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Língua Brasileira

de Sinais
LIBRAS

Rio de Janeiro
UVA
2016
Luzia Cristina Nogueira de Araújo

Língua Brasileira
de Sinais
LIBRAS

Rio de Janeiro
UVA
2016
Copyright © UVA 2016
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer meio
sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

ISBN: 978-85-69287-12-4

Autoria do Conteúdo
Luzia Cristina Nogueira de Araújo

Design Instrucional
Sylvia Regina Silva Fernandes

Projeto Gráfico
UVA

Diagramação
Isabelle Martins

Ilustrações
Pedro Rodrigues

Revisão
Maria Lucia Daflon
Lydianna Lima

A 663 Araújo, Luzia Cristina Nogueira de

Língua brasileira de sinais: libras [livro eletrônico] /


Luzia Cristina Nogueira de Araújo. – Rio de Janeiro :
UVA, 2016.

3,5 MB
ISBN 978-85-69287-12-4
Disponível também impresso.

1. Linguística. 2. Língua de sinais. 3. Língua brasileira


de sinais. 4. Surdos - Educação. 5. Surdos - Meios de
comunicação. I. Universidade Veiga de Almeida. II.
Título.

CDD – 419

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA.


Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho.
SUMÁRIO

Apresentação...............................................................................................................7
Sobre a autora..............................................................................................................9

Capítulo 1 - LIBRAS: aspectos históricos, culturais e


legais................................................................................11
Surdez: aspectos básicos.........................................................................12
Cultura, identidade e surdez..................................................................18
A inclusão dos surdos e a legislação.................................................33
Referências...................................................................................................39

Capítulo 2 - LIBRAS e suas estruturas.........................45


Parâmetros da LIBRAS................................................................................46
Datilologia e números...............................................................................56
Estruturação de sentenças em LIBRAS.............................................68
Referências...............................................................................................77

Capítulo 3 - Aspectos gramaticais...............................79


Verbos e pronomes.......................................................................................80
Adjetivos e advérbios..................................................................................89
Morfologia, sintaxe e classificadores...................................................94
Referências..............................................................................................104

Capítulo 4 - Práticas socioculturais..........................107


LIBRAS e contextos sociais....................................................................108
Diálogo e conversação............................................................................115
Especificidades linguísticas da LIBRAS.............................................119
Referências...................................................................................................127

Considerações finais....................................................129
7

APRESENTAÇÃO

O estudo da Língua de Sinais Brasileira – LIBRAS é, sem dúvida, um con-


vite ao exercício de democracia e respeito às diversidades humanas, já
que possibilita reflexões sobre a inclusão de cidadãos brasileiros que se
diferenciam pela sua singularidade cultural e linguística.

Antes de iniciarmos nossos estudos, é importante informar que a de-


monstração dos sinais e da comunicação escrita ao longo dos capítulos
será baseada nas formas de apresentação da maioria dos estudiosos e
pesquisadores da LIBRAS.

• Quando forem apresentados os sinais na forma escrita, serão


utilizadas letras maiúsculas. Ex.: GOSTAR/NÃO-GOSTAR.

• Para a representação de nomes próprios ou vocábulos sem si-


nais estipulados, serão transcritas todas as letras separadas por
hífen. Ex.: M-A-R-I-A.

• Na LIBRAS, não há desinências de marca de gêneros; assim, na


transcrição de termos que denotam marca de gênero, esta será re-
presentada pelo símbolo “@”. Ex.: BONIT@. É válido ressaltar que,
na representação gestual dos sinais, a marca de gênero é represen-
tada pelos sinais de HOMEM/MULHER antes do sinal a ser expresso.

HOMEM MULHER
8

• Para a representação dos movimentos dos sinais nas gravu-


ras, será utilizada a tabela referendada pela Secretaria de Edu-
cação Especial, do Ministério da Educação, aqui destacada no
Capítulo 2.

Dessa forma, pretende-se que os estudos sobre a LIBRAS contribuam


não só para a ampliação de seus conhecimentos, mas também para o
desenvolvimento de uma postura ética de respeito aos cidadãos sur-
dos, pertencentes a uma minoria linguística.
9

SOBRE A AUTORA
Luzia Cristina Nogueira de Araújo é pedagoga, especialista em Psico-
pedagogia e mestre em Educação pela Universidade do Estado do Rio
de Janeiro – UERJ. Tem ainda as seguintes especializações: Docência do
Ensino Superior, pela Universidade Cândido Mendes – UCAM; LIBRAS,
Educação Especial e Inclusiva e Letras e Literatura pelas Faculdades
Integradas de Jacarepaguá – FIJ; Aperfeiçoamento em Planejamento de
Ensino, Educação Infantil e Educação Especial. É também graduada em
Letras, com doutorado em Ciência da Educação pela Universidade Sal-
gado de Oliveira – Universo, e pesquisadora da Secretaria de Estado da
Educação – SEE/RJ e do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Edu-
cacionais Anísio Teixeira – Inep/MEC. É membro do Grupo de Direitos
Humanos da Universidade Veiga de Almeida - UVA e coordenadora do
projeto “Pedagogia no contexto da inclusão”, do curso de Pedagogia.
Tem experiência na área de formação de professores em turmas de
graduação e pós-graduação como docente e coordenadora pedagógica
e enfatiza em suas pesquisas e áreas de atuação os seguintes temas:
formação de professores, políticas públicas educacionais, alfabetiza-
ção e letramento, educação especial inclusiva, interdisciplinaridade e
didática e práticas de ensino.
10

.........................................................................................................
Surdez: aspectos básicos 11

CAPÍTULO 1
LIBRAS: ASPECTOS HISTÓRICOS,
CULTURAIS E LEGAIS

A princípio, pode parecer estranho iniciar a leitura com as-


pectos básicos da surdez, o que implica definir o sujeito
surdo clinicamente, visto que toda a concepção desse livro
é respaldada pela visão da surdez como um aspecto cultu-
ral, e não clínico. No entanto, o entendimento fisiológico
da surdez pode contribuir para um melhor entendimento
sobre questões de diferenciação entre pessoas que ouvem,
pessoas que ouvem pouco, pessoas que ouvem com dificul-
dade e pessoas que não ouvem nada, questões essas que
também refletem na construção identitária e na forma de
se “estar” no mundo dos sujeitos sociais.

O reconhecimento da superação da visão puramente clí-


nica para uma concepção cultural da surdez traz à tona
reflexões históricas sobre a inclusão dos sujeitos surdos
no mundo, bem como sinaliza o esforço da sociedade em
sanar a sua própria deficiência de entendimento na área
da surdez, inviabilizando o entendimento de “quem” são
os sujeitos surdos, remetendo-nos, assim, à questão legal,
e é na legislação vigente que encontramos as bases para
a educação dos surdos, na perspectiva de respeito à sua
identidade cultural.

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12 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

SURDEZ: ASPECTOS BÁSICOS

Para iniciarmos nossos estudos sobre a LIBRAS, torna-se


relevante elucidar alguns aspectos básicos de fisiologia e
etimologia na área da surdez, já que essas informações po-
dem nos ajudar a refletir sobre os aspectos sociais, educa-
cionais e políticos e, assim, facilitar perspectivas inclusivas
na sociedade vigente. Torna-se importante primeiramente
ressaltar que o fato de essa aula se ocupar em destacar a
surdez sob o aspecto clínico não se confunde com a histo-
ricidade da concepção da surdez como uma patologia clí-
nica, atualmente já superada pelo entendimento da surdez
como uma diferença cultural.

Anatomia do ouvido humano


O ouvido humano é formado por três partes, uma externa e
duas internas, localizadas dentro da caixa craniana.

No caracol, as
As ondas sonoras penetram células nervosas
no ouvido externo Ouvido originam sinais
O tímpano interno elétricos
vibra
Martelo Cóclea ou
caracol
Bigorna

Ouvido
médio

Estribo Os sinais elétricos


são transmitidos
ao cérebro
Ouvido externo

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Surdez: aspectos básicos 13

Ouvido externo Ouvido médio Ouvido interno


Formação: Formação: Onde está localizada
- Pavilhão auri- - Membrana a cóclea, em forma de
cular (orelha). timpânica. caracol, que é a parte
- Canal auditivo, e o - Três ossos minúscu- mais importante do
conduto auditivo é los, que são cha- ouvido, responsá-
a porta de entrada mados de martelo, vel pela percepção
do som. Nesse canal, bigorna e estribo, auditiva. Os sons
certas glândulas pois são parecidos recebidos na cóclea
produzem cera para com esses objetos. são transformados
proteger o ouvido. Em contato com a em impulsos elétri-
Essa estrutura tem membrana timpânica cos, que caminham
por função receber e o ouvido interno, até o cérebro, onde
as ondas sonoras, eles transmitem as são “entendidos”
captadas pela orelha, vibrações sonoras, pela pessoa.
e transportá-las até a que entram no ouvi- É nessa porção do
membrana timpâ- do externo e devem ouvido que ocor-
nica, ou tímpano, ser conduzidas até re a percepção
fazendo-a vibrar com o ouvido interno. do som. O processo
a pressão das ondas Esses ossículos são de decodificação de
sonoras. A membrana presos por mús- um estímulo auditivo
timpânica separa culos, tendo por tem início na cóclea e
o ouvido externo função mover-se termina nos centros
do ouvido médio. para frente e para auditivos do cérebro,
trás, colaborando no possibilitando a
transporte das ondas compreensão da
sonoras até a parte mensagem recebida.
interna do ouvido.

Fonte: Quadro elaborado a partir de leituras de Redondo e


Carvalho (2000) e Gomes (2006).

Se houver qualquer tipo de problema ou distúrbio no pro-


cessamento normal da audição, independentemente de
causa, tipo ou maior ou menor grau de severidade, isso
pode constituir uma alteração auditiva, gerando no indiví-
duo uma diminuição da sua capacidade de ouvir e perce-

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14 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

ber os sons (GOMES, 2006). Assim, quanto à localização de


dano e ao tipo de perda auditiva, destacam-se:

- Condutiva: a alteração está localizada no ouvido


externo e/ou ouvido médio; as principais causas
deste tipo são as otites e a rolha de cera, acúmulo
de secreção que vai da tuba auditiva para o interior
do ouvido médio, prejudicando a vibração dos os-
sículos (geralmente aparece em crianças frequente-
mente resfriadas). Na maioria dos casos, essas per-
das são reversíveis após tratamento.
- Neurossensorial: a alteração está localizada no ou-
vido interno (cóclea ou em fibras do nervo auditivo).
Esse tipo de lesão é irreversível; as causas mais co-
muns são a meningite e a rubéola materna.
- Mista: a alteração está localizada no ouvido ex-
terno e/ou médio e no ouvido interno. Geralmente
ocorre devido a fatores genéticos determinantes de
má-formação.
- Central: a alteração pode se localizar desde o tron-
co cerebral até as regiões subcorticais e o córtex ce-
rebral. (GOMES, 2006, p. 16)

As perdas auditivas são medidas pelo audiômetro — ins-


trumento utilizado para medir a sensibilidade auditiva —,
que classifica os graus da audição em:

Audição normal - de 0 a 15 dB.


Surdez leve - de 16 a 40 dB. Nesse caso a pessoa
pode apresentar dificuldade para ouvir o som do
tic-tac do relógio ou mesmo uma conversação em
voz baixa (cochicho).
Surdez moderada - de 41 a 55 dB. Com esse grau
de perda auditiva a pessoa pode apresentar alguma
dificuldade para ouvir uma voz fraca ou o canto de
um pássaro.
Surdez acentuada - de 56 a 70 dB. Com esse grau
de perda auditiva a pessoa poderá ter alguma difi-
culdade para ouvir uma conversação normal.
Surdez severa - de 71 a 90 dB. Nesse caso a pes-
soa poderá ter dificuldades para ouvir o telefone
tocando ou ruídos das máquinas de escrever num
escritório.

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Surdez: aspectos básicos 15

Surdez profunda - acima de 91 dB. Nesse caso a


pessoa poderá ter dificuldade para ouvir o ruído de
caminhão, de discoteca, de uma máquina de serrar
madeira ou, ainda, o ruído de um avião decolando.
(GOMES , 2006, p. 16-17, grifo nosso)

Dessa forma, podemos afirmar que os níveis da audição


podem ser classificados como: normal, perda leve, perda
moderada, perda acentuada, perda severa e perda pro-
funda. No entanto, no Brasil, existem algumas divergências
quanto à classificação dos graus, pois eles podem variar de
acordo com a idade. A tabela acima é baseada em Gomes
(2006). Abaixo, segue mais uma classificação, que, segun-
do os Conselhos Federal e Regionais de Fonoaudiologia
(2009), é a mais utilizada. Ressaltamos que a tabela é a
mesma inserida nos estudos da Unidade 1, baseada no Ins-
tituto Nacional de Educação de Surdos – INES.

≤ 25 dB = Audição normal.
26 - 40 dB = Perda auditiva de grau leve.
41 - 55 dB = Perda auditiva de grau moderado.
56 - 70 dB = Perda auditiva de grau moderadamente severo.
71 - 90 dB = Perda auditiva de grau severo.
≥ 91 dB = Perda auditiva de grau profundo.

Fonte: Classificação da perda auditiva de acordo com o grau (LLOYD; KAPLAN,


1978, apud CONSELHOS FEDERAL E REGIONAIS DE FONOAUDIOLOGIA, 2009).

Gomes (2006) ressalta que a surdez pode ser classificada


como unilateral, quando se apresenta em apenas um ouvi-
do, e bilateral, quando acomete os dois ouvidos. Quanto à
aquisição, a autora acrescenta que a surdez pode ser divi-
dida em dois grandes grupos: (i) surdez congênita, quando
a pessoa já nasceu surda — nesse caso, a surdez é pré-lin-
gual, ou seja, ocorreu antes da aquisição da linguagem; e

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16 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

(ii) surdez adquirida, quando a pessoa perde a audição no


decorrer da sua vida — nesse caso, a surdez poderá ser pré
ou pós-lingual, dependendo de sua ocorrência ter se dado
antes ou depois da aquisição da linguagem.

Quanto à etimologia da surdez (causas), podemos destacar:

•Pré-natais (durante a gestação): surdez provocada


por fatores genéticos e hereditários, doenças adqui-
ridas pela mãe na época da gestação (rubéola, to-
xoplasmose, citomegalovírus, sífilis) e exposição da
mãe a drogas ototóxicas (medicamentos que podem
afetar a audição).
•Perinatais (durante o nascimento): surdez pro-
vocada mais frequentemente por parto prematuro,
anóxia cerebral (falta de oxigenação no cérebro logo
após o nascimento) e trauma de parto (uso inade-
quado de fórceps, parto excessivamente rápido,
parto demorado).
•Pós-natais (depois do nascimento): surdez pro-
vocada por doenças adquiridas pelo indivíduo ao
longo da vida, como: meningite, caxumba, sarampo,
ou pelo uso de medicamentos ototóxicos. Outros
fatores também têm relação com a surdez, como
avanço da idade, acidentes. (GOMES, 2006, p. 15-16,
grifo nosso)

O Decreto nº 5.626, de 2005, que regulamenta a Lei nº


10.436, de 24 de abril de 2002 (sobre a LIBRAS), e o artigo
18 da Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000 (que esta-
belece normas gerais e critérios básicos para a promoção
da acessibilidade das pessoas com deficiências), destacam:

Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se


pessoa surda aquela que, por ter perda auditiva,
compreende e interage com o mundo por meio
de experiências visuais, manifestando sua cultura
principalmente pelo uso da Língua Brasileira de Si-
nais – LIBRAS.
Parágrafo único. Considera-se deficiência auditiva a

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Surdez: aspectos básicos 17

perda bilateral, parcial ou total, de quarenta e um


decibéis (dB) ou mais, aferida por audiograma nas
frequências de 500 Hz, 1.000 Hz, 2.000 Hz e 3.000
Hz. (BRASIL, 2005)

Os estudos dos aspectos básicos da surdez, dessa forma,


contribuem para o entendimento de que o cidadão surdo
é o sujeito que, pelo déficit sensorial (auditivo), pode se
comunicar por meio de uma modalidade visual-gestual ou
visual-espacial, representada pela língua de sinais, que é a
língua natural dos surdos.

