diz:
Eu não podia namorar, agora eu posso, já tô quase casando (risos). Tô quase casando, já tô
trabalhando, já não tô dormindo em casa, coisa que eu não podia fazer. Mas essa questão de
eu sair de casa não foi nada planejado, foi mais por necessidade, pelo fato da rota não vir aqui,
devido à distância, aí eu ir pra lá, mas por isso.
Os relatos desses jovens demonstram que os pais não estão eximidos de algumas
contrapartidas ou adaptações, tanto quanto os jovens não estão totalmente alijados da tomada
de decisões. O fato é que as condições de independência e autonomia dos jovens nem sempre
coincidem e, apesar de se influenciarem mutuamente, não é possível afirmar que a posse de uma,
leve diretamente à outra.
Compreender as diferenças conceituais entre essas duas condições – autonomia e
independência - é uma ação importante para entender as relações entre ambos. Segundo Almeida
(2010) a autonomia pode ser definida como “um conjunto de (in)competências psico-sociológicas
transitórias ou permanentes, também servindo para aferir a condição global do sujeito face a
outros, numa ou em todas as dimensões de sua existência, independentemente da fase do seu
ciclo da vida”; enquanto que a independência resume-se a “autossuficiência do indivíduo no que
diz respeito aos recursos que mobiliza para agir.” (ALMEIDA, 2010, p. 404).
A autonomia diz respeito, portanto ao modo como os sujeitos escolhem e decidem agir,
enquanto que a independência responde pelos recursos necessários à concretização do agir
autônomo. Importante mencionar que não há uma medida geral a partir da qual é possível aferir
o grau de autonomia e independência do sujeito. Isso só é possível levando em conta o jogo
relacional que se estabelece entre o sujeito e seus grupos, no caso da autonomia, e aquilo que
se considera necessário para realização das intenções do sujeito em um determinado contexto.
Assim, o indivíduo não é autônomo e independente senão em relação a alguém ou algo.
Para Singly (2005) a autonomia e a independência são dimensões centrais do processo de
individualização e a dissociação dessas duas dimensões é a característica central da juventude
na segunda modernidade. Para o autor a configuração social contemporânea tem criado muito
mais possibilidades de desenvolvimento da dimensão da autonomia que da independência juvenil.
Assim, Singly (2005, p. 115) considera que,
Los jóvenes se hallam em las condiciones sociales y psicológicas que les permitem aceder a uma
certa autonomia, sin disponer, por ello de recursos, especialmente económicos, suficientes para
ser independientes de sus padres.
Os dados dessa pesquisa sinalizam que há uma grande variação nos modos como os jovens
buscam ampliar sua independência e autonomia. De um modo geral esses dados reforçam que as
relações intergeracionais no meio familiar estão mais horizontais e há também um contexto mais
favorável à consideração do jovem como um sujeito de direitos, em condições de se posicionar de
modo autônomo sobre seu presente e futuro.
Os dados também mostram que essas tendências mais amplas desdobram-se em diferentes
modos de combinar independência e autonomia, e, de transitar para a vida adulta, modos estes
profundamente marcados pelas questões estruturais que afetam hoje o jovem brasileiro em nível
nacional e local.
Considerações Finais
O estudo indica que predominam na atualidade os modos de transitar para a vida adulta
segundo trajetórias pouco lineares. Isso ocorre tanto porque se vive hoje um contexto social no
qual os indivíduos encontram maiores condições de fazer escolhas despadronizadas, mas também,
por paradoxal que seja, também se deve ao efeito de insegurança e desestabilização provocado
pelo processo reestruturação das sociedades contemporâneas.
No que tange às relações intergeracionais na família, é pertinente mencionar que apesar da
força que ganham os novos modelos de relação, mais abertos a negociações que eram impensáveis
em outros contextos, a exemplo da divisão das tarefas domésticas entre os membros do sexo
feminino e masculino, do menor controle dos pais sobre os horários de saída e chegada dos
filhos e da permanência dos filhos no domicílio de origem após a maternidade ou paternidade,
permanecem significativos os casos de jovens, especialmente as mulheres jovens, que vislumbram
na maternidade e na união conjugal a possibilidade de melhoria de vida e de ampliação da
autonomia e independência.
O que há de preocupante nesse quadro é que o contexto de precariedade que costuma
marcar essa experiência termina muitas vezes por situar os jovens em novos modos de dependência
e falta de autonomia, mesmo quando constituem domicílio próprio na condição de cônjuges ou
chefes de família, como demonstram os dados da pesquisa.
Esses alertas trazem as contradições que o processo de transição para a vida adulta pode
hoje abrigar, pois ao passo que as estruturas e valores sobre as quais estão apoiadas a condição
juvenil e a vida adulta tendem a se flexibilizar e contribuir para a individualização dos percursos, as
desigualdades dos campos social e econômico continuam a constranger uma parcela significativa
dos jovens brasileiros a processos de transição contingenciados por sua classe social e outros
pertencimentos de cor, região, sexo etc. que os inferiorizam.
Olhar para as experiências particulares de transição dos jovens de Manaus participantes da
pesquisa é um modo de compreender esse contexto social, da mesma maneira que a compreensão
do movimento de autonomização e conquista da independência desses jovens precisa considerar
os efeitos dos constrangimentos estruturais.
Reforça-se aqui também que os estudos sobre as juventudes da região amazônica, nos
mais diferentes recortes, precisam ser intensificados e permanentemente pautados na agenda da
pesquisa em educação. Primeiro porque significativa parcela da população em idade escolar é
composta por jovens, o que requer que a educação pense as juventudes.
Além disso, é tarefa da educação enquanto área do conhecimento científico, compreender
os sujeitos dos processos educativos em suas diversidades e nas diferentes dimensões que os
constituem. Neste aspecto os estudos sobre os jovens e as juventudes da Amazônia são fundamentais
para a compreensão dos processos sociais e, em particular, dos processos educativos nesta região.
REFERÊNCIAS
ABRAMO, Helena Wendel. Condição Juvenil no Brasil Contemporâneo. In: ABRAMO, Helena
Wendel e BRANCO, Pedro Paulo Martoni (orgs.). Retratos da Juventude Brasileira: análises de
uma pesquisa nacional. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2008.
ALMEIDA, Lia Pappámikail Ribeiro d’. Juventude, família e autonomia: entre a norma social e os
processos de individuação. 2009. 512 p. Tese (Doutorado em Ciências Sociais) – Universidade de
Lisboa, Lisboa, 2009.
BECK, Ulrich. Sociedade de Risco: rumo a uma outra modernidade. Sebastião Nascimento
(trad.). 2. ed. São Paulo: Editora 34, 2010.
CAMARANO, Ana Amélia; MELO, Juliana Leitão. Introdução. In: CAMARANO, Ana Amélia
(org.) Transição para a vida adulta ou vida adulta em transição. Rio de Janeiro: IPEA, 2006.
CAMARANO, Ana Amélia; KANSO, Solange. O que estão fazendo os jovens que não estudam,
não trabalham e não procuram trabalho? Mercado de Trabalho, 53, Brasília: IPEA: MTE, nov.
2012.
DAYRELL, Juarez. A escola “faz” as juventudes? Reflexões em torno da socialização juvenil. Educ.
Soc. Campinas, v. 28, n. 100 – Especial, p. 1105-1128, out. 2007.
GUERREIRO, Maria das Dores; ABRANTES, Pedro. Transições Incertas: os jovens perante o
trabalho e a família. 2. Ed. Lisboa: Editorial do Ministério da Educação, 2007.
PAIS, José Machado. Ganchos, Tachos e Biscates: jovens, trabalho e futuro. Porto: Ambar, 2005.
PAPPÁMIKAIL, Lia. Relações intergeracionais, apoio familiar e transições juvenis para a vida
adulta em Portugal. Sociologia, Problemas e Práticas, n. 46, 2004, p. 91-116.
PIMENTA, Melissa. “Ser jovem” e “ser adulto”: identidades, representações e trajetórias. 2007.
463 f. Tese (Doutorado em Sociologia) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 2007.
Introdução
C
omo o cérebro aprende? Como o meio pode possibilitar elementos fundamentais
na formação desse cérebro? De que maneira podemos mobilizar nossos processos
cognitivos para uma melhor aprendizagem? Que relações podemos estabelecer
entre a neurociência e a educação? Tais questionamentos nos motivaram a adentrar as pesquisas
relacionadas à neurociência na buscar de compreender melhor, como nós, professores em
formação, podemos nos apropriar dos fundamentos da neurociência e assim otimizar o trabalho
em sala de aula. Para tanto, elaboramos a seguinte pergunta: Em que medida os fundamentos da
neurociência podem contribuir na formação de professores de modo a otimizar a aprendizagem
dos estudantes?
Desse modo, objetivamos principalmente investigar em que medida os fundamentos da
neurociência podem contribuir na formação de professores de modo a otimizar a aprendizagem
dos estudantes. Isso porque acreditamos que quando conhecemos como o cérebro funciona para
desenvolver a aprendizagem, seja de conceitos ou comportamentos, é possível elaborar estratégias
didático-pedagógicas que mobilizem os processos cognitivos de maneira eficiente possibilitando
ao aprendiz condições mais favoráveis de aprendizagem.
Trata de uma pesquisa bibliográfica, onde a seleção dos autores foi realizada a partir da
leitura e fichamentos de obras que abordam questões da neurociência e da educação e como essas
duas ciências podem estabelecer um diálogo favorável na formação de professores. Dentre os
teóricos utilizados durante a pesquisa, destacamos aqueles que serviram de base para a discussão
dos principais conceitos, os quais são: Sternberg (2010), Cosenza e Guerra (2011), Kandel (2014),
Matlin (2004) e Ghedin (2002).
Durante o processo investigativo fomos reconhecendo a possibilidade e a necessidade de
dialogar com a neurociência no âmbito da formação de professores. Isso ficou evidente durante as
leituras e análises das obras, as quais destacam que o cérebro, enquanto órgão do pensamento e
da aprendizagem, deve ser conhecido por aqueles que atuam no processo ensino e aprendizagem.
A seguir apresentamos um pouco daquilo que temos pesquisado durante o processo de formação
no curso de Doutorado em Educação.
Conforme Houzel (2010), a neurociência é uma ciência jovem, pois tem cerca de 150 anos de
idade. No entanto, nesse pouco tempo, já nos possibilita o entendimento de várias informações
sobre o funcionamento do cérebro, como ele se desenvolve, como ele se forma e como ele faz de nós
o que somos. Tais conhecimentos têm contribuído para que muitos mitos sobre o funcionamento
do cérebro e a forma como este aprende sejam rejeitados, como comenta Houzel (2010):
Nós sabemos hoje, por exemplo, que essa história de que o lado esquerdo do cérebro é racional
e o lado direito é emocional e criativo é uma lenda. A neurociência moderna consegue já estudar
o processo criativo e descobre que justamente a criatividade, a capacidade de gerar coisas
novas, de encontrar caminhos novos depende dos dois lados do cérebro, depende de todos esses
processos acontecendo de maneira integrada, ao mesmo tempo, entre os dois lados do cérebro
(HOUZEL, 2010, p.9).
Entendemos que a ciência cognitiva estuda de que forma os processos cognitivos podem
ser explicados a partir da maneira como o cérebro está estruturado e pelas funções que exerce
na interação com o meio. Diante disso, pesquisadores têm dedicado esforços a fim de construir
uma articulação entre a psicologia cognitiva e as neurociências, porém é preciso cautela ao ler
as pesquisas realizadas pela neurociência, pois as explicações acerca dos processos mentais são
complexas e às vezes enganadoras (MATLIN, 2004). Entretanto, é necessário que essas pesquisas
façam parte no processo de formação de professores para que amplie as possiblidades de melhorar
o processo ensino e aprendizagem.
A mente é um conjunto de operações realizadas pelo encéfalo, como afirma Kandel. O
sistema nervoso é um órgão com uma complexidade extraordinária, que embora muito já se
tenha estudado, ainda há muitas incógnitas que desafiam a ciência. O objetivo das neurociências
é compreender como os sinais elétricos através dos circuitos neurais dão origem a mente nos
possibilitando perceber, agir, pensar sobre as coisas, aprender e lembrar (KANDEL, 2014).
Sternberg (2010), esclarece que a Psicologia Cognitiva é o estudo de como as pessoas
aprendem, lembram-se e pensam sobre as informações, enquanto que a neurociência cognitiva é o
campo de estudos que vincula o cérebro e outros aspectos do sistema nervoso ao processamento
de informações, bem como ao comportamento. Questões que cada vez mais ganham adeptos na
busca da compreensão de como os processos cognitivos desenvolvem-se por meio da experiência.
Desse modo, a neurociência, composta de maneira multidisciplinar tem ajudado profissionais
de áreas distintas a solucionar problemas que afetam o sistema nervoso e suas relações com
a aprendizagem. Isto significa dizer, que a neurociência cognitiva detém-se aos estudos do
pensamento, da aprendizagem, da linguagem, da memória e dos demais processos cognitivos que
são inerentes ao ser humano.
Conhecer como pensamos e aprendemos não é uma tarefa simples e fácil, mas é certamente
complexa, pois se trata do ser humano estudando a si próprio. Matlin (2004, p.10), ainda destaca
que: “A neurociência cognitiva possibilita insights valiosos, mas certamente não apresenta todas as
respostas”.
Contudo, as pesquisas realizadas nessa área têm contribuído para a compreensão dos
processos mentais e sua relação com a aprendizagem e o comportamento do ser humano. Tais
avanços possibilitam a professores, psicólogos e pedagogos um esclarecimento sobre questões
que envolvem como pensamos e aprendemos, permitindo até mesmo adequar e utilizar estratégias
didático-pedagógicas para melhorar o desenvolvimento e a aprendizagem dos estudantes.
Nesta perspectiva, Bransford (2007), destaca que os campos da neurociência e da ciência
cognitiva têm ajudado as pessoas a satisfazerem a curiosidade em saber como pensamos e
aprendemos. Pois do ponto de vista da neurociência, a instrução e a aprendizagem são partes
importantes do processo de desenvolvimento cerebral e psicológico da criança, o que envolve
interações contínuas entre a criança e o ambiente externo.
De acordo com Lent (2016), neuroplasticidade é uma característica do sistema nervoso
de alterar a sua função ou a sua estrutura a fim de responder as influências do meio que o
atingem. O mesmo autor, esclarece que tanto durante o desenvolvimento, como na vida adulta, a
neuroplasticidade pode manifestar-se de três maneiras. Morfológica ocorre mediante alterações
nos axônios, nos dendritos e nas sinapses; Funcional é possível mediante alterações na fisiologia
Evidencia-se então a relevância das experiências por parte do estudante, onde este age de
forma ativa no ambiente, buscando ao adaptar-se a ele e modificá-lo à medida que se modifica
também, pois “ao mesmo tempo que o ser humano transforma seu meio para atender suas
necessidades básicas, transforma-se a si mesmo” (VIGOTSKY apud REGO, 2011, p.41) Essa
interação dialética é fundamental na aprendizagem de conceitos científicos e também de novos
comportamentos.
Bransford (2007), ainda ressalta que a neurociência começa a discutir questões de grande
interesse aos educadores, onde crescem as evidências de que o cérebro em desenvolvimento ou já
maduro, é estruturalmente alterado mediante a aprendizagem. Isto porque, segundo o autor, a
aprendizagem de tarefas específicas parece modificar as regiões específicas do cérebro envolvidas
nas tarefas, o que sugere afirmar que o cérebro é um órgão dinâmico, o qual é moldado, em
grande parte pela experiência. Quando a isso, Rego (2011, p.42) esclarece que:
O cérebro é entendido como um sistema aberto, de grande plasticidade, cuja estrutura e modos
de funcionamento são moldados ao longo da história da espécie e do desenvolvimento individual.
O cérebro pode servir a novas funções, criadas na história do homem, sem que sejam necessárias
transformações no órgão físico.
O trabalho do educador pode ser mais significativo e eficiente quando ele conhece o
funcionamento cerebral. Conhecer a organização e as funções do cérebro, os períodos receptivos,
os mecanismos da linguagem, da atenção e da memória, as relações entre cognição, emoção,
motivação e desempenho, as dificuldades de aprendizagem e as intervenções a elas relacionadas
contribui para o cotidiano do educador na escola, junto ao aprendiz e a sua família. Mas saber
como o cérebro aprende não é suficiente para a realização da mágica do ensinar e aprender,
assim como o conhecimento dos princípios biológicos não é suficiente para que o médico exerça
uma boa medicina (COSENZA e GUERRA, 2011, p.142).
Isso nos permite dizer que as pesquisas realizadas no ramo da neurociência tem permitido
a compreensão dos processos cerebrais que envolvem a aprendizagem e a forma como o cérebro
se modifica nesse momento. Certamente, educadores podem usar tais conhecimentos para
conhecerem melhor os estudantes, compreendendo como estes pensam e aprendem, a fim de
traçar estratégias pedagógicas que possibilitem a aprendizagem e o seu desenvolvimento pleno.
Os estudos e pesquisas realizados pelos neurocientistas possibilitam evidenciar que a
aprendizagem não ocorre de maneira isolada e mecânica, mas que esta sofre influências internas
e externas. Nesta perspectiva, Cosenza e Guerra (2011), ressaltam que apesar da aprendizagem
ocorrer no cérebro, isso não significa que todas as dificuldades encontradas durante a aprendizagem
seja devido a alterações cerebrais, mas pode ser resultado das influencias ambientais, já que a
aprendizagem depende da interação do indivíduo com o ambiente.
Dessa forma, ensinar implica também conhecer os processos que envolvem a aprendizagem,
não apenas fatos externos, mas é necessário conhecer a aprendizagem do ponto de vista da
neurociência, pois nos permite compreender melhor os processos internos da aprendizagem, ou
seja, nos permiti saber a importância da atenção no ato de ensinar e aprender, por exemplo.
Certamente, hoje já podemos contar com muitas descobertas que nos permitem conhecer sobre
o desenvolvimento do ser humano nos ajudando a entender como pensa e como aprende e tais
conhecimentos permitem ao professor um melhor ensino e consequentemente uma melhor
aprendizagem.
Segundo Teixeira (2004), o surgimento da neurociência cognitiva sinaliza a possibilidade
de conseguir uma integração entre abordagens que são tão diferentes como da neurociência,
do comportamentalismo e do cognitivismo. Para o autor, a neurociência cognitiva começa
estabelecer um relacionamento entre o comportamento e as atividades cerebrais o que significa
mais a possibilidade de poder encontrar os correlatos neurais de vários tipos de comportamentos.
Desse modo, podemos afirmar que desde o surgimento da psicologia até os dias atuais muito
tem sido esclarecido acerca do desenvolvimento cognitivo do ser humano, mesmo que isso venha
acontecendo de maneira um pouco lenta. Todavia, hoje já podemos saber sobre o funcionamento
cerebral e sua relevância na aprendizagem, sua modificabilidade e sua plasticidade, estabelecendo
relações entre fatores internos e externos e dando significativa atenção a ação ativa do sujeito e as
experiências por ele vivenciadas.
Os processos cognitivos estão presentes em todas as experiências do ser humano. Eles nos dão
capacidade de perceber o mundo que nos rodeia, lembrar das informações deste mundo, pensar
sobre as coisas que percebemos e gostar daquilo que parece fazer parte de nós. Somos capazes
de apreender o mundo por meio de nossos processos cognitivos. Isso porque o ser humano é um
ser único que interpreta a realidade de acordo como percebe, modificando-a, transformando-a a
medida se modifica também. Isso acontece pela capacidade que temos de conhecer, ou seja, pela
existência de nossa cognição.
Fonseca (2009, p.23), ressalta que “cognição é sinônimo de ato ou processo de conhecimento
ou algo que é conhecido através dele”. Isto significa dizer que é a cognição que nos permite
conhecer o que está a nossa volta o que envolve simultaneamente a percepção, atenção, memória,
consciência, inteligência, raciocínio, linguagem e pensamento. São esses os principais componentes
da cognição que nos torna seres únicos e capazes de aprender, construir e reconstruir.
Segundo Moreira (2001, p.13), “cognição é o processo através do qual o mundo de significados
tem origem. À medida que o ser se situa no mundo, estabelece relações de significações, isto
é, atribui significados à realidade que se encontra”. Esta capacidade permite que o homem se
adapte ao mundo em busca de sua sobrevivência e faça nele as modificações necessárias para viver
cada vez melhor. Essas transformações são realizadas a partir de um pensamento de inquietação
e insatisfação com a realidade o que leva a questioná-la, problematizando-a.
Assim, aprender significa também buscar novas condições para se adaptar ao meio e garantir
domínio sobre ele. Desse modo, a cognição com seus componentes cognitivos nos permitem,
além de atribuir significados ao mundo, agir sobre ele tornando-o mais significativo para nós.
É através da percepção que temos os primeiros contatos com o meio, utilizando os sentidos
para perceber e reconhecer o que está a nossa volta. A percepção constitui-se como elemento
indispensável na aprendizagem e em qualquer situação, pois é por meio dela que o ser humano
atribui os primeiros significados e estabelece sua relação com o meio.
