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Alfabetização e

Letramento

3ª edição

Rio de Janeiro
UVA
2016
Luiza Alves Ferreira Portes e
Luzia Cristina Nogueira de Araújo

Alfabetização e
Letramento

3ª edição

Rio de Janeiro
UVA
2016
Copyright © UVA 2014
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer
meio sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

ISBN: 978-85-65812-25-2

Autoria do conteúdo
Luiza Alves Ferreira Portes e Luzia Cristina Nogueira de Araújo

Design instrucional
Diana Ferreira de Melo

Projeto gráfico
UVA

Diagramação
Raphaela Saules

Revisão
Cristina Freixinho
Janaina Vieira

P844a Portes, Luiza Alves Neves Ferreira.


Alfabetização e letramento [livro eletrônico] / Luiza
Alves Neves Ferreira Portes, Luzia Cristina Nogueira de
Araújo. – Rio de Janeiro : UVA, 2015.

521 KB. :il., gráf.


ISBN 978-85-65812-25-2
Disponível também impresso.

1. Alfabetização. 2. Educação – Brasil. 3.


Leitura – Estudo e ensino. I. Araújo, Luzia Cristina
Nogueira de. II. Universidade Veiga de Almeida.
III. Título.
CDD – 372.4

Ficha Catalográfica elaborada pelo Sistema de Bibliotecas da UVA.


Biblioteca Maria Anunciação Almeida de Carvalho.
SUMÁRIO
Apresentação ................................................................................................................7
Sobre as autoras..........................................................................................................8

Capítulo 1 - Fundamentos da alfabetização................11


A dimensão política da alfabetização no contexto da educação
brasileira..................................................................................12
Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos,
linguísticos e sociolinguísticos.............................................................22
Pressupostos teórico-metodológicos da alfabetização.............36
Referências......................................................................................................43

Capítulo 2 - Teorias e métodos de alfabetização..........47


Métodos de alfabetização........................................................................48
Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de cons-
trução da leitura e da escrita na concepção de Emília Fer-
reiro......................................................................................................62
Análise crítica de propostas, práticas, métodos e jogos para a al-
fabetização..............................................................................................72
Referências....................................................................................................80

Capítulo 3 - O processo de construção da escrita.......83


Concepções de língua, linguagem e o processo de construção
da escrita..........................................................................................................84
O processo de apropriação da língua escrita: do domínio do có-
digo oral para o domínio do código escrito...........................96
Consciência fonológica: consciência de palavras, da sílaba, fo-
nêmica e o processo de construção da escrita..............................104
Referências....................................................................................................111

Capítulo 4 - Alfabetização e letramento...........................115


Conceito de alfabetização e de letramento...................................116
A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letra-
mento......................................................................................................124
Os multiletramentos na escola.............................................................134
Referências....................................................................................................138

Considerações finais.......................................................140
7

APRESENTAÇÃO

Este livro trata de Alfabetização e Letramento, que é assunto da maior


importância, especialmente no nosso país e mais ainda nos dias de hoje.

A problemática relacionada com a alfabetização e a formação de pro-


fessores dos anos iniciais do Ensino Fundamental como agentes de le-
tramento, embora venha sendo alvo de investigação de longa data, tem
se caracterizado por um quadro avassalador de insucessos quanto aos
objetivos preconizados pelos documentos oficiais e pela sociedade civil
com relação à qualidade do ensino de leitura e de escrita. Refletir sobre
a apropriação da escrita, sobre os mecanismos da aprendizagem e da
leitura provoca-nos a pensar, também, a respeito da função social da
escola e sobre o papel mediador do professor no contexto da alfabeti-
zação, viabilizando, assim, uma compreensão teórica do processo edu-
cacional e contribuindo dessa forma com uma possibilidade de atuação
eficaz no campo da prática pedagógica.