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18 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

CULTURA, IDENTIDADE E SURDEZ

Falar sobre a construção da identidade surda é um bom


começo para o entendimento do surdo como um sujeito
constitutivo de significados culturais e um agente social
que influencia e é influenciado pela sua cultura. Nessa
perspectiva, a comunidade surda vem a ser um grupo
que se forma na diferença, um grupo com cultura pró-
pria. Destacamos que a cultura representa a identidade
de um povo e retrata seu modo de viver sob vários aspec-
tos, como costumes, hábitos, formas de lidar e construir
o conhecimento e de entender as complexidades sociais.
Seguindo tais argumentações, Perlin (2007) destaca que os
surdos pertencem a uma cultura com referências culturais
próprias, as quais permitem que eles se considerem sujei-
tos culturais, e não deficientes.

Historicamente, a concepção médico-terapêutica, dispen-


sada às pessoas surdas, influenciou a definição da surdez
a partir do déficit auditivo, mas deixou de incluir a ex-
periência da surdez e de considerar os contextos sociais,
culturais e identitários nos quais as pessoas surdas se de-
senvolvem. Hoje, com o desenvolvimento político, social
e científico, tais definições passaram a ser coadjuvantes
na construção do sujeito surdo pela superação do enten-
dimento tradicional meramente terapêutico para a adoção
de uma concepção socioidentitária da surdez.

Os surdos, hoje, formam uma organização social com atri-


butos culturais próprios e “inter-relacionados, nos quais

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Cultura, identidade e surdez 19

prevalecem as construções significativas de uma comuni-


dade minoritária, que passa pela mudança de paradigma da
deficiência para o de minoria linguística e cultural” (SILVA;
KAUCHAKJE; GESUELI, 2003, p. 58). Para um melhor en-
tendimento dessa transitoriedade histórica, vale ressaltar
algumas manifestações sócio-históricas que contribuíram
para a conquista de um entendimento do surdo como um
sujeito cultural.

Manifestações sócio-históricas na área da surdez


No decorrer da história sobre grupos minoritários, que se
distinguem por não se encaixarem em modelos preestabe-
lecidos pela sociedade vigente, muitas concepções influen-
ciaram as atitudes dessa sociedade e determinaram o aten-
dimento ofertado às pessoas com deficiência. É interessante
ressaltarmos que diferentes nomenclaturas surgiram para
identificar os “diferentes” dos padrões da sociedade, tais
como, entre outras: dementes, idiotas, inválidos, pessoas
com necessidades especiais. Atualmente, seguindo o Plano
Nacional dos Direitos da Pessoa com Deficiência, sanciona-
do pela Presidente Dilma Rousseff, o Decreto nº 7.612, de
17 de novembro 2011, em conformidade com a Convenção
Internacional das Pessoas com Deficiência, define:

Artigo 2º - São consideradas pessoas com deficiência


aquelas que têm impedimentos de longo prazo de
natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os
quais, em interação com diversas barreiras, podem
obstruir sua participação plena e efetiva na socieda-
de em igualdades de condições com as demais pes-
soas. (BRASIL, 2011)

Nesse contexto, é mister destacar que as conquistas dessas


pessoas não se restringem às preocupações com inúmeras
e diferenciadas nomenclaturas, mas envolvem também o

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20 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

que elas representam na luta por direitos desses cidadãos.


Na Antiguidade, por exemplo, os “diferentes” eram elimi-
nados ou abandonados, pois o padrão da sociedade era
a perfeição do indivíduo. Os surdos eram estereotipados
como anormais, com algum tipo de atraso na inteligência,
devido à ausência de trabalhos e pesquisas científicas de-
senvolvidas na área socioeducacional. Naquela sociedade,
para o indivíduo ser considerado “normal”, era preciso fa-
lar e ouvir, sob esse prisma, os sujeitos surdos eram exclu-
ídos da vida social e educacional. Nessa época, não havia
a preocupação de formação educacional de surdos, uma
vez que eles não eram vistos como cidadãos produtivos
ou úteis à sociedade.

Veloso e Maia Filho (2000) destacam que, em Atenas, os


surdos eram deixados nas praças públicas ou campos; em
Esparta, jogados de rochedos; e, em Roma, atirados no Rio
Tigre. Isso se dava não só com os surdos, mas com qualquer
outra pessoa que apresentasse algum tipo de deficiência. Os
autores enfatizam, ainda, que os posicionamentos a serem
tomados eram baseados nas diferentes culturas, ou seja, es-
ses indivíduos podiam ser exterminados, ofertados aos deu-
ses ou abandonados. Ignorava-se o respeito a essas pessoas.

Aristóteles, em 384 a.C., defendeu a ideia de que o homem


expressava seus conhecimentos e inteligência por meio da
fala; se um indivíduo não tem linguagem, logo, tampouco
será dotado de inteligência. Assim, o filósofo ressaltava
que: “[...] de todas as sensações, é a audição que contribui
mais para a inteligência e o conhecimento [...], portanto,
os nascidos surdos se tornam insensatos e naturalmente
incapazes de razão.” (VELOSO; MAIA FILHO, 2000, p. 21).
Tal concepção impedia os surdos de receber educação.

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Cultura, identidade e surdez 21

Da Idade Média até o final do século XV, não existiam es-


colas especializadas para sujeitos surdos. Dias (2006) des-
taca que os surdos eram vistos como ineducáveis, e, em
consequência disso, considerados como inúteis à coletivi-
dade. Devido a esse fato, eles enfrentavam o preconceito,
a piedade, o descrédito e até mesmo a denominação de
loucos. Nessa época:

[...] não era permitido aos surdos participarem da


comunhão na igreja, pois eles não eram capazes de
confessar seus pecados, assim como não era per-
mitido o casamento entre pessoas surdas, só sendo
consentidos aqueles que recebiam favor do Papa. Os
surdos também não tinham direito a voto, herança
e muitos outros direitos como cidadão. (STRÖBEL,
2009, p. 16)

Com o avanço da medicina, do século XVI até o XVIII, a


deficiência passa a ser considerada um problema médico,
e não mais espiritual. Lane (1992), psicólogo e especialista
em cultura surda, reconhecido pela afirmação de que “sur-
dez não é deficiência”, acrescenta que, a partir do século
XVI, estudiosos e filósofos que debatiam sobre a educação
ressaltaram a integração social dos surdos. Essa preocu-
pação educacional alertou estudiosos, que desenvolve-
ram de forma independente seus trabalhos com surdos.
Dentre eles, podemos destacar as experiências do médico
pesquisador italiano Gerolamo Cardano (1501-1576), que
afirmou que o surdo tinha habilidade de raciocinar e que
a surdez não poderia se constituir em um obstáculo para
o surdo adquirir o conhecimento.

Vale destacar que, historicamente, não há registros oficiais


do surgimento da língua de sinais no mundo; no entanto,
existem registros iconográficos no século XVI (1579). Nes-
se mesmo século, surgiu outra significativa experiência

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22 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

educacional, que foi desenvolvida pelo monge beneditino


Pedro Ponce de León (1510-1584), reconhecido como o pri-
meiro professor de surdos. León era herbólogo e também
manipulava alguns remédios à base de ervas, com a fina-
lidade de “curar” e fazer falar os surdos (GOMES, 2008).
Ele utilizava, além dos sinais, treinamento da voz e leitura
dos lábios. Foi também o divulgador de uma metodologia
fonética de alfabetização, que diminuía o alfabeto para 21
sons e resolvia o problema de ensinar os nomes das le-
tras (“Aleph” para “A”, por exemplo), assim, valorizando
a representação sonora de cada elemento gráfico (REILY,
2007). Ele utilizava um alfabeto bimanual — com ambas
as mãos — e alguns sinais simples. Gomes (2008, p. 9)
enfatiza que “com o alfabeto bimanual, o estudante apren-
dia a soletrar letra por letra qualquer palavra, mas não a
se comunicar”. Léon dedicou-se a ensinar os surdos a ler,
escrever, falar e a entender as doutrinas da fé católica.

No entanto, Reily (2007) destaca que foram enviados ao


mosteiro para receberem atendimento educacional apenas
os filhos das famílias que faziam parte da nobreza espa-
nhola. Os surdos que não pertenciam à elite social da épo-
ca viviam em verdadeira miséria, sofrendo com a falta de
trabalho e o isolamento social (SILVA, 2006). Moura (2000,
p. 18) evidencia: “A possibilidade de o surdo falar impli-
cava no seu reconhecimento como cidadão e, consequen-
temente, no seu direito de receber a fortuna e o título da
família.” A experiência de León, apesar de contribuir para
a concepção da possibilidade de aprendizagem do surdo,
paralelamente detonou a noção de que o surdo teria de
falar para ser humanizado. Além disso, sua experiência
respaldava o aprendizado dos surdos em metodologias
destinadas a ouvintes.

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Cultura, identidade e surdez 23

Ao longo do século XVII, as tentativas de ensinar o surdo a


falar e/ou se comunicar por meio da escrita foram inúme-
ras, tais como destacadas por Moura (2000) nos trabalhos
de Juan Pablo Bonet, Konrah Amman, Jacob Rodrigues Pe-
reire e Thomas Braidwood, a saber:

Jacob
Konrah Thomas
Juan Pablo Rodrigues
Amman Braidwood
Bonet Pereire
(1669-1724) (1715-1806)
(1573–1633) (1715 – 1780)
Médico e Professor
Padre espanhol Educador
educador suíço escocês
francês

Utilizava o al- Educava os sur- “Os sinais eram Para ele, falar
fabeto manual dos por meio utilizados para significava ser
(datilologia) dos movimen- instruções, um sujeito
para ensinar a tos dos lábios, explicações pensante.
leitura e a lín- enquanto lexicais, con- Dessa forma,
gua de sinais e, falava. Depois, versações com seu objetivo
posteriormen- induzia-os a os alunos, até era ensinar o
te, a gramática. imitar esses eles terem a surdo a falar.
Defendia a movimentos, capacidade de
oralização, mas até fazê-los poder se comu-
não dispen- repetir distin- nicar oralmente
sou o auxílio tamente as ou pela escrita
da língua de letras, sílabas [...].” (PEREIRE
sinais em seu e palavras. apud MOURA,
trabalho. 2000, p. 19)

Fonte: Quadro elaborado a partir das pesquisas em Moura (2000).

Quanto aos estudos e às experiências dos educadores su-


pracitados, podemos observar que a metodologia utiliza-
da para o processo de aprendizagem era baseada em uma
concepção oralista, em que a surdez ainda é vista como
uma doença. Gomes (2008) assegura que o século XVII foi
marcado pelo oralismo.

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24 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

Não obstante, o século XVIII é considerado pelos estu-


diosos em surdez o período mais fértil da educação de
surdos, por conta do grande impulso quantitativo na área,
como o aumento de escolas para surdos com a utilização
da língua de sinais. Esse cenário contribuiu para a apren-
dizagem dos surdos e para sua inserção em diversas pro-
fissões. Dessa forma, podemos observar que houve uma
conquista, antes inconcebível, na área da surdez: a utiliza-
ção da língua de sinais como uma ferramenta importante
na educação dos surdos. Tal conquista se deu a partir do
educador francês Charles Michel de L’Epée (1712-1789),
que, por motivos religiosos, fundou um asilo para pessoas
surdas. Sacks (2005) destaca que L’Epée aprendeu a lín-
gua de sinais e iniciou a educação de surdos na França,
ensinando-lhes, além da religião, conhecimentos de nível
escolar. O autor destaca: “[...] E então, associando sinais a
figuras e palavras escritas, o abade ensinou-os a ler; e com
isso, de um golpe, deu-lhes o acesso aos conhecimentos e
à cultura do mundo.” (SACKS, 2005, p. 30). Além disso, o
autor complementa que o educador tinha em sua sala um
intérprete de língua de sinais para auxiliar no processo de
ensino e aprendizagem. Para ele, os sons articulados não
eram eficazes na educação de surdos, mas, sim, a língua
de sinais, pois era por meio dela que os surdos tinham a
possibilidade de aprender a ler e a escrever, já que era a
forma natural que possuíam para expressar suas ideias
(SILVA, 2006).

Mesmo com todo avanço no processo de aprendizagem


dos surdos, L’Epée se equivocou em não considerar a lín-
gua de sinais como uma língua completa. A esse respeito,
Sacks (2005, p. 33) ressalta:

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Cultura, identidade e surdez 25

De fato, sua ignorância ou incredulidade a esse res-


peito que levou a propor, e a impor, seu inteiramen-
te absurdo e supérfluo sistema de ‘sinais metódi-
cos’ que, em certa medida, retardava a educação e
a comunicação de surdos. A compreensão da língua
de sinais por De L’Epée continha tanta exaltação
como depreciação. Ele a considerava, por um lado,
uma língua ‘universal’; por outro lado, destituída de
gramática (portanto, necessitando da importação
da gramática francesa, por exemplo). Esse equívoco
persistiu por sessenta anos, até que Roch-Ambroi-
se Bébian, pupilo de Sicard, percebendo claramente
que a língua de sinais nativa era autônoma e com-
pleta, descartou os ‘sinais metódicos’, a gramática
importada.

O autor destaca que Abbé Sicard (1789-1839) foi o su-


cessor de L’Epée na escola de surdos, após sua morte em
1789. Ele escreveu dois livros, um sobre gramática e o ou-
tro apresentando métodos de como educar os surdos. Foi
ele também quem escreveu o primeiro dicionário de sinais.
No Brasil, até onde temos conhecimento, o registro mais
remoto é do ano de 1875, produzido pelo aluno do INES,
Flausino José da Gama, intitulado Iconographia dos Sig-
naes dos Surdos-Mudos. Seu original se encontra na Biblio-
teca Nacional e há ainda uma cópia no Biblioteca do INES.

Sacks (2005, p. 32) ainda complementa:

[...] Os surdos sem língua podem de fato ser como


imbecis — e de um modo particularmente cruel,
pois a inteligência, embora presente e talvez abun-
dante, fica trancada pelo tempo que durar a au-
sência de uma língua. Assim, o abade Sicard está
correto, além de ser poético, quando escreve que a
introdução da língua de sinais ‘abre as portas da [...]
inteligência pela primeira vez’. A língua [de sinais]
que usamos entre nós, sendo uma imagem fiel do
objeto expresso, é singularmente apropriada para
tornar nossas ideias acuradas e para ampliar nossa

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26 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

compreensão, obrigando-nos a adquirir o hábito da


observação e análise constantes. Essa língua é vívi-
da; retrata sentimentos e desenvolve a imaginação.
Nenhuma outra língua é mais adequada para trans-
mitir emoções fortes e intensas.

Essa concepção inspirou todas as pesquisas no século


XIX. Aqui no Brasil isso ocorre com a chegada de Edu-
ard Huet (1822-1882), professor francês que criou a pri-
meira escola de surdos no país, o Instituto de Surdos-Mu-
dos – INSM — mais tarde rebatizada com o atual nome,
INES — na cidade do Rio de janeiro, em 26 de setembro
de 1837, por solicitação de D. Pedro II. (VELOSO; MAIA
FILHO, 2000). O instituto funcionava como um internato.
Crianças e adolescentes eram deixados lá durante todo o
ano, estudavam os conteúdos disciplinares e participavam
também de oficinas. Nelas, os meninos tinham atividades
profissionalizantes, e as meninas aprendiam artesanato
e culinária (JANUZZI, 2004). Segundo Veloso e Maia Filho
(2000), o alfabeto manual foi difundido no Brasil pelos
próprios surdos, alunos do instituto.

De 6 a 11 de setembro de 1880, ocorreu o Congresso


de Milão, com objetivo de discutir a educação das pes-
soas com surdez, tendo como participantes 182 pessoas
de vários países, na sua grande maioria ouvintes (SILVA,
2006). Nesse congresso, discutiu-se a educação de surdos
e questionou-se se eles deveriam ser ensinados com uma
abordagem de comunicação oral ou gestual. Um grupo de
ouvintes defendeu a língua oral como a única possibilida-
de de aprendizagem para os surdos. Alegava-se que as pa-
lavras eram superiores aos gestos. Ficou, assim, proibida
outra forma de comunicação, que não a oral, no contexto
escolar. Tal decisão se transformou em um símbolo de re-

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Cultura, identidade e surdez 27

pressão física e psicológica, ao rejeitar a língua de sinais


ou gestos, mesmo que o aluno, apoiando-se nela, pudesse
ter melhor desempenho na aprendizagem e maior integra-
ção no mercado de trabalho (SILVA, 2006).