Para Anderson (2004, p.21): “A percepção implica mais do que apenas registrar as
informações que nos chegam aos olhos e ouvidos. Um aspecto importante é a interpretação dessas
informações”. Desse modo, o estudo da percepção faz-se relevante a medida que nos permite
compreender como esta atua no processo ensino-aprendizagem e como a forma de apresentar as
informações ao estudante influencia na forma como ele percebe, interpreta e aprende.
De acordo com Cosenza e Guerra (2011, p.41): “Através do fenômeno da atenção somos
capazes de focalizar em cada momento determinados aspectos do ambiente, deixando de lado
o que for dispensável”. Partindo desse pressuposto, é fundamental que no processo de ensino e
aprendizagem, o professor conheça o aprendiz a fim de possibilitar a ele situações que chamem
sua atenção, que instiguem sua curiosidade e dessa forma armazenem o máximo de informações
possíveis sobre o que está sendo trabalhado. Segundo Portilho e Almeida (2008, p.6):
Ao apresentar um conteúdo, o professor não deve colocá-lo como pronto, acabado e verdadeiro,
mas sim propor questões e gerir discussões que busquem respostas às mesmas, ensinando ao
aluno, o quanto é essencial que ele saiba argumentar na defesa de suas posições e de suas ideias.
Agindo assim, o professor estará permitindo ao estudante sua capacidade de mobilizar seus
processos cognitivos de maneira mais dinâmica, onde a percepção da realidade permitirá que o
sujeito dedique sua atenção aquilo que lhe parece mais interessante e mais significativo. É preciso
que o professor saiba capturar a atenção do estudante, instigando e despertando seu desejo de
aprender.
No que se refere a memória, podemos dizer que segundo Consenza e Guerra (2011),
tradicionalmente se classifica a memória levando em conta a sua duração. Desse modo, haveria
então uma memória de curto prazo, ou de curta duração, a qual é encarregada de armazenar
acontecimentos recentes, enquanto que a memória de longo prazo, ou de longa duração é
responsável pelo armazenamento de lembranças permanentes.
Os avanços das pesquisas sobre a memória tem contribuído para a compreensão do
processo de armazenamento de informações por parte dos estudantes. Hoje já é possível saber
como adquirir o armazenamento de mais informações e por um tempo mais prolongado.
Isso permite aos professores trabalharem no sentido de mobilizar os processos cognitivos dos
estudantes para aprenderem mais e melhor o que significa dizer da relevância do professor
conhecer o funcionamento dos processos cognitivos, a fim de desenhar estratégias pedagógicas
que favoreçam uma melhor aprendizagem.
Rego (1994), ao estudar e comentar sobre a teoria de Vygotsky acerca do pensamento e da
linguagem, afirma que o estudo dessas relações é considerado um dos temas mais complexos da
psicologia. A autora ressalta que, para Vygotsky, a conquista da linguagem representa um marco
no desenvolvimento humano. Dessa forma, a linguagem tanto expressa o pensamento do homem
como age como organizadora desse pensamento (REGO, 2004).
A inteligência existe na ação do sujeito, na ação mental e física constituída com o ambiente,
ou seja, essa interação de sujeito e ambiente envolve um equilíbrio entre a assimilação e a
acomodação, processo pelo qual permite nossa adaptação ao meio e a interiorização dos objetos
desse meio (PIAGET, 2011).
Corroborando com Piaget, Becker (2010), afirma que a inteligência torna-se mais ativa em
proporção do seu amadurecimento, assim as coisas sobre as quais ela age, nunca poderão ser
concebidas independentes da atividade do sujeito. Dessa forma, um ensino que valorize a ação do
sujeito é indispensável para a constituição de sua inteligência. É preciso agir para aprender sobre
o mundo e sobre as coisas. Podemos dizer que a inteligência nasce à medida que começamos agir
e interagir com e sobre o mundo, mesmo que seja com pequenos atos na fase sensório-motora,
quando um bebê procura algo que está escondido, por exemplo.
Podemos dizer também que aprendemos mais quando participamos ativamente do processo
de aprendizagem, ou seja, quando somos conduzidos a construir e não a reproduzir ou repetir
mecanicamente um processo.
Cosenza e Guerra (2011), ressaltam que o conceito de inteligência é amplo e tem mudado
com o passar do tempo e nos diversos ambientes culturais, mas considera-se a inteligência como
a habilidade que o indivíduo tem de se adaptar ao ambiente e aprender com a experiência.
Atualmente, pesquisadores sobre a inteligência atribuíram uma definição bem abrangente:
A inteligência é uma capacidade muito geral que, entre outras coisas, envolve a habilidade
de raciocinar, planejar, resolver problemas, pensar de forma abstrata, compreender idéias
complexas, aprender rapidamente e por meio da experiência (COSENZA; GUERRA, 2011, p.117).
Este conceito nos permite romper com a ideia de que estudante inteligente é aquele capaz
de memorizar tudo que aprende e mais, nos ajuda a reconhecer o papel da experiência no
desenvolvimento da inteligência.
um mundo tão globalizado, repleto de informação mais interessantes que as aulas ministradas.
Conforme Cosenza e Guerra (2011), a inclusão de temas relacionados às neurociências na
formação inicial do educador é um desafio urgente, pois no Brasil a maior parte dos educadores
que trabalham nas escolas tem uma formação fundamentalmente humanística, essencial para a
compreensão da educação, mas insuficiente para o atendimento das demandas da aprendizagem
para a vida em sociedade neste milênio.
De acordo com Oliveira (2015), compreender os processos biológicos relacionados com a
aprendizagem, as habilidades e deficiências de cada indivíduo ajuda professores e pais na tarefa
de ensinar. Isto porque elaborar ações educativas com base no conhecimento da neurociência
é dispor de ferramentas capazes de analisar o percurso da aprendizagem a fim de alcançar o
potencial individual de desenvolvimento e aprendizagem (OLIVEIRA, 2015).
O maior desafio aos educadores é fazer o estudante aprender. Ler, contar, situar-se no tempo
e no espaço, interpretar e ser capazes de discutir variados assuntos, posicionar-se criticamente
frente as contradições de sua realidade, enfim, fazê-lo autônomo no sentido de tomar decisões
com responsabilidade e modificar significativamente a realidade. Mas como mobilizar o cérebro
para atingir esse comportamentos? Como se processa no cérebro a leitura? O que é discalculia?
Por que não conseguimos aprender tudo que nos é ensinado?
São muitos questionamentos que ainda desafiam o professor e até mesmo a ciência. O
ser humano é uma totalidade, compreendê-lo ainda é um desafio sim. Mas é possível nos
aproximarmos cada vez mais de sua essência. Para isso, é preciso considerar que a união de várias
ciências pode proporcionar uma aproximação daquilo que chamamos de homem. Nesta direção,
Oliveira (2015), assevera que:
O diálogo entre esses dois campos é relevante, mas é preciso considerar os problemas
empíricos do contexto escolar. É necessário estar atento as dificuldades presentes no cotidiano
das escolas a fim de decidir qual direção tomar tendo em vista a realidade apresentada e os
conhecimentos disponibilizados pela ciência. Não basta ter conhecimentos, é preciso saber
trabalhar com eles, articulá-los de acordo com as particularidades de cada contexto.
Nesse sentido, uma formação crítica e reflexiva permite colocar-se no contexto de uma ação,
considerando seu movimento histórico, participando em uma atividade social e posicionando
ante os problemas (GHEDIN, 2002). Uma formação nesta perspectiva é capaz de articular os
conhecimentos das ciências com a complexidade da realidade educativa. De acordo com Oliveira
(2015, p.56):
Não estamos dizendo aqui que dialogar com a neurociência é a saída para todos os problemas
educacionais, tanto no que refere a formação de professores, como nas salas de aula de crianças
e adolescentes. Mas quando conhecemos o cérebro, suas funções e como mobilizá-lo, podemos
otimizar as ações pedagógicas e aumentar o desenvolvimento intelectual dos estudantes, bem
como oportunizar a todos chances de aprender mais e melhor.
Dialogar com a neurociência no processo de formação de professores é disponibilizar
informações que irão ajudar o professor a reconhecer a complexidade do cérebro, enquanto órgão
do pensamento, buscando meios para melhor mobilizá-lo objetivando a formação de cidadãos
críticos, criativos e aptos a lidarem com inteligência diante das problemáticas de sua realidade.
Conhecendo como trabalhar com o nosso cérebro e com o do outro, é possível orientar a formação
numa postura crítica, evitando a alienação causada por uma formação cartesiana e mecânica que
não considera o sujeito como histórico e social e nem o cérebro como resultado desse processo.
Considerações finais
Quando nos propomos neste texto um diálogo entre neurociência e educação no âmbito
da formação de professores é porque sentimos a necessidade de ampliar a compreensão dos
educadores sobre como nosso cérebro, órgão do pensamento, funciona. Do que gosta, o que o
chama a atenção e como fazer para causar nele novas conexões.
A partir das leituras podemos reconhecer que esse diálogo se faz indispensável. Não podemos
mais pensar que para sermos bons professores basta termos uma grande quantidade de conteúdo
das disciplinas acumulados durante a formação. Sim, isto é fundamental. Mas não o suficiente.
Tendo em vista que a formação não se encerra na graduação e nem mesmo na pós-graduação,
o professor precisa acompanhar os avanços da ciência sobre a vida, o mundo, as pessoas para
otimizar a aprendizagem dos estudantes, e sobretudo, garantir uma formação sólida de cidadãos
capazes de construir um mundo cada vez melhor. Para isso, a nosso ver, estabelecer um diálogo
entre neurociência e educação é um caminho que pode favorecer o desenvolvimento pleno das
capacidades cognitivas do ser humano.
Referências
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2004.
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Lima Silva. 25ª ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2011.
PORTILHO, Evelise Maria Labatut; ALMEIDA, Siderly do Carmo Dahle de. Avaliando a
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Vozes, 1994.
TEXEIRA, João de Fernandes. Filosofia e Ciência Cognitiva. Petrópolis, RJ: Vozes, 2004.
Introdução
O
s estudos que revolucionaram o saber científico têm sustentado discussões
acerca dos conteúdos das ideias dos alunos sobre os conceitos aprendidos nos
espaços escolares. E que relevância esse conhecimento tem para o sujeito que dele
se apropria. Nessa interlocução as falas se reproduzem entre a linguagem falada no dia a dia
e o discurso científico. Com a ciência fazendo a interligação de saberes, num emaranhado de
conhecimento e a devida acomodação pelo sujeito mesmo em meio às rupturas constantes e
suprimento desse conhecimento nos espaços escolares.
Ainda se observa uma prática mecanizada e descontextualizada do próprio saber do aluno
e do cotidiano escolar. E quando surgem questionamentos sobre o ato de ensinar, a frequente
argumentação dentre as inúmeras que são elencadas é que as salas de aula estão lotadas e que
os alunos têm dificuldade ou não querem aprender. Essas argumentações não deixam de ser
importantes, porém, quando se discute essas inquietações encontra-se que “a reflexão critica
sobre a prática se torna uma exigência da relação Teoria/Prática sem a qual a teoria pode ir
virando blábláblá e a prática, ativismo” (FREIRE, 1996, p.24).
Refletir sobre o cotidiano escolar é justamente pensar em alternativas possíveis que venham
diminuir o ativismo impregnado na rotina como maneira de controle dos alunos. É importante
quando o educador caminha no processo de reflexão e entende que nem sempre os resultados
são de responsabilidade do outro, mas que todos os envolvidos são atores nesse processo, até
porque, o cotidiano escolar precisa ser discutido para que as mudanças significativas se efetivem
e o processo de ensino e aprendizagem venha a ser menos conflitante entre os pares.
Quando se pensa na prática escolar os conflitos emergem, pois ainda o ato de ensinar e o
ato de aprender caminham interligados e ao mesmo tempo dissociados. Os processos cognitivos
necessitam serem estudados para que as lacunas sejam suprimidas diante da necessidade do
individuo que precisa aprender para saber lidar com os elementos que circulam a sua volta, Campos
(2007) diz que “o homem é a única criatura que precisa ser educada”. É interessante pensar que
de todos os seres vivos o ser humano é um dos seres dependente de outro ser para se constituir
sujeito. E que até poder refletir e se fazer ouvir demanda todo um processo de dependência que o
fará pensar e transformar ou só apenas reproduzir. Claro, que se compreende que o ser humano é
bem complexo e que o sujeito construído pode não ser apenas reprodutor.
No entanto, para que aconteça uma apropriação pedagógica que corresponda à necessidade
de ensino-aprendizagem nos espaços da sala de aula, a ruptura com o determinismo formal
precisa acontecer. Ou seja, talvez em algumas situações o professor precise aprender novamente
a ensinar se assim for preciso. O educador deve entender a prática pedagógica como um processo
em constante construção e essa construção exige disposição, determinação e aceitação da
necessidade de mudança e de renovação de sua prática (SOUZA NETO, 2005).
O ensino nos espaços educativos deve ser uma prática planejada pedagogicamente, com
uma mediação fazendo relação entre a ciência do cotidiano e a ciência cientifica. Todavia, se o
educador percebe que seu trabalho com o ensino não está alcançando o aluno, pois o ato de
ensinar pode não ser o mesmo ato de aprender do aluno. O educador deve então analisar que
ferramentas poderiam ser utilizadas além das que já utiliza e quais poderiam ser modificadas num
processo de repensar a prática buscando a efetividade nesse processo (HAIDT, 2003).
Acredita-se que a busca de novas ferramentas depende em parte do conhecimento que o
educador tem. Por exemplo, Oliveira (2006), em uma turma de segundo ano das séries iniciais de
uma escola Municipal na cidade de Manaus, desenvolveu uma metodologia lúdica estimulando a
habilidade lógico-matemática. A turma onde os jogos foram usados tinham 36 alunos. Desses 36
alunos, somente 4 reconheciam as letras do alfabeto, diferenciando-as de desenhos e outros sinais
gráficos. Enquanto que o restante dos alunos só sabia identificar o valor sonoro das partes iniciais
ou finais de palavras (algumas letras ou sílabas), para adivinhar e ler o restante da palavra. No
entanto, ao usar recursos como jogo da memória e jogo de mosaico, a aprendizagem dos alunos
foi estimulada, pois, dos 36 alunos, 30 aprenderam a ler e produzir pequenos textos.
É interessante refletir que conflitos como esse de Oliveira (2006) são constantes nos espaços
educativos. Os professores têm que lidar com baixo rendimento na aprendizagem dos alunos e
muitos desses alunos ainda se encontram acimada idade série estabelecidos na Lei de Diretrizes
e Bases da Educação. E como se não bastassem os desníveis referentes à aprendizagem, ainda
enfrentam a falta de recursos materiais para uma mediação efetiva (LUCKESI, 2005).
Mesmo com problemas como esses o educador precisa ver o aluno como aquele que aprende.
Como um aprendiz no processo, não como mero observador, mas como sujeito que constrói e
transforma o que aprendeu. Ao refletir sobre a educação dialética Freire diz que:
A educação pode fazer das pessoas donas da história ou acomodá-las ao mundo como um
animal. A educação que apenas deposita conhecimentos no aluno (que Freire chamava de educação
bancária) é monológica, ou seja, unidirecional, do professor para o aluno. Isto pode conduzir à
opressão, porque nela os estudantes se tornam objetos e não sujeitos da aprendizagem
(CAMPOS, 2007, p.11).
Pensa-se então que o processo dialético entre professor e aluno é justamente faze-los
sujeitos da aprendizagem, como um processo de troca (CAMPOS, 2007). Segundo Freire (1996)
falar com o aluno é diferente do falar para o aluno. Quando como educador percebe-se que o
aluno está numa situação não muito privilegiada, pois precisa apreender o conhecimento e nessa
apreensão se torna dependente, pode-se dizer que o processo de humanização da educação teve
inicio. No entanto, a humanização da prática educativa ainda necessita da atitude de mudança,
do educador e do aluno, para que o conhecimento seja contextualizado e tenha significado para
àqueles que estão nesse processo, mesmo porque “ensinar e aprender são como duas faces de
uma mesma moeda” (HAIDT, 2003). Portanto, o estudo da dinâmica do processo do ensino-
aprendizagem é essencial para que se considere não a passividade, mas sim a atividade dos sujeitos
que o constroem.
Nesse encadeamento reporta-se aos estudos sobre os conhecimentos que revolucionaram
o saber cientifico. Estudos como as conjecturas e refutações de Popper (1982); a resolução de
em assumir as debilidades da prática e o preconceito as teorias. Esses autores discutem ainda que
mesmo com curso de formação pós-universitária os professores preferem receitas prontas de ensino
e mesmo assim, a aplicação na sala de aula com o uso dessas receitas não se efetiva. Entendemos
então que o ensino em ciências “deve corresponder às demandas do mundo atual, ultrapassando os limites de
um conhecimento meramente declarativo e desenvolvendo um conhecimento aplicável e contextualizado” (MAIA
E JUSTI, 2008). Ou seja, discutir ciência com o aluno precisa ser de uma forma em que ele possa
vislumbrar esse conhecimento fundamentando a tecnologia do computador que ele manipula
para jogar os games, a alta resolução que possui o celular que faz uso, ou ainda, a funcionalidade
e a praticidade do forno micro-ondas. Essa contextualização do saber efetivará a constituição de
novas estruturas de interpretação da experiência para a transcendência do pensamento do senso
comum. Na discussão acerca da crise no ensino de ciências temos que:
Os alunos teriam a impressão de que se quer obrigá-los a ver o mundo com os olhos de cientistas.
Enquanto o que teria sentido para eles seria um ensino de Ciências que ajudasse a compreender o
mundo deles. Isto não quer dizer, absolutamente, que gostariam de permanecer em seu pequeno
universo; mas, para que tenham sentido para eles os modelos científicos cujo estudo lhes é
imposto, estes modelos deveriam permitir-lhes compreender a “sua” história e o “seu” mundo
(FOUREZ, 2003, p.110).
por meio de objetos faz com que a criança se relacione não só com o objeto, mas sim com o
significado do objeto.
Nossa abordagem do estudo das funções cognitivas não requer que o experimentador forneça
aos sujeitos os meios já prontos, externos ou artificiais, para que eles possam completar com
sucesso uma tarefa dada. O experimento é igualmente válido se, ao invés de o experimentador
fornecer as crianças meios artificiais, esperar até que elas, espontaneamente, apliquem algum
método auxiliar ou símbolo novo que elas passam, então, a incorporar em suas operações
(VYGOTSKY, 2003, p. 97).
Se considerarmos que ensinar [...] seja desenvolver o raciocínio lógico, estimular o pensamento
independente, desenvolver a criatividade e a capacidade de manejar situações reais e resolver
diferentes tipos de problemas, com certeza, teremos que partir em busca de estratégias
alternativas (p.15).
Corroborando com essa ideia, entende-se que o educador deve pensar em estratégias
baseada no conhecimento dos processos de interaçãoe numa metodologia que valorize recursos
não só de livros ou quadro branco, mas também jogos pedagógicos que estimulam o raciocínio
de maneira agradável e efetiva.
Este processo integra a mobilização de diferentes habilidades, e tem como ponto importante
também, o fato dos próprios alunos poderem trazer materiais diversos que eles mesmos possuem.
Nesta ótica, o que mais influencia o processo de aprendizagem é o que o aluno já sabe, sendo o
papel principal do professor identificar isso e proporcionar procedimentos que se tornem claros
e disponíveis para o aluno, como se fosse uma âncora para facilitar a aquisição de novas ideias
e conceitos (p.2).
Com certeza, muitos são os estudos que se vêm produzindo nesta área nos mais diversos
programas e nas mais variadas universidades brasileiras. O mesmo avanço ocorre nos demais
países. Portanto, o reflexo de toda esta trajetória histórica se concretiza quando se percebe
que os filósofos contemporâneos, aqueles formadores de opinião, passam a proclamar que o
próximo milênio será o da ludicidade (2001, p. 37).
Esta estratégia permite pensar as relações que podem ser estabelecidas entre as diferentes
atividades lúdicas e o tempo que dispomos à expressão da cultura. Volta-se, ainda, a Negrine que
defende uma prática educativa através do lúdico, onde diz:
A educação voltada para criação de uma cultura lúdica deve promover: a) atividade recreativa
de cunho social e ético; b) uma educação não discriminada, orientada para a igualdade das
pessoas e para suas possibilidades de realização; c) atividades cooperativas em detrimento das
competitivas, uma vez que as primeiras priorizam a inclusão e as segundas a exclusão, já que
estas sempre são realizadas para se ter um vencedor (2001, p. 40).
A brincadeira infantil constitui uma situação social onde, ao mesmo tempo em que há
representações e explorações de outras situações sociais, há forma de relacionamento interpessoal
das crianças ou eventualmente entre elas e um adulto na situação, forma essas que também se
sujeitam a modelos, a regulações, e onde também está presente a afetividade: desejos, satisfação,
frustrações, alegria, dor (2001, p. 80).