Desejamos que você aproveite ao máximo esta experiência e que a lei-


tura desta obra promova uma oportunidade de reflexão sobre os conte-
údos abordados, contribuindo efetivamente para o seu enriquecimento
cultural e acadêmico.
8

SOBRE AS AUTORAS

Luiza Alves Ferreira Portes é mestre em Educação pela Universidade


do Estado do Rio de Janeiro – UERJ (2005), possui licenciatura em Pe-
dagogia pela Associação de Ensino Superior São Judas Tadeu (1994)
e especialização em docência do Ensino Superior pela Associação de
Ensino Superior São Judas Tadeu (2000). Tem experiência na área edu-
cacional: docência nas redes pública e particular. Atuou como direto-
ra- geral e do Ensino Fundamental do Instituto Superior de Educação
do Rio de Janeiro. Atualmente, é pesquisadora do CNPq na área de
Educação – Projeto Observatório da Educação, membro do Conselho
Científico da Associação Brasileira de Tecnologia – ABT e coordenadora
do curso de Pedagogia, assessora pedagógica da pró-reitoria de gradua-
ção e professora assistente da Universidade Veiga de Almeida - UVA.
Sua experiência na área de Educação tem ênfase nos seguintes temas:
processo de planejamento do ensino, avaliação de ensino, gestão esco-
lar, políticas públicas, gestão do conhecimento e educação e trabalho.

Luzia Cristina Nogueira de Araújo é mestre em Educação pela Univer-


sidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ; Pedagoga; especialista em
Psicopedagogia; docência Superior pela Universidade Cândido Mendes
- UCAM; LIBRAS; Educação Especial e Inclusiva; Letras e Literatura pela
Faculdades Integradas de Jacarepaguá - FIJ; aperfeiçoamento em Pla-
nejamento de Ensino, Educação Infantil e Educação Especial; graduada
em Letras e doutora em Ciência da Educação pela Universidade Salgado
de Oliveira - UNIVERSO; pesquisadora do SEE-RJ e do Instituto Nacio-
nal de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira - INEP-MEC.
Tem experiência na área de formação de professores em turmas de
graduação e pós-graduação como docente e coordenadora pedagógica.
Enfatiza em suas pesquisas e áreas de atuação os seguintes temas: for-
9

mação de professores, políticas públicas educacionais, alfabetização e


letramento, educação especial inclusiva, interdisciplinaridade, Didática
e práticas de ensino.
10

.........................................................................................................
A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 11

CAPÍTULO 1
FUNDAMENTOS DA
ALFABETIZAÇÃO

A partir de definições encontradas em dicionários eletrô-


nicos da Língua Portuguesa, veja os conceitos abaixo como
forma de auxiliar a compreensão do contexto referenciado
no presente capítulo.

a) Palavra “fundamentos”: reunião dos conhecimen-


tos ou daquilo que sustenta uma teoria, um sistema;
alicerce, base, causa, doutrina, ensinamento, firma-
mento, princípio, motivo, prova (veracidade de um
fato) e teoria.

b) Palavra “alfabetização”: aprendizado da leitura e


escrita rudimentares.

al•fa•be•ti•za•ção (alfabetizar + –ção)

1. Ação de alfabetizar, de propagar o ensino de lei-


tura.

2. Conjunto de conhecimentos adquiridos na escola


= escolarização, instrução.

Neste capítulo, você lerá sobre conhecimentos, motivos,


princípios e teorias que sustentam o ensino da leitura e
da escrita.

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12 Fundamentos da alfabetização

A DIMENSÃO POLÍTICA DA
ALFABETIZAÇÃO NO CONTEXTO DA
EDUCAÇÃO BRASILEIRA

Refletir sobre a dimensão política da alfabetização no Bra-


sil significa reconstituir a memória de todas as ações já
desenvolvidas em torno do processo do ensino da leitura
e da escrita referentes às crianças, jovens e adultos, ou
seja, entre os brasileiros que frequentam a escola básica.
Implícitas nessas ações estão as intencionalidades políti-
cas, ideológicas e econômicas que determinaram e confi-
guraram, no decorrer de décadas, o pensar e o fazer no
processo de alfabetização. Enveredando por esse caminho,
observa-se que, desde a época da colonização, o Brasil tem
consolidado implantações de políticas públicas de alfabe-
tização com a finalidade de atender as demandas político-
-sociais da época vigente.

No Brasil Colônia — período em que os portugueses ca-


tequizavam os índios e, posteriormente, os escravos ne-
gros —, o ensino da leitura e da escrita era utilizado como
forma de manipulação dos catequizados para que eles
seguissem e respeitassem as ordens vinculadas ao traba-
lho que desempenhavam para os colonizadores. Assim,
foram criadas, em 1549, pelos padres da Companhia de
Jesus,1 as escolas de ler, escrever e contar. Vale ressaltar
que o trabalho intelectual era para os nobres, enquanto
1
Ordem religiosa fundada em 1534 por um grupo de estudantes da Uni-
versidade de Paris liderados por Inácio de Loyola. A Congregação foi re-
conhecida por bula papal em 1540. É hoje conhecida principalmente por
seu trabalho missionário e educacional. (ARANHA, 2006)

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A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 13

as ações educativas para os índios e os negros se res-


tringiam, conforme destaca Coutinho (2006), a ensinar as
primeiras letras para o exercício da religião e orientação
para o trabalho agrícola e outros trabalhos como forma
de atender e auxiliar os colonizadores.