Dessa forma, a oralização passou a ser a técnica mais em-


pregada durante os fins do século XIX e grande parte do
XX. Quanto a essa questão, Perlin e Ströbel (2008, p. 17)
asseveram:

A proibição de sinais por mais de 100 anos sempre


esteve viva nas mentes dos povos surdos até hoje,
no entanto, agora o desafio é construir uma nova
história cultural, com o reconhecimento e respeito
das diferenças, valorização de sua língua, a eman-
cipação dos sujeitos surdos de todas as formas de
opressão ouvintistas e seu livre desenvolvimento
espontâneo de identidade cultural.

Para Ströbel (2009), as representações baseadas na ideia


de “modelar” os surdos a partir das representações dos
ouvintes talvez tenham sido as mais “sofridas”.

Dessa forma, entre os séculos XVIII e XIX, foram fundadas


instituições para oferecer-lhes uma educação à parte, de
caráter existencial, com práticas clínicas em uma perspec-
tiva pedagógica. Vale ressaltar que, durante muitos anos,
vivemos em parceria com o modelo médico de sociedade.
Esse modelo é dotado de atitudes discriminatórias, nas
quais as pessoas que não se encaixavam em um padrão
estabelecido pelo grupo dominante, cultural e economica-
mente falando, eram excluídas da sociedade. Esse quadro
trouxe inúmeros preconceitos contra as pessoas com defi-
ciência, interferindo na sua inserção junto à sociedade no
que diz respeito ao acesso à escola e ao trabalho.

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28 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

No século XX, com a Declaração Universal dos Direitos


Humanos, em 1948, iniciou-se um novo período, em que
se buscava encontrar alternativas para tratar as pessoas
com deficiência. Surge o conceito de normalização, que
objetiva promover a “normalidade” da pessoa com defi-
ciência, para que ela se torne produtiva, e, paralelamente,
desenvolve-se a integração, propondo a modificação das
pessoas com necessidades especiais, para que se ajustem
às regras, aos valores e aos costumes da sociedade vigen-
te. Na década de 1960, na área da surdez, preconizou-se a
comunicação total ou bimodalismo, isto é, o uso simultâ-
neo da língua dos sinais associada à oralização, ou seja, o
uso simultâneo de palavras e sinais.

A comunicação total valoriza a criação da língua si-


nalizada, pois ela pode acompanhar a língua oral,
possuindo a maioria dos elementos constitutivos da
língua, mas não possui o elemento ‘produto cul-
tural’, já que não é criada por uma comunidade
falante, desvalorizando a característica histórica
e cultural das línguas de sinais. (GOLDFELD, 2002,
p. 41, grifo da autora)

Nesse contexto, a comunicação total não obteve sucesso


por conta da sua total desvalorização das línguas de sinais
como uma modalidade que respeita o indivíduo surdo na
sua totalidade, ou seja, como ser histórico-sociocultural e
como usuário de uma língua com características linguís-
ticas próprias. Surgem, no bojo desse processo histórico,
em decorrência da superação da visão clínica da surdez,
pesquisas sobre a língua de sinais, enfatizando que esta
ajuda o desenvolvimento escolar das crianças surdas e
se constitui em uma língua completa, que não prejudica
as suas habilidades orais. Da mesma forma, as pesquisas
de Stokoe (apud VILELA, 2007), considerado o pai da lin-
guística das línguas de sinais, ocuparam-se em comprovar

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Cultura, identidade e surdez 29

que as línguas de sinais são uma língua legítima, com sta-


tus linguístico, tão completa e complexa quanto qualquer
outra. O autor propôs que os sinais da língua americana
(American Sign Language – ASL) são constituídos de três
parâmetros, produzidos simultaneamente na articulação
de um sinal: (i) produção da configuração das mãos, isto
é, a forma como a mão se apresenta na realização dos si-
nais; (ii) localização das mãos, que é o lugar no corpo ou
no espaço em frente ao corpo no qual o sinal é feito; e (iii)
movimento, ou seja, a maneira como a mão se move ao
longo da articulação de um sinal.

Esses estudos contribuíram significativamente para o en-


tendimento de que a articulação de um sinal desempe-
nhava, nas línguas sinalizadas, o mesmo papel dos fone-
mas nas línguas orais. Assim, Stokoe (apud VILELA, 2007)
utilizou o termo quirema (do grego quiros, que significa
“mão”), no lugar de fonema, para designar cada aspecto
(configuração, localização das mãos e movimento) que,
em seus termos, constituíam simultaneamente os sinais e
que tinham a função de distingui-los dos outros.

Os estudos de Stokoe (apud VILELA, 2007) serviram como


uma iniciativa qualitativa da preconização, iniciada na dé-
cada de 1980 e presente ainda hoje, da modalidade bilín-
gue na educação de surdos e contribuíram para pesquisas
sobre a ampliação dos parâmetros, que hoje, além dos
três citados pelo autor (configuração das mãos, localiza-
ção das mãos e movimento), somam mais dois aspectos:
direcionalidade (direção das mãos na realização do sinal)
e expressões faciais e corporais, responsáveis pela inten-
cionalidade da comunicação, ou seja, por demonstrar sen-
timentos, ideias, emoções etc.

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30 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

Pesquisas têm mostrado que o bilinguismo é a proposta


mais adequada para o ensino de crianças surdas. Nessa
abordagem, considera-se a língua de sinais como primeira
língua, e, a partir dela, passa-se para o ensino da segunda
— no caso do nosso país, o português, com ênfase na mo-
dalidade escrita ou oral. Na ideologia do bilinguismo, as
crianças surdas precisam ser postas em contato primeiro
com pessoas fluentes na língua de sinais, sejam seus pais,
professores ou outros (PERLIN; STRÖBEL, 2008).

O século XX foi palco de inúmeros movimentos sociais


pelos direitos humanos, que corroboraram para a for-
mulação e a promulgação de diversos decretos, leis e
declarações para permitir, ainda que com restrições, a
conscientização e a sensibilização da sociedade sobre os
prejuízos da segregação e da marginalização de indivídu-
os de grupos com status minoritários.

Com relação ao mercado de trabalho, surgiu a Lei nº 7.853,


de 24 de outubro de 1989, na qual são estabelecidas as nor-
mas gerais que asseguram o pleno exercício dos direitos
individuais e sociais das pessoas com deficiências e sua
efetiva integração social. No âmbito educacional, em 1994,
na Espanha, foi criada a Declaração de Salamanca, consi-
derada mundialmente uma das mais importantes dentro
do movimento de inclusão social. Ela trata dos princípios,
da política e da prática em educação especial e tem como
objetivo a inclusão daqueles que têm necessidades edu-
cativas especiais, reconhecendo essa necessidade e visan-
do a uma educação de qualidade para todos, sem distin-
ções. Enveredando por esse caminho, surge a atual Lei de
Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBEN (Lei nº
9.394/96), que trata a educação especial como uma mo-

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Cultura, identidade e surdez 31

dalidade de educação escolar voltada para a formação do


indivíduo, com vistas ao exercício da cidadania. A LDBEN,
em consonância com a Constituição (1988), estabelece as
bases para viabilizar a igualdade de oportunidades e des-
taca a importância de se conviver com o diferente, tanto
do ponto de vista de valores quanto de costumes, crenças
religiosas, expressões artísticas, capacidades e limitações.
O documento assevera que todas as pessoas com defici-
ência têm o direito de serem incluídas na rede comum
de ensino. Conclui-se que os surdos, fazendo parte des-
se contexto, têm o direito de serem incluídos em escolas
públicas em turmas regulares, de “ouvintes”. Iniciou-se,
assim, um processo de luta pela legitimação da defesa da
língua de sinais e da cultura surda, em que:

[...] resistindo às pressões da concepção etnocêntri-


ca dos ouvintes, organizou-se em todo o mundo e
levantou bandeiras em defesa de uma língua e cul-
tura próprias, voltando a protagonizar sua história.
A princípio, as mudanças iniciais vêm sendo perce-
bidas no espaço educacional, através de alternativas
metodológicas que transformam em realidade o di-
reito do surdo a ser educado em sua língua natural.
(FERNANDES, 2006, p. 21)

Chegamos, assim, ao século XXI, em que o processo de


inclusão educacional e social de pessoas com deficiência,
de minorias étnicas e/ou identitárias se intensificou mui-
to, especialmente nos últimos anos. Pode-se identificar a
crescente visibilidade de indivíduos que anteriormente es-
tavam localizados à margem do processo social (MITTLER,
2003). A sociedade atual vislumbra formar cidadãos, su-
jeitos históricos capazes de analisar e criticar as situações
que vêm ocorrendo no mundo, fazendo inúmeras e dife-
renciadas leituras, entendendo-as, adaptando-as e modi-
ficando-as. Esse processo deve possibilitar aos cidadãos

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32 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

a construção de suas próprias histórias, que, inseridas


no mundo, promovem o sentimento de pertencimento a
essa nova sociedade marcada pela multidimensionalidade
social, cultural e política, determinando uma nova ordem
social — o respeito pelas diferenças.

Com efeito, surge, na área da surdez, a Lei nº 10.436, de


24 de abril de 2002, que reconhece a LIBRAS como a língua
materna dos surdos. Agrega-se a esse contexto o Decreto
nº 5.626, de 22 de dezembro de 2005, que, ao regulamen-
tar a lei supramencionada, determina, no seu artigo 14, o
ensino da língua portuguesa na sua modalidade escrita
como segunda língua para os deficientes auditivos, ratifi-
cando o ensino bilíngue. Vale ressaltar que, embora sendo
de modalidade diferente, a língua de sinais possui tam-
bém características em relação às diferenças regionais, so-
cioculturais, entre outras.

“Assim, é preciso acrescentar que, do ponto de vista so-


ciocultural, é direito do indivíduo surdo ter acesso ao
instrumento linguístico característico da comunidade a
qual naturalmente pertence.” (FERNANDES, 2006, p. 31).
A cultura em que o sujeito surdo está inserido, portan-
to, descreve as crenças, os comportamentos, a história e
os valores constituídos e constituintes das subjetividades
inerentes às produções culturais. Nesse contexto somáti-
co, ressalta-se a língua não só como uma ferramenta de
comunicação e transmissão da cultura, mas como elemen-
to cultural engendrado de subjetividade, a partir da qual
os surdos buscam construir sua própria identidade.

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A inclusão dos surdos e a legislação 33

A INCLUSÃO DOS SURDOS E A


LEGISLAÇÃO

A sociedade contemporânea vem assistindo a implanta-


ção de políticas inclusivas, visando sempre contemplar,
de maneira cada vez mais efetiva, a democratização da
sociedade.

Nesse cenário, o Brasil vem assumindo compromissos


com a ampliação de oportunidades também de escolari-
zação para todos os seus cidadãos, independentemente
de diferenças e condições especiais. Para Mantoan (2006),
a inclusão só pode ser realizada no âmbito educacional
por meio da mudança de paradigma. Segundo a autora,
paradigma é um conceito moderno; são regras, valores e
crenças partilhados por um grupo de pessoas em um dado
momento na história, que determinam o comportamento
de uma sociedade até o momento em que entram em cri-
se, por não serem mais satisfatórios ou suficientes para
a solução de problemas. Quando um paradigma entra em
crise, há um conflito de ideias, diante de visões que neces-
sitam rapidamente de mudança. Assim, mudança de para-
digma é exatamente o que propõe a inclusão.

Sobre a mudança de paradigmas, Mittler (2003) também


dá a sua contribuição, destacando que é preciso substituir
a ideia de “defeito” pela de um “modelo social”. Segundo
o autor, ao se basear na ideia de defeito, entende-se que
as dificuldades de aprendizagem estão localizadas no alu-
no; logo, sob esse ponto de vista, a escola (sua cultura,

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34 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

suas normas, seus métodos de ensino, suas instalações e


a capacitação e o perfil dos professores) não precisa mu-
dar, porém o aluno necessita de auxílio para que possa se
adequar à instituição escolar. Já o modelo social se sus-
tenta na premissa de que a sociedade e as instituições são
opressivas, discriminadoras e incapacitantes, e, portanto,
é preciso dar ênfase à retirada de barreiras que impeçam
a participação de pessoas deficientes na sociedade, bem
como à mudança em instituições, regulamentos e atitudes
que contribuam ou mantenham a exclusão.

Assim, a educação inclusiva incorpora os mais do que


comprovados princípios de uma educação da qual todos
os cidadãos possam se beneficiar. Ela assume que as di-
ferenças humanas são normais, com a concepção de que
a aprendizagem deve ser adaptada às necessidades do
sujeito da aprendizagem, em vez de adaptar o sujeito às
assunções preconcebidas a respeito do ritmo e das formas
do processo de aprendizagem. Tais prerrogativas assegu-
ram condições necessárias para uma educação de qualida-
de para todos, independentemente das diferenças políti-
cas, físicas, sensoriais, sociais e culturais, em consonância
com a nossa Constituição (1988), que, por meio da decla-
ração do direito à educação, enfatiza, no seu artigo 5º:
“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros
residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à
liberdade, à igualdade [...].”

Como forma de sistematização desse contexto, a atual


LDBEN trata a educação especial como uma modalidade
de educação escolar voltada para a formação do indivíduo,
com vistas ao exercício da cidadania, que deve se realizar

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A inclusão dos surdos e a legislação 35

transversalmente, permeado a todos os níveis e demais


modalidades de ensino nas instituições escolares. Por
educação inclusiva, segundo a lei, entende-se o processo
de inclusão das pessoas com deficiência na rede comum
de ensino. A referida lei assegura ainda, entre outras coi-
sas: professores capacitados e especializados; educação
continuada; proposta pedagógica em consonância com
os princípios éticos, políticos e estéticos; flexibilizações
e adaptações curriculares. Daí se conclui que os surdos,
fazendo parte desse contexto, poderão ser incluídos em
turmas regulares, de “ouvintes”, em escolas públicas. Com
efeito, o projeto de lei do Senado nº 180, de 2004, altera a
Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996 — que estabelece
as diretrizes e bases da educação nacional —, incluindo,
no currículo oficial da rede de ensino, a obrigatoriedade
da oferta da LIBRAS em todas as etapas e modalidades da
educação básica:

Art. 26-B - Será garantida às pessoas surdas, em to-


das as etapas e modalidades da educação básica,
nas redes públicas e privadas de ensino, a oferta
da Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, na condição
de língua nativa das pessoas surdas. (BRASIL, 2004)

Esse contexto foi fruto da conquista dos surdos pela le-


gitimação da Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que
reconhece, como meio legal de comunicação e expressão,
a LIBRAS como língua materna dos surdos:

Entende-se como Língua Brasileira de Sinais – LI-


BRAS a forma de comunicação e expressão, em que
o sistema linguístico de natureza visual-motora,
com estrutura gramatical própria, constituem um
sistema linguístico de transmissão de ideias e fa-
tos, oriundos de comunidades de pessoas surdas do
Brasil. (BRASIL, 2002)

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36 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

Nesse contexto, surge o Decreto nº 5.626, de 22 de dezem-


bro de 2005, para regulamentar a lei supracitada, deter-
minando, no seu artigo 14, o ensino da língua portuguesa
como segunda língua para os deficientes auditivos. O mes-
mo artigo, em seu inciso III, alínea b, menciona “prover as
escolas com tradutor-intérprete de LIBRAS – Língua Portu-
guesa”. E, ainda, no que diz respeito à contratação desses
profissionais, assim como à avaliação de suas habilidades
laborais, destaca-se que ela deve ser condizente com al-
gumas diretrizes e resoluções já estabelecidas pelas po-
líticas nacionais de educação especial na perspectiva da
educação inclusiva (ARAÚJO, 2013). A Resolução CNE/CEB
nº 2/2001, em seu artigo 2º, determina que:

[...] os sistemas de ensino devem matricular todos


os alunos, cabendo às escolas organizarem-se para
o atendimento aos educandos com necessidades
educacionais especiais, assegurando as condições
necessárias para uma educação de qualidade para
todos. (BRASIL, 2001)

As peculiaridades das leis propostas reconhecem a língua


de sinais como a língua materna dos grupos surdos, le-
gitimando a sua cultura, e ainda preconizam a educação
bilíngue, ou seja, o processo de ensino-aprendizagem con-
duzido na língua de sinais como primeira língua, tratando
a língua portuguesa, na modalidade escrita, como segun-
da língua, conforme mencionado anteriormente.