Pensa-se que é brincando que o ser humano se torna apto numa ordem social, num mundo
cultural e educativo. O lúdico na educação entendido como metodologia agradável, adequada e
motivadora à criança é aquela que faz com que o aprendizado aconteçadentro do seu mundo, das
coisas que lhes são importantes e naturais de se fazer.
Considerações Finais
Como se vê, a prática educativa pode criar possibilidades de relações para o ensino da
ciência. Todavia, acredita-se que o grande mérito na relação ensino-aprendizagem ainda fica por
conta do educador, pois é ele que vislumbra o caminho da aprendizagem antes mesmo do aluno.
Portanto, as constatações que se faz não revelam novidades, no entanto, exigem uma
mudança de postura frente aos processos de ensino e de aprendizagem, sendo necessário investigar
sobre como o aluno aprende determinado conteúdo, analisar suas dificuldades e consultar quais
são as suas necessidades sintonizando o conteúdo com a prática.
Referências
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E-Curriculum. São Paulo. V 3, n.1, dez. 2007. www.capes.org.br, acesso em: 14.08.2010, as 16 h.
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2009.
INTRODUÇÃO
O
texto apresenta as reflexões iniciais da pesquisa em andamento intitulada:
O Ensino e Pesquisa na Formação de Professores no curso de Licenciatura em
Pedagogia, desenvolvida no Instituto de Ciências Sociais Educação e Zootecnia-
ICSEZ, no município de Parintins, pelo Programa de Pós-graduação Mestrado em Educação
- PPGE-UFAM.
A pesquisa tem como objetivo geral: avaliar as contribuições do Ensino e Pesquisa na Formação
e Práxis de Professores do curso de Pedagogia do ICSEZ/Parintins com vistas ao entendimento do
processo formativo de professores (as). E específicos: aprofundar o estudo sobre as seguintes
categorias de análise: Pedagogia, Ensino e Pesquisa, Formação de Professor e Práxis; Conhecer a
estrutura curricular do Projeto Pedagógico do curso de Pedagogia do ICSEZ e analisar como os
professores e estudantes vivenciam o ensino e pesquisa como práxis nesse processo formativo.
Tendo em vista que apesar da ampliação de Instituições de Ensino Superior, observa-se ainda
nos dias atuais a prática pedagógica de muitos professores na Educação Básica limitando apenas
em uma perspectiva tradicional e tecnicista, em um ensino mecânico e livresco, resultando em um
conhecimento fragmentado, pois é preciso, a superação desta realidade.
Em razões das considerações enunciadas acima, a respeito da importância e construção
desse novo viés do processo formativo, desvinculado de uma racionalidade técnica é que
apresentamos o Ensino e Pesquisa como uma possibilidade para a Formação e Práxis do futuro
educador, possibilitando-o a construir e fortalecer um pensamento crítico e reflexivo acerca dos
conhecimentos adquiridos em sala de aula, uma vez que por estes caminhos tornam-se sujeitos
ativos durante todo processo de construção e reconstrução do próprio conhecimento.
Desta forma, a metodologia utilizada na pesquisa baseia-se em uma abordagem qualitativa,
e neste estudo é explicitada porque esta nos possibilita desvelar o fenômeno na sua totalidade,
ou seja, nos permitirá investigar se Ensino e Pesquisa é realidade no curso de Licenciatura em
Pedagogia, com vista a conhecer suas contribuições na formação e práxis do professor.
O método de abordagem adotado na pesquisa é o crítico dialético, por ser um estudo que
pressupõe a compreensão de uma realidade baseada numa interpretação dialética na busca por
explicações a partir da realidade dos fenômenos e na busca de uma transformação. Para que a
pesquisa tenha um resultado satisfatório e alcance seus objetivos, seu desenvolvimento ocorrerá
por etapas, destacando técnicas e instrumentos específicos em cada etapa: na primeira Pesquisa
Bibliográfica, segunda Pesquisa Documental e terceira Pesquisa de Campo.
No primeiro momento, foi feito a construção de uma pesquisa bibliográfica, realizando-se
um levantamento da literatura a cerca da temática pesquisada, enfatizando os conceitos sobre as
seguintes categorias: Pedagogia, Ensino e Pesquisa, Práxis e Formação de Professor.
Inicialmente no Brasil, o Curso de Pedagogia, teve definido como seu objeto de estudo e
finalidade os processos educativos em espaços institucionalizados ou em outros espaços. Desta
forma, observamos que nas suas primeiras estruturas ao longo dos anos o curso, tinha como
objeto de estudo a forma de ensinar.
A implantação do curso de Licenciatura em Pedagogia surge na antiga, Faculdade Nacional
de Filosofia da Universidade do Brasil, que tinha como função formar bacharéis e licenciados para
várias áreas, dentre elas, a área pedagógica, por meio do Decreto-lei n.º 1190 de 04/04/1939.
Neste sentido, a realização deste curso durava em média três anos, conforme Brito (2006)
apresenta que estando as disciplinas pedagógicas unidas aos demais conteúdos, podendo ainda
ser feito mais um ano de didática para os alunos que pretendem obter o diploma de Licenciatura
em Pedagogia, que os habilitava para exercício do magistério, essa organização ficou conhecido
como o esquema 3+1.
É interessante enfatizar que do processo formativo do curso de Pedagogia, na época
atendia uma clientela de professores experientes que já possuíam uma vivencia em sala de aula.
Mas, realizavam estudos superiores em Pedagogia para mediante concurso, assumirem funções
de administração, planejamento de currículos, orientação a professores, inspeção de escolas,
avaliação do desempenho dos alunos e dos docentes, de pesquisa e desenvolvimento tecnológico
da educação, no Ministério da Educação, nas secretarias de estado e dos municípios.
Neste sentido, durante muitos anos, a maior parte dos sujeitos que se graduava em
Pedagogia já eram professores primários, com alguma ou muita experiência em sala de aula. Assim,
esses professores em processo de formação, bem como boa parte dos primeiros supervisores,
orientadores e administradores escolares haviam aprendido, na vivência do dia-a-dia como
docente sobre os processos nos quais pretendiam vir a influir, orientar, acompanhar, transformar
e não se tinha necessariamente um olhar para a melhoria da prática pedagógica.
Em 1968, por meio da Reforma Universitária lei de n.º 5.540/68, o curso de Pedagogia sofre
significativas mudanças, em que o objetivo era formar especialistas, oferecendo habilitações como:
Supervisão, Orientação, Administração e Inspeção Educacional, assim como outras especialidades
necessárias ao desenvolvimento nacional e às peculiaridades do mercado de trabalho, mantendo
o mesmo processo formativo o esquema 3+1.
[...] as especificidades dos saberes científicos e dos saberes escolares, parecem contribuir para
a desmistificação da ideia de que compete ao pesquisador produzir o conhecimento, resultados
de suas pesquisas, e ao professor cabe a simples tarefa de ensinar, ou seja, reproduzir e transmitir
esses saberes já produzidos.
O conhecimento de que a pesquisa é uma prática indissociável do ensino, vem sendo cada
vez mais reconhecido nos debates educacionais, por consequência, deve fazer parte tanto da
formação do professor como da sua prática docente corroborando com (GRILLO et al., 2006) que
afirmam que a pesquisa é uma prática indissociável do ensino, reconhecendo, por consequência
que a mesma deve fazer parte tanto da formação do professor como da sua prática docente.
Tornando importante a prática e familiarização desta metodologia, ainda na formação
inicial do professor visando uma futura efetivação em sua práxis, pois além de propor um caminho
a fim de efetivar uma aprendizagem significativa ao aluno, a pesquisa tem por fundamentação
processos que contribuem diretamente em uma formação crítica dos estudantes (GHEDIN, 2010).
Nesta concepção, o Ensino com Pesquisa oportuniza a formação do professor com “a visão
de um professor não como mero transpositor didático, mas sujeito produtor de conhecimento
histórico-educacional” (FRANÇA e PRADO, 2016, p.26). Desta forma, o processo formativo nos
moldes de um Ensino com Pesquisa apresenta-se como uma alternativa eficaz na substituição de
um ensino tradicional moldado por processos decorativos e livrescos.
Neste sentido, França e Prado (2016) nos atenta que embora existam tendências culturais
dominantes na modernidade capitalista que trazem a concepção de formação docente restrita aos
espaços acadêmicos, é preciso que reconheçamos a importância do dialogo com outros espaços
e sujeitos.
O segundo momento do Ensino com Pesquisa, ocorre por meio da Construção de Argumentos.
Este é construído a partir de sínteses resultantes do envolvimento e reflexões dos participantes que
irão se constituir em um novo conhecimento, acerca de uma verdade estabelecida anteriormente.
No entanto, a construção desses argumentos, não poderá ser construída de qualquer forma
devendo ser realizado conforme afirma (MORAES, GALIAZZI, 2002, p. 4):
[...] Estes argumentos precisam ser fundamentados. Não podem apenas expressar ideia do
senso comum dos envolvidos, ainda que se possa partir delas. [...] Isto pode ser feito pelo que
denominamos de interlocuções teóricas. Significa ler livros, explorar teorias, consultar autores
no sentido de encontrar elementos que ajudem a fundamentar e apoiar os argumentos em
construção.
Neste último processo, (GRILLO et al, 2006, p. 4), aponta os benefícios desta etapa, para os
discentes:
CONSIDERAÇÕES PRELIMINARES
REFERÊNCIAS
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Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ciedu/v8n2/08.pdf. Acesso em: 25 ago. 2017.
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R. L. Leite (Org.). Trajetórias e perspectivas da formação de educadores. São Paulo: UNESP,
2010.
O PERCURSO HISTÓRICO-POLÍTICO DO
CURSO DE PEDAGOGIA DA UNIVERSIDADE
FEDERAL DO AMAZONAS NA FORMAÇAO
DOCENTE
INTRODUÇÃO
O
Curso de Pedagogia na UFAM, inicialmente, nasceu da enxertia de outros cursos.
Anterior ao seu nascimento é imprescindível conhecer o lócus, considerando que,
neste caso, está situado na Amazônia brasileira que abriga a Universidade Federal do
Amazonas (UFAM). Assim, as fases históricas destacadas fazem parte da sua origem e possibilitam a
compreensão, a extensão e a importância do traçado histórico-político que permitiu a implantação
do curso de Pedagogia em terreno amazônico. O olhar marxista faz a abordagem do artigo, que será
inicialmente histórica, eivada de características provenientes das ações políticas voltadas à região
norte e do cumprimento de acordos internacionais que revelam os ditos governamentais e os feitos
executados, sem que por vezes refletissem as reais necessidades locais.
DO NASCIMENTO1
Nesse sentido, a educação tem sido o maior alvo de precarização em função de seu lento e quase
imperceptível retorno em termos de acumulação do capital, pois estes não são de imediato e,
consequentemente, quando surgem as crises econômicas, o primeiro segmento a diminuir gastos é
a educação, seguido da saúde, havendo um ataque aos direitos à saúde e a educação. As medidas
cabíveis são os cortes financeiros destinados à educação como recomendações estratégicas do
capital, que assume dinâmica de controle nestes setores; a nossa preocupação neste caso é com
o setor da educação e a incapacidade que o Estado tem em dar conta das políticas de formação
como no caso de manter a Universidade com as suas demandas. Isto ocorreu em tempos passados
na cidade Manaus e tem sido uma constante na realidade do ensino no nosso Estado e em todos
os Estados do Brasil. Hoje, como ontem, a Universidade Federal do Amazonas – UFAM, em pleno
século XXI, também é afetada com as crises do capital. Por ser uma instituição de ensino superior,
de caráter público, vem enfrentando, como todas as instituições de educação neste país, drásticas
reduções em seu orçamento que se traduz em desafios para manter a sua missão de modo mais
concreto no seio da sociedade amazonense e assim poder cultivar o saber em todas as áreas do
conhecimento por meio do ensino, pesquisa e da extensão, contribuindo para a formação de
cidadãos e o desenvolvimento da Amazônia.
ENTENDENDO O PERCURSO
Assim, a educação não é uma ação isolada de intenções, mas conjuga os interesses
individuais e de grupos voltados para o capital. Ela se configura em tomada de decisões, pois é
a ciência materializada pela ação humana. Esta ação é uma materialização de intencionalidades
e implica em escolher quem deve estudar e quem deve vender a sua força de trabalho para o
capital ficar mais forte! Por isso, a educação está também articulada às mediações da reprodução
das relações capitalistas, à medida que tem o poder de dominar ideias e operar com as relações
materializadas desse poder. Para Marx e Engels (1972), as ideias dominantes são mesmo a
concretização das relações materiais dominantes, elas só podem expressar o que é ideal para
essas relações sociais do capital, portanto, a ideia difundida de que a educação instrumentaliza o
homem para transformar a realidade das relações sociais foi importante para coadunar educação
e desenvolvimento e estabelecer que as metas do capitalismo, se atingidas, se articulam com o
real desenvolvimento, provocando assim que a educação leva o homem a alcançar êxito pleno na
sociedade capitalista. Isto pode levar-nos a entender “Por que o capitalismo foi tão capaz de dar
forma à escolarização é algo relativamente fácil de compreender (FERNÁNDEZ ENGUITA, 1989,
p.131).” A educação gratuita sempre foi uma questão de luta de classe no Brasil, onde as relações
de produção do capital sempre impuseram as formas e o tipo de educação que intencionam para
o povo, ou seja, a educação vem servir para ajustar o indivíduo ao modelo de acumulação do
capital, ou seja, para a sociedade do consumo, sendo que a educação é a própria mercadoria
à oferta de quem pode por ela pagar. Desta feita, o sistema público na força do Estado provê o
sistema de ensino dual para onde o indivíduo desenvolverá parte do processo de transformação
de suas potencialidades, e desde o início da história da educação temos a escola de rico e a
escola de pobre. Evidentemente, que esse antigo acerto do Estado foi para conter os empresários
da educação e que até hoje, convivemos com esta dualidade, pois o ciclo do capital, em muitas
instâncias, tem decidido o rumo da história. O ensino privado no Brasil tem se efetivado como
um ensino de caráter complementar ao ensino público em função da inviabilidade que o ensino
público sempre demonstrou em não o ofertar a contento da demanda. Analisando a ineficiência
do Estado em assumir em escala universal o ensino público de qualidade que assegura o direito à
educação para todos os cidadãos, podemos intuir que a parceria com o privado, causa em nosso
sistema educacional um problema que demarca uma linha tênue entre a educação e capital, ou seja,
o conhecimento sistematizado vira mercadoria, passando a ser ofertado para aqueles de classe
abastada, legitimando fator econômico ao contexto educacional. O capitalismo por meio das
suas mediações nos mostra a sua face contraditória, pois em pleno processo de desenvolvimento
da cidade de Manaus, deparamos com a instituição de ensino superior privado, responsável pela
formação qualificada de um restrito quadro de profissionais ao invés de ser usufruto de todos
os cidadãos daquela época, sem que esta modalidade fosse paga. A ação do capital na esfera da
educação pública, historicamente, tem sido meio de o Estado implementar as medidas de controle
e racionalização financista aos projetos educacionais. Os desafios continuam fazendo parte de
sua história viva. No passado, desde que foi fundada na Região Amazônica, a Universidade do
Amazonas enfrentou grandes dificuldades. Finalmente em 12 de junho de 1962, a universidade é
constituída, por ter novamente se reintegrado às instituições de ensino superior que funcionavam
no Estado e assim, sob a égide da Lei federal 4.069-A, a cidade de Manaus tem a sua universidade
de volta e passa a ser denominada Universidade do Amazonas. A partir da Lei Federal 10.468,
de junho de 2002, incorpora em sua identidade o nome Federal, passando a ser chamada de
Universidade Federal do Amazonas.
ou Alemão. De acordo com Nogueira (1962), o então governador Gilberto Mestrinho aconselha
que os professores interinos ou substitutos do CEA (Colégio Estadual do Amazonas) e do IEA
(Instituto de Educação do Amazonas), passem a frequentar, através de matrícula, a Faculdade
de Filosofia e advertia que os critérios para a nomeação de professores para as escolas de ensino
secundário do Estado, seria a exigência de que esses professores se matriculassem na Faculdade
de Filosofia. Com todas as dificuldades de se implantar a Faculdade de Filosofia, uma delas recai
sobre seleção do corpo docente que nem todos atendiam as exigências referentes à documentação
exigida pelo Ministério de Educação e Cultura, sendo o corpo docente modificado. Cumprindo
com as exigências, tratou-se de acelerar com o processo de implantação da Faculdade de Filosofia
que em abril foi aprovada. Em 19 de dezembro de 1960 foi julgada e aprovada por unanimidade a
autorização de funcionamento da Faculdade de Filosofia da cidade de Manaus.
Dentre os integrantes do Conselho Nacional de Educação, Nogueira (1962, p.69) faz
referência especial ao Dom Helder Câmara2 e destaca: Não me posso esquecer do vulto exponencial
de amigo e de santo: Dom Helder! Seus pareceres lapidadores e pujantes fixam normas decisivas
nos julgamentos. Dom Helder manteve, intransigentemente, a assiduidade às sessões, apesar do
turbilhão de compromissos de que se tece a sua vida, no Rio de Janeiro. Sempre o vi no plenário,
sorridente, sorridente e confiante no alcance do “quorum” a falhar desde o início de novembro.
Não admitiria jamais que a sua ausência privasse o Amazonas do mimo deste fim de ano: mais
uma Faculdade à juventude. Tudo, afinal, deu certo. Um dia apenas antes do encerramento das
atividades do Conselho (19. De dezembro de 1960) foi julgado e aprovado, por unanimidade, o
processo da nossa Faculdade de Filosofia.
Tendo em mente a preocupação com a formação dos jovens amazonenses, os esforços foram
despendidos para que se alcançasse a aprovação deste projeto que formaria novos profissionais
para a Região Amazônica. Em termos de desenvolvimento para a aquisição de formação do
quadro de professores já atuando na rede, a Faculdade de Filosofia contribui para a qualidade
destes profissionais e de outros novos que vieram assumir o professorado. Esse movimento pela
criação da Faculdade de Filosofia foi um feito que possibilitou pensar sobre a formação dos
professores que atuariam na rede de ensino na cidade de Manaus. A esse exemplo temos que
concordar com Nogueira (1962) que a criação da Faculdade de Filosofia do Amazonas tem um
objetivo a cumprir com a formação de professores, pois que estes são responsáveis pela formação
de outros profissionais, por isso, precisamos de excelente quadro de professores. Inevitavelmente,
a presença desta faculdade foi um salto para a formação de professores na nossa região. Em
se tratando das condições de trabalho desenvolvidas naquela época e retificada por Nogueira
(1962, p.81-82), ao responder uma questão do questionário do Seminário Sócio-Econômico
da Amazônia prestes a se instalar, a Diretoria da Faculdade, expressou-se deste modo: Quanto
às necessidades de profissionais, de técnicos ou licenciados, aqui no Amazonas, como alhures,
a Faculdade de Filosofia pela estrutura polimorfa impõe-se como estabelecimento básico e
“pivot” da cultura. Nem poderia destacar a ela outro pedestal de nobreza, uma vez que se ocupa,
2 Dom Helder Câmara foi um grande defensor dos direitos humanos. Foi no Rio de janeiro que desenvolveu
seu trabalho com os movimentos sociais, onde fundou a cruzada São Sebastião, cujo objetivo era atender aos
favelados às famílias pobres, fundou o Banco da Providência, oferecendo subsídios de vida de famílias pobres,
além de exercer o cargo na Secretaria de Educação do Rio de Janeiro e no Conselho Nacional de Educação. No
ano de 1964, teve complicações políticas mesmo antes do golpe militar ao escrever uma carta dando apoio à
ação católica operária em Recife, foi fortemente acusado de demagogo e comunista, o que lhe causou a proibição
de se manifestar publicamente. Sua popularidade se deu quando fez frente ao autoritarismo e aos abusos aos
direitos humanos, praticados pelos militares. Fez-se, um atuante defensor da justiça e da cidadania e militou nos
movimentos estudantis, operário, ligas comunitárias contra a fome e a miséria. Um de seus assessores, Pe. Antônio
Henrique foi preso torturado e morto. Dom Helder não se calou e em 1970, em Paris, fez um pronunciamento
denunciando a prática da tortura a presos políticos no Brasil. Foi indicado a Prêmio Nobel da Paz, em 1972.
estão dialeticamente envolvidas em nosso contexto, são elas que nos provocam objetivar em
nós a necessidade de nos efetivarmos como sujeitos de situação históricosocial, pois que somos
imbuídos de intenções políticas e as nossas atividades nos tornam “(...) partícipe da totalidade e
da organização social” (CURY,1986, p.13), o que nos constitui como indivíduos de objetivações.
Sendo assim, torna-se imprescindível analisar o percurso das políticas públicas do MEC e seus
reflexos na reestruturação do Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia da FACED –
UFAM. A esse objetivo demandamos esforços para compreender a assertiva de Marx (1989, p.15)
que nos indica sermos: “(...) seres humanos de consciência e de transformação”. Assim, o nosso
campo de pesquisa nos levou a caminhar em busca de compreender que as etapas percorridas
são processos de consciência que podem nos levar a uma ação transformadora. Desse modo, tal
processo fez-nos reconhecer a necessidade em organizar cuidadosamente etapas de investigação.