Jorge Araújo (1999, p. 32), ao destacar a importância da


Companhia de Jesus no processo histórico da alfabeti-
zação, ressalta: “foram os padres da companhia que nos
trouxeram o alfabeto, o latim, a gramática e a literatura de
fundo místico e ascético.” No entanto, com a expulsão dos
jesuítas em 1759, essas ações educativas não foram mais
evidenciadas. Não havia um interesse em afirmar uma edu-
cação voltada para o adulto, devido a tantas transforma-
ções econômicas e políticas na sociedade.

Aranha (2006), referindo-se à participação política, ressal-


ta que a maioria dos cidadãos brasileiros não tinha direito
de voto e, por essa razão, estava sujeita às vontades do Im-
pério. Tal fato ficou explícito com a primeira Constituição,
em 1824, que trazia um único artigo versando acerca da
gratuidade do ensino primário, mas que não regulamenta-
va nem garantia recursos; toda a estrutura e financiamen-
to da educação eram feitos por instituições confessionais
vinculadas, na sua maioria, à Igreja Católica. Esse contexto
foi um pano de fundo para manter o Brasil sob os olhos
atentos do Império e enfatizar a importância do ato da In-
dependência liderado pelo imperador D. Pedro I. Coaduna-
-se, com isso, o entendimento de que:

O analfabetismo é um fenômeno sociocultural com-


plexo [...]; de fato, o “problema” da luta contra o
analfabetismo não existe nas sociedades pastoris e
agrícolas, em que o artesanato e o comércio se en-

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14 Fundamentos da alfabetização

contram ainda num nível primitivo e em que a cul-


tura intelectual que necessita do meio escrito é apa-
nágio privilegiado de poucos; o “problema” nasce
com o desenvolvimento das atividades secundárias
e terciárias (indústrias e serviços) e com o paralelo
incremento científico e técnico, que exige imperio-
samente a generalização da comunicação escrita.
(LAENG apud ARAÚJO, 2007, p. 135)

Mortatti (2004) afirma que é somente no final do Império


que o “analfabetismo” torna-se concretamente um proble-
ma de ordem política, com a proibição do voto do analfa-
beto entre 1981 e 1982:

Desde o período colonial existia um número consi-


derável de pessoas que não sabiam ler e escrever.
Todavia isso só se torna um problema de ordem po-
lítica, quando no final do período imperial se dá a
proibição do voto dos analfabetos (1882) e tomou
força pela circulação das ideias do liberalismo e
pela divulgação da taxa de analfabetismo no censo
de 1890, no período republicano. (MORTATTI, 2004,
p. 17)

Frago (1993) destaca que as primeiras décadas do século


XIX foram contribuintes ao entendimento de não valoriza-
ção da alfabetização, em função do processo de industria-
lização, que precisou utilizar mão de obra de mulheres e
crianças, bem como outros aspectos que caracterizaram
essa fase, como o rápido crescimento espacial e urbano
das cidades industriais sem a incrementação da rede esco-
lar e o enfraquecimento das estruturas e relações familia-
res, que deixaram de favorecer a aprendizagem da leitura
no lar.

Com o desenvolvimento comercial, no século XIX, outra


fase da industrialização inicia-se em 1840 e com ela nasce

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A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 15

uma nova concepção de educação, que começa a exigir mão


de obra qualificada e uma revalorização da alfabetização e
da escola “como instrumentos de disciplina e ordem” (Ibid,
p. 51). Quanto a isso, Mortatti (2004, p. 31) complementa:

Ao longo do século XIX, no mundo ocidental, a edu-


cação escolar foi ganhando impulso; seu sentido
religioso foi sendo substituído por um sentido “mo-
derno” e laicizante, e a escola foi sendo consolida-
da como um lugar institucional privilegiado para o
preparo das novas gerações, com vistas a atender a
um projeto político liberal do Estado pautado pela
necessidade de instauração de uma nova ordem po-
lítica e social. Com a criação dos sistemas nacionais
de ensino, a escola, em moldes mais próximos do
que conhecemos hoje, passou a assumir importan-
te papel como instrumento de modernização e de
progresso da nação. Especialmente porque passou
a prometer a todos o acesso à cultura letrada, cen-
trada na língua escrita, por meio da instrução ele-
mentar, isto é, do ensino dos rudimentos escolares
de leitura, de escrita (primeiras letras) e de cálculo,
como elementos fundamentais que permitem a con-
tinuidade da educação.