Assim, ao pensarmos na educação de surdos, respalda-
dos nos nossos estudos anteriores, é justo optarmos por
uma definição de diferença associada a aspectos sociais e
culturais. Sugere-se, desse modo, que se acentue a diver-
sidade como uma manifestação da diferença em favor do
entendimento de que ser diferente é ser necessariamente

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A inclusão dos surdos e a legislação 37

um sujeito singular e multicultural, pertencente a um ou


vários grupos sociais, que diferem nas suas formas de re-
presentatividade do(s) contexto(s) em que estão inseridos.

A questão é que, no cotidiano educacional brasileiro, além


do aprendizado da LIBRAS, que muitas das crianças sur-
das brasileiras não aprenderam e cujo sistema linguístico
é um sistema de natureza visual-espacial com estrutura
gramatical própria, o aluno é obrigatoriamente submetido
ao aprendizado da modalidade escrita da língua portugue-
sa, já que a Lei nº 10.436, de 2002, no seu artigo 4º, pará-
grafo único, diz que “a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS
não poderá substituir a modalidade escrita da língua por-
tuguesa” (BRASIL, 2002).

Percebe-se que há uma busca pela compreensão integral


da pessoa surda e uma tentativa de aplicar as supracita-
das leis em contextos educacionais; no entanto, a efeti-
vação qualitativa ainda encontra muitas barreiras à sua
concretização, principalmente quando se trata do enten-
dimento da língua de sinais, já que esta é responsável pela
forma como os sujeitos surdos adquirem o conhecimento
e expressam seus pensamentos. Para a superação desse
quadro, um bom caminho é difundir a LIBRAS e suas pe-
culiaridades. Essas questões, porém, serão abordadas nos
próximos capítulos.

Enfatizamos, aqui, a necessidade de se entender a surdez


em uma perspectiva sociocultural. Hoje, as leis, como a
Lei nº 10.436, de 2002, e o Decreto nº 5.626, de 2005, as-
seguram os direitos da pessoa surda com relação à educa-
ção e à acessibilidade social. Nesse contexto, a língua de
sinais é reconhecida em sua completude linguística como

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38 LIBRAS: aspectos históricos, culturais e legais

a primeira língua (L1) para os surdos, e a língua majoritá-


ria, a língua portuguesa, como a segunda língua (L2). O bi-
linguismo representa um enorme avanço para os surdos,
uma vez que constitui uma concepção de linguagem como
meio de apreensão e expressão.

Nesse sentido, no que diz respeito à inclusão dos surdos


no cotidiano educacional e social, foi exposto, neste capí-
tulo, que é relevante compreender a problemática da in-
serção desses sujeitos a partir dos desafios colocados pe-
las estruturas de políticas públicas que preconizem a ideia
de um mundo no qual exista espaço para todos e de que é
possível o desenvolvimento de uma inclusão de qualidade.

.........................................................................................................
39

REFERÊNCIAS

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ra a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabe-
lece as diretrizes e bases da educação nacional, para in-
cluir no currículo oficial da rede de ensino a
obrigatoriedade da oferta da Língua Brasileira de Sinais –
LIBRAS em todas as etapas e modalidades da educação bá-
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.........................................................................................................
Parâmetros da LIBRAS 45

CAPÍTULO 2
LIBRAS E SUAS ESTRUTURAS

Quando falamos em língua, é válido defini-la, segundo es-


tudiosos, como: (i) um conjunto de regras e signos conven-
cionais que constituem as suas manifestações, seja oral,
gestual ou escrita; (ii) o código linguístico (conjunto de sig-
nos e símbolos) empregado por uma determinada comuni-
dade para a comunicação entre seus falantes sociais. Dessa
forma, a língua torna-se o meio pelo qual os seres humanos
desenvolvem sua linguagem, cabendo a ela a função de es-
truturar a experiência humana em conteúdos significativos
e torná-los comunicáveis. A linguagem, nesse contexto, se-
ria a capacidade dos seres humanos de se comunicarem por
meio de ideias, pensamentos, sentimentos ou até mesmo
por sons, cores, imagens, gestos etc., inerentes a uma co-
munidade para a comunicação entre seus sujeitos sociais.

A LIBRAS, assim como a língua portuguesa, tem gramática


própria, com todas as características que a definem como
uma língua visual-espacial, capaz de manifestar suas re-
gras linguísticas a fim de viabilizar suas formas de leituras
de mundo e possibilidades de comunicação na sociedade
em que vive.

De modo a difundir a LIBRAS como uma possibilidade de


comunicação e expressão legítima dos sujeitos surdos, este
capítulo apontará suas estruturas linguísticas.

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46 LIBRAS e suas estruturas

PARÂMETROS DA LIBRAS

A língua é um sistema de categorias com que o homem


organiza o mundo em uma estrutura dotada de sentido.
A produção e a compreensão de frases em uma língua
(como o português) requerem que o falante seja capaz de
associar corretamente sequências sonoras e significados.
Podemos dizer que uma pessoa conhece realmente uma
língua quando ela conhece as unidades constitutivas de
cada plano e sabe combiná-las e recombiná-las de acordo
com as suas necessidades comunicativas.

Para Quadros, a língua de sinais “é uma língua espacial-vi-


sual, pois utiliza a visão para captar as mensagens, e os
movimentos, principalmente das mãos, para transmiti-la”
(2006, p. 35). Percebe-se, assim, que ela se distingue das
línguas orais pela utilização do canal comunicativo; en-
quanto as línguas orais utilizam o canal oral-auditivo, as
línguas de sinais utilizam o canal gestual-visual.

Destaca-se que os sinais em LIBRAS representam a forma


de representação das palavras que se deseja comunicar
e podem ser definidos como icônicos (quando lembram
o significado da palavra, como o sinal de borboleta, por
exemplo, que remete às suas asas) ou arbitrários (que não
têm semelhança alguma com a palavra, como o sinal do
verbo estudar). É importante destacar que as línguas de
sinais não são universais; cada país tem a sua, e seus códi-
gos linguísticos sofrem influências culturais, ou seja, a lín-
gua de sinais tem expressões que diferem de região para
região — os regionalismos.

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Parâmetros da LIBRAS 47

Em LIBRAS, os sinais contêm partes independentes, cada


qual com número limitado de combinações, designados
parâmetros. Conceituar a palavra “parâmetro” pode ser
uma boa possibilidade de ampliar o conhecimento e o en-
tendimento de uma língua de modalidade visual-espacial,
como a LIBRAS. De acordo com o Dicionário inFormal
(2015) “parâmetro” é uma “norma”, um “padrão”, uma
“constante”. Ao refletirmos sobre a forma de comunicação
na língua de sinais e a nomenclatura “parâmetros” para
definir a construção de seus sinais, podemos concluir que
a LIBRAS possui um padrão constante na sua forma de
comunicação.

Quais são os parâmetros da LIBRAS?


Como visto anteriormente, as línguas de sinais são de
modalidade visual-espacial (ou gestual-visual), pois as in-
formações linguísticas são recebidas pelos olhos e trans-
mitidas pelas mãos. Mesmo com as diferenças entre as
modalidades oral e gestual, o termo “fonologia” também é
usado para referir-se ao estudo dos elementos básicos das
línguas de sinais. Contudo, justamente para marcar essa
diferença entre as duas modalidades linguísticas, Stokoe
(1960, apud VILELA, 2007) sugeriu o termo quirema —
como vimos no capítulo anterior, ao destacarmos a his-
toricidade da LIBRAS — para designar os elementos que
formam os sinais: “configuração de mão – CM, locação – L
e movimento – M”; e, para os estudos das combinações
desses elementos, propôs o termo “quirologia”, que vem
do grego: quiro (“mão”) e logia (“ciência”), ou, mais poeti-
camente, “ouvir o que as mãos falam”. Assim, permaneceu
a ideia de CM, L e M como as partes mínimas (fonemas)
que formam os morfemas nas línguas de sinais, de forma
semelhante aos fonemas que compõem os morfemas nas

..........................................................................................................
48 LIBRAS e suas estruturas

línguas orais. Contudo, a principal diferença entre língua


de sinal e língua oral é a existência da ordem linear (se-
quência de ordem horizontal no tempo) entre os fonemas
das línguas orais e a forma simultânea na qual os fonemas
(quiremas) das línguas de sinais são articulados (STOKOE,
1960, apud VILELA, 2007). Desse modo, os fonemas da lín-
gua oral são substituídos na língua de sinais pelos quire-
mas, que é a unidade elementar visual da língua sinalizada.

Com o tempo, análises referentes às unidades de forma-


ção dos sinais foram feitas, e foi sugerida por Battison
(1974-1978) a adição de estruturas referentes à orienta-
ção da mão (Or) e aos aspectos não manuais dos sinais
(NM), que são as expressões faciais e corporais, e, assim,
esses dois parâmetros também foram adicionados ao es-
tudo da fonologia de sinais (STOKOE, 1960, apud VILELA,
2007). Nessa perspectiva, estudos atuais demonstram que
a LIBRAS tem cinco parâmetros para a produção de sinais:
configurações das mãos, localização, movimento, orienta-
ção e expressões faciais e corporais.

Configuração das mãos: são as possíveis formas que a


mão apresenta ao realizar o sinal ou a letra do alfabeto
manual. Podem ser realizadas pela mão predominante
(mão direita, para os destros, e esquerda, para canhotos)
ou pelas duas mãos de quem faz o sinal. Em suma, é o
gesto que é feito com a mão.

“Um gesto pode ter mais de um significado, o que vai di-


fereciá-lo são as outras configurações.” (QUADROS; KAR-
NOPP, 2004, p. 53).

.........................................................................................................
Parâmetros da LIBRAS 49

Exemplo: sinais que se opõem quanto à locação, isto é, têm


a mesma configuração de mãos, mas são realizados em par-
tes diferentes do corpo (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 52).

APRENDER SÁBADO

Ponto de articulação: é o local onde incide a mão (direita


ou esquerda) configurada. A “locação é a área do corpo ou
próxima ao corpo que está dentro do raio de alcance das
mãos (cabeça, mão, tronco, braço e o espaço em volta ao
corpo)” (QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 53).

Exemplo de locação

Cabeça

Mão

Tronco
Braço

Espaço

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50 LIBRAS e suas estruturas

Movimento: alguns sinais podem ter ou não movimento.

Com movimento

RIR CHORAR CONHECER

Sem movimento

AJOELHAR EM PÉ SENTAR

O movimento também pode representar intensidade, isto


é, podemos intensificar um sinal realizando-o de forma
rápida, modificando seu significado. Por exemplo, o verbo
trabalhar pode ter o movimento correspondente intensi-
ficado, sendo essa uma forma de acrescentar-lhe um ad-
vérbio. Na língua de sinais, a mão do enunciador desem-
penha o papel de objeto, e o espaço no qual o movimento
é realizado é a área ao redor do enunciador (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 53).

.........................................................................................................
Parâmetros da LIBRAS 51

Por exemplo:

TRABALHAR TRABALHAR
TRABALHAR
MUITO CONTINUADAMENTE

Tipos de movimentos
Para representar graficamente a realização dos sinais com
movimentação, foi elaborada, pela Secretaria de Educação
Especial, do Ministério da Educação, a tabela abaixo:

Movimento
Movimentos único retilíneo
longos com vibração
repetidos. das pontas
dos dedos.

Movimentos Movimentos
curtos curtos
repetidos. repetidos.

Movimentos Movimento
circulares único semi-
repetidos. circular.

Movimentos
repetidos
Movimento
para cima e
único longo.
para baixo,
tocando-se.

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52 LIBRAS e suas estruturas

Movimento
Vibração
único circular
dos dedos.
curto.

Movimentos
médios se- Movimento em
micirculares zigue-zague.
repetidos.

Fonte: Ensino de língua portuguesa para surdos (BRASIL, 2002, p. 85).

Alguns exemplos gráficos dos sinais e seus


movimentos

Semicirculares Circulares
repetitivos repetitivos

IMPORTANTE APRENDER

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Parâmetros da LIBRAS 53

LIBRAS COMUNICAR

SURDO

IMPORTANTE = circular repetitivo.


APRENDER = curto repetitivo.
LIBRAS = circular repetitivo.
COMUNICAR = longo repetitivo.
SURDO = único movimento longo.

Orientação: tem fundamento na existência de pares mí-


nimos de sinais que apresentam mudança em seus signi-
ficados “apenas pela direção para qual a palma da mão
aponta (para cima, para baixo, para dentro ou para o cor-
po, para frente e para os lados direito e esquerdo), direção
que, por definição, é chamada de ‘orientação’” (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 59).

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54 LIBRAS e suas estruturas

Exemplo:

PARA CIMA PARA BAIXO

PARA DENTRO PARA FORA

PARA O LADO PARA O LADO


[contralateral] [ipsilateral]

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Parâmetros da LIBRAS 55

Expressão facial e/ou corporal: aspecto bastante impor-


tante e diferenciador quando incorporado em vários si-
nais. Também chamadas de não manuais (movimentos da
face, dos olhos, da cabeça ou do tronco), essas expressões
apresentam, segundo Quadros e Karnopp, dois propósitos
na língua de sinais: marcar as construções sintáticas e di-
ferenciar itens lexicais. As expressões não manuais com
função sintática

marcam sentenças interrogativas sim-não, interro-


gativas QU- (o que, quem, como, por que, onde etc.),
orações relativas, topicalizações e concordância e
foco. As expressões que possuem elementos lexi-
cais determinam referência pronominal, partícula
negativa, advérbio, grau ou aspecto. (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 60)

Para a compreensão de alguns sinais, as expressões que fa-


zemos com o nosso corpo e rosto são fundamentais, pois é
por meio delas que revelamos nossas emoções de alegria,
tristeza, frio, raiva, calor etc., e o sentido que atribuímos a
determinados fatos, situações e objetos. De acordo com a
expressão que manifestamos, produzimos entonação den-
tro da língua de sinais ou demonstramos negação, dúvida,
afirmação ou questionamento.

Com a combinação desses cinco parâmetros, elabora-se


o sinal.

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56 LIBRAS e suas estruturas

DATILOLOGIA E NÚMEROS

A datilologia é o alfabeto manual em LIBRAS, produzido


por diferentes formatos das mãos que representam as le-
tras da ortografia dos alfabetos das línguas orais. Pode ser
utilizado para escrever no ar, ou seja, soletrando no espa-
ço neutro, o nome de pessoas, lugares e outras palavras
que ainda não tenham sinal.

A datilologia se modifica de acordo com o país de ori-


gem, ou seja, não são universais, e algumas letras podem
se apresentar de forma diferente. Observe abaixo alguns
exemplos.

Brasil

A B C Ç D

E F G H I

J K L M N

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Datilologia e números 57

O P Q R S

T U V W X

Y Z

EUA

A B C D E

F G H I J

K L M N O

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58 LIBRAS e suas estruturas

P Q R S T

U V W X Y

Portugal

A B C D E

F G H I J

K L M N O

.........................................................................................................
Datilologia e números 59

P Q R S T

U V W X Y

Espanha

A B C CH D

E F G H I

J K L LL M

..........................................................................................................
60 LIBRAS e suas estruturas

N Ñ O P Q

R RR S T U

V W X Y Z

França

A B C D E

F G H I J

K L M N O

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Datilologia e números 61

P Q R S T

U V W X Y

É interessante que, quando conhecemos uma pessoa surda


e perguntamos seu nome, este é representado pelo alfabe-
to manual, seguido pelo sinal, caso haja. O sinal da pessoa
é dado por uma pessoa surda que, ao conhecê-la, observa
suas características físicas, afetivas, identitárias etc.

Treinando a datilologia com nomes de pessoas

M-A-R-I-A

..........................................................................................................
62 LIBRAS e suas estruturas

P-E-D-R-O

C-A-R-L-O-S

R-O-D-R-I-G-O

A-D-R-I-A-N-A

L-U-Z-I-A

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Datilologia e números 63

Números em LIBRAS
São representados de formas diferentes quando utilizados
como CARDINAIS, ORDINAIS e QUANTITATIVOS.

a) Números cardinais: é a quantidade absoluta, o número


natural.