Aludimos que a Faculdade de Educação do Amazonas - FACED/UFAM, um dos nossos lócus
de pesquisa, é ao mesmo tempo um lugar de muitos contextos à medida que se estrutura como
espaço de descoberta e das transformações. Nesse aspecto, a Faculdade de Educação é para
nós lócus de estudo, caminho para exercer a profissão centrada nas concepções gramscianas
emancipatórias, criando condições para realizar uma investigação voltada para o estudo das
políticas públicas de formação do Pedagogo. Os documentos analisados na coleta de dados
realizadas na Secretaria da Faculdade de Educação foram as Atas do CONDEP dos anos de 2002,
2006, 2007, e, as Atas dos Departamentos de Administração e Planejamento e do Departamento
de Teorias e Fundamentos. Interessamo-nos em percorrer outras vias de análise documental para
obtermos com maior clareza qual o nível de participação dos docentes no processo de reformulação
do currículo e saber se os departamentos discutiam em seus pares sobre a política reformulação
do Curso de Pedagogia. Então, como nas Atas do CONDEP esse assunto tratava somente de
informes e raríssimas vezes pauta, recorremos aos Departamentos para fechar as informações.
Vale ressaltar que não foi possível ter acesso às Atas do Departamento de Métodos e
Técnicas, conforme expresso em resposta oficial feita pela chefa do referido Departamento. O
campo realizado na Secretaria Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas
(FACED-UFAM) iniciou com os registros no caderno de campo das reuniões das Atas do CONDEP
em que se tratava da reformulação do currículo do Curso de Pedagogia, relativos ao período de
2008/2014. O intuito de realizar a análise documental das atas do CONDEP foi o de identificar
o nível de participação dos docentes no processo de reformulação do currículo e saber qual era a
política de formação docente do Curso de Pedagogia da Faculdade de Educação da Universidade
Federal do Amazonas (FACED-UFAM) no período de 2008 a 2014. Fato este que nos permitiu
perceber no processo das realizações das entrevistas com os docentes desta referida instituição,
pois nas Atas não foi possível registrar nenhum diálogo que identificasse a participação neste
processo. Contudo, estudar a minha formação foi um exercício que me fez voltar ao passado, com
o dever de refletir sobre o presente em que os problemas do curso de Pedagogia sempre estiveram
envoltos à formação como um processo amplo e complexo, assim como em todos os cursos de
graduação. O curso de pedagogia vem buscando meios para enfrentar os caminhos da formação
que se efetiva num quadro de fragilidades e conflitos caracterizados pelas nossas condições de
trabalho, educação, formação e profissão, categorias bem situadas no ano em que fui formada,
em 1987, mas, bem presentes hoje. A minha formação foi com um currículo formulado e aprovado
em 1974, em regime de créditos que foi reformulado em 1976 através da Resolução nº. 10/76/
CONSUNI e vigorou até 1995. Vimos presente no contexto do curso de Pedagogia as sucessivas
reformulações para acompanhar determinada demanda específica do mundo do trabalho
e tentativas de mudanças nas condições materiais que fortaleçam a formação e a profissão
do pedagogo. Tal consciência exigiu esforço para não deixar que no processo da investigação
perdesse o sentido da totalidade que permeia a formação e profissão de pedagogo. De acordo
com Silva (1999), o curso de Pedagogia pertence a um amplo contexto de formação. Portanto,
pesquisas indicam que a sua história aponta para um processo histórico de avanços e retrocessos.
Nesse sentido, tivemos o cuidado de considerar essa complexidade e buscar explicar as etapas
de pesquisa desenvolvidas na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas-
FACED/UFAM concebendo que nesse processo fomos aprendizes do tempo. Assim, as condições
materiais em que desenvolvemos as etapas de investigação na Faculdade de Educação representam
uma escola de múltiplos saberes. Para iniciarmos a investigação, solicitamos da diretora da
Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas, em maio de 2015, em Carta de
Anuência (elaborada de acordo com a Resolução 466/2012-CNS/CONEP) e uma solicitação
de autorização institucional para a realização da pesquisa, o que, após solicitação formal, foi
concedido sem objeções. Em agosto de 2014, de acordo com as orientações recebidas na Reitoria
da Universidade Federal do Amazonas, demos entrada nas solicitações destes documentos: 1)
autorização para a pesquisa; a qual foi concedida em julho de 2015.2) Solicitação feita à FACED/
UFAM sobre o número de docentes do Curso de pedagogia de 1990 a 2014; 3) As titulações dos
docentes; 4) De todos os Projetos Políticos Pedagógicos do Curso de Pedagogia FACED/UFAM;
5)Dos pareceres de revisões curriculares do período de 1990 a 2013, 6) Das Atas do Colegiado.
Ressaltamos que recebemos a autorização para realizarmos a pesquisa documental em julho de
2015 e enfatizamos que desses documentos acima solicitados à Faculdade de Educação, tivemos
acesso somente às Atas do CONDEP e ao Projeto Político Pedagógico do Curso de Pedagogia
2008/2. Fizemos nova solicitação das cópias dos projetos anteriores do Curso de Pedagogia da
FACED/UFAM para fazermos os estudos e análise documental, desta vez, encaminhamos para o
DAE/UFAM. Também não havia arquivo dos anteriores Projetos Políticos Pedagógicos do Curso
de Pedagogia. Então, instigada a encontrar as Atas do Colegiado, apresentei-me à Secretaria da
Faculdade de Educação, com a Carta de Autorização assinada pela diretora da FACED/UFAM.
Retornamos à Secretária desta referida instituição com o documento de autorização para as
análises documentais somente das Atas do CONDEP3, pois as Atas de Reuniões do Colegiado não
estavam na estante onde estavam as do CONDEP. Fomos averiguar na sala da Coordenadora do
Colegiado do Curso de Pedagogia, porém não as encontramos. Segundo ela, desde que assumiu
a Coordenação do Colegiado do Curso de Pedagogia, 2013/2016 não tomou conhecimento da
existência dessas referidas Atas. Retornamos à Secretaria para fazermos a investigação das Atas
de Reunião do Colegiado no arquivo geral da FACED/UFAM, infelizmente nossa busca a essas
Atas não logrou êxito. Lamentavelmente, estava impossibilitada de lançar mão aos documentos
de suma importância para a pesquisa. Então, depois de comprovar a não existência das atas,
fomos à Secretaria da FACED/UFAM e continuamos a leitura e análises das Atas do CONDEP,
as únicas Atas que encontramos devidamente guardadas na estante da sala da Secretária, que
cuidadosamente nos autorizou trabalhar com as Atas dentro da Secretaria em uma mesa próxima
a estas Atas do CONDEP.
3 Como a leitura de documentos importantes exige do leitor maior nível de concentração, o que não nos era
possível de realizarmos na Secretaria, tratamos então, de fazer valer o que a diretora da FACED/UFAM havia
escrito no Oficio nº214/2014/PPGE/FACED, enviado pela minha orientadora no dia 18 de novembro de 2014,
quando solicitou a permissão para realizarmos a pesquisa de campo na Secretaria da FACED/UFAM, com o
objetivo de realizar a pesquisa documental das Atas do de Reuniões do Colegiado e do CONDEP, como também
dos Pareceres, as Resoluções que tratavam das revisões curriculares do de 2008 a 2013. Nesse sentido, tomamos
todas as precauções ao lidar com o livro das atas do CONDEP, e todas as atas das reuniões do CONDEP/UFAM
que líamos e tratavam da reformulação do curso de pedagogia foram devidamente marcadas e entregues à
secretária designada pela diretora da FACED/UFAM que autorizava um funcionário da Secretaria da FACED/
UFAM para tirar a cópia na reprografia externa da FACED/UFAM com os honorários a encargo da pesquisadora,
o que se caracteriza lisura de postura da pesquisadora e da diretora da instituição, que com zelo ao patrimônio
público, encontrou o melhor caminho para disponibilizar os livros de Atas do CONDEP/FACED.
Nossa rotina obedecia este ritual: 1) leitura e registro no Caderno de Campo de todas as
informações sobre a reformulação do currículo do curso de pedagogia que culminou na elaboração
do Projeto Político Pedagógico do Curso; 2)Trabalhar com Atas do CONDEP sempre na presença
da Secretária e dos funcionários da Secretaria, bem como da coordenadora do Curso; 3) Iniciar
a leitura das Atas somente depois de recebê-la da Secretária ou de um funcionário da Secretaria
da Faculdade; 4) depois de feito os registros no caderno de campo, devolver o documento para
a Secretária ou para um funcionário que guardava na estante da sala da Secretária, local que nos
pareceu adequado para mantê-las em estado conservado e seguro.
O Departamento de Assistência ao Educando nos cedeu uma lista com o número de discentes
do Curso de pedagogia de 1989 a 2013 que haviam se matriculado no curso. Montamos gráficos
para analisarmos o número de matriculados e observamos um crescente índice de evasão no
curso. O objetivo desta análise foi recortar o número de egressos pertencentes à nossa pesquisa.
A nossa necessidade de realizar a investigação documental nos levou para outro lócus da pesquisa
e lá recolhemos outras fontes que nos foram reveladas durante o campo de pesquisa e nos fez
compreender critérios de avaliação do referido curso. Dessa feita, fomos ao CPA/UFAM4, cuja
coordenadora é uma docente do curso de Pedagogia da FACED/UFAM. Dentre as preciosas
informações que nos foram cedidas com a entrevista realizada com a respectiva docente,
destacamos a cópia do “Relatório Metodológico da Autoavaliação do Curso de Pedagogia da
Universidade Federal do Amazonas da Faculdade de Educação Manaus, realizado no ano de 2013”,
por docentes da Faculdade, responsáveis pela coordenação e elaboração do referido Relatório de
autoavaliação e membros do NDE5.
O referido documento foi importante para entendermos os desdobramentos da própria
história do curso e os movimentos ocorridos nas alterações de seu currículo a partir das mudanças
na legislação e no próprio desenho curricular do curso. O tratamento a essas informações não
deixou de considerar que podíamos comparar/confrontar fatos que foram determinantes para
entender o que faz parte do corpus de uma inquirição crítica, como se refere Marx (1989), ao
tratar de seu método quando discorre sobre a dinâmica das leis que integram o movimento de
uma inquirição crítica, “A inquirição crítica limitar-se-á a comparar, confrontar um fato, não com
a ideia, mas, com o outro fato” (MARX, 1989, p. 15).
Nas informações recolhidas no Relatório Metodológico da Autoavaliação do Curso de
Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas da Faculdade de Educação, realizado no ano
de 2013 destacamos que a missão da Universidade Federal do Amazonas é de: “cultivar o saber
em todas as áreas do conhecimento por meio do ensino, pesquisa e extensão, contribuindo para
o desenvolvimento da Amazônia”, (2013, p.3)”. Ora, essa missão para ser um fato social em
sua totalidade concreta6, deve realmente, em primeira instância existir de modo real e tornar-se
4 Trata-se da Comissão de Avaliação Permanente instalada na Reitoria da Universidade Federal do Amazonas tendo
como presidente desta comissão uma experiente docente da Faculdade de Educação.
5 A Comissão Nacional de Avaliação da Educação Superior – CONAES foi criada em 2010 e tornou obrigatória
em todas as Instituições de Ensino Superior a instalação do Núcleo Docente Estruturante (NDE) cujo objetivo se
define em planejar meios para o acompanhamento, desenvolvimento e avaliação do trabalho desenvolvido, no
âmbito institucional, onde os cursos de graduação se estruturam voltados para o ensino, pesquisa e extensão
dos cursos. Na Faculdade de Educação da Universidade Federal do Amazonas a Coordenação do processo de
autoavaliaçãodo Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas da Faculdade de Educação Manaus
foi feita pelo Núcleo Docente Estruturante – NDE, sob a égide da Portaria 026/2011 – DG de 10 de outubro de
2011, que nomeou 7 (sete) docentes responsáveis pela coordenação deste processode autoavaliação. Vale ressaltar
que esta foi a primeira Coordenação do NDE/FACED/UFAM (Informações contidas na capa do “Relatório
Metodológico da Autoavaliação do Curso de Pedagogia da Universidade Federal do Amazonas da Faculdade de
Educação Manaus-2013”).
6 6 A base deste pensamento está em perceber que a totalidade do mundo real se materializa enquanto um fato
existente e presente na vida do homem. Fato esse que é tão real que influencia nos processos da atividade humana
e se move a partir da sua materialidade. Por isso, “O mundo da realidade não é uma variante secularizada do
um resultado das práticas de todos os cursos da Universidade. A missão diz respeito a ações e as
condições materiais para torná-las em sua totalidade concreta uma verdade.
Avaliando tal questão, percebemos haver sido realizado a missão desta instituição de modo
concreto em determinadas condições que os parcos insumos financeiros destinados aos projetos
PIBIC, PIBID, PIBEX, entre outros, permitiram ir além da missão escrita no papel e admitir que
ainda resta muito a fazer no sentido de veicular “um saber para a ciência e um saber para a política,
para instaurar novos padrões de conhecimentos” (TRIGUEIRO MENDES, 1974, p. 2). Portanto, o
referido documento elucida esta missão por ser ela o que melhor define uma instituição cujo objetivo
é formar cidadãos a partir da viabilidade de um Projeto Político Pedagógico circunstanciado de
intencionalidade e protagonistas que promovam sua execução. Nesse aspecto, compreendemos
que o papel da Universidade Federal do Amazonas tem sido desafiador em se tratando da formação
dos professores, mas a sua história se inicia em 1909, já presente essa preocupação de difundir
o saber em todas as áreas. Consideramos que o maior desafio se encontra em tornarmos nossas
práticas de ensino, pesquisa e extensão, numa prática interdisciplinar. Não desconsideramos os
fatores ligados aos recursos financeiros para chegarmos a atingir essa visibilidade à sociedade.
Com certeza podemos afirmar que a redução e os cortes financeiros na educação como um todo
e principalmente nas Universidades Federais, tem inviabilizado a possibilidade de cumprir, na
proporção de alunado que temos a missão de cultivar o saber em todas as áreas do conhecimento
por meio ensino, pesquisa e extensão.
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paraíso, de um estado já realizado e fora do tempo; é um processo no curso do qual a humanidade e o indivíduo
realizam a própria verdade, operam a humanização do homem. Ao contrário do mundo da pseuconcreticidade, o
mundo da realidade é o mundo da realização da verdade, é o mundo em que a verdade não é dada e predestinada,
não está pronta e acabada, impressa de forma imutável na consciência humana: é o mundo em que a verdade
devem por esta razão a história humana pode ser o processo da verdade e a história da verdade. A destruição da
pseuconcreticidade significa que a verdade não é nem inatingível, nem alcançável de uma vez para sempre, mas ela
se faz; logo, se desenvolve e se realiza” (KOSIK,1976, p.23)
MARX, Karl. Manuscritos Econômicos e Filosóficos e outros textos escolhidos. São Paulo, Abril
Cultural, 1978 (Os pensadores).
______. O 18 Brumário de Luis Bonaparte. Porto Alegre: Martin Claret, 2008. (Col. Obra Prima
de Cada Autor).
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TRIGUEIRO MENDES, Durmeval. Ensaios sobre educação e universidade. 1974. Disponível em:
<www.inep.gov.br/publicações/publicaçõesdiversas>.
INTRODUÇÃO
A
lei 11.645/2008 que torna obrigatório aos currículos do ensino fundamental
ao médio a abordagem da história e cultura afro-brasileira e indígena promove
os princípios de uma educação intercultural, em que haja um diálogo entre as
diferentes culturas. A lei está em vigência desde o ano de 2008, no entanto as pesquisas mais
recentes apontam inúmeros questionamentos quanto à realidade escolar, a metodologia e o
material didático envolvido no cotidiano das escolas colocando em questão a aplicabilidade da
lei.
A pesquisa buscou aferir a aplicabilidade da lei no estado do Amazonas, mais precisamente
na cidade de Manaus, averiguando nos livros didáticos as possibilidades e limitações das discussões
sobre a temática da história e da cultura afro-brasileira e indígena nas obras didáticas distribuídas
nas escolas da rede pública, situadas na cidade de Manaus.
O estudo do tema foi realizado com base em autores que têm discutido a inserção dos
conteúdos étnico-raciais à educação brasileira, os livros didáticos, a representação do negro e
indígena, a abordagem intercultural e o empoderamento como desdobramento. Dentre estes
serão destacados Mauro Coelho et al (2008; 2010), Ana Cláudia Oliveira da Silva (2013), Edson
Silva (2013), Maria da Penha Silva (2013), Ana Célia da Silva (2005; 2011), Candau e Gimenez
(2010). Essa discussão será feita mediante a intersecção entre os tópicos aqui sugeridos.
A lei 11.645/2008 chega ao nono ano em vigência, sua trajetória é extremamente significativa
para um Brasil em que o direito à diversidade torne-se uma prática das salas de aulas e dos diferentes
currículos que a compõem. Os esforços dos movimentos negros e indígenas que pensam tal lei,
como “[...] instrumento indispensável na luta contra as desigualdades étnico-raciais” somaram de
forma expressiva para a constituição da lei, bem como para a criação das estratégias que foram
estudadas para a reformulação do currículo oficial. (SILVA, 2013, p.126)
A inserção da história e cultura negra e indígena faz com que os livros didáticos promovam
essas duas personagens no cenário dessa literatura, modificando o notório e longo período de
invisibilidade. Os obstáculos presentes no que consiste a representação de negros e indígenas
transformou-se ao longo das décadas, e assim entre a total invisibilidade ou a representação
distorcida e estereotipada, a imagem do negro e do indígena no currículo oficial e oculto das salas
de aula brasileira vão sendo estabelecidos.
54) percebemos que o processo de “tomar poder sobre si” torna-se mais difícil diante da falta de
representação adequada. Ana Célia Silva assinala que:
Não ser visível nas ilustrações do livro didático e, por outro lado, aparecer desempenhando papéis
subalternos, pode contribuir para a criança que pertence ao grupo étnico/racial invisibilizado e
estigmatizado desenvolver um processo de auto-rejeição e de rejeição ao seu grupo étnico/racial.
(SILVA, 2005, p.25)
Assim sendo, as ilustrações possuem papel fundamental para a circulação das novas formas
em que se pretende ver o negro representado. O empoderamento, a autoestima das crianças
negras e a própria forma com que as crianças não-negras vêem as pessoas negras dependem em
parte das ilustrações. Essa outra forma de texto, também tem papel essencial na comunicação de
conteúdos e na construção de representações.
Percebemos então que a questão da uniformização presente na representação do índio
também se faz presente na representação do negro, como também os papéis desempenhados
(que acarretam na perpetuação do lócus social de negros e indígenas), além da ideia de vitima/
dominado. Esses três elementos estão a compor os livros didáticos e assim como foi apresentado,
são os dados mais presentes nas pesquisas referentes à análise de livros didáticos.
O livro didático
Desde a década de 1980, o livro didático passa por avaliações instituídas pelo Programa
Nacional do Livro Didático – PNLD. Tais avaliações e recomendações colaboram até hoje para
que o material construído nos livros leve em consideração os diferentes grupos étnicos que fazem
parte da sociedade brasileira. Apesar disso, como apontam as pesquisas (COELHO, 2010; SILVA,
2011) ainda há muito o que fazer.
Diante da discussão sobre a análise dos livros didáticos, Coelho (2008) ressalta o
significado que o livro didático carrega, informando que “[...] o livro didático acaba adquirindo
uma importância maior que sua função inicial.” (COELHO, 2OO8, pg. 96), já que o uso do livro
didático como único instrumento em sala de aula, por muitas vezes demarca sua importância, e,
além disso, o livro didático pode ser a única obra “acadêmica” com que o estudante de escola
pública terá contato, como foi apontado por Ana Célia da Silva:
O livro didático ainda é, nos dias atuais, um dos materiais pedagógicos mais utilizados pelos
professores, principalmente nas escolas públicas, onde, na maioria das vezes, esse livro constitui-
se na única fonte de leitura para os alunos oriundos das classes populares. (SILVA, 2005, p.22)
Dessa maneira, as visões de mundo que o livro didático carrega possuem grande peso na
construção dos currículos que envolvem a sala de aula, desde o currículo oficial até o currículo
oculto. Coelho aponta que “[...] não se pode perder de vista que ele está ligado a um mercado”.
(COELHO, 2008, p. 97) A lógica de mercado aflui sobre a elaboração dos livros didáticos,
editoras e afins; ela define, reduz e produz seus conteúdos. Além da lógica de mercado há a
própria intervenção do Estado que conduz, em parte, o processo por meio de seus parâmetros
e resoluções que, dependendo do regime ou governo, pode encarar as questões como raça,
gênero e sexualidade de formas distintas. Assim, as intervenções estatais podem repentinamente
transformar tais questões.
Um exemplo dessa situação está na ameaça de anulação da lei 10.639/2003 no ano de
2016, situação que aponta para um retrocesso no debate que a lei promove. O reflexo dessa ação
é preocupante, pois pode comprometer a própria formação do cidadão brasileiro.