Nesse contexto, no final de 1880, surge no Brasil uma mo-


bilização em favor da extinção da monarquia e consolida-
ção da República.2 Surgem, assim, novos atores políticos,
ávidos em lutar pela universalização da instrução elemen-
tar. Ressalta-se, entretanto, que esse processo foi marca-
do pela dualidade educacional, mesmo com tantas lutas
a favor da democratização. Isto porque, nos centros urba-
2
É necessário apenas ressaltar que o Brasil republicano contava com 85%
de analfabetos em 1890, e 65% em 1930. Nesse sentido é que cabia, con-
forme as referidas matérias jornalísticas, estabelecer uma cruzada con-
tra o analfabetismo, posto que é algo espantoso nos sertões brasileiros,
“como se uma sombra triste assolasse o Brasil”. E para isso não há de se
poupar sacrifícios para fazer decrescer a pavorosa cifra de analfabetismo.
(ARAÚJO, 2007, p. 13)

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16 Fundamentos da alfabetização

nos, o progresso era anunciado e materializado, enquanto


a maioria da população rural se mostrava presa ao poder
reservado aos grandes proprietários. A própria Constitui-
ção de 1891 vetou a ampliação dos direitos políticos ao de-
terminar a exclusão dos analfabetos de qualquer processo
eleitoral. Podemos, assim, declarar que a democracia insta-
lada no país não resultou em uma ampliação do direito de
participação política.

No entanto, mais precisamente no século XX, vemos nos-


sa democracia garantida pela nova Constituição, de 1988.
Destacam-se, dentre os inúmeros avanços: o direito de voto
para os analfabetos (no seu artigo 14) e o direito não só à
garantia de acesso e permanência no Ensino Fundamental,
mas também à garantia de padrão de qualidade como um
dos princípios segundo o qual se estruturará o ensino (in-
ciso VII do artigo 206). Vale aqui ressaltar Mortatti, que faz
o seguinte questionamento:

Em que pese o caráter utópico da importância tra-


dicionalmente atribuída à educação escolar e, par-
ticularmente, à alfabetização do povo, com suas
contradições e dificuldades, certo é que saber ler e
escrever, utilizar a leitura e a escrita nas diferentes
situações do cotidiano continuam sendo necessida-
des inquestionáveis tanto para o exercício pleno da
cidadania quanto para a medida do nível de desen-
volvimento de uma nação. E se é verdade que a es-
cola não é o único lugar onde se pode aprender a ler
e escrever (embora mesmo isso nem sempre acon-
teça), também é verdade que, nas atuais condições
sociais, econômicas e culturais em que vive a gran-
de maioria da população brasileira, o acesso a esse
aprendizado costuma ocorrer mais dificilmente
fora dessa instituição. (MORTATTI, 2004, p. 33-34)

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A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 17

Enveredando por esse caminho, surgem, nessa mesma dé-


cada, os PCN (Parâmetros Curriculares Nacionais),3 cujo
objetivo é “apontar metas de qualidade que ajudem o alu-
no a enfrentar o mundo atual como cidadão participati-
vo, reflexivo e autônomo, conhecedor de seus direitos e
deveres” (BRASIL, PCN, 1997, p. 13). Especificamente com
relação à Língua Portuguesa, o documento destaca alguns
objetivos gerais do Ensino Fundamental:

• Expandir o uso da linguagem em instâncias priva-


das e utilizá-la com eficácia em instâncias públicas,
sabendo assumir a palavra e produzir textos — tanto
orais como escritos — coerentes, coesos, adequados
a seus destinatários, aos objetivos a que se propõem
e aos assuntos tratados.

• Utilizar diferentes registros, inclusive os mais


formais da variedade linguística valorizada social-
mente, sabendo adequá-los às circunstâncias da si-
tuação comunicativa de que participam.

• Identificar e respeitar as diferentes variedades


linguísticas do português falado.

• Compreender os textos orais e escritos com os


quais se defrontam em diferentes situações de par-
ticipação social, interpretando-os corretamente e in-
ferindo as intenções de quem os produz.