1 2 3 4 5

6 7 8 9 0

Exemplos:

Número da casa: 10

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64 LIBRAS e suas estruturas

Número do ônibus: 233

Número do sapato: 42

Obs.: Nas dezenas iguais (11, 22, 33, 44, 55, 66, 77, 88 e
99), a configuração permanece igual, no entanto, a mão é
direcionada para a frente, com movimentos para a direita
e para a esquerda.

.........................................................................................................
Datilologia e números 65

b) Números quantitativos: para a representação dos nú-


meros quantitativos, os sinais sofrem modificações so-
mente nos numerais de um a quatro; os demais continuam
iguais aos cardinais.

1 2 3 4

Exemplos:

UMA bola

DOIS pássaros

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66 LIBRAS e suas estruturas

TRÊS cadeiras

QUATRO cachorros

Cardinais de UM a QUATRO Ordinais de UM a QUATRO

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Datilologia e números 67

c) Números ordinais: apresentam as mesmas configura-


ções dos números cardinais, no entanto, são acrescentados
movimentos para cima e para baixo. A partir do número
10, não há mais diferenciações.

0º 1º 2º 3º

4º 5º 6º 7º

8º 9º

..........................................................................................................
68 LIBRAS e suas estruturas

ESTRUTURAÇÃO DE SENTENÇAS EM
LIBRAS

A LIBRAS tem uma gramática diferenciada da gramática


da língua portuguesa e também distingue-se pela constru-
ção das sentenças, já que, apesar de igualmente apresentar
sentenças na ordem SVO (sujeito-verbo-objeto), suas sen-
tenças privilegiam muitas vezes a utilização de tópico-co-
mentário. Isso significa que o objeto passa a ser o tópico
da sentença, enquanto o verbo, o sujeito e os outros com-
ponentes são o comentário do tópico. O tópico é o assunto
importante da sentença, posicionado no início da frase e
seguido de comentários a respeito desse assunto. Assim,
podemos encontrar em LIBRAS a ordem OSV (objeto-sujei-
to-verbo) ou ainda, segundo Quadros e Karnopp (2004), a
ordem SOV (sujeito-objeto-verbo). As duas ordens, OSV e
SOV, ocorrem quando há “alguma coisa a mais na senten-
ça, como concordância e marcas não manuais” (QUADROS;
KARNOPP, 2004, p. 140).

Destacamos que os verbos na língua de sinais podem ser


divididos em duas classes (QUADROS; KARNOPP, 2004, p.
156): (i) sem concordância, ou seja, aqueles que exigem
argumentos explícitos, pois não existe nenhuma marca
no verbo com os demais elementos da frase (TER, FALAR,
AMAR, CONHECER); (ii) com concordância, ou seja, aqueles
que estão associados a marcações não manuais (expres-
sões) e movimento direcional (DIZER, ENTREGAR, AJUDAR,
REMETER).

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Estruturação de sentenças em LIBRAS 69

Observe o exemplo das autoras sobre as possibilidades de


sentença, vinculadas à concordância e às marcas não ma-
nuais, na gravura abaixo:

Fonte: QUADROS; KARNOPP, 2004, p. 141.

Pode ser assim elaborada:


- TV EL@ ASSISTE (OSV).
- EL@ TV ASSISTE (SOV).

A ordem dos sinais na construção de uma sentença obede-


ce a regras próprias da LIBRAS, que refletem a forma de o
surdo processar suas ideias com base em sua percepção vi-
sual-espacial da realidade. Por isso, os autores concordam
que não é tão fácil determinar a ordem básica das palavras
nas sentenças. Estudos demonstram que a topicalização é
realmente preferida quando não há restrições que impe-
çam certos constituintes de se deslocarem. A questão é a
diferenciação entre as sentenças em português e língua de
sinais: a primeira é uma língua de base sujeito-predicado
e só aceita a ordem SVO; a segunda é uma língua do tipo
tópico-comentário e aceita outras formas de flexibilização,
como as ordens OSV e SOV.

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70 LIBRAS e suas estruturas

Tipos de frases na LIBRAS


Na LIBRAS, os tipos de frases são produzidos por meio das
expressões faciais e corporais realizadas simultaneamente:

Afirmativa Negativa

Interrogativa Exclamativa

Afirmativa: a expressão facial é neutra.

Interrogativa: sobrancelhas franzidas e um ligeiro movi-


mento da cabeça, inclinando-se para cima.

Exclamativa: sobrancelhas levantadas e um ligeiro movi-


mento da cabeça, inclinando-se para cima e para baixo.

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Estruturação de sentenças em LIBRAS 71

Imperativa: ordem. Ex.: “Cala a boca!”.

Negativa: a negação pode ser feita a partir de três processos:

a) Pode ser incorporada a um sinal de negação diferente do


sinal afirmativo:

TER/NÃO-TER GOSTAR/NÃO-GOSTAR

b) Pode ser realizada com um movimento negativo com a


cabeça, simultaneamente à ação que está sendo negada.

CASAD@ EU NÃO

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72 LIBRAS e suas estruturas

c) Acrescenta-se o sinal NÃO (com o dedo indicador) à fra-


se afirmativa. Ex.: NÃO COMER.

NÃO COMER

Importante: em algumas ocasiões, podem ser utilizados


dois tipos de negação ao mesmo tempo. Ex.: NÃO PODER.

NÃO PODER

As diferenciações nos códigos linguísticos


entre a LIBRAS e a língua portuguesa para
produção das sentenças
O homem, historicamente, criou símbolos e signos de vá-
rios tipos (linguísticos, pictóricos e gráficos) com o intuito
de comunicar-se. Assim, toda língua se compõe de signos
linguísticos, que são as unidades de significação, que pos-
suem um significante (uma memória de um termo) e um
significado (conceito contido em um signo, acionado pelo
significante).

.........................................................................................................
Estruturação de sentenças em LIBRAS 73

Carvalho (2003) destaca que o significado é uma ideia de


plano de expressão (plano físico), a parte perceptível do
signo. Nessa concepção, representações espaciais realiza-
das pelos surdos, além de conterem conteúdo sintático-se-
mântico, têm a sua “impressão psíquica” pela forma de os
movimentos produzirem os sinais. O significante seria a
forma como é passada a informação, e o significado seria
o conteúdo. Sob essa ótica, podemos, assim, diferenciar a
representação dos códigos linguísticos entre sujeitos ou-
vintes e sujeitos surdos.

Para os ouvintes, o significante (forma) é uma imagem


acústica, e o significado é o conceito de características
que definem as coisas. Já para os surdos, o significante
(forma) é a imagem cinética, e o significado, o conceito
de características que definem as coisas. Observa-se, as-
sim, que nem todo significante é uma imagem acústica.
A diferença, a priori, entre a língua oral-auditiva e a vi-
sual-espacial é a natureza do significante: a primeira se
manifesta por sons; a segunda, por gestos. Quando se si-
naliza cadeira em LIBRAS, o surdo capta aquela imagem e
o conceito subjetivo de cadeira que possui registrado no
cérebro (ARAÚJO, 2015).

A linguagem é restringida por determinados princí-


pios (regras) que fazem parte do conhecimento hu-
mano e determinam a produção oral ou visoespacial
dependendo da modalidade das línguas (falada ou
sinalizada), da formação das palavras, da constru-
ção de sentenças e da construção dos textos. (QUA-
DROS, 2006, p. 16)

Dessa forma, as estruturas frasais na LIBRAS (modalidade


visoespacial) são diferenciadas da língua portuguesa (mo-
dalidade oral) e, consequentemente, da produção de suas

..........................................................................................................
74 LIBRAS e suas estruturas

sentenças. A partir de diferentes estudos já realizados na


área da surdez, pode-se exemplificar algumas principais
características da produção das sentenças em LIBRAS.

• Não existem artigos e elementos de ligação (pre-


posição, conjunções, pronomes relativos, entre ou-
tros).

• Os verbos são apresentados sem flexões de tem-


po; na LIBRAS, o tempo é expresso por meio de re-
lações espaciais.

• O uso de verbo de ligação é inexistente.


• Ausência de desinência para gênero e número.
• Muitas vezes, os surdos, quando percebem a exis-
tência de lacunas no texto, tentam preenchê-la com
alguma palavra conhecida; caso não haja, inventam
uma palavra nova. Segundo Góes (1999), algumas
dessas invenções aparentam alguma coerência, por
exemplo: “LUZIA E AMIGA EMBORAMOS A CASA”
(em que o advérbio “embora”, usado como “ir embo-
ra”, ganhou o sufixo “mos”, assumindo a forma de
verbo). Essas características da escrita aparecem nas
produções textuais, já que a transcrição é produto
da forma com que você pensa linguisticamente.

Segundo Quadros (2006, p. 35), a língua de sinais “é uma


língua espacial-visual, pois utiliza a visão para captar as
mensagens e os movimentos, principalmente das mãos,
para transmiti-la”. Dessa forma, podemos assim distingui-
-la quanto à fonologia:

.........................................................................................................
Estruturação de sentenças em LIBRAS 75

Língua portuguesa (oral) LIBRAS (visual-espacial)


Configuração da mãos
Fonético/fonológico.
(quiremas).

Morfológico. Ponto de articulação.

Sintático. Movimento.

Semântico. Orientação.

Textual/discursivo. Expressões.

A mudança do quirema modifica o sentido do sinal, do


mesmo modo que a mudança do fonema altera o sentido
da palavra. Nas línguas de sinais, os fonemas podem ser
articulados simultaneamente (ARAÚJO, 2015).

Ao se discutir sobre LIBRAS e suas estruturas, notamos


uma diferenciação linguística entre ela e a língua portu-
guesa, já que a primeira é de modalidade visual-espacial,
e a segunda, de modalidade oral. Nessa perspectiva, a LI-
BRAS possui uma gramática e regras numéricas próprias,
que constituem e são constituintes na forma de escrever
e entender números, palavras ou frases construídas pelos
sujeitos surdos.

Para a produção de uma palavra que tem um sinal, é ne-


cessário utilizar os cinco parâmetros da LIBRAS, que são:
articulação das mãos (formas possíveis das mãos); ponto
de articulação (ponto em que incide o sinal); movimento
(o sinal pode ou não ter, no entanto existem tipos de mo-
vimentos); orientação (direcionalidade das mãos); expres-
sões faciais e corporais (representam emoções, sentimen-
tos, afirmação, negação, interrogação etc.).

..........................................................................................................
76 LIBRAS e suas estruturas

Algumas configurações de mãos representam o alfabeto


manual — datilologia —, utilizado para locais, nomes ou
palavras para os quais não existem sinais, bem como para
representar os numerais que se distinguem nas formas de
apresentação. Por exemplo, os numerais cardinais se dis-
tinguem dos ordinais, pois estes apresentam movimentos
(para cima e para baixo) do número um ao nove; os demais
permanecem iguais aos cardinais. Na quantidade, os nú-
meros de um a quatro também apresentam modificações
em suas produções.

Ao definir a língua de sinais, podemos concluir que sua


estrutura gramatical, tal como as línguas orais, possui re-
gras fonológicas (representadas pelo som), e estas, em LI-
BRAS, são representadas por quiremas (feitas por gestos).
Nesse contexto, a LIBRAS possui regras morfológicas, se-
mânticas e sintáticas, assuntos que serão aprofundados
posteriormente, mas que aqui servem como parâmetro
para diferenciação nas formas de comunicação que es-
tão presentes em ambas as línguas, distinguindo-se em
suas modalidades, bem como no entendimento de que,
na LIBRAS, os fonemas podem ser realizados concomi-
tantemente.

.........................................................................................................
77

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luzia Cristina Nogueira de. Alfabetização/le-


tramento para surdos: desafios à inclusão qualitativa. In:
CONGRESSO NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12., 2015, Curi-
tiba. Anais eletrônicos... Curitiba: PUC, 2015. p. 16.377-
16.389. Disponível em: <http://educere.bruc.com.br/
arquivo/pdf2015/22096_10625.pdf>. Acesso em: 22 set.
2015.

BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação


Especial. Ensino de língua portuguesa para surdos: ca-
minhos para a prática pedagógica. Programa Nacional de
Apoio à Educação de Surdos. Brasília: MEC, 2004. Dispo-
nível em: <portal.mec.gov.br/seesp/arquivos/pdf/lpvol1.
pdf>. Acesso em: 23 set. 2015.

BRITO, L. F. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio


de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

CARVALHO, Rosita Edler. A nova LDB e a Educação Espe-


cial. Rio de Janeiro: WVA, 2003.

GÓES, M. C. R. Linguagem, surdez e educação. 2. ed. São


Paulo: Autores Associados, 1999.

PARÂMETROS (significado). In: DICIONÁRIO inFormal.


Rio de Janeiro: Dicionário inFormal, 2015. Disponível em:
<http://www.dicionarioinformal.com.br/par%C3%A2me-
tros/>. Acesso em: 24 set. 2015.

..........................................................................................................
78 LIBRAS e suas estruturas

QUADROS, Ronice. M. de. Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ:


Arara Azul, 2006. (Série Pesquisas).

QUADROS, Ronice Müller; KARNOPP, Lodenir Becker. Lín-


gua de sinais brasileira: estudos linguísticos. Porto Ale-
gre: Artmed, 2004.

VILELA, Genivalda Barbosa. Histórico da educação do sur-


do no Brasil, 2007. Disponível em: <http://flavianouece.
blogspot.com.br/>. Acesso em: 19 set. 2015.

.........................................................................................................
Verbos e pronomes 79

CAPÍTULO 3
ASPECTOS GRAMATICAIS

É interessante observarmos o papel singular da gramática


nas comunicações variadas, a partir da qual todas as lín-
guas definem regras de uso para estabelecer uma relação
social contínua entre seus cidadãos. No caso brasileiro —
em que suas duas línguas oficiais, LIBRAS (visual-espacial)
e português (oral), estabelecem gramaticalmente estruturas
linguísticas diferenciadas e, ao mesmo tempo, ressalta-se
a importância do bilinguismo —, torna-se necessário co-
nhecer os aspectos gramaticais de ambas as línguas como
forma de contemplar a concepção de homem-sujeito que
estabelece com o mundo uma relação consciente de trocas
significativas, concretizadas a partir da compreensão do
papel social da gramática do processo comunicativo.

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80 Aspectos gramaticais

VERBOS E PRONOMES

Verbos e pronomes são elementos constitutivos gramati-


cais presentes na LIBRAS e na língua portuguesa. No en-
tanto, ambas as línguas possuem gramáticas próprias, por
conta de suas modalidades: a primeira, visual-espacial, e a
segunda, oral. Começaremos nossos estudos sobre verbos
e pronomes conceituando-os etimologicamente para uma
melhor compreensão, não só de seus significados, mas
também da melhor maneira de diferenciá-los e empregá-
-los na LIBRAS.

VERBO: SIGNIFICADO
Verbo “é uma palavra com origem no termo em latim ver-
bum, que significa ‘palavra’. Na gramática da língua portu-
guesa, designa a classe de palavras que indicam ação, uma
situação ou mudança de estado” (SIGNIFICADOS, 2015).
Os verbos podem ser flexionados em pessoa (pessoa do
discurso), modo (a forma como se declara algo), número
(singular ou plural), tempo (momento da realização ou não
do fato) e voz (ativa: sujeito pratica a ação; passiva: sujeito
sofre a ação; reflexiva: sujeito pratica e sofre a ação).

PRONOME: SIGNIFICADO
Pronome “é a classe de palavras que substitui o substanti-
vo (nome). Tem a finalidade de indicar a pessoa do discur-
so ou situar no tempo e espaço, sem utilizar o seu nome”
(SIGNIFICADOS, 2015). Os pronomes podem variar em gê-
nero, número e pessoa.

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Verbos e pronomes 81

Verbos na língua portuguesa

Quanto à ESTRUTURA:
Na língua portuguesa, existem verbos que são estrutu-
ralmente formados a partir do radical, do tema e das
desinências.

O radical é responsável pelo sentido do verbo, ou seja,


é o seu significado básico. Ressaltamos que, na língua
portuguesa, os radicais dão o significado das palavras,
não só dos verbos.