O direito à diversidade é uma questão de cidadania, assim os conteúdos étnico-raciais em
educação não afetam apenas positivamente a vida dos estudantes negros e indígenas, mas também
é positiva aos estudantes brancos. Já que é na inter-relação entre culturas e raças que a educação
deve se executar, para que a responsabilidade com o outro e a valorização do Brasil real se realize.
Maria da Penha Silva (2013) discute a interculturalidade em três modalidades que são: a
interculturalidade relacional, em que se acredita que a existência da diversidade numa sociedade
já estabelece a inter-relação entre as culturas; a interculturalidade funcional, vinculada as ideais
neoliberais que reconhecem a diversidade, mas que a pensam de uma maneira folclorizada,
demonstrando uma tolerância e não necessariamente um respeito ao direito à diversidade; e a
interculturalidade crítica, que é pensada como um projeto social em construção, como uma ação
pedagógica que vem a questionar os dispositivos que colocam o direito à diversidade em segundo
plano. (SILVA, 2013, p. 71)
A reflexão feita nessa pesquisa se guia pelo viés da Interculturalidade Crítica, pois analisa
os livros didáticos em busca da representação que negros e indígenas estão tendo nestas obras.
Assim, acreditamos que o direito a diversidade é uma conquista que não deve ser revogada numa
sociedade que almeja uma formação cidadã plena.
DESCRIÇÃO METODOLÓGICA
configurem em palavra, mas que são articuladas em pinturas, fotografias, desenhos, filmes e
trilhas sonoras.
Dessa forma a análise das imagens, ilustrações e outras configurações de linguagem não
escrita presentes nos livros didáticos foram viabilizadas pela análise qualitativa, em que salientamos
a quantidade de frequências de personagens negros, indígenas e brancos e que tipo de ação estava
relacionada a esses personagens.
A análise dos livros paradidáticos não foi realizada, pois a SEMED não possuía nenhuma
listagem com as obras enviadas para as escolas, pois as listas são enviadas diretamente pelas
editoras.
RESULTADOS E DISCUSSÕES
Durante a trajetória dessa pesquisa, analisamos os Guias dos Livros Didáticos do PNLD e
notamos que, nas Fichas de Avaliação dessas obras, a questão étnico-racial quando mencionada,
aparece frequentemente em questionamentos tais como – “a obra é livre de estereótipo e/ou
preconceito étnico-racial?”. A partir disso, observamos que o PNLD busca aferir a presença dos
estereótipos e preconceitos o que já assinala um avanço, considerando as pesquisas já realizadas
sobre a temática (COELHO, 2008, 2010; SILVA, 2011). No entanto, notamos que a questão não é
apenas definir se há ou não a presença de estereótipos ou preconceitos, mas sim redefinir e recriar
a literatura didática por meio da presença dos agentes históricos negros e indígenas.
Portanto, compreendemos que avaliação do PNLD não abrange com totalidade as propostas
promovidas pela lei 11.645/2008, já que a corroboração para o fim de estereótipos e preconceitos
não é o único fator que a lei vem a colocar.
O “fim de estereótipos e preconceitos” tenderia a ser uma consequência de uma literatura
didática em que personagens negros e indígenas tivessem suas imagens retratadas dentro de sua
história e cultura, em que suas diversas manifestações fossem descritas. Assim sendo, pensamos
que além da formulação “a obra é livre de estereótipo e/ou preconceito étnico-racial?”, as fichas
avaliativas deveriam trazer outros questionamentos como os que sugerimos a seguir:
- O conteúdo programático da obra inclui aspectos, tais como o estudo da história da África
e dos africanos?
- Resgata a luta dos negros e dos povos indígenas no Brasil pelo reconhecimento das suas
identidades e na conquista dos direitos sociais atinentes a qualquer cidadão do país?
- Faz o resgate da cultura negra e indígena brasileira como componentes importantes da
cultura nacional?
- Considera o negro e o índio na formação da sociedade nacional resgatando as suas
contribuições nas áreas social, econômica e política, pertinentes à história do Brasil?
Dessa maneira, as apurações das propostas presentes nos livros poderiam fluir para além
da demarcação entre estereótipo e preconceito, possibilitando assim a identificação da presença
ou ausência de conteúdos referentes à população negra e indígena. Assim, em um filtro maior,
poderíamos observar que a aplicabilidade da lei se faria até mesmo nas breves descrições dos
capítulos presentes nos Guias do PNLD, o que acaba não acontecendo.
Exemplo dessa situação se encontra no “Guia de Livros Didáticos: PNLD 2016:
Alfabetização e Letramento e Língua Portuguesa: ensino fundamental anos iniciais”, em que a
referência aos indígenas, africanos e afro-brasileiros ocorre apenas uma vez. Somente no livro
“Aprender Juntos” da editora “Edições SM” - em uma seção intitulada de “Língua Viva” - ocorre
a abordagem de “questões relativas às influências das línguas indígenas, africanas, francesa,
inglesa, espanhola na língua portuguesa, à gíria e às influências da oralidade no texto escrito.”
(BRASIL, 2015, p. 156)
Devido às dificuldades de acesso às amostras, tivemos que alterar alguns dos livros. Assim
os livros efetivamente analisados foram:
Algumas das obras da primeira listagem permaneceram, as obras que substituíram as que
estão em primeiro lugar em distribuição nas redes municipais de ensino de Manaus, também
encontram-se com um índice alto de distribuições, ou seja, também fazem parte do pódio.
A análise qualitativa e detalhada dos livros funcionou da seguinte maneira:
LIVRO DIDÁTICO:
AGENTE AÇÃO CONTEXTO CARACTERÍSTICAS FREQUÊNCIA PÁGINA TIPODE FIGURA OBSERVAÇÃO CITAÇÃO REFLEXÃO
a) Editora Ática
Livro: Língua Portuguesa,
3ª série, 4ª edição, São Paulo, 1997.
Autora: Lídia Maria de Moraes
Preparação de texto: Célia Cristina da Silv
Ilustração: Carlos Edgar Herrero
Capa: Milton Takeda e Adelfo M. Suzuki.
CONCLUSÕES E RECOMENDAÇÕES
REFERÊNCIAS
BEZERRA, Lia Monguilhott et al. Projeto Buriti: ciências, 5 ano. 3.ed. São Paulo: Moderna.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2016: Alfabetização e Letramento e Língua Portuguesa:
ensino fundamental anos iniciais. Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação
Básica, 2015.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2016: Arte: ensino fundamental anos iniciais. Brasília:
Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica, 2015.
BRASIL. Guia de livros didáticos: PNLD 2016: Ciências: ensino fundamental anos iniciais.
Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica, 2015.
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Brasília: Ministério da Educação, Secretária de Educação Básica, 2015.
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ensino a partir da lei 11.645/2008. Recife: Universitária UFPE, 2013.
INTRODUÇÃO
O
objetivo deste artigo é compreender os aspectos históricos sobre o serviço municipal
de Parques Infantis no estado do Amazonas na década de 1940. Trata-se de uma
produção oriunda de uma pesquisa de Mestrado em Educação, do Programa de
Pós-Graduação em Educação, pela Universidade Federal do Amazonas.
Os Parques Infantis surgem no Brasil, no período conhecido com o Estado Novo, que
vigorou de 1937 a 1945, e que trouxe, dentre várias políticas educacionais, a da criação do Serviço
de Parques Infantis. Partindo do entendimento de que esta política de educação foi construída
para a criança operária, pretende-se compreender as relações que permearam este cenário a partir
da perspectiva social e cultural.
Trata-se de uma pesquisa em história da educação, fundamentada nas novas possibilidades
trazidas pela pesquisa em história. Essas novas possibilidades surgiram a partir do momento
em que a nouvelle histoire1 passou a ser materializada pela Escola dos Annales2, onde historiadores
como Lucien Febvre e Marc Bloch propuseram temas inovadores à época como o “[...] da história
regional, que privilegia o pequeno país ou o campo provincial e institui as massas anônimas como
heróis da história e se esforça em elucidar as diferenças de tempo.” (REIS, 2000, p.62).
Busca-se estudar as políticas voltadas para assistência e proteção aos pobres que abrigam os
parques infantis no Amazonas, políticas que são instrumentos dos quais os governantes se valem
para impor uma cultura oficial, um modelo a ser seguido por seus governados, disseminando de
maneiras distintas suas ideias no intuito de convencer as classes populares a segui-las, por meio
de suas estratégias de poder. Em contrapartida, esta cultura oficial é recebida e utilizada pelas
classes populares como instrumento para resistir e sobreviver ao capital.
A temática é importante para a compreensão deste momento na história da educação e
para a compreensão das relações de força descritas por De Certau (1998, p.46):
[...] o cálculo das relações de forças que se torna possível a partir do momento em que um sujeito
de querer e poder é isolável de um “ambiente”. Ele postula um lugar capaz de ser circunscrito
como um próprio e portanto capaz de servir de base a uma gestão de suas relações com uma
exterioridade distinta. A nacionalidade política, econômica ou científica foi construída segundo
esse modelo estratégico.
Por este motivo, pretende-se revelar este momento significativo para a educação da sociedade
amazonense, com ensejo de contribuir para enriquecer os estudos de acadêmicos, professores,
alunos e a comunidade do Estado em geral.
1 Os autores Le Roy Ladurie e Furet sugerem que é a história influenciada pelas ciências sociais, com surgida após
debates entre “sociólogos, filósofos, geógrafos e historiadores, no início do século XX”. (REIS, 2000, p. 65).
2 Revista de história fundada por Febre e Bloch em 1929 na Universidade de Estraburgo. (REIS, 2000).
No cenário ocidental nas primeiras décadas do século XX, o pensamento dominante era o de
que o progresso de uma nação estava associado ao conceito de civilização, que deveria ultrapassar
os muros escolares, principalmente para os filhos das classes subalternas. (KUHLMANN Jr,
2010). Isso se constituía em uma política maior que “foi defendida como uma necessidade para
a formação da nacionalidade brasileira, traduzida pela superioridade da raça branca e por uma
educação para a pátria, por meio da educação do caráter e da educação física, e voltada para a
educação popular que deveria ser nacional, pública e patriótica.” (VERÍSSIMO, 1906, p.163).
Ainda, no início do século XX começaram a se intensificar no cenário educacional brasileiro,
políticas voltadas para a assistência à infância, e em 1922 aconteceu o Primeiro Congresso Brasileiro
de Proteção à Infância, onde foram abordados assuntos referentes à criança e suas relações com
a família, a sociedade e o Estado, e sob aspetos sociais, médicos, pedagógicos e higiênicos, sendo
este último dirigido em especial para as camadas populares, no intuito de estabelecer normas
quanto ao comportamento, por meio de medidas preventivas (VASCONCELLOS, 2001).
A infância começou a ser observada nos anos subsequentes, com a criação de algumas
políticas como o primeiro código de menores em 1927, onde foram consolidadas leis de assistência
e de proteção aos menores de 18 anos, vistos como abandonados e delinquentes. Também foi
criado o Ministério da Educação e da Saúde Pública, em 1930, por intermédio do Decreto nº
10.402.
Vasconcellos (2001, p.94), afirma que “essa crescente política de assistência à infância,
baseada tanto num modelo médico-sanitário quanto numa visão psicologizante do trabalho
educativo, favoreceu a difusão de uma concepção abstrata de infância a partir desse período.”
Configurando-se então, um momento significativo no qual o Governo volta os olhos para a
infância e para os conceitos subjetivos à sua configuração.
Com a criação do Ministério da Educação e da Saúde Pública, os filhos dos trabalhadores
também passam a ter direito à Educação, “principalmente nos grandes centros urbanos,
mostrando-se como um elemento de organização social e modernização da sociedade brasileira,
sob o impulso da política de desenvolvimento industrial implementada durante o governo Getúlio
Vargas.” (VASCONCELOS, 2001, p.95-96).
Surgem alguns programas de atendimento à infância, visando, dentre outras coisas, o
reforço do patriotismo. Isto se deve principalmente ao processo de industrialização, onde as
mulheres, necessitando trabalhar nas indústrias, não disporiam de tempo para educarem seus
filhos, preferindo essas instituições a deixá-los nas ruas, onde poderiam se tornar criminosos em
potencial.
Outros órgãos criados foram o Serviço de Assistência a Menores - SAM, “responsável
pelas crianças abandonadas e menores infratores, e órgãos internacionais como: o Fundo das
Nações Unidas para a infância UNICEF/1948 e a Organização Mundial de Educação Pré-Escolar
OMEP/1948.” (VASCONCELLOS, 2001, p.96).
Neste contexto, surgem no Brasil os Parques Infantis Mário de Andrade3 (PIs), em 1935,
destinados aos filhos dos trabalhadores operariados, na idade de 03 a 12 anos, inspirado no
modelo de kindegarten froebeliano, onde as crianças tinham direito à recreação, jogo organizado e
assistência médica, alimentação e higiene. (MIRANDA, 1941; FARIA, 1996).
Os PIs apresentam elementos contraditórios: se o Estado Novo voltava-se para a formação
civil e militar das crianças, no seu interior “o tempo livre poderia ser preenchido com diversas
atividades recreativas consideradas saudáveis [...], pois, ao mesmo tempo em que esses elementos
3 Mário Raul Moraes de Andrade foi diretor do Departamento de Cultura (DC) da prefeitura de São Paulo de 1935
a 1938, quando demitiu-se por oposição ao Estado Novo. (ARANTES, 2005).
poderiam representar formas de controle e vigilância sobre a população, poderiam criar, também,
a possibilidade de novas formas de uso voltadas para a subversão da ordem estabelecida.”
(GOMES, 2003, p. 34). Sobre este aspecto, Duarte (2000) revela um dos objetivos principais
das instituições; para Nicanor Miranda, então chefe de Educação e Recreio do Departamento de
Cultura da Prefeitura de São Paulo:
Educar a infância para um lazer correto, para que as horas de folga do futuro cidadão-
trabalhador-soldado sejam empregadas em atividades saudáveis, higiênicas e de “grande alcance
moral”; “afastar” as crianças do seu meio social e moral, ou seja, de sua família, do seu bairro, do
seu território, construindo uma alternativa aos “vícios e à criminalidade” dos bairros operários;
manter o lazer sob controle e coordenação do Estado, para assim garantir sua adequação;
conduzir as crianças a um estreito convívio entre classes diferentes, expressando o ideal de uma
sociedade concebida como corpo, harmônica e coesa. (p.172-173).
Os parques infantis da prefeitura de São Paulo foram destinados à recreação das crianças pobres
da cidade, especialmente os filhos de operários. O primeiro a ser instalado foi o Parque Infantil
Pedro II. Em seguida surgiram o Parque Infantil da Lapa e o do Ipiranga. Posteriormente, e
por último, instalou-se o Parque Infantil de Santo Amaro. Até 1938, ano da saída de Mário de
Andrade do Departamento de Cultura, estes foram os únicos em funcionamento na cidade.
Muitos outros porém já estavam projetados. Seriam instalados “todos em bairro de trabalho ou
de pobreza, imediações de escolas ou fábricas, enfim onde pudesse ser mais útil socialmente”.
4 Fábio da Silva Prado, prefeito do município de São Paulo entre 7 de setembro de 1934 a 31 de janeiro de 1938.
Além da recreação orientada por educadores, essas crianças recebiam nos parques assistência
médica e dentária, educação sanitarista e higiênica, roupas e alimentação (ABDANUR, 1994,
p.268).
A seção de Parques Infantis foi transformada em uma seção específica da Divisão de Educação
e Recreio do Departamento de Cultura e Recreação, tendo como chefe Nicanor Miranda. (GOMES,
2003, p. 45).
No entanto, parece que esta preocupação com o local de instalação destes parques, revela
que a finalidade aparente nos documentos legais seria a da recreação, dentro do contexto histórico
e social no qual estava inserida a instituição e seus sujeitos. Sua origem seria impulsionada por
um projeto de nacionalização, de influência norte-americana, nas relações internacionais, que já
eram presentes em um momento anterior, especialmente quanto ao Brasil e aos demais países
latino-americanos, o qual buscava modernizar a sociedade brasileira (FREITAS; KUHLMANN Jr,
2002).
Por isso, a problemática proposta na pesquisa é a da existência de Parques Infantis no estado
do Amazonas, situada no campo de estudo das relações sociais e culturais entre as classes às quais
se destinavam o serviço dos parques infantis: os filhos dos pobres, operários, os de baixo poder
político-econômico, a população menos favorecida. Provavelmente um dos principais motivos
que levaram à existência dessas instituições não formais, foi a “campanha patriótica nacional”
capitaneada pelo então presidente Getúlio Vargas5 (FREITAS; KUHLMANN Jr., 2002, p.470).
Para isso, identificamos os pressupostos históricos determinantes para a existência do
serviço municipal de Parques Infantis na cidade de Manaus, contextualizando as relações desse
serviço com a educação e a sociedade amazonense, por meio de pesquisa documental.
O desafio consistiu em conseguir as fontes necessárias à compreensão da temática, para
tentar provar a existência a existência de um Parque Infantil na década de 1940 em Manaus
mencionada no documento de Nicanor Miranda “ORIGEM E PROPAGAÇÃO DOS PARQUES
INFANTIS, E PARQUES DE JOGOS” em 1941, onde Nicanor Miranda - chefe da Divisão de Ensino
e Recreio, informa que há um parque infantil em construção no “bairro do Mindu em Manaus”
(1941, p. 22).
O fato de não haver nenhuma pesquisa anterior a esta, acerca do serviço municipal de
parques Infantis no Amazonas, impulsionou a busca por evidências, vestígios e provas, que de
acordo com Chartier, são os “vestígios ou indícios que permitem a reconstrução sempre submetida
ao controlo, das realidades que os produziram” (1990, p. 82).
A palavra evidência é usada por historiadores como Hobsbawm (1998) e Ginzburg (2002).
Este, autor do paradigma indiciário6, afirma que o trabalho do historiador se dá por meio de buscas
por novas evidências que comprovem sua veracidade, o que não difere do pensamento daquele,
ao enfatizar a importância do levantamento de novas questões no decorrer da investigação a
partir do encontro de evidências (HOBSBAWN, 1998).
Para isto, optou-se pela pesquisa documental, onde foram garimpados documentos
fundamentais que, sendo tratados como documentos/monumentos (LE GOFF, 1996; FOUCAULT,
2009), revelaram este recorte histórico, atendendo às hipóteses levantadas.
5 Getúlio Dornelles Vargas- presidente do Brasil de 1930 a 1945 e de 1951 a 1954, quando se suicidou.
6 Em um ensaio intitulado Spie. Radici di un paradigma indiziario (Sinais: raízes de um paradigma indiciário), publicado na
coletânea Crisi della ragione, organizada por Aldo Gargani, que saiu pela editora Einaudi no ano de 1979.
7 Gustavo Capanema Filho foi Ministro da Educação e Saúde do Brasil no período de 1934 a 1945.
Outro órgão importante, que acompanhava as crianças pobres e que defendeu a criação dos
Parques Infantis em Manaus, foi o Juizo de Menores e Accidentes, que vigiava e promovia assistência
moral e material, como pode ser observado neste expediente do dia de nº 71, no Diário Oficial,
de 19 de abril de 1937:
O Juizado de Direito de Menores, Accidentes, etc., da comarca desta capital, dentro das
possibilidades do Estado e graças a dedicação do respectivo titular – doutor André Vidal de
Araújo, que tem se desdobrado em atividade para bem desempenhar as suas árduas funções,
vae, pouco a pouco, preenchendo os seus elevados objetivos, a prol da vigilancia e da assistência
moral e material, devidas aos menores, especialmente abandonados, anormais e delinquentes.
Tal assistência vem sendo igualmente prestada aos operários, victimas de acidentes no trabalho,
sempre que a solicitam. (p.5).
Não ignorais, por certo, a finalidade do Juízo de Menores nem a complexidade de suas atribuições
corretivas e educacionais. O seu destino é, por assim dizer, a regeneração antecipada de destinos
humanos, o aplacamento ou a minoração dos conflitos interiores que mutilam precocemente
homens e mulheres. Na atualidade, já se não discute mais a influência psicológica das impressões
recebidas na infância sobre o resto da existência, através de uma sequencia a sim de causas e
efeitos. Prova-o, tanto quanto a ciência, a experiência própria dos temperamentos sensíveis que,
recapitulando-se com clarividência, tem confessado em largas paginas as semelhanças profundas
entre a sua vida infantil e sua vida madura. (AMAZONAS, Diário Oficial, 1937, p.11).
8 André Vidal de Araújo foi diretor do 1º Juizado de Menores do Estado do Amazonas entre os anos de 1935 a
1944.
9 “[...] o debate e a difusão da eugenia no Brasil reuniu intelectuais atrelados a perspectivas diversas, algumas delas
críticas ao descaso governamental com a situação educacional e sanitária da população, mas que geralmente
convergiam nos propósitos de regeneração das classes populares por meio da higiene, da eugenia, do trabalho e
de uma educação moral.” (BONFIM, 2017, p.57).