O tema é a vogal que se une ao radical e identifica a


conjugação do verbo (1ª, 2ª ou 3ª conjugação), determi-
nando as desinências (flexões dos verbos: de número,
pessoa, modo e tempo). Destacamos que há dois tipos
de desinências: a número-pessoal, que designa a pessoa
do discurso, e a modo-temporal, que designa o tempo e
o modo do verbo.

Ex.: entenderei:

entend + e + rei

radical + vogal temática: 2ª conjugação (entender) + de-


sinências: primeira pessoa do singular (número-pessoal:
eu); futuro do presente (tempo) do indicativo (modo).

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82 Aspectos gramaticais

Os verbos são flexionados em:

Número Pessoa Tempo Modo Voz

Presente Ativa
(indicativo); (sujeito pra-
Indicativo (o
pretérito tica a ação).
fato é real).
(pretérito
Eu, tu, ele/ perfeito, preté- Passiva
Subjuntivo (o
Singular ela, nós, rito imperfeito, (sujeito so-
fato expressa
ou plural. vós, eles/ pretérito mais- fre a ação).
dúvidas).
elas. -que-perfeito);
futuro (futuro Reflexiva
Imperativo
do presente, (sujeito pra-
(ordem).
futuro do tica e sofre
pretérito). a ação).

Quanto à CLASSIFICAÇÃO:
Os verbos na língua portuguesa são classificados quanto à:

CONJUGAÇÃO
• Primeira, com terminação em ar. Ex.: cantar.
• Segunda, com terminação em er. Ex.: vender.
• Terceira, com terminação em ir. Ex.: dirigir.

SEMÂNTICA
• Transitivos: requerem complemento. Ex.: Quem
faz, faz alguma coisa.

• Intransitivos: não necessitam de complemento.


Ex.: andar, viver, correr etc. Ex.: “Não corra!”.

• Impessoais: não possuem sujeito. Ex.: “Chega de


brincar”.

• Verbos de ligação: indicam o estado do sujeito e


fazem a ligação entre dois termos. Ex.: ficar. “Luzia
ficou perplexa”.

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Verbos e pronomes 83

MORFOLOGIA
• Regulares: que não apresentam alterações no
radical, e as terminações seguem o modelo de sua
conjugação. Ex.: eu canto; tu cantas; ele canta; nós
cantamos; vós cantais; eles cantam.

• Irregulares: aqueles que se afastam do modelo de


conjugação dos verbos regulares, apresentando alte-
rações no radical e/ou nas desinências, que incluem
os verbos: anômalos (existem radicais diferentes,
como o verbo SER: sou, és, era, fui etc.), defectivos
(faltam algumas formas na sua conjugação, como o
verbo chover, que só é conjugado na 3ª pessoa do
singular, e colorir, que não tem pessoa do singular
do presente do indicativo) e abundantes (apresen-
tam mais de uma forma em uma mesma flexão,
como o verbo acender, que, no particípio regular, é
acendido, e, no irregular, aceso. Geralmente, o parti-
cípio regular é usado com os verbos auxiliares ter e
haver (ex.: “Eu tinha acendido o forno para grelhar o
frango.”), e o particípio irregular, com os verbos ser
e estar (ex.: “A fogueira foi acesa na festa junina.”).

Verbos na LIBRAS

Quanto à ESTRUTURA:
Diferentemente dos verbos da língua portuguesa, os verbos
em LIBRAS apresentam a flexão a partir de mecanismos
discursivos, contextuais e espaciais. A marca do tempo,
em geral, é representada pelos sinais, que vêm seguidos
de uma marca de passado, futuro ou presente, ou pelas
noções temporais, tais como ontem, anteontem, amanhã,
manhã, noite, tarde.

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84 Aspectos gramaticais

Seguem abaixo alguns exemplos:

Passado

TERÇA-FEIRA PASSADO EU-IR CASA AMIG@.

Presente

HOJE EU-IR CASA AMIG@.

Futuro

FUTURO EU-IR CASA AMIG@.

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Verbos e pronomes 85

Ontem Anteontem

ONTEM EU-IR CASA AMIG@.

ANTEONTEM EU-IR CASA AMIG@.

Quanto à CLASSIFICAÇÃO:
Os verbos em LIBRAS podem ter as seguintes classificações:

1) Verbos sem concordância ou verbos simples: são ver-


bos não direcionais, ou seja, não possuem afixos locativos,
não flexionam e são divididos em duas subclasses:

• Ancorados no corpo: verbos realizados com con-


tato muito próximo do corpo.

Ex.: CONHECER, AMAR, APRENDER, SABER, GOS-


TAR, ENTENDER.

• Verbos que incorporam o objeto: quando o verbo


incorpora o objeto.

Ex.: TROCAR-COPO, TROCAR-BEIJO, TROCAR-SO-


CO.

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86 Aspectos gramaticais

2) Verbos com concordância: verbos direcionais, isto é,


que se direcionam a pessoas, números e aspecto. Ex.: “EU
AVISO VOCÊ”; “VOCÊ ME AVISA.”

EU AVISO VOCÊ VOCÊ ME AVISA

3) Verbos espaciais: verbos com afixos locativos.

Exemplos:

CHEGAR COLOCAR IR

Também podem ser aqui inseridos os verbos manuais (ou


classificadores), que usam classificadores e incorporam a
ação, bem como verbos instrumentais, nos quais o formato
do instrumento que está sendo usado para realizar aque-
la ação modifica o formato da configuração da mão. Ex.:
CORTAR-FACA; CORTAR-TESOURA (QUADROS; KARNOPP,
2004).

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Verbos e pronomes 87

Exemplos de verbos instrumentais:

REVÓLVER ATIRAR-CABEÇA ATIRAR-PEITO ATIRAR-BOCA

“Eu atiro na “Eu atiro no “Eu atiro na


minha cabeça“ meu coração“ minha boca“

TESOURA CORTAR-CABELO CORTAR-TECIDO CORTAR-UNHA

“Eu corto o cabelo“ “Eu corto o tecido“ “Eu corto as unhas“

CORTAR-COM-FACA OPERAR-CORAÇÃO FAZER-CESARIANA OPERAR-ÚTERO

“Faca“ “Ele opera “Ele opera “Ele opera o útero“


o coração“ cesariana“

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88 Aspectos gramaticais

Pronome em LIBRAS
Como anteriormente já enfatizado, os pronomes servem para
indicar a pessoa do discurso ou situar tempo e espaço, sem
utilizar o seu nome. No entanto, em LIBRAS, encontramos
algumas diferenças em relação à representação do sistema
pronominal da língua portuguesa, como veremos abaixo:

Pronome em LIBRAS

Demons-
Pessoais Possessivos Interrogativos Indefinidos
trativos
Primeira Olhar e ME@, TE@, QUE, QUEM, NINGUÉM
pessoa: apontar para SE@, NOSSO. ONDE, (usado
(singular, o lugar, que QUANDO, somente
dual, trial, pode estar per- Obs.: Esses POR QUE/ para pes-
quatrial e to ou distante. pronomes PORQUE (a soa), NADA
plural): não têm expressão do (usado para
EU, NÓS-2, EST@, ESS@, marca de rosto diferencia pessoas
NÓS-3, AQUEL@, LÁ, gênero o contexto, e coisas),
NÓS-4, AQUI. e estão determinando NENHUM,
NÓS-GRU- relacionados se a frase é CADA UM,
PO, NÓS- Obs.: Não às pessoas interrogativa ALGUM,
-TOD@. há marca de do discurso ou explicativa). TODO.
gênero. (mão em
Segunda formato de P Obs. Todos
pessoa: direcionada os sinais têm
VOCÊ, à pessoa do uma expressão
VOCÊ-2, discurso). facial interro-
VOCÊ-3, gativa feita si-
VOCÊ-4, multaneamen-
VOCÊ-GRU- te com eles.
PO, VOCÊ-
-TOD@.

Terceira
pessoa:

EL@, EL@-
2, EL@-3,
EL@-4,
EL@-
-GRUPO,
EL@-TOD@.

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Adjetivos e advérbios 89

ADJETIVOS E ADVÉRVIOS

Os adjetivos em LIBRAS, tal como na língua portuguesa,


servem para caracterizar uma pessoa, um lugar ou um ob-
jeto. A diferença é que, na língua de sinais:

• Não há marca de gênero (masculino e feminino).


• Não há número (singular e plural).
• Aparecem, geralmente, logo após o substantivo
que qualificam.
• Muitos apresentam iconicamente uma qualidade
do objeto.
• Podem mostrar a característica desenhando-a no
ar ou mostrando-a a partir do objeto ou do corpo do
emissor.

Exemplos de alguns adjetivos:

(físico)
DURO MOLE FORTE

FRACO

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90 Aspectos gramaticais

GORDO MAGRO GRANDE PEQUENO

Os advérbios, na LIBRAS, assim como na língua portuguesa,


também modificam o verbo, expressando circunstância de
ação verbal, e podem ainda modificar um adjetivo ou até
mesmo outro advérbio. Podem ser de modo, tempo ou lugar.

Advérbio de modo: modificam o verbo e o adjetivo de


acordo com o movimento (acelerado, rápido, calmo, lento),
ou seja, quando há repetição do sinal e a incorporação do
intensificador, o sinal se modifica. A maior parte dos ad-
vérbios modifica o verbo, acrescentando uma circunstân-
cia. Apenas os de intensidade podem modificar adjetivos
e advérbios.

Advérbio de modo

OLHAR OLHAR OLHAR


ATENÇÃO ATENÇÃO DESDENHOSAMENTE

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Adjetivos e advérbios 91

Intensificador

BONIT@ CANSAD@
BONIT@ MUITO CANSAD@ MUITO

Advérbio de tempo: como no caso dos verbos, quando o


advérbio se refere a passado, futuro ou presente, o tempo
da ação ou evento será marcado por itens lexicais ou sinais
adverbiais (ROSA, 2008), tais como: ONTEM, ANTEONTEM,
AMANHÃ, HOJE, AGORA, SEMANA-PASSADA, SEMANA-
-QUE-VEM.

Alguns exemplos:

PASSADO AGORA FUTURO

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92 Aspectos gramaticais

ONTEM HOJE AMANHÃ

MANHÃ TARDE NOITE

Advérbio de lugar: os advérbios AQUI, AÍ, ALI e LÁ têm


a mesma configuração de mãos dos pronomes demons-
trativos: apontando com o dedo indicador, configuração
em “d” e direcionando o olhar de acordo com a distância.
Já para a expressão dos advérbios PERTO e LONGE, são
incorporados movimentos e expressões faciais e corporais
que acrescentam ideia de perspectiva e de intensificação
da distância.

LONGE DISTÂNCIA

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Adjetivos e advérbios 93

PERTO/LOGO ALÍ PERTO/PRÓXIMO

PAÍS CENTRO ESTADO

LONGE MUITO-LONGE

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94 Aspectos gramaticais

MORFOLOGIA, SINTAXE E
CLASSIFICADORES

Destacamos que, na LIBRAS, assim como nos demais idio-


mas, o acervo de sinais é conceituado de léxico (conjun-
to de palavras de uma língua), ou seja, é todo universo
de palavras (sinais) que as pessoas de uma determinada
língua têm à disposição para expressarem-se oralmente,
por sinais ou por escrito. Ressaltamos que a característi-
ca básica do léxico é a mutabilidade, pois ele está sempre
em evolução, com palavras, sinais e formas que se tornam
obsoletos enquanto outros são incorporados ou têm seu
sentido alterado.

De acordo com Brito (1997, p. 23):

A LIBRAS é dotada de uma gramática constituída


a partir de elementos constitutivos das palavras
ou itens lexicais e de um léxico (o conjunto das
palavras da língua) que se estruturam a partir de
mecanismos morfológicos, sintáticos e semânticos
que apresentam especificidade, mas segue também
princípios básicos gerais. Estes são usados na gera-
ção de estruturas linguísticas de forma produtiva,
possibilitando a produção de um número finito de
regras. É dotada também de componentes prag-
máticos convencionais, codificados no léxico e nas
estruturas da LIBRAS e de princípios pragmáticos
que permitem a geração de implícitos sentidos me-
tafóricos, ironias e outros significados não literais.
Estes princípios regem também o uso adequado
das estruturas linguísticas da LIBRAS, isto é, per-
mitem aos seus usuários usar estruturas nos dife-
rentes contextos que se lhes apresentam, de forma
a corresponder as diversas funções linguísticas que

.........................................................................................................
Morfologia, sintaxe e classificadores 95

emergem da interação do dia a dia e de outros tipos


de uso da língua.

À vista disso, a autora destaca que a gramática é constituí-


da por elementos que se estruturam dentro de uma lógica
específica para formação das palavras, para possibilitar
seus usuários a usarem estruturas linguísticas em diferen-
tes contextos. Ela enfatiza, ainda, que tais estruturas se
consolidam a partir da MORFOLOGIA, que, na LIBRAS, é
responsável pelo estudo da estrutura, da formação e da
classificação das palavras e das unidades mínimas com
significado — os morfemas —, que são combinados e en-
riquecidos com vários movimentos no espaço de sinaliza-
ção. De acordo com as autoras Quadros e Karnopp (2004,
p. 87): “As línguas de sinais têm um léxico e um sistema de
criação de novos sinais em que as unidades mínimas com
significado (morfemas) são combinadas.”

Brito (1997) destaca os mecanismos semânticos e sintáti-


cos como também constitutivos das palavras. A semântica
ocorre na relação entre significantes de sinais e o que estes
representam, ou seja, estuda o significado dos sinais. Já a
sintaxe refere-se às regras sintáticas de um sistema de leis
que permite estudar uma linguagem genuinamente sob o
seu aspeto formal, sem alusão à significação ou ao uso que
dela se faz, ou seja, estuda as relações estabelecidas entre
os sinais nas orações ou entre as orações nos períodos.

A sintaxe espacial apresenta a possibilidade de estabe-


lecermos relações gramaticais no espaço de diferentes
formas. No espaço em que são realizados os sinais, o es-
tabelecimento nominal e o uso do sistema pronominal são
fundamentais para tais relações sintáticas. Segundo Qua-

..........................................................................................................
96 Aspectos gramaticais

dros (2006), qualquer referência usada no discurso requer


a especificação de um local no espaço de sinalização (espa-
ço definido na frente do corpo do sinalizador). Ela comple-
menta ainda que o uso do sistema pronominal é realizado
por meio do sinalizador, ao apontar para um local específi-
co no espaço (estipulado pelo sinalizador quando a pessoa
estiver ausente) ou para a própria pessoa, se ela estiver
presente. O sistema de verbos com concordância também é
realizado espacialmente. Os sinais desses verbos só se mo-
vem no espaço, carregando marcas para pessoa e número a
partir de indicações nele. Além disso, especificam o sujeito
e o objeto do verbo (QUADROS, 2006).

Classificadores nas línguas de sinais


Os classificadores são um tipo de morfema que especifica
o movimento e a posição dos animais, coisas e pessoas,
descrevendo-os a partir das configurações das mãos. Po-
dem ser afixados a um morfema lexical (sinal) para indicar
a classe a que pertence o sinal, para descrevê-lo quanto
à forma, tamanho, textura, cheiro, olhar, som, paladar ou
formas visuais, ou como esse referente se comporta na
ação verbal (semântico), e podem funcionar como marca-
dores de concordância.

São formas que substituem o nome que as precedem e po-


dem vir junto ao verbo para classificar o sujeito ou o obje-
to que está ligado à ação do verbo. Quanto a isso, observe
os exemplos abaixo, como o verbo CAIR, que, dependendo
do sujeito da frase, terá uma configuração para concordar
com a pessoa, a coisa ou animal:

.........................................................................................................
Morfologia, sintaxe e classificadores 97

CAIR CAIR
COISA-PLANA COISA-FINA-E-LONGA

ANDAR ANDAR/MOVER
PESSOA PESSOA

MOVER (md) PESSOA ANDAR/MOVER


MOVER (me) PESSOA ANIMAL

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98 Aspectos gramaticais

Os sinais de pessoas, animais, coisas e veículos, quando


usados gramaticalmente como classificadores, modificam-
-se e possuem configurações de mãos específicas. Observe
abaixo as configurações que representam os classificadores:

Representação
CM
Descrição de uso

Carros, livros e fitas VHS,


B
pés (objetos planos).

B braço
Pernas, com foco nos pés.
estendido

(Pinça - sem profundidade)


bO
lápis, pegar objetos finos.

Latas, copos, objetos cilín-


C
dricos com profundidade.

(Pinça - com profundidade)


C- circunflexo
livros, pegar objetos de
ou Cˆ
largura mediana.

Olhos, moedas, objetos


F
redondos unidimensionais.

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Morfologia, sintaxe e classificadores 99

Pernas, olhos (linha do olhar),


lápis, entidades rígidas,
G1 compridas e finas (poste,
agulha); uma pessoa (orienta-
ção da palma não marcada).

R Pernas cruzadas.

U palma para
Pessoa, corpo (tam-
dentro ou
bém alguns animais).
menos visível

Olhos, linha do olhar; duas


V
pessoas lado a lado.

V-curvo
... Carros, pequenos animais.
ou V

V palma
Pessoa (pernas abertas).
para dentro

Fila de pessoas; plu-


4
ral da CM G1.

5 Mãos.

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100 Aspectos gramaticais

Tipos de classificadores

1) Classificadores descritivos
As descrições visuais podem ser captadas de acordo com
as imagens dos objetos animados ou inanimados. Piz-
zio et al. (2009) destacam que podemos observar aspec-
tos como som, tamanho, textura, paladar, tato, cheiro,
“olhar”, sentimentos ou formas visuais, bem como a lo-
calização e a ação incorporada ao classificador. Os clas-
sificadores descritivos podem ter até três dimensões: (i)
dimensional (dá dimensões determinadas e adequadas de
acordo com o que está sendo visualizado); (ii) bidimensio-
nal (dá o dobro das dimensões determinadas, adequando-
-as ao que está sendo visualizado); (iii) tridimensional (dá
as três dimensões do que está sendo visualizado, dando a
sensação de penetração do relevo visual). Na descrição vi-
sual, para referir forma, tamanho, textura, paladar, chei-
ro, sentimentos, “olhar” ou desenhos de forma assimétri-
ca ou simétrica, utiliza-se, dependendo da situação, uma
ou duas mãos. Ex.: A FORMA E O PALADAR DO ABACAXI
(PIZZIO et al., 2009).

Ainda segundo as autoras, existem também o classificador


descritivo locativo, envolvendo uma ação que determina o
objeto em relação a outro objeto, animado ou inanimado,
como, por exemplo, CARRO BATENDO NO POSTE, e outro
classificador descritivo, que envolve a ação ou a posição de
várias partes do corpo humano, objetos animados e inani-
mados. Ex.: LÍNGUA SABOREANDO COMIDA GOSTOSA.

2) Classificadores especificadores
Descreve visualmente a forma, o tamanho, a textura, o pa-
ladar, o cheiro, os sentimentos, o “olhar” e os “sons” do

.........................................................................................................
Morfologia, sintaxe e classificadores 101

material, do corpo da pessoa e dos animais. Ex.: SOM DO


RELÓGIO DO DESPERTADOR.

Nessa classificação, inserem-se os classificadores que es-


pecificam elementos gasosos (ex.: FUMAÇA DO CIGARRO),
os que descrevem os símbolos das logomarcas (ex.: MCDO-
NALDS) e os que descrevem os números relacionados ao
objeto animado e inanimado (ex.: NÚMERO DA CAMISA DE
FUTEBOL) (PIZZIO et al., 2009).

3) Classificadores de plural
A configuração de mão substitui o objeto em si, repetindo
o sinal várias vezes. Ex.: para se referir a um conjunto de
cadeiras lado a lado, faz-se o sinal de cadeira repetidas ve-
zes, como se estivessem uma ao lado da outra. Observa-se
que a repetição acompanha o posicionamento de como se
encontra o objeto, ou seja, se as cadeiras estiverem posi-
cionadas em círculo, a repetição será de forma circular.

Os classificadores para PESSOA e ANIMAL podem ter plu-


ral, que é marcado ao se representar duas pessoas ou ani-
mais simultaneamente com as duas mãos ou fazendo um
movimento repetido em relação ao número.

Pessoas em fila
EM-FILA PESSOAS

..........................................................................................................
102 Aspectos gramaticais

Pessoas em pé, em círculo


EM-PÉ-EM-CÍRCULO PESSOAS

4) Classificadores instrumentais
É a incorporação do instrumento, descrevendo a ação ge-
rada por ele. Ex.: USAR A FURADEIRA; ESCOVAR DENTES
(PIZZIO et al., 2009).

5) Classificadores de corpo
Pizzio et al. (2009) ressaltam que esse classificador des-
creve como uma ação acontece na realidade por meio da
expressão corporal de seres animados. Ex.: O ANDAR DO
CACHORRO; O ANDAR DO ELEFANTE.

Este capítulo destacou que falar com as mãos é combinar


os elementos gramaticais, como verbos, pronomes, adje-
tivos, advérbios, morfologia e classificadores, para for-
mar palavras e frases em um contexto. É válido destacar
que, para conversar e escrever em qualquer língua, não
basta conhecer as palavras, é preciso aprender as regras
gramaticais e a combinação destas em frases. Os surdos
utilizam sua gramática própria, com expressões, intensi-
ficadas ou não, para representar seus sentimentos, ideias
e pensamento.

.........................................................................................................
Morfologia, sintaxe e classificadores 103

Pode-se observar que a gramática é uma atividade linguís-


tica que não corresponde a uma simples decodificação de
símbolos, mas de fato envolve a interpretação e a compre-
ensão de suas regras, pois é a partir delas que nos comu-
nicamos, e, assim, podemos compreender e entender a re-
alidade em que estamos inseridos e chegar a importantes
conclusões sobre o mundo em que vivemos e os aspectos
que o compõem.

..........................................................................................................
104 Aspectos gramaticais

REFERÊNCIAS

BERNARDINO, Elidéa Lúcia Almeida. O uso de classifica-


dores na língua de sinais brasileira. ReVEL, v. 10, n. 19,
2012. Disponível em: <http://www.revel.inf.br/files/6ec-
f02602b4f746097e5749734cfd433.pdf>. Acesso em: 22
out. 2015.

BRITO, L. F. Por uma gramática de línguas de sinais. Rio


de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997.

FELIPE, Tanya A. LIBRAS em contexto: curso básico/livro


do estudante. 8. ed. Rio de Janeiro: WalPrint, 2007. Dispo-
nível em: <http://www.funorte.com.br/files/Livro_Estu-
dante_2007_Libras.pdf>. Acesso em: 22 out. 2015.

PIZZIO, Aline Lemos et al. Língua Brasileira de Sinais


III. Florianópolis: UFSC, 2009. Disponível em: <http://
www.libras.ufsc.br/colecaoLetrasLibras/eixoFormacao-
Especifica/linguaBrasileiraDeSinaisIII/assets/263/TEX-
TO_BASE_-_DEFINITIVO_-_2010.pdf>. Acesso em: 12 out.
2015.

PRONOME (significado). In: SIGNIFICADOS.com.br. Matosi-


nhos: 7Graus, 2015. Disponível em: <http://www.signifi-
cados.com.br/pronome/>. Acesso em: 20 out. 2015.

QUADROS, Ronice. M. de. Estudos Surdos I. Petrópolis, RJ:


Arara Azul, 2006. (Série Pesquisas).

.........................................................................................................
105

QUADROS, R. M.; KARNOPP, L. B. Língua de sinais brasi-


leira: estudos linguísticos. Porto Alegre: Artmed, 2004.

ROSA, Andréa da Silva. Entre a visibilidade da tradução


da língua de sinais e a invisibilidade da tarefa do in-
térprete. Petrópolis, RJ: Arara Azul, 2008. Disponível em:
<http://www.editora-arara-azul.com.br/pdf/livro5.pdf>.
Acesso em: 22 nov. 2015.

VERBO (significado). In: SIGNIFICADOS.com.br. Matosi-


nhos: 7Graus, 2015. Disponível em: <http://www.signifi-
cados.com.br/verbo/>. Acesso em: 18 set. 2015.

..........................................................................................................
106

.........................................................................................................
LIBRAS e contextos sociais 107

CAPÍTULO 4
PRÁTICAS SOCIOCULTURAIS

Durante as leituras dos capítulos anteriores, foi possível


observar que a língua brasileira de sinais é convenciona-
da como um conjunto de regras e signos próprios, condi-
cionados aos sinais, essenciais às práticas sociais de uma
comunidade linguística. Dessa forma, a LIBRAS torna-se
importante para as práticas sociais da comunidade surda e
é garantida legalmente como a língua materna dos surdos,
que tem a língua portuguesa como segunda língua na mo-
dalidade escrita e/ou oral.

Este capítulo ratifica os estudos anteriores, como forma de


enfatizar que os aspectos socioculturais são determinados
pela língua, e que esta não se constitui a partir de dicioná-
rios e gramáticas, mas de enunciações concretas, que con-
sistem em uma teia de interações discursivas, diante das
quais os significados são instituídos, e novos discursos são
desencadeados. Com efeito, a linguagem é uma instituição
social, na qual a comunicação entre os sujeitos sociais se
inscreve em um espaço linguístico e mantém vínculos pe-
culiares com as condições socioculturais de produção, em
que a linguagem considera a interação e a relação entre
homem e realidade sociocultural.

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108 Práticas socioculturais

LIBRAS E CONTEXTOS SOCIAIS

Nossa sociedade contemporânea vem assistindo implan-


tações de políticas inclusivas nos âmbitos social e educa-
cional, como já foi aqui ressaltado, visando contemplar
de maneira cada vez mais efetiva uma democratização na
qualidade de vida de todos os seus cidadãos. Nesse cená-
rio, o Brasil vem assumindo compromissos, ainda mais
projetivos que efetivos, com a ampliação de oportunida-
des de inclusão em todos os setores da sociedade para to-
dos os seus cidadãos, independentemente de diferenças e
condições especiais.

Nossa Constituição (1988) enfatiza, no seu artigo 205,


que “a educação, direito de todos e dever do Estado e da
família, será promovida e incentivada com a colaboração
da sociedade” e, no artigo 5º, que “todos são iguais peran-
te a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-
-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a
inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade
[...]”. Enveredando por esse caminho, surgem leis edu-
cacionais e leis sociais, como a da acessibilidade, Lei nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000, e a da inclusão, Lei
nº 13.146, de 6 de julho de 2015, para atender às novas
demandas de uma sociedade inclusiva.

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LIBRAS e contextos sociais 109

Contexto educacional

ESCOLA
BILÍNGUE
PARA

SURDOS
No âmbito educacional, ressaltamos a LDBEN, a qual es-
tabelece que as escolas cumpram o processo de inclusão
de todas as pessoas com deficiência em escolas públicas
em turmas regulares. Nesse contexto, todos os níveis edu-
cacionais devem possibilitar um espaço verdadeiramente
democrático, baseado na educação inclusiva, ou seja, de-
vem garantir uma permanência que se distinga pela inclu-
são, e não pela mera inserção física, assegurando condi-
ções de acesso e permanência, bem como de viabilidade
de práticas pedagógicas que atendam aos alunos em suas
diversidades.

Especificamente na área da surdez, além da LDBEN, como


já aqui mencionado no Capítulo 1, agregam-se a Lei nº
10.436, de 2002, e o Decreto nº 5.626, de 2005. As leis
garantem a oferta da LIBRAS, na condição de língua nativa
das pessoas surdas, constituindo-se em obrigatoriedade
de educação bilíngue, na qual o ensino da língua portu-
guesa prevalece em sua modalidade escrita. Ressaltamos
que o principal conceito que a ideologia bilíngue traz é que
os surdos, juntos, formam uma comunidade com cultura
e língua próprias. A visão oralista de que o surdo deve, a

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110 Práticas socioculturais

qualquer custo, aprender a língua oral para poder atingir


um grau de “normalidade” é totalmente desprezada nessa
filosofia. Contudo, isso não indica que a aprendizagem da
língua oral não seja importante. Pelo contrário,

o conhecimento da língua oral é muito desejado,


porém não é o único ou principal objetivo educacio-
nal do surdo e também não é visto como um meio
de se diminuir as diferenças ocasionadas pela sur-
dez. (GOLDFELD, 2002, p. 43)

Entretanto, a implementação de uma educação bilíngue


gera várias problemáticas, já que professores têm encon-
trado dificuldade em compreender a capacidade de ex-
pressão dos sujeitos surdos.

Até o momento, a aquisição do português escrito para os


sujeitos surdos foi baseada no ensino do português para
sujeitos ouvintes, que adquirem o português falado na-
turalmente. Esse fato fica claro quando se percebe que o
aprendiz surdo é colocado em contato com a escrita do
português para ser alfabetizado em português. O ensino
de português para surdos têm sido ofertado por um pro-
cesso similar ao dos ouvintes, que dispõem do português
como língua materna. Os professores desconhecem a ex-
periência visual surda e suas formas de pensamento, que
são expressas por meio de uma língua de sinais. Agrava-
-se, assim, o fracasso dos alunos surdos no processo da
aprendizagem, tendo em vista que as práticas pedagógi-
cas sequer relacionam-se com a língua de sinais, mas sim
com uma língua que a eles é totalmente estranha.

Nesse cenário, as instituições educacionais, embora de-


vam se constituir em um espaço assegurado para o pro-
cesso de letramento dos surdos, como referenciam as leis,
encontram-se ainda, enquanto espaço de aprendizagem,

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LIBRAS e contextos sociais 111

muito direcionadas pelos modos ouvintes de repre-


sentação, onde de forma velada as práticas educa-
cionais explicitam uma ideologia de que o surdo
precisa ser reconstruído para o meio ouvinte, para
que assim se efetive qualitativamente o processo de
inclusão. (ARAÚJO, 2015, p. 2)

Em consequência,

tais práticas são traduzidas em posturas reducio-


nistas e equivocadas, das quais se resumem em
uma mera inclusão da língua de sinais na sala de
aula, ao lado da língua portuguesa, ou na mera e
simples tradução do conteúdo pedagógico para a
língua de sinais. (ARAÚJO, 2015, p. 2)

Equivocadamente, a língua de sinais, quando utilizada no


processo de ensino, é preconizada como um meio para
ensinar a língua portuguesa, e não enquanto razão que se
justifica por si só: direito da pessoa surda de usar a sua
língua. A língua visual-espacial é utilizada apenas como
um recurso a mais, sem jamais ter sido reconhecida em
sua completude linguística. Esse quadro vem acentuando
ainda mais a exclusão, pois os surdos são tratados como
incapazes de entender a estrutura da língua portuguesa.

Contempla-se, assim, a necessidade de implemen-


tação nas instituições de ensino de uma pedagogia
voltada para à diversidade e a necessidades especí-
ficas do aluno surdo, já que a sua fala é representa-
da pela forma de sinais. (ARAÚJO, 2015, p. 3)

A autora não descarta a possibilidade de um aprendizado


possível da língua portuguesa pelos surdos, desde que a
pedagogia dispensada seja apropriada e significativa. Res-
saltamos que o processo de ensino da segunda língua para
os surdos (português) não pode ser baseado simplesmen-
te em uma transferência de conhecimentos da primeira

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112 Práticas socioculturais

língua para a segunda, mas sim como um processo pa-


ralelo de aquisição e aprendizagem, em que cada língua
apresenta seus papéis e valores sociais representados.

É imprescindível fazer sobressair as ideias, as aspirações


e os modos particulares de expressão dos surdos, que,
por terem uma cultura própria (visual/gestual), têm ne-
cessidades específicas, que precisam ser respeitadas. Os
surdos procuram, a partir da língua, a constituição da sua
própria identidade, em que o (re)conhecimento da própria
imagem ocorre por meio das relações entre os sujeitos so-
ciais. Portanto, a aquisição da linguagem é fundamental
para que o sujeito surdo possa reescrever-se por intermé-
dio da interação social, cultural, política e científica.

Contexto social

Fonte: <https://www.google.com.br/search?q=surdos+conversando&espv=>.