Para a construção do primeiro Parque Infantil no Estado, foi criado um Decreto-lei nº 139,
de 31 de maio de 1940, abrindo crédito especial no orçamento vigente e que o parque infantil, seria
construído como “parte integrante do parque de diversões e educação física ‘10 de novembro10’,
já em construção” (AMAZONAS, Diário Oficial, 1940, p.4).
A finalidade eugênica dos Parques Infantis está explícita neste relatório de Antônio Botelho
Maia após sua exoneração, a pedido, do cargo de prefeito de Manaus, dois meses após a criação
do serviço de Parques Infantis, onde o “Parque Dez de Novembro será um logradouro primordial
ao repouso da população e à eugenia da nossa infância”. (AMAZONAS, Diário Oficial, 1940,
p.5).
A data escolhida para a inauguração do Parque de recreação e exercícios físicos Dez de
Novembro, foi 19 de abril de 1943, por ser o dia do aniversário do presidente Getúlio Vargas,
trazendo como olho da notícia em matéria de destaque e divulgação no Jornal do Comércio de
18 de abril de 1943 os seguintes dizeres: “As datas da fundação do Estado Nacional e do natalício
do benemérito presidente Vargas perpetuadas num sugestivo marco de civilização e progresso”
(JORNAL DO COMÉRCIO, 1943, p.7).
Este parque foi inaugurado na gestão do prefeito Antônio Vieira, que remeteu a autoria
da iniciativa ao prefeito Botelho Maia, com seu discurso, mencionando-se como “formidável
iniciativa”. Antônio Vieira disse ainda que o Parque estava “fixado num programa da mais sadia
brasilidade, como é o aperfeiçoamento físico da raça tão proclamado pelo estado novo [...] Com
o pensamento dirigido para o robustecimento da raça pela cultura física da infância e juventude”.
(JORNAL DO COMÉRCIO, 1943, p.7).
O Parque Dez de Novembro abrangia uma área de cinquenta hectares, com bosque
natural, cortado por igarapé de águas cristalinas, cujo leito era formando por areia. Este igarapé
foi aproveitado para uma grande piscina, na qual foram construídos degraus e barragem onde se
formava uma cachoeira pelo transbordamento das águas.
Além desta, havia outra piscina para as crianças, um tobogam , “courts” para basket, tênis e
wolleyball, e um playground, iguais aos utilizados nos campos de recreio norte-americanos.
Ainda de acordo com a publicação, no Parque iriam funcionar secções de bar e orquestra,
também iria ser inaugurada a Cabana do Seringueiro sugerida pelo interventor do estado do
Amazonas, Álvaro Maia, em homenagem aos soldados da borracha, o que pode caracterizar
também uma preocupação com atividades culturais.
Vale ressaltar, que este parque foi instalado na periferia da cidade de Manaus, pois “a
cidade não se estendia além da estrada do Parque 10, bem próxima à floresta” (SANTOS, 2005,
p.13570), no entanto não foram encontrados registros de atividades coordenadas por profissionais
capitados, como aconteceu em outros estados brasileiros, o que suscita novas possibilidades de
investigação.
O Parque Dez de Novembro foi o primeiro Parque Infantil do Amazonas e o único com
grande estrutura. Até o momento de nosso levantamento, foram encontrados registros de mais 16
Parques Infantis públicos inaugurados na cidade de Manaus e outros 17 em municípios do estado
do Amazonas. Estas inaugurações aconteceram por um período de 53 anos, entre 1943 a 1996.
Isto demonstra a força da política de Parques Infantis no Estado, que atravessou vários governos
sendo amplamente divulgados em todos eles.
10 O nome foi escolhido em homenagem ao Estado Novo, que tinha seu aniversário comemorado nas publicações
oficiais do país na época.
CONCLUSÃO
A partir dos documentos encontrados observa-se que os Parques Infantis também existiram
no estado do Amazonas, apesar deste serviço não se ter iniciado de forma estruturada, e de ainda
não terem sido encontrados registros que provem a realização de atividades da mesma forma
como as de outras regiões do País.
A grande força política imposta pelo Estado Nacional ao Amazonas, com a finalidade
de garantir a defesa do território e a amplitude da capacidade de dominação deste e de seus
ocupantes, utilizou principalmente a educação para controlar a grande massa populacional,
considerada perigosa para os seus governantes, promovendo políticas de controle, transvertidas
como educacionais e assistencialistas a fim de que fossem bem aceitas pelo povo.
As instituições como os Parques Infantis surgiram com esse dualismo: ao mesmo tempo em
que atendiam aos interesses políticos, possibilitaram à criança pobre, juntamente com outras
políticas, o acesso à cultura, educação e saúde.
A criança amazonense e suas relações sociais e culturais são fontes essenciais neste contexto
histórico, para Kuhlmann Jr. (2010), o que temos é uma história sobre a criança, nos registros
iconográficos, que se encontram da época, não são encontradas informações sobre a infância dos
pobres, tendo em vista que, para os historiadores da época, “os excluídos, não são necessariamente
portadores do futuro” (p.32).
Portanto, os Parques Infantis ampliaram as possibilidades para a educação na infância
durante este período de caráter civilizatório, e se caracterizam em um objeto de estudo carente de
investigações, especialmente no Estado do Amazonas.
REFERÊNCIAS
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VASCONCELLOS, Vera Maria Ramos de. Educação na Infância: história e política. 2. ed. Niterói:
Editora da UFF, 2001.
Introdução
A
Modelagem Matemática é utilizada há muitos séculos pelo homem, sendo somente
em 1960, discutida suas aplicações na Educação Matemática internacionalmente,
iniciando-se no Brasil apenas uma década mais tarde – em 1970, com destaque aos
estudos dos professores Aristides Barreto e Ubiratan D’Ambrosio. Posteriormente difundida por
Rodney Carlos Bassanezi.
A Modelagem Matemática se apresenta como um desafio aos professores da Educação
Básica por se tratar de uma metodologia dinâmica, sendo também atribuída a aspectos da
multidisciplinaridade, levando a indagações de sua utilização como estratégia de ensino e
aprendizagem no âmbito educacional.
Desta forma, acreditamos que se torna imprescindível o estudo e o conhecimento da
Modelagem Matemática tanto na formação inicial quanto na formação continuada daqueles que
já atuam ou irão atuar como professores. Uma vez que, embora haja os desafios quanto a sua
utilização no ensino e aprendizagem da Matemática, a Modelagem1, é um recurso metodológico
com amplas possibilidades de desenvolvimento, de acordo com as propostas a serem atingidas
pelo professor, por meio dos “Níveis de Modelagem Matemática” (BARBOSA, 2001b).
Nessa direção, o presente artigo, de cunho teórico, resulta das discussões e reflexões do
Grupo de Práticas Investigativas em Matemática (GEPIMat), no decurso do desenvolvimento da
pesquisa de doutorado2 intitulada “Práticas Investigativas na formação de futuros professores de
Matemática”, defendida em 2017, durante a realização das disciplinas de Estágio Supervisionado
I e II, do curso de Licenciatura em Matemática, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM).
Ressaltamos que essa produção científica comporá o nosso Trabalho de Conclusão de Curso
(TCC) ainda em andamento, tendo como público-alvo, os estudantes do 8° ao 9° ano do segmento
escolar Ensino Fundamental II. De modo que o desenvolvimento deste recurso metodológico
ocorrerá em parceria como o(s) professor(es) com vistas à uma reflexão das práticas, visando
uma outra possibilidade para o ensino e aprendizado da Matemática.
Assim, trazemos como questão norteadora desse artigo: Em que termos os professores da Educação
Básica podem fazer uso da Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem? Para buscar a(s)
possibilidade(s) de resposta(s) para essa questão, trilhamos um caminho, objetivando: Examinar o
uso da Modelagem Matemática como estratégia de ensino e aprendizagem, pelos professores, na Educação Básica.
O artigo está dividido em duas seções: a primeira, intitulada “Modelagem Matemática como
recurso metodológico em sala de aula”, apresenta uma contextualização histórica, perpassando
1 Para evitar repetições, a partir desde ponto deixaremos de usar o adjetivo “Matemática” para o termo “Modelagem”,
deixando implícito que quando nos referirmos a “Modelagem” queremos dizer “Modelagem Matemática”.
2 Disponível em: http://ppgecm.propesp.ufpa.br/index.php/br/teses-e-dissertacoes/teses
pelos desafios e a abordagem da Modelagem nas salas de aula. A segunda, intitulada “Desafios
para o uso da Modelagem Matemática em sala de aula”, aborda sob o olhar da formação inicial e
continuada de professores, os desafios e obstáculos da Modelagem no ensino e aprendizagem da
Matemática, nas escolas da Educação Básica. Por fim, trazemos nossas considerações quanto as
perspectivas e desafios da Modelagem para o ensino e aprendizagem da Matemática, adequadas
à nossa pesquisa de TCC, ainda em andamento.
A Modelagem já se fazia entre nós desde os tempos idos a partir de Tales de Mileto (639
– 568 a.C.), quando mediu altura de uma pirâmide por meio de triângulos semelhantes, até
Isaac Newton (1642-1727), com as leis da Mecânica Clássica, utilizando a Matemática Aplicada.
Os estudos de Biembengut (2009) destacam que os debates sobre a Modelagem no âmbito
internacional ocorreram em 1960 e, em âmbito nacional, somente na década de 1970.
Nos métodos de ensino mecânicos, normalmente os estudantes não desenvolvem suas
capacidades de imaginação, críticas e reflexivas. Tornam o ensino estático e sem funcionalidade
para situações reais e cotidianas dos estudantes, desvinculando o processo escola-realidade,
caracterizando-se como uma prática essencialmente reprodutivista, levando tais regras e
convenções a não oportunizar a participação do processo pelos estudantes, (CALDEIRA, 2009),
Desta forma, para que o ensino – em particular, de Matemática – se torne mais eficiente
na formação de cidadãos capazes de atuar efetivamente na sociedade, precisamos de ações
que incentivem “Práticas Investigativas em Educação Matemática” (BACURY, 2017), de modo
a propiciar a imaginação, a reflexão, o raciocínio lógico, a contextualização, a realização de
trabalho cooperativo e/ou colaborativo, a tomada de decisão e os discursos disciplinares e
interdisciplinares, conduzindo maneiras de se realizar um processo de ensino e aprendizagem
dinâmico, ou seja, efetuando processos de transposição didática3, além de restabelecer
uma melhor relação entre aluno-aluno e professor-aluno em sala de aula como princípio de
elaboração de conhecimento.
Para tanto, se englobam os preceitos de se realizar a Modelagem como um princípio de
demonstrar a sua aplicabilidade em situações reais e cotidianas, na contextualização, nas quais
os estudantes possam fazer uso delas para solucionar problemas apresentados ou identificados.
Também, podendo ser necessário utilizar outros conhecimentos além do matemático, conduzindo
ao diálogo com profissionais de diferentes áreas do conhecimento na Educação Básica, surgindo
a interdisciplinaridade, como apontam Levy e Espírito Santo (2011, p. 175), onde: “O caráter
potencialmente contextualizador da modelagem matemática no processo de ensino-aprendizagem
favorece a ideia de que tudo se liga a tudo”, também realizando pesquisas, investigações e
hipóteses como métodos iniciais para abordar o problema proposto, proporcionando práticas
investigativas.
Para se iniciar o trabalho em Modelagem na sala de aula é necessário reconhecer aptidão
dos estudantes, verificando a possibilidade de tempo hábil para atividades extraclasse, pois
este recurso metodológico demanda esforço e atitude, comparado ao ensino mecânico, onde
o estudante recebe as informações de modo passivo, podendo ser necessário a realização de
pesquisas de campo para coleta de dados quantitativos e qualitativos, além da pesquisa em livros,
revistas e outras fontes.
A apresentação dos aspectos e características da Modelagem em sala de aula é essencial
para cativar os estudantes, indicando o seu arquétipo, suas definições e ilustrando, por meio
3 Entendemos como transposição didática a ação do professor em transformar a Matemática acadêmica (científica)
para uma Matemática escolar, ou seja, uma Matemática compreensível para o estudante.
Nível 1. A uma dada situação, associam-se problemas. A partir das informações qualitativas e
quantitativas apresentadas no texto da situação, o aluno desenvolve a investigação do problema
proposto [...]. Nível 2. O professor apresenta um problema aplicado, mas os dados são coletados
pelos próprios alunos durante o processo de investigação [...]. Nível 3: A partir de um tema
gerador, os alunos coletam informações qualitativas e quantitativas, formulam e solucionam
problemas [...]. (BARBOSA, 2001a, p. 2)
Esses três casos descritos fornecem ao professor da Educação Básica, maneiras maleáveis de
trabalhar com Modelagem em sala de aula, desenvolvendo estratégias de ensino e aprendizagem
de forma gradual aos estudantes de acordo com as suas necessidades, estimulando a condução
de atividades em Modelagem. No primeiro nível, se desenvolvem aspectos como a indagação e
resolução, no segundo nível, aspectos como a pesquisa, simplificação e resolução, e no último
nível, se desenvolve aspectos como a reflexão, investigação, pesquisa e manuseio da Matemática.
A habilidade de utilizar a Modelagem tanto dos estudantes quanto dos professores se deve ao
fato de estarem instigados a realização desta ação, portanto, há a necessidade de pré-disposição
hábil por parte dos estudantes e “domínio” da Modelagem por parte dos professores, além deste
conseguir conciliar os conteúdos matemáticos aos trabalhos realizados, dentre outros desafios
propostos.
A Modelagem é importante para o professor da educação básica por convergir em um
processo de formação inicial e continuada pois agrega experiências e conhecimentos nas práticas
do docente.
Portanto, em nossa compreensão está claro a importância de se trabalhar a Modelagem nas
salas de aula, pois esse recurso metodológico possibilita agregar as experiências e conhecimentos
nas práticas docentes. Entretanto, observamos que ainda são insipientes os estudos sobre o uso
da Modelagem. Os estudos de Barbosa (2001a), Caldeira (2009), Burak (2010), Levy; Espírito
Santo (2010), Biembengut (2012) e Souza (2014), há poucos resultados e evidências da prática
pedagógicas dos professores em sala de aula. Isto ocorre, segundo Barbosa (2002), Bassanezi
(2006) e Silveira; Caldeira (2012), pelos obstáculos e resistências instrucionais, dos professores
com o trabalho e o currículo, dos estudantes em relação a Modelagem e das exigências e
inseguranças dos pais à esta forma de ensino, levantando a uma série de questões de como se
trabalhar a Modelagem levando em conta esses desafios. Mas, de que modo podemos contornar
esse quadro?
Abordaremos essas questões acerca dos obstáculos e resistências enfrentados nas práticas
docentes na seção a seguir.
falta de projetos que fortaleçam os vínculos entre a Educação Superior nas instituições formadoras
de professores e as instituições de Educação Básica, para que haja trocas entre a universidade e
a escola, parece tornar a formação inicial muito teórica e pouco realista. (BARCELOS e VILLANI,
2006, p. 74).
de tal modo que potencialize as ações do professor e as dos alunos em direção a esse ambiente
de aprendizagem, precisamos focar lentes no processo de formação docente, a fim de que o
professor tenha subsídios para a materialização desse ambiente em sala de aula.” (LUNA e
BARBOSA, 2015, p. 2).
Desta forma, fica evidente a importância de uma formação dos professores da Educação
Básica, também voltada para estratégias de ensino e de aprendizagem em sala de aula.
A Modelagem se estrutura como um método inverso ao ensino mecânico, isto é, o estudante
irá buscar o conhecimento via investigação, e o professor será o orientador do processo. Haja vista
que os estudantes não acostumados com esse processo, tendem a possuir dificuldades durante o
desenvolvimento do modelo matemático.
Esse fato se evidencia em suas dificuldades quanto ao conhecimento matemático necessário
ou, como ocorre, não sabendo relacionar tais conteúdos matemáticos com o problema proposto,
necessitando assim, de estratégias, por parte do professor.
Da mesma forma, a escolha dos assuntos a serem modelados pelos estudantes devem ser
possíveis e exequíveis, caso contrário, podem vir a ser considerados como fatores desestimulantes
para os estudantes, fazendo com que não contemplem razão para estudar tal problema, como
ocorre corriqueiramente nas escolas.
Ao desenvolverem a Modelagem, umas das mudanças que se apontará para os estudantes
será a forma diferenciada de se realizar as tarefas, ou seja, com a ausência de extensas listas de
exercícios e pouco uso do livro didático. O que acarreta à equívocos por parte dos pais, levando-
os a pensarem que o professor possui ideias espalhafatosas e sem necessidade, exigindo tanto do
professor quanto da escola a voltar a realizar os métodos tradicionais.
Nesse sentido, para o enfrentamento desses obstáculos são necessários espaços de formação
continuada
com encontros periódicos entre os participantes para discutir os problemas que os professores
trazem de seus contextos diários de trabalho. Defende-se também um espaço de formação que
favoreça manifestações reflexivas individuais e coletivas, que seja espaço de estudo, de pesquisa,
de planejamento, de teorização, de criação, de socialização, em que o docente sinta que é
importante, que pertence ao grupo constituído e que nele tem voz e é ouvido, aprende e ensina e
concomitantemente revê e (re)configura as suas ações. (BONOTTO, 2017, p. 42)
Por fim, a adesão dos professores à iniciativa da Modelagem, a qual necessita de certo
comprometimento e articulação por parte dos envolvidos, isto é, exige mais trabalho; isto acaba
fazendo com que esses professores tenham apego ao ensino mecânico, baseado na transmissão
passiva do conhecimento. Essa anuência dos professores da Educação Básica leva às tensões
Considerações finais
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Matemática: colaboração e materiais curriculares (educativos). Zetetiké, Campinas, v. 24, n. 45,
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INTRODUÇÃO
O
Amazonas está entre as 27 unidades federativas do Brasil, sendo o maior Estado
em área territorial com aproximadamente “1.559.159.148 km”, é nesta imensidão
que se situa o campo amazonense com suas diversidades. As águas dos rios, furos
e igarapés no período da cheia, apresentam maior grau de vulnerabilidade para a população,
com a aproximação de animais peçonhentos e selvagens como cobras e jacarés, contudo, define
uma das categorias centrais do modo produtivo camponês familiar que é a pesca, neste sentido,
o período da cheia além de aproximar os territórios, estabelece novas formas de trabalho e novas
formas de viver o cotidiano que para Witkoski (2010) é espaço de Terras, Florestas e Águas de
Trabalho, ou seja, o campo amazônico.
O período da seca também se apresenta com as suas especificidades, pois, os lagos secam,
e para os sujeitos que tem o peixe como fonte principal de sua alimentação, este é período da
escassez. Além do mais, provocam mudanças no itinerário das viagens, contribuindo para que
algumas comunidades se isolem das adjacentes. Contudo, a terra para os moradores do campo
significa a sua própria existência já que é possível semear, cultivar e colher.
Neste sentido, as diversidades amazônicas não se esgotam com suas particularidades
geográficas, o campo está composto por diferentes povos e com distintas formas de trabalhos. Ali
é o território de gente! Gente que trabalha com a terra e com as águas, delas retiram o necessário
para a vivência no campo; campo que se contrapõem ao território dos grandes latifundiários, ou
seja, o campo visto pelo viés da agricultura familiar camponesa.
E que historicamente é marcado por lutas e tensões entre o Estado provedor dos benefícios
dominantes, e o pequeno trabalhador desprovido de interesse político, uma relação desleal que
favorece o interesse do Grande do Capital. É válido salientar que por uma imposição de trabalho
assalariado nas fábricas, a classe dominante submeteu o campo à cidade.
Campo desprezado pelo Estado, já que a falta de políticas sociais condizentes com a realidade
do trabalhador é evidente na sociedade, visto que o mesmo produz, mas carece de políticas de
escoamento para as suas produções, ainda se vê diante da cultura burguesa que afirma que o
campo é lugar de gente “preguiçosa”, um discurso imperialista que induz a pensar que o “melhor”
estar nas cidades, contudo o que está por trás dos discursos são a ganância e disputas por terras.
Em virtude do espaço geográfico se mascara a educação dos sujeitos do campo com uma
política de educação urbanocentrica, realizada não pelos indivíduos concretos, mas para o campo,
como se a tendência nos próximos anos seja o desaparecimento dos povos tradicionais, ou seja, a
migração do campo para a cidade, fato, gerador do exército de reserva - mão de obra barata - em
detrimento ao ganho do capital.
A retirada dos sujeitos do campo para a cidade se dá numa condição de imposição, pois o
Estado não oferece meios para que os mesmos permaneçam nos lugares onde vivem. Exemplo é a
ausência de políticas de escoamentos das produções que são cultivadas nos períodos das cheias
e secas. Não se pretende romantizar a lida no campo, muito menos pretende cobrir o descaso do
Estado com os povos que ali vivem; povos que construíram historicamente sua cultura que além
de envolver o trabalho, revela laços permanentes com a terra, com as florestas e com as águas.