Conforme ressaltado anteriormente, a sociedade brasi-


leira vivencia um novo paradigma de modelo social — a
inclusão —, e temos de viver a igualdade na diferença. No
entanto, a tarefa de passar a ver todos como cidadãos não

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LIBRAS e contextos sociais 113

é fácil, já que implica mudanças de hábitos, valores e de


atitudes para minimizar os preconceitos, os estereótipos
e a falta de informação existentes na nossa sociedade.

Com relação à acessibilidade social, os cidadãos surdos


ainda padecem com barreiras cotidianas, como fazer
compras, ir ao cinema ou ao médico, utilizar transportes
ou outros serviços públicos, que deveriam ser acessíveis
a todos os cidadãos. No entanto, não há um processo de
acessibilidade efetivo, pois, além de a LIBRAS ser desco-
nhecida pela maioria da população brasileira, não há, por
exemplo, painéis ilustrativos com indicação necessária
aos serviços oferecidos, como o metrô, em que a proxi-
midade do destino do usuário é feita oralmente. Outro
exemplo que podemos destacar são as consultas médicas
(psicólogos, ginecologistas etc.) e atendimentos em pos-
tos de saúde, em que sempre há a necessidade de intér-
pretes. Por esses exemplos e outros, urge a necessidade
de se fazer valer a lei da difusão da LIBRAS e da oferta do
bilinguismo nas escolas brasileiras, que devem propor-
cionar aos alunos, surdos e ouvintes, o ensino da LIBRAS.

Com relação ao mercado de trabalho, os surdos também


ficam em desvantagem, pois, mesmo existindo a lei de
cotas para deficientes, os demais deficientes adquirem
“vantagem” nas provas devido à língua portuguesa. Essa
diferença linguística acaba por excluir os surdos, pois o
ensino de português para eles ainda encontra muitos de-
safios, conforme destacado anteriormente.

Percebe-se que a efetivação das leis não se limita apenas


a preconceitos, mas à falta de informação sobre a pessoa
com deficiência. Dessa forma, os surdos vêm lutando e

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114 Práticas socioculturais

reivindicando seus direitos de cidadãos em todos os esta-


dos brasileiros, para que as leis sejam efetivadas de forma
qualitativa. No Rio de Janeiro, por exemplo, pode-se des-
tacar uma reunião realizada na Prefeitura do Rio de Janei-
ro, na Secretaria de Administração, no dia 16 de novem-
bro de 2015, onde estiveram presentes representantes da
comunidade surda, que indicaram desafios cotidianos e
ofertaram propostas para a melhoria da acessibilidade.
Sobre essa questão, podemos literalmente ratificá-la, já
que também estávamos presentes na reunião. Uma atitu-
de que já começou a surgir efeitos, visto que a prefeitura
já providenciou intérpretes em seus vídeos educativos e
firmou a promessa de buscar atender às demais reivin-
dicações. Serão todas atendidas? Não sabemos. Mas sem
luta, não há conquistas.

Fonte: Assembleia sobre acessibilidade para os surdos.


16 de novembro de 2015.
(Mediadora Luzia C. N. Araújo).

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Diálogo e conversação 115

DIÁLOGO E CONVERSAÇÃO

Para Bakhtin (1997), a língua é um fenômeno social, uma


vez que só existe mediante negociação entre seus falantes.
Para o autor, o princípio do dialogismo é constitutivo da
linguagem. E esse dialogismo (várias vozes) ocorre entre
interlocutores e entre discursos, pois em toda enunciação
há um diálogo entre o que foi o discurso do “outro” e o que
passa a ser o discurso do “eu”. Pode-se dizer que há uma
“apropriação” do discurso de outrem, em que as palavras
alheias vão se apagando e transformando-se em palavras
próprias. A língua é mais do que um meio de comunicação,
é um sistema de categorias que permite ao homem organi-
zar o mundo em uma estrutura dotada de sentido e uma
forma de conhecimento coletivamente constituído no seio
da sociedade ao longo de sua experiência, de acordo com
suas modalidades (falada ou sinalizada) e nacionalidades.

Nessa perspectiva, os sujeitos precisam compartilhar


uma língua para que possam desenvolver sua linguagem.
Ressaltamos que a linguagem é parte integrante de nos-
sas atividades diárias. Nessa concepção, ela é um instru-
mento que permite ao homem se expressar e interagir
com o outro. Ela é viva, uma vez que “vive e evolui his-
toricamente na comunicação” (BAKHTIN, 1997, p. 124).
Dessa forma, a linguagem é o que medeia as relações so-
ciais, permitindo que nos inscrevamos nesse ou naquele
lugar social. Os sujeitos da comunicação não são dados
previamente, mas são construídos ao comunicarem-se e
são constituídos por diferentes formas, que fazem deles
sujeitos históricos, culturais e ideológicos.

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116 Práticas socioculturais

Como já tivemos a oportunidade de estudar, a LIBRAS


tem gramática própria, em que expressões faciais e cor-
porais fazem parte das suas regras, definindo o contexto
da enunciação, da comunicação. Tais expressões são es-
senciais na produção de sentenças afirmativas, negativas,
imperativas, exclamativas e interrogativas, bem como ex-
primem sentimentos, pensamentos e emoções. Daí a sua
importância nas formas de comunicação gestual.

Quadros e Pimenta (2006) enfatizam que as expressões


faciais e corporais são formas de comunicar algo, e um
sinal pode mudar completamente seu significado em fun-
ção da expressão facial utilizada. As autoras destacam
que existem dois tipos diferentes de expressões faciais:
as afetivas, que são as expressões ligadas a sentimentos/
emoções (ex.: dor, alegria, tristeza, medo, surpresa, raiva,
nojo, ansiedade etc.), e as gramaticais (lexicais e senten-
ciais, tanto no nível morfológico, que mostra o grau, ou
seja, o que se pretende dizer, quanto na sintaxe, que, nos
adjetivos, associam-se ao grau de intensidade).

Exemplos de expressões faciais afetivas:

Raiva Nojo Medo

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Diálogo e conversação 117

Tristeza Surpresa Alegria

Exemplos de expressões faciais gramaticais:

Nos adjetivos:

BONITINH@ BONIT@

Nas sentenças:

Português
Vem sentir o calor dos lábios meus à procura dos seus.
(Verso da música Carinhoso de Pixinguinha)

LIBRAS

VEM-VEM QUENTE BOCAS-PROCURAR BEIJAR

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118 Práticas socioculturais

No exemplo acima, podemos perceber as expressões fa-


cial e corporal como determinantes da mensagem. A mú-
sica é uma forma de conversação, pois não há a necessi-
dade de se obter uma resposta, como no diálogo.

Vale ressaltar que os diálogos e as conversas fazem parte


da vida dos seres humanos, pois a comunicação é funda-
mental para se transmitir, construir, reconstruir e receber
informações, bem como para se constituir em um meio de
construção da nossa própria identidade.

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Especificidades linguísticas da LIBRAS 119

ESPECIFICIDADES LINGUÍSTICAS DA
LIBRAS

Este capítulo foi destinado à contextualização sobre os as-


suntos abordados durante a disciplina, e, sob essa pers-
pectiva, segue abaixo um resumo dos conteúdos acompa-
nhados de um vocabulário em LIBRAS para ampliação dos
seus estudos. Ressaltamos, como dito anteriormente, que
a LIBRAS não é universal e, como qualquer outra língua, so-
fre influências culturais e regionais. Portanto, o vocabulá-
rio aqui apresentado pode ser diferenciado de acordo com
seus falantes sociais e seus contextos comunicacionais.

Nos capítulos anteriores, tivemos a oportunidade de re-


fletir sobre as especificidades linguísticas da LIBRAS, que
constitui e, ao mesmo tempo, é constituinte de uma po-
pulação surda com cultura própria. Nessa perspectiva, o
quadro abaixo traz alguns conteúdos estudados na nossa
disciplina, destacando a diferenciação entre a LIBRAS e a
língua portuguesa.

Língua Portuguesa LIBRAS

Língua Oral-auditiva (entona- Visual-espacial (expres-


predominante ção e intensidade). sões facial e corporal).

A língua de sinais é
baseada nas experiências
Experiência A língua portuguesa cons-
visuais das comunidades
linguística titui-se baseada nos sons.
surdas mediante intera-
ções culturais surdas.

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120 Práticas socioculturais

Léxico reproduzido
Unidade mínima sem sig-
por meio de sinais
FONEMA (som) nificado de uma língua e a
baseado nas interações
sua organização interna.
sociais do indivíduo.

Realizado de forma
icônica (datilogizado); al-
Combinações de letra-som fabeto manual elaborado
(oralizado), possibili- a partir das configurações
Alfabeto
tando o entendimento das mãos; auxilia no
de qualquer léxico. processo de transcrição
da língua de sinais para
a língua portuguesa.

A partir dos cinco


parâmetros: configura-
Construção ção das mãos, ponto da
Combinação entre os sons.
das palavras articulação, movimento,
orientação e expressões
faciais e corporais.

Significado Imagem acústica Imagem cinemáti-


das palavras (significante). ca (significante).

Envolve todos os aspec-


tos espaciais, incluindo
os classificadores, ou seja,
é um tipo de morfema
Preocupa-se com a
Sintaxe gramatical que é afixado
linearidade do texto.
a um morfema lexical ou
sinal para mencionar a
classe a que pertence o
referente desse sinal.

Utiliza a estrutura
tópico-comentário,
realizada por meio de
Construção Limita-se à transcrição de
repetições sistemáticas,
de um texto acordo com as regras.
e referências anafóricas,
por meio de pontos
estabelecidos no espaço.

Só aparece para seres hu-


Apoia-se em fazer a mar- manos e animais. Define
Artigo cação do gênero. Ex: o, a, o item lexical classificado.
os, as, um, uma, uns, umas. Ex.: homem, mulher.

.........................................................................................................
Especificidades linguísticas da LIBRAS 121

Essa estruturação sofre al-


teração para OSV ou SOV
Estrutura de Convencionada pela
(o sujeito pode ser mar-
sentenças estruturação de SVO.
cado por um sinal acom-
panhado da datilologia).

Pessoal: EU, VOCÊ


Pessoal: eu, tu, ele(a), (precisa olhar para a
Pronomes
nós, vós, eles(as). pessoa), ELE/ELA, NÓS,
NÓS-2, NÓS-3, NÓS-4.

Flexão de número a
partir do acréscimo de Identificado pela repe-
Plural
“s” nos substantivos, tição de itens lexicais.
artigos, pronomes.

Esse fator não é consi-


derado como relevante A língua de sinais atribui
Expressões
na língua portuguesa, um valor gramatical às
faciais
apesar de poder ser expressões faciais.
substituído pela prosódia.

Fonte: Martins (2015, apud QUADROS, 2007), Quadros (2004) e estudos da


disciplina LIBRAS.

Vocabulário

Família

VOVÔ VOVÓ

TITIO TITIA

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122 Práticas socioculturais

PRIMO PRIMA CUNHADO CUNHADA

PAPAI MAMÃE

SOGRO SOGRA FILHO FILHA

Adjetivos/antônimos

BONITO FEIO BOM MAU

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Especificidades linguísticas da LIBRAS 123

CARO BARATO CERTO ERRADO

DURO MOLE

(físico)
FORTE FRACO

GORDO MAGRO GRANDE PEQUENO

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124 Práticas socioculturais

Verbos

MENTIR MORAR MORRER MOSTRAR

MUDAR NADAR NAMORAR

NASCER ACENDER AJUDAR AJUDAR


(fósforo) (prestar auxílio) (prestar socorro)

ALMOÇAR AMAR ANDAR

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Especificidades linguísticas da LIBRAS 125

ARRUMAR
ATRASAR BEIJAR NA BOCA BEIJAR NA FACE
(preparar)

BRIGAR BRINCAR CAIR CANTAR

CASAR CHEGAR

Outros

VEREADOR VOTO/ELEIÇÃO CONSTITUIÇÃO LEI

..........................................................................................................
126 Práticas socioculturais

ESTATUTO GREVE CANDIDATO PALESTRA

POLÍTICA PRESIDENTE GOVERNADOR PREFEITO

VICE-... REI/RAINHA MINISTRO DEPUTADO

.........................................................................................................
127

REFERÊNCIAS

ARAÚJO, Luzia Cristina Nogueira de. Alfabetização/letramen-


to para surdos: desafios à inclusão qualitativa. In: CONGRESSO
NACIONAL DE EDUCAÇÃO, 12., 2015, Curitiba. Anais eletrô-
nicos... Curitiba: PUC, 2015. p. 16.377-16.389. Disponível em:
<http://educere.bruc.com.br/arquivo/pdf2015/22096_10625.
pdf>. Acesso em: 6 out. 2015.

BAKHTIN, M. Marxismo e filosofia da linguagem. São Paulo:


Hucitec, 1997.

BRASIL. Decreto nº 5.626, de 27 de dezembro de 2005. Regu-


lamenta a Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002, que dispõe
sobre a Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS, e o art. 18 da Lei nº
10.098, de 19 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, 23 dez. 2005. Disponível em: <http://www.pla-
nalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.
htm>. Acesso em: 12 set. 2015.

. Lei nº 10.098, de 19 de dezembro de 2000. Estabelece


normas gerais e critérios básicos para a promoção da acessibi-
lidade das pessoas portadoras de deficiência ou com mobilida-
de reduzida e dá outras providências. Diário Oficial da União.
Brasília, DF, 20 dez. 2000. Disponível em: <http://www.planal-
to.gov.br/ccivil_03/LEIS/L10098.htm>. Acesso em: 9 set. 2015.

. Lei nº 10.436, de 24 de abril de 2002. Dispõe sobre a


Língua Brasileira de Sinais – LIBRAS e dá outras providências.
Diário Oficial da União. Brasília, DF, 25 abr. 2002. Disponível
em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10436.
htm>. Acesso em: 9 set. 2015.

..........................................................................................................
128 Práticas socioculturais

. Lei nº 13.146, de 6 de julho de 2015. Institui a Lei


Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência (Estatuto
da Pessoa com Deficiência). Diário Oficial da União. Brasí-
lia, DF, 7 jul. 2015. Disponível em: <http://www.planalto.
gov.br/ccivil_03/_Ato2015-2018/2015/Lei/L13146.htm>.
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GOLDFELD, Márcia. A criança surda: linguagem e cogni-


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.........................................................................................................
129

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Enfatizamos aqui que a inclusão qualitativa dos surdos


na sociedade deve levar em conta, em todos os contextos
educacionais e sociais, sua cultura e suas especificidades
linguísticas. No âmbito educacional, é preciso ofertar-lhes
uma pedagogia que atenda à sua forma de pensar e de
construir conhecimento, para que os nossos espaços edu-
cacionais, socialmente reconhecidos como agências de in-
clusão social, não se tornem o epicentro de um processo de
produção de excluídos. No âmbito social, observou-se que
brasileiros surdos têm ficado à mercê de barreiras linguís-
ticas por conta da falta de um efetivo processo de acessi-
bilidade, que impede significativamente sua real inserção
nos espaços sociais pelos quais perpassam diariamente.

Salientamos também a ideia de que há uma cadeia de sig-


nificantes e significados — coligados por relações socio-
culturais e interacionais —, construída pelos processos
de aprendizagem e de construção de conhecimento. Para
a intencionalidade de uma comunicação efetiva na língua
de sinais, entendemos que é preciso enfatizar a produção
linguística fundamentada em seus cinco parâmetros: confi-
guração das mãos, pontos de articulação, movimento, orien-
tação ou direcionalidade e expressões faciais e/ou corporais
— parâmetros essenciais na emissão da mensagem.

Consideramos igualmente que, para acompanhar a evolu-


ção da língua, é preciso que os sujeitos sociais tenham o
direito de receber informações e, para tanto, destacamos
algumas diferenças linguísticas entre a LIBRAS e a língua

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portuguesa. Ressaltamos também que a LIBRAS tem uma


gramática própria e que, assim como qualquer outra lín-
gua, não é universal. Em outras palavras, cada país tem
sua própria língua de sinais e, do mesmo modo, recebe
influências regionais.

Os assuntos abordados neste livro têm a intenção de apro-


ximar os cidadãos ouvintes das especificidades linguís-
ticas e socioculturais dos cidadãos surdos, já que estes
necessitam ser incluídos em todos os espaços sociais por
onde transitam, de modo que possam usufruir plenamente
do seu direito à cidadania.

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