Este artigo integra a pesquisa em andamento sobre o título Trabalho e Educação do/
no Campo um estudo na comunidade camponesa do Médio Rio Solimões, cujo objetivo geral
é analisar como as categorias supramencionadas se relacionam. Nesta propositura os eixos
articuladores deste artigo são: a) A história do município; b) O trabalho no contexto amazônico:
aspectos produtivos regionais, c) Agricultura familiar camponesa: Existência e NÃO subsistência,
d) Panorama da Educação do Campo no município: Avanços ou retrocessos?
Kosik (1961, p.13), salienta que o homem é “um indivíduo histórico que exerce sua atividade
prática no trato com a natureza e com os outros homens”. É neste cenário, que se explana sobre
o trabalho e educação do campo, a partir do entendimento que a divisão do trabalho implica a
contradição entre o interesse do indivíduo isolado ou da família isolada e o interesse coletivo de
todos os indivíduos que mantêm relações entre si; [...] (MARX E ENGELS, 2007 p. 28).
O CONTEXTO DO MUNICÍPIO
suas tecnologias aprimoradas, suas técnicas e saberes passados de geração a geração foram
esquecidos e relembrados, possibilitando a coexistência e caracterização de uma pequena parte
do território amazônico, chamado Alvarães.
[...] A enchente é boa, mas é ruim também pra nós. É boa porque a gente chega aos lugar mais rápido, a gente
usa os furos pra chegar mais rápido nas comunidades e também em outras cidades né. É bom pra meninada
que pula n´água direto da varanda. Tem terra que fica uma beleza pra plantar e a gente planta. Mas a cheia
não é muito boa para a plantação. A gente planta a melancia e a mandioca. A melancia dá mais rápido que a
mandioca e às vezes a gente colhe toda a plantação. Agora a mandioca, tem vez que a gente não tira a metade do
que planta, aí muita coisa vai pro fundo, é muito triste pra nós. A melancia a gente quando tira, deixa na beira
do barranco, pro barco levar pra vender na cidade, tem vez que nem da tempo de o barco pegar , a cheia chega e
leva embora a plantação [...].(Grifo meu)
Para o camponês de Alvarães o período da cheia se apresenta de modo diversificado, uma vez
que segundo o agricultor e pescador da região de 55 anos João Batista da Silva em diálogo com a
pesquisadora (2016), “pelo cantar dos pássaros e pelas as espécies de aves que se aproximavam da
praia, perto de onde a gente morava, o meu pai sabia quanto tempo ia durar a alagação, e a gente
se preparava para a plantação, hoje muita coisa mudou, e muita coisa acontece fora de época”,
ou seja, os camponeses não podem prever ao certo, a quantidade de tempo que perdurarão os
fenômenos da natureza.
PESQUISA EM EDUCAÇÃO E FORMAÇÃO HUMANA: 263
práticas de ensino e aprendizagem na educação básica e superior
Iraci Carvalho Uchoa • Arminda Rachel Botelho Mourão
TRABALHO E EDUCAÇÃO DO/NO CAMPO NO MUNICÍPIO DE ALVARÃES/AMAZONAS
264
Neste cenário, um dos meios para elaborar o calendário de trabalho no campo, era e
continua sendo traçado pelos sinais provenientes da natureza. Contudo, a interferência do homem
no sentido de degradar os recursos naturais em detrimento de seu bem-estar, tem afetado os
modos e os costumes de vida das populações tradicionais, visto que o campo se constitui como
um espaço dos processos produtivos e das relações sociais de trabalho.
É reconhecendo a relevância dos elementos produtivos para as populações locais, 8 como
fatores de existência camponesa que se propôs a evidenciar os principais aspectos produtivos
regionais, conforme mostra o gráfico à abaixo:
ATIVIDADES PRODUTIVAS
2000
1.560 1.596,00
1.408,20
1500 1.228
Agricultores
1000 718 Quantidade
571
Produção
500 230
11 13,5 0 3 14,2
0
Mandioca Açaí/Cultivo Açaí/Nativo Pesca Artesanal
Figura2:2:Gráfico
Figura Gráfico 1:
1: Principais
Principais atividades
atividades produtivas
produtivas de
de Alvarães.
Alvarães.
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal
Fonte: Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável do do
Sustentável Estado do Amazonas
Estado – IDAM
do Amazonas –
(2016).
IDAM (2016).
1 Categoria de sujeitos descritos pelos ribeirinhos como povos marginalizados que usurpam seus instrumentos de
trabalhos e saqueiam suas plantações.
processo de comercialização do trabalho camponês, haja vista, que embora o camponês produza
para a sua existência “necessitam de valores de usos que não conseguem produzir e recorrem ao
mercado para obtê-los, através da troca dos bens que produzem” (WITKOSKI, 2007, p. 385).
Os produtos cultivados são comercializados pelos trabalhadores geralmente na feira de
Alvarães, direto para o consumidor final ou para comerciantes da cidade do município, quando
os mesmos conseguem recursos para realização do transporte. O transporte é realizado por conta
própria, no qual o mais utilizado são as chalanas ou canoas ambos motorizados. Contudo, a
maiorias dos produtores pagam aos proprietários de barcos para que seus produtos sejam
transportados. Uma das dificuldades do produtor, que é válido salientar é o valor do combustível
que no campo do município dependendo da distância da comunidade, chega a custar (8,00 R$)
oito reais o litro da gasolina, e que muitas vezes a inexistência do produto é constante.
Neste cenário, o camponês se ver diante da inevitável necessidade de comercializar seus
produtos por meio da figura do atravessador. E na tentativa de não perder suas produções, seja
por necessidade de retornar a sua comunidade, ou por carência de recursos para chegar à feira
do município, recorre ao atravessador que chega a impor os valores dos produtos desrespeitando
e desvalorizando o trabalho camponês, e, este por receio de perder a sua produção, acaba por se
sujeitar as imposições destes agentes de comercialização.
De acordo com as anotações do caderno de campo (2016), o atravessador chega a comprar
o kg da farinha d água na época da safra, por R$ 1,50 centavos, o mesmo revende na cidade de
Alvarães e Tefé pelo preço três vezes maior do que o valor comprado. Interessante destacar também,
que muitos agricultores nem chegam à feira para comercializar seus produtos. A comercialização
ocorre quando o mesmo atraca sua canoa à beira do porto de Alvarães, ali as frutas e peixes são
expostos à figura de diversos compradores, inclusive os próprios feirantes da cidade e viajantes
que percorrem o trecho Alvarães – Uarini – Maraã.
Segundo os dados do Instituto de Desenvolvimento Agropecuário e Florestal Sustentável
do Estado do Amazonas/ IDAM, do total de 72 comunidades camponesas em Alvarães, apenas
16 comunidades são atendidas pelo serviço de Assistência Técnica Rural, dentre as quais estão:
comunidade São Raimundo Jarauá (11 famílias beneficiadas), comunidade Tapira (7 famílias
beneficiadas), comunidade Santa Luzia do Catuiri (15 famílias beneficiadas), comunidade
Canariá (17 famílias beneficiadas), comunidade Santa Helena do Ice (10 famílias beneficiadas),
comunidade São Raimundo de Baixo (16 famílias beneficiadas), comunidade Assunção (15
famílias beneficiadas), comunidade Juruamã (10 famílias beneficiadas), comunidade Laranjal (11
famílias beneficiadas), comunidade Porto Nazaré (16 famílias beneficiadas), comunidade São
Rafael (7famílias beneficiadas), comunidade Jurupari (14 famílias beneficiadas), comunidade
São Joaquim do Ice (9 famílias beneficiadas), comunidade Marajaí (13 famílias beneficiadas)
comunidade Nogueira (21 famílias beneficiadas) e por fim, a comunidade Macedônia com (8
famílias beneficiadas).
Diante do exposto, a falta de uma assistência técnica que fortaleça o cultivo, a organização
da classe trabalhadora e a aquisição de equipamentos/maquinários o que se tem como resultados
não são suficientes ao atendimento da população local, sendo produtos como arroz e feijão
importados das cidades como, por exemplo, Tefé e Manaus.
Em Alvarães segundo o Plano Diretor do município, data do ano de 1989 o primeiro projeto
com objetivo de garantir a educação escolar aos sujeitos do campo. Tal projeto era considerado
como núcleos rurais onde funcionavam as escolas de classes multisseriadas. Para o Plano
Municipal de Ensino de Alvarães (2015), em 1989 é implantado o sistema municipal de transporte
escolar, deslocando alunos da zona rural para cidade. Com o advento do Fundo de Manutenção e
Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério/FUNDEF, o transporte
municipal é intensificado.
Contudo, a prioridade da educação pública municipal passa ser a educação urbana. O que
se materializa a fala de Arroyo, Caldart e Molina (2004) quando sinalizam que a educação dos
sujeitos do campo historicamente foi tratada pelo Estado como um resíduo do sistema educacional
brasileiro. O que na verdade as preocupações com a educação do campo não eram mais que a
busca de alternativas para os problemas relacionados ao êxodo rural, como o crescimento das
favelas, as doenças causadas pela falta de saneamento básico e violência [...] (SOUZA, 2014,
p.105).
O artigo 28 da Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional propõem medidas de
adequações à vida no campo. O inciso II estabelece que a educação deva possuir uma organização
escolar própria, incluindo a adequação do calendário escolar às fases do ciclo agrícola e as
condições climáticas, inclusive, na tentativa de evidenciar as singularidades do município já foi
discutido no corpo deste artigo o calendário de trabalho do campo; o III sinaliza que a educação
deve ser adequada à natureza do trabalho agrícola na zona rural.
Considerando a Lei de Diretrizes da Educação Nacional como uma política pública efetivada
(BORGES, 2017); no qual possibilitou avanços para construir o Plano Municipal de Educação,
e, considerando a Resolução nº 2, de abril de 2008 que estabelece diretrizes complementares,
normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas, o Plano Municipal de Ensino -
PME /2015 sinaliza suas metas e estratégias para a Educação do Campo no município, destaca-se
neste artigo as Metas II, VII.
Meta (2)
Universalizar o ensino fundamental de 9 (nove) anos para toda a população de 6 (seis) a
14 (quatorze) anos e garantir que pelo menos 95% (noventa e cinco por cento) dos alunos
concluam essa etapa na idade recomendada, até o último ano de vigência deste PME.
a)Erradicar, gradativamente, as classes multisseriadas do ensino fundamental. (Grifo meu).
Meta (7)
Fomentar a qualidade da educação básica em todas as etapas e modalidades, com melhoria
do fluxo escolar e da aprendizagem, de modo a atingir até o fim deste plano a seguinte
média nacional para o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IDEB: 5,2 nos anos
iniciais do ensino fundamental; 5,5 nos anos finais do ensino fundamental.
a)Garantir transporte gratuito para todos (as) os (as) estudantes da educação do campo na
faixa etária da educação escolar obrigatória, mediante renovação e padronização integral
da frota de veículos, de acordo com especificações definidas pelo Instituto Nacional de
Metrologia, Qualidade e Tecnologia - INMETRO, em regime de colaboração com a União e
o Estado, visando a reduzir a evasão escolar e o tempo médio de deslocamento a partir de
cada situação local. (Grifo meu).
É relevante destacar que se discute uma educação do campo que esteja ancorada a realidade
dos sujeitos que é refletida pelos modos e costumes demandados pela comunidade, e que tem
o trabalho como categoria fundante, segundo Borges (2012, p. 213) a Educação do Campo
não é uma simples ação pedagógica, e sim um conjunto de ações que envolvem a participação
popular e volta-se para a construção coletiva de uma sociedade, a autora continua e afirma que a
Educação do Campo compreende que a escola pode contribuir com a formação dos sujeitos que
vêm constituindo o campo.
CONSIDERAÇÕES
A precarização das escolas de classe multisseriadas, se dá pelo fato de que a educação escolar
do trabalhador, não é relevante para o projeto de sociedade burguês, deste modo, a nucleação
das escolas, ocasionada em detrimento da erradicação das escolas multisseriadas, na verdade é
uma das formas de barateamento da educação no qual abre espaço para a chegada da parceria
público privado nos campos da Amazônia. A pesquisa não finda, análises relevantes partindo do
campo, como um espaço de lutas e conquistas virá. A Educação do Campo é uma conquista das
lutas dos movimentos sociais do campo, é também, uma luta de quem se identifica a pesquisar,
e dialoga, não é fazer só por fazer, não é o discurso pelo discurso e a “crítica pela crítica”, mas a
compreensão do sentido de classe.
REFERENCIAS
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primeiro semestre de 2016, inédito.
ARROYO, G Miguel; FERNANDES, Bernardo Mançano. Por Uma Educação Básica do Campo: a
educação básica e o movimento social do campo. Brasília, DF: 1999.
CALDART, Salete Roseli, et al. Projeto popular e escolas do campo: Por Uma Educação Básica
do Campo. Brasília, DF: 2001.
CARVALHO, Horácio Martins de; COSTA, Francisco de Assis. Agricultura Camponesa. In:
Dicionário da Educação do Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular. 2012 p.28.
FRAXE, Therezinha de Jesus. Comunidades Ribeirinhas Amazônicas: modos de vida e uso dos
recursos naturais. Manaus: Reggo Edições, 2011.
FREITAS, Marilene Corrêa da Silva. Os Amazônidas contam sua historia: Território, povos
e populações. In: Scherer, Elenise; Oliveira, José Aldemir de. Amazônia: território, povos
tradicionais e ambientes. Manaus: EDUA, 2009.
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MARX, Karl; Engels, Friedrich. A ideologia Alemã. São Paulo: Martins Fontes, 2007.3º ed.
MARX, Karl; Engels, Friedrich. Manifesto Comunista. São Paulo: Sundermann, 2007.
MOLINA, Mônica Ciarelli, et al. Por Uma Educação do Campo: contribuições para a construção
de um projeto de educação no campo. São Paulo: SP 2002.
PERIOTO Dominique Michèle; Toná, Perioto Guhur Nilciney. Agroecologia. In: Dicionário da
Educação do Campo. Rio de Janeiro: Expressão Popular. 2012 p. 65.
O
trabalho em tela busca do ponto de vista da epistemologia fazer uma reflexão
acerca da pesquisa, seus elementos constitutivos, fase e/ou etapas, surgimento,
abordagens nas ciências humanas e sociais. Além disso, trará a contextualização
da intencionalidade formal da pesquisa manifesta no projeto, seus elementos constitutivos e o
seu processo de formalização escrita, além das possibilidades do resultado da pesquisa, que pode
ocorrer de forma diversa, como artigos, textos dissertativos (dissertação) ou teses. É um estudo
teórico e de cunho bibliográfico que se amparado em uma longa trajetória da oferta da pós-
graduação em educação no Amazonas buscando discutir o universo da pesquisa e suas implicações
para o mundo, para o ser humano e para a educação. A contínua busca pelo conhecimento ajuda
no questionamento das verdades estabelecidas, alimenta e atualiza os processos educacionais e
responde aos anseios da sociedade. Ou seja, pesquisar, enquanto atividade científica é parte do
fazer pedagógico e da própria estruturação produtiva de uma sociedade.
Inicialmente o texto apresenta uma questão menor em densidade e complexidade, no entanto
se vincula aos fazeres e a tessitura daquilo que tradicionalmente se compreende como ciência
da educação. É um trabalho circunscrito naquilo que é possível visualizar nas pesquisas, como
no caso de alguns de seus elementos, fases e/ou etapas, abordagens, formalização de intenção,
processos de formalização do conhecimento etc.
A pesquisa científica é a atividade fundamental da ciência no processo de sistematização
do conhecimento. Pesquisa-se para conhecer o mundo, e para responder as indagações do
ser humano, que vive uma busca constante pelo conhecimento, de si, do outro e do meio. Os
resultados das pesquisas são conhecimentos científicos transitórios e inacabados, ou seja, valem
até a chegada de outro que o questione ou que o complemente.
Estes, atualmente são os aceitos tanto pela comunidade acadêmica quanto pela sociedade,
são tidos como verdades, por serem concebidos a partir de um processo sistematizado, que
possui uma linguagem fundamentada em conceitos, métodos e técnicas, organizados para a
compreensão do mundo, dos fenômenos, dos processos e das relações que se estabelecem
em uma dada sociedade. Devido a isso, outros conhecimentos como o empírico, o religioso
e o senso comum não são tipificados como ciência por terem objetivos, formas e processos
distintos dos evocados nas pesquisas científicas, o que não equivale à nulidade dos mesmos em
sociedade.
No que tange ao surgimento da pesquisa, não ocorre somente no âmbito universitário e nem
é um produto exclusivo deste. A pesquisa se inicia com um questionamento, que normalmente
vincula-se a prática diária do pesquisador, cujas inquietações do dia a dia o levam a problematizar
e a buscar uma reposta condizente. Logo a atividade de pesquisar não exige nenhuma genialidade
do pesquisador, mas imperiosamente a capacidade de planejamento e estruturação do que se
pretende investigar.
A pesquisa
A busca por conhecimento da realidade é uma atividade constante do ser humano, que deseja
conhecer para compreender e/ou dominar e/ou transformar. Essa busca incessante possibilitou
ao longo dos anos a criação de formas de expressão que a legitimasse, e dentre tantas, a ciência
hoje é a forma mais comum e aceitável, pela sociedade, para se investigar, descobrir e explicar o
mundo.
Sobre isso Minayo (1994, p. 10) afirma que “Na sociedade ocidental (...), a ciência é a forma
hegemônica de construção da realidade, considerada por muitos críticos como um novo mito,
por sua pretensão de único promotor e critério de verdade”. Isso porque existem outras formas
de conhecimento, como o tradicional, o senso comum, o religioso, o mitológico etc., que antes
do surgimento da ciência eram responsáveis pelas explicações das inquietações humanas. No
entanto, hoje não são aceitos como verdade, pois não são constituídos a partir de um processo
sistematizado, que possui uma linguagem fundamentada em conceitos, métodos e técnicas,
organizados para a compreensão do mundo, dos fenômenos, dos processos e das relações.
Essa linguagem, segundo Minayo (1994) é utilizada de forma coerente, controlada e instituída
por uma comunidade que administra sua reprodução, por isso é tão aceita, pois o seu processo se
apresenta como uma atividade confiável, devido à forma como é concebida.
Neste cenário, muito se discute sobre a pesquisa e o conhecimento científico como seu
produto. O entendimento e o questionar sobre como se processa, seus mecanismos e relações
deve ser um compromisso constante em toda pesquisa, independente da área, condições e opções
assumidas. Especificamente essa tarefa tem sido atribuída a epistemologia, que segundo Tesser
(1995, p.92) “é a ciência da ciência, filosofia da ciência. É o estudo crítico dos princípios, das
hipóteses e dos resultados das diversas ciências. É a teoria do conhecimento”. No campo das
definições do que seria a própria ciência Ferrari (1974, p.8) a concebe como:
científica, porém existem inúmeros fatores que interferem na realização de uma pesquisa como,
por exemplo, os recursos disponíveis, financiamento entre outros.
Buscando desmistificar o termo, Gil (2002, p. 17) define pesquisa como:
...o procedimento racional e sistemático que tem como objetivo proporcionar respostas aos
problemas que são propostos. A pesquisa é requerida quando não se dispõe de informação
suficiente para responder ao problema, ou então quando a informação disponível se encontra
em tal estado de desordem que não possa ser adequadamente relacionada ao problema.
Ou seja, a pesquisa é a atividade pela qual o homem lança mão, para responder suas
inquietações, advindas da sua prática diária, de sua realidade. No contexto educacional, assume
um papel ainda mais importante, pois:
... alimenta a atividade de ensino e promove a sua atualização frente a realidade do mundo.
Ela vincula pensamento e ação e possibilita explicações ou soluções de problemas que levam
não apenas a aquisição de novos conhecimentos, mas, também favorecem uma determinada
intervenção. (Brito, 2016, p.13)
Esse ritmo é denominado de Ciclo da pesquisa, que como evidencia Brito (2016) é um
processo de trabalho espiral que se inicia com um problema ou uma pergunta e termina com um
produto provisório, que solucionará um problema ou dará origem a novos questionamentos.
A atividade de pesquisa é modernamente encarada como algo, cujo nascimento se situa no
interior de uma universidade, mas fundamentalmente está arquitetada a partir da inquietação
pessoal e intelectual do pesquisador (uma espécie de Eva seduzida pela serpente). E sobre isso
Xavier (2017, p. 17) adverte que:
A pesquisa nasce do desejo de nos conhecermos a nós mesmos, nosso corpo, nossa mente,
nossos comportamentos, nosso passado, nosso presente e até pela vontade de saber como será
nosso futuro. Em outras palavras, nós vivemos buscando respostas às nossas dúvidas e anseios
fundamentais. Desde quando tomamos consciência de nossa existência, especulamos soluções
para tais questões, farejamos indícios e pistas que apontem na direção de respostas convincentes
para os nossos dilemas.
Desse modo, a pesquisa não é uma tarefa específica da universidade, e não nasce
necessariamente e unicamente no bojo desta. No entanto, em qualquer espaço a pesquisa,
enquanto atividade científica busca por respostas de modo criterioso, sistemático e racional (não
emocional e nem místico). E o seu processo é constituído em diversas fases.
Essas fases envolvem segundo Gil (2002) a formulação do problema, construção de
hipóteses, determinação do plano, operacionalização das variáveis, elaboração dos instrumentos
da coleta de dados, pré-testes dos elementos, seleção da amostra, coleta de dados, análise e
interpretação dos dados e redação do relatório da pesquisa.
É conveniente lembrar que a ordem dessas etapas não é absolutamente rígida. Em muitos casos,
é possível simplificá-la ou modificá-la. Essa é uma decisão que cabe ao pesquisador, que poderá
adaptar o esquema às situações específicas.
Essa adaptação é possível porque a pesquisa se inscreve em campos diferentes. E Brito (2016)
afirma que esses campos são de natureza e importância bastante diversas e suas influências são
específicas para cada contexto. Isso ocorre porque o pesquisador é membro de uma sociedade
particular e realiza sua pesquisa em uma realidade também particular, onde a atividade de pesquisa
é legitimada pelos sistemas socioculturais da sociedade ao qual essa realidade está inserida, pois
toda aquisição e construção do conhecimento traz a marca da demanda social a qual responde.
E quando se fala em campo, relaciona-se ao recorte que o pesquisador faz em termos de
espaço, de uma realidade empírica que irá ser estudada a partir das concepções teóricas que
fundamentam o objeto investigado.
Devido essa inserção em campos diferentes as pesquisas se distinguem uma das outras,
pois há variações que vão desde a natureza da pesquisa, perpassam pela fonte de informação, os
objetivos, os modos de investigação até o tipo de abordagem.
Em educação a pesquisa quase sempre assume a forma bibliográfica ou estudo de caso.
Marconi e Lakatos (2010) definem pesquisa bibliográfica aquela que “abrange toda bibliografia
já tornada pública em relação ao tema de estudo, desde publicações avulsas, boletins, jornais,
revistas, livros, pesquisas, monografias, teses, material cartográfico etc” (p.166).
O estudo de caso, um dos mais freqüentes em educação, é segundo Gil (2002, p.54):
... uma modalidade de pesquisa amplamente utilizada nas ciências biomédicas e sociais. Consiste
no estudo profundo e exaustivo de um ou poucos objetos, de maneira que permita seu amplo
e detalhado conhecimento, tarefa praticamente impossível mediante outros delineamentos já
considerados.
Explorar é tipicamente fazer a primeira aproximação de um tema visa criar maior familiaridade
em relação a um fato, fenômeno ou processo. Quase sempre se busca essa familiaridade pela
prospecção de materiais que possam informar ao pesquisador a real importância do problema,
o estágio em que se encontram as informações já disponíveis a respeito do assunto, e até mesmo
revelar ao pesquisador novas fontes de informação.
Estudando o fenômeno, a pesquisa descritiva deseja conhecer a sua natureza, sua composição,
processos que o constituem ou nele se realizam. (...). Os dados obtidos devem ser analisados ou
interpretados e podem ser qualitativos, utilizando-se palavras para descrever o fenômeno (como,
por exemplo, num estudo de caso) ou quantitativos, expressos mediante símbolos numéricos
(...).
A última modalidade determinada a partir do objetivo geral é a pesquisa explicativa, que pode
ser a continuação da pesquisa descritiva, visto que para identificar um fenômeno é necessários
definir os fatores que o determina, e estes precisam ser bem descritos e trabalhados.
Segundo Figueiredo (2008, p. 94) “as pesquisas explicativas têm a finalidade de identificar
os fatores que determinam ou que contribuem para a ocorrência dos fenômenos”. Este tipo de
pesquisa é importante porque aprofunda o conhecimento da realidade e explica a razão dos fatos.
Para Gil (2002, p. 42) «é o tipo mais complexo e delicado, já que os riscos de cometer erros
aumentam consideravelmente”.
As pesquisas, que se propõe a explicar uma dada realidade, podem ser classificadas como
experimentais ou ex-post-facto. A experimental é aquela que faz “experimentação e comprovação
em laboratório” (Brito, 2016). A ex-post-facto, segundo definição de Dos Santos (2005, p.):
É aquela em que o experimento é efetivado depois dos fatos. Nela o pesquisador não tem controle
sobre as variáveis. É bastante usada no campo das ciências sociais (economia, comportamento
de grandes aglomerados, estudos que envolvem a sociedade global, estruturas políticas etc.)
É importante frisar que por serem pesquisas que diferem entre si, cada uma estabelecerá o
instrumento de pesquisa e o caminho que mais se adequa ao seu objeto de estudo, tornando-as
pesquisas únicas.
...responde a questões muito particulares. Ela se preocupa, nas ciências sociais, com um nível de
realidade que não pode ser quantificado. Ou seja, ela trabalha com o universo de significados,
motivos, aspirações, crenças, valores e atitudes, o que corresponde a um espaço mais profundo
das relações, dos processos e dos fenômenos que não podem ser reduzidos à operacionalização
de variáveis. (Minayo,1994, p. 22)
Na escolha de uma abordagem para pesquisas em educação importa ainda considerar dois
pontos. O primeiro se refere à consolidação da abordagem qualitativa, sem a qual não parece
possível pensar pesquisa em nossa área, mas que ao mesmo tempo acabou por inibir estudos
quantitativos com técnicas e procedimentos próprios para área, realidade descrita pelo chamado
uso de muletas metodológicas (MACEDO, 2009). O segundo ponto, se refere ao fato de que a
educação se consolidou como um serviço de importante valor financeiro, para o qual notadamente
necessitamos de ferramentas e técnicas de análises que tradicionalmente foram associadas aos
estudos de abordagem quantitativa.
Ainda é possível encontrar pesquisadores em educação que consideram as abordagens em
evidência, como dicotômica. Contudo, a natureza da própria abordagem qualitativa requer uma
prática investigativa que seja dinâmica, incorporadora e com lentes e processos que se ajuntem
as demandas históricas da pesquisa em educação. Para Lima (2003) a pesquisa deve contar com
lentes de análises capazes de fazer frente a uma realidade em movimento.
Desse modo, a realidade histórica das pesquisas em educação a coloca no campo da política,
em que a centralidade técnica é comumente requerida. A racionalidade técnica do fazer bem se
apresenta como parte de uma estrutura produtiva que justifica e amplia o poder vigente.
Lembramos ainda, que a pesquisa é parte de uma agenda globalmente estruturada para a
educação- AGEE (DALE, 2004), em que não basta explicar, pois é preciso propor quantitativamente
como está sendo usado o recurso do financiamento. Nesse caso muitos resultados passam a
legitimar práticas e políticas de ataque aos direitos e perspectivas democráticas que precisam
ser cosolidadas. De fato, fazer pesquisa em educação envolve uma complexidade que não se
esgota na escolha de uma abordagem, pois a ciência da educação também compõe agendas de
financiamento que condicionam e atribuem valor aos distintos campos do saber. Nesse cenário,
as ciências sociais e humanas passam a valer muito menos, evidenciando a pesquisa como própria
de um tempo histórico marcado por interesses políticos e econômicos que a determinam.
A discussão sobre pesquisa qualitativa e quantitativa é parte desse cenário histórico de
busca de identidade nas pesquisas em ciências sociais e humanas. Neste contexto é perceptível a
prevalência da abordagem quantitativa até a década de 60. Sua característica básica está associada
ao modelo experimental de controle e discussão de resultado (LUDKE, 2015).
A partir da década de 70, os pesquisadores no contexto da própria criação da pós-graduação
no Brasil, começam a buscar novas abordagens que melhor representem a natureza de nossos
problemas (SAVIANI, 2012). Assim, a década de 80 marca o aprofundamento dos processos de
pesquisa em que pesquisadores passam a adotar referenciais mais flexíveis e dinâmicos.
No cenário descrito, a pesquisa qualitativa se apresenta como uma abordagem de teor
participativo, dinâmico, interpretativo, profundo e flexível em relação aos múltiplos contextos de
análise (DEMO, 1998).
Para Ludke (2015) e André (2001) o fim do século XX marcou a quase exclusividade da
abordagem qualitativa, com uma reveladora dicotomia entre as duas abordagens. Para as autoras
precisamos incorporar nas pesquisas em ciências sociais e humanas um movimento que, em não
retomando o padrão ou modelo proposto na abordagem quantitativa, pense a pesquisa em
cenários de estudos de larga escala e de financiamento, nos quais a demanda pela análise de
uma grande quantidade de documentos exige ferramentas e procedimentos típicos da abordagem
quantitativa.
Para Saviani (2012) essa preocupação é parte do cenário de fortalecimento da pesquisa
científica que não abre mão do rigor, da clareza nas suas interpretações e de seu compromisso com
a transformação social. Do mesmo modo, Souza e Kerbau (2017) ratificam a ideia de superar uma
pretensa incompatibilidade entre as abordagens. Para as autoras a pesquisa qualitativa também
se ampara em dados e interpretações objetivas da realidade, sem que com isso seja negada a
dinâmica e a intensidade das análises.
No contexto atual, com a Emenda Constitucional 95, que limita por 20 anos os gastos
públicos, o cenário da pesquisa em educação será um espaço de lutas e contradição, em que a
busca do rigor e qualidade é também um instrumento para fortalecer novos saberes e fazeres,
como parte de uma realidade que continua complexa e desafiadora.
O Projeto de Pesquisa
Severino (2007) adverte que o projeto é fundamental para a atividade de pesquisa, pois
possibilita ao pesquisador impor-se uma disciplina de trabalho não só a respeito da ordem dos
procedimentos lógicos e metodológicos, mas também em termos de organização e distribuição
do tempo.
A estruturação de um projeto parte da escolha e definição de um tema a ser pesquisado. Para
Eco (2007) é uma tarefa complexa que envolve questões históricas, contemporâneas, temporais,
políticas, sociais, acadêmicas e pessoais. Assim, a escolha se relaciona a um conjunto de fatores
que vão do interesse pessoal até a possibilidade efetiva de financiamento. Neste sentido, Cintra
(1982, p.13), acrescenta que:
A escolha de um tema de pesquisa depende dos valores do pesquisador, de sua relação com o
universo. Em qualquer nível, a pesquisa exige independência, criatividade e a integração do tema
no dia a dia do pesquisador.
A escolha do tema embora pareça uma atividade fácil, torna-se complexa devido à vastidão
de possibilidade que a experiência humana traz, onde a escolha de um implica imediatamente o
abandono dos demais.
É nessa escolha que na verdade onde se inicia a caminhada científica, por isso Santos (2007)
estabelece alguns critérios para a escolha da temática como gosto pessoal, preparo técnico e
tempo disponível; importância ou utilidade do tema e existência de fontes, que para o autor são
importantíssimos para o desenvolvimento e sucesso da pesquisa. Sobre os três primeiros critérios
afirma:
A pesquisa é um exercício que demanda empenho, tempo e até mesmo vontade, por isso que
ao pensar em pesquisa é imprescindível à escolha de um tema que tenha significado e desperte o
interesse do pesquisador.
Na importância ou utilidade do tema, parte-se do pressuposto que o desenvolvimento do
conhecimento é algo muito benéfico, por isso o pesquisador deve ter em mente a relevância do
tema a partir de três beneficiários: a sociedade, a ciência e a escola.
A relevância social do tema é evidenciada quando o desenvolvimento e o resultado deste
apontam em direção a uma contribuição para a sociedade. A relevância do tema também se
mensura pela contribuição para o campo da educação como parte da necessidade humana. Nesse
sentido, Figueiredo (2008, p. 84) afirma que:
Após a definição do tema, a estruturação do projeto possui alguns elementos básicos como:
problematização, objetivos, justificativa, metodologia, revisão da literatura ou fundamentação
teórica, cronograma e referência.
A problematização é basicamente, o quadro ou contexto no qual se situa o problema, uma
espécie de enquadramento para o qual e no qual o problema se apresenta. Para Brito (2016,
p.47) “ o campo de indagação ou reunião ordenada e sistemática de problemas ou, ainda, como
o conjunto de fatores que fazem com que o pesquisador tenha consciência de um determinado
problema”.
O problema é o ponto de partida da pesquisa, eixo que a orientará, já que esta será
desenvolvida justamente para respondê-lo. Corroborando essa ideia Figueiredo (2008, p.78)
afirma que:
Toda produção científica começa com alguma situação que gera dúvida, denominada situação
problema. A situação problema é a mola propulsora para a elaboração de questões em relação
ao tema, denominada problematização. Assim, da problematização irá surgir uma questão
única, indicando a direção que o estudo irá seguir, definindo a questão carente de discussão,
investigação, decisão ou solução. Tal pergunta é chamada questão norteadora.
Isso porque cada problema possui diversos ângulos que podem ser analisados, sejam o
social, o econômico, psicológico, pedagógico, o histórico etc., e que nem sempre o pesquisador
poderá abordá-los todos, por isso é essencial que se defina em qual perspectiva se trabalhará.
Vale a pena ressaltar que nem todos os problemas são factíveis de investigação cientifica, pois
às vezes podem ser resolvidos pela intuição, pela tradição ou especulação. Assim, um problema
científico supõe justamente a necessidade de informações suplementares, que possibilitarão a sua
compreensão, além de novos conhecimentos sobre a questão tratada.
O desenvolvimento do problema é um processo criativo, normalmente iniciada por meio
do interesse em um determinado assunto, que vai evoluir para uma ou mais de uma pergunta
específica, que poderão ser pesquisadas. Por fim, a questão norteadora ou questões norteadoras
proporcionam as trilhas para a resolução do problema proposto. Segundo Nahas (2012, p.04):
A partir da definição do tema e do problema o pesquisador terá que informar os motivos que
justificam as escolhas, quais as contribuições para a sociedade e para a comunidade científica. A
justificativa é caracterizada por Brito (2016, p. 47) como sendo o responsável por
... dizer do “por que” tal pesquisa deve ser realizada, ou seja, quais os motivos que a justificam,
que contribuição ela trará para a compreensão, intervenção ou solução do problema estudado.
Os objetivos devem englobar a pesquisa em si, onde se quer chegar e quais as metas que se deseja
alcançar. Devem ser formulados com cuidado, de modo respondam à questão norteadora e
que seja possível alcançá-los. Os objetivos podem ser subdivididos em objetivo geral e objetivos
específicos.
Os objetivos necessariamente precisam ser iniciados com verbos na forma infinitivo, pois esta
forma delineia intenção, sem determinar uma prática ou ação. Os verbos usados na formulação
dos objetivos devem expressar intencionalidades que busquem respostas ao problema, não se
confundem com ações realizáveis, mas abstrações que se efetivam na escolha de métodos e
técnicas para a recolha, análise e interpretação de dados. Não há como determinar.
Na organização de um projeto há, via de regra, a construção de um objetivo geral e três
específicos. O objetivo geral deve ser composto por um verbo de pesquisa geral, amplo e abstrato
seguido do tema delimitado. Para Richardson (1985) os três objetivos específicos devem ter a
seguinte ordem. O primeiro com uma perspectiva exploratória sobre o tema; o segundo uma
descrição do problema e o terceiro com um teor explicativo. Para o autor, essa deve ser a lógica
da pesquisa científica.
Definidos os objetivos importa apresentar as correntes e pressupostos teóricos que podem
amparar e sustentar o problema evocado. A fundamentação teórica é realizada quando se
compreende o que se quer pesquisar, ou seja, qual o problema proposto no projeto de pesquisa,
buscando teorias que fundamentem o estudo. Ainda que se busque sustentação do problema é
necessário que se apresente os principais avanços e contradições que a temática envolve. Nesse
sentido é necessário um cuidado especial para não igualar na escala de articulação das ideias
autores com posicionamentos epistemológicos distintos, mesmo que de algum modo possam
convergir para aquilo que busca fundamentar.
Efetivamente o projeto deve ser um todo articulado, sequencial e lógico, mas no campo
da sustentação teórica merece destaque os objetivos propostos, pois são a base de sustentação
teórica do estudo. Para Xavier (2017, p. 72):
São propostas de explicação de determinados fenômenos defendidas por quem já realizou uma
pesquisa sobre o tema afim que poderão ajudar na abordagem e compreensão do problema e
auxiliar na busca de uma solução.
Processos de formalização
Pequenos estudos, porém completos, que tratam de uma questão verdadeiramente científica,
mas que se constituem em matéria de um livro. Apresentam o resultado de estudos ou pesquisas
e distinguem-se dos diferentes trabalhos científicos pela sua reduzida dimensão e conteúdo.
Caracteriza-se por ser um trabalho acadêmico de médio fôlego, cuja necessidade de abrangência
e profundidade do tema é maior em relação à monografia, embora sejam aceitas dissertações
produzidas a partir de temas não originais. Contudo, a forma de abordagem do tema, os aspectos
explorados pelo pesquisador e a conclusão devem ser inovadoras.
Documento que descreve um trabalho de pesquisa que demonstre sólidos conhecimentos sobre a
área de estudos a que se dedica. Geralmente é defendido perante uma comissão para a obtenção
do título de mestre.
A dissertação é um trabalho apresentado ao final de um curso de pós-graduação stricto
sensu, cujo objetivo é obter a titulação de mestre e comporta temas de grande extensão e
aprofundamento, e por isso exige alto grau de reflexão e rigor científico. No entanto Figueiredo
(2008, p. 60) adverte que esta:
... não tem como finalidade convencer, mas sim sistematizar os argumentos, as razões, os fatos,
as ideias e as opiniões para que sejam conhecidos todos os aspectos coincidentes e divergentes
de assuntos pouco explorados ou discutidos.
É uma das modalidades de trabalho científico cuja origem se encontra na idade média, na época
das universidades a defesa de tese representava o momento culminante de quem aspirava ao
título de doutor. Hoje, a exigência da tese faz-se em dois níveis: para obtenção do título de
doutor ou de livre-docente.
A tese possui um processo de defesa pública cuja apresentação, sua escrita como já dito
anteriormente é inédita e original, sobre um tema específico, devendo apresentar um conhecimento
vasto sobre o assunto. A apresentação da tese possibilita segundo Santos (2007) a obtenção do
título de doutor, bem como dos títulos universitários de catedrático e livre-docência.
No que concerne ao fator inédito, há um equívoco em considerar um estudo inédito pela
simples identificação de um tempo histórico, de um local ou de uma dada situação. Nesses casos,
a prática contraria princípios fundamentais da ciência, pois não aperfeiçoa, melhora, incorpora
ou mesmo se contrapõe ao arcabouço teórico produzido
No tocante as exigências de uma tese, as contribuições para o campo educativo devem
ultrapassar a ideia da transposição da temática ou do localismo. No texto de uma tese a inovação
não pode se resumir em ser a primeira pesquisa de um determinado curso, de uma universidade
e tempo específicos. Logo, o pesquisador deve se esforçar em apresentar contribuições para além
de conjunto teórico válido ou da descrição de processos e vivências das práticas educativas.
Com relação aos aspectos gráficos, da tese e da dissertação, são iguais, e estão dispostas da
seguinte maneira: capa, folha de rosto, folha para assinatura da banca examinadora; dedicatória,
agradecimentos, sumário, resumo, introdução, capítulos (desenvolvimento), considerações finais,
referências bibliográficas, anexo, terceira e quarta capas (Figueiredo 2008).
Dito de outro modo, a contribuição pode resultar em uma forma própria de entender e
compor os processos ou em uma proposta pessoal de organização de uma pesquisa na área
escolhida.
Reflexões finais
Toda pesquisa visa satisfazer a curiosidade humana, à busca por conhecer as coisas do mundo
e tudo o que nele há. Pesquisar se tornou um fator fundamental para a sobrevivência humana,
pois a realidade é desafiadora, com suas mudanças naturais, sociais, políticas e/ou econômicas
que influenciam diretamente nossa vivência cotidiana. Nesse caso, a pesquisa é fundamental para
que possamos entender, nos adaptar ou transformar a realidade vivida.
A atividade de pesquisa enquanto atividade fundamental da ciência é a ferramentas para
o entendimento compreensão e apreensão dos fenômenos naturais, dos problemas sociais,
econômicos e políticos a partir de um estudo sistemático, criterioso e racional. A pesquisa se
apresenta como um instrumento fomentador de consciência e ações críticas.
No campo educacional a pesquisa contribui de uma maneira singular, uma vez que por meio
dela uma vasta área de conhecimento é construída, o que possibilita a alimentação e a atualização
dos saberes no ciclo educacional, além de colocar a educação no rol das atividades humanas que
precisam de investimento e política pública, pois não ocorre natural ou institivamente.
No meio acadêmico existem várias formas de conceber o conhecimento científico, dentre
as principais estão a dissertação e a tese, em que a primeira é concebida no curso de mestrado e
a segunda no curso de doutorado. A estrutura gráfica das duas são parecidas, no entanto a tese
exige um maior aprofundamento, de uma temática necessariamente inédita e culmina em uma
contribuição teórica e prática para a sociedade.
O resultado das pesquisas tem por regra a necessidade de socialização, tanto com a
comunidade científica quanto com a população, para fins de disseminação e de contribuição
social. De forma geral, a pesquisa enquanto atividade sistemática implica em conhecimento, algo
Referências
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