3
Os Parâmetros Curriculares Nacionais constituem um referencial de qua-
lidade para a educação no Ensino Fundamental em todo o país. Sua função
é orientar e garantir a coerência dos investimentos no sistema educacio-
nal, socializando discussões, pesquisas e recomendações, subsidiando a
participação de técnicos e professores brasileiros, principalmente daque-
les que se encontram mais isolados, com menor contato com a produção
pedagógica atual. (BRASIL, PCN, 1997, p.13)

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18 Fundamentos da alfabetização

• Valorizar a leitura como fonte de informação e


via de acesso aos mundos criados pela literatura e
possibilidade de função estética, sendo capazes de
recorrer aos materiais escritos em função de dife-
rentes objetivos.

• Utilizar a linguagem como instrumento de apren-


dizagem, sabendo como proceder para ter acesso,
compreender e fazer uso de informações contidas
nos textos: identificar aspectos relevantes; organi-
zar notas; elaborar roteiros; compor textos coeren-
tes a partir de trechos oriundos de diferentes fontes;
fazer resumos, índices, esquemas etc.

• Valer-se da linguagem para melhorar a qualidade


de suas relações pessoais, sendo capaz de expressar
seus sentimentos, experiências, ideias e opiniões,
bem como acolher, interpretar e considerar os dos
outros, contrapondo-os quando necessário.

• Usar os conhecimentos adquiridos por meio da


prática de reflexão sobre a língua para expandir as
possibilidades de uso da linguagem e a capacidade
de análise crítica.

• Reconhecer e analisar criticamente os usos da


língua como veículos de valores e preconceitos de
classe, credo, gênero ou etnia.

(PCN, 1997, p. 33)

Assim, no decorrer dos anos seguintes, intensificaram-se


as discussões a respeito da alfabetização. Nesse contexto,
em 2001, surgiu o Plano Nacional de Educação (PNE), do-
cumento em que governos brasileiros passaram a definir
e implementar, sistematicamente, políticas públicas para

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A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 19

a educação e a alfabetização, conforme previstas na Cons-


tituição de 1988. Cada plano tem duração de dez anos, a
fim de atingir suas metas. Hoje, já estamos vivenciamos o
novo do Plano Nacional de Educação (PNE 2014-2024), que
viabiliza novas metas para a diminuição do analfabetismo,
visando a ampliar os níveis de escolaridade da população
que ainda não concluiu a educação básica na idade apro-
priada, em especial o Ensino Fundamental, questão esta
referendada no 1º PNE e que permanece até os dias atuais.
O Plano traz vinte metas nacionais, com análises e inter-
-relações com a política pública, e coaduna esse contexto
com um quadro de sugestões para o aprofundamento das
temáticas. Por exemplo, a meta 5 dispõe sobre a alfabetiza-
ção e algumas sugestões de estratégias:

Meta 5: alfabetizar todas as crianças, no máximo, até


o final do 3º (terceiro) ano do ensino fundamental.
Estratégias:
5.1) estruturar os processos pedagógicos de alfabe-
tização, nos anos iniciais do ensino fundamental,
articulando-os com as estratégias desenvolvidas na
pré-escola, com qualificação e valorização dos (as)
professores (as) alfabetizadores (as) e com apoio
pedagógico específico, a fim de garantir a alfabeti-
zação plena de todas as crianças;
5.2) instituir instrumentos de avaliação nacional pe-
riódicos e específicos para aferir a alfabetização das
crianças, aplicados a cada ano, bem como estimu-
lar os sistemas de ensino e as escolas a criarem os
respectivos instrumentos de avaliação e monitora-
mento, implementando medidas pedagógicas para
alfabetizar todos os alunos e alunas até o final do
terceiro ano do ensino fundamental;
5.3) selecionar, certificar e divulgar tecnologias
educacionais para a alfabetização de crianças, as-
segurada a diversidade de métodos e propostas
pedagógicas, bem como o acompanhamento dos
resultados nos sistemas de ensino em que forem
aplicadas, devendo ser disponibilizadas, preferen-

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20 Fundamentos da alfabetização

cialmente, como recursos educacionais abertos;


5.4) fomentar o desenvolvimento de tecnologias
educacionais e de práticas pedagógicas inovadoras
que assegurem a alfabetização e favoreçam a me-
lhoria do fluxo escolar e a aprendizagem dos (as)
alunos (as), consideradas as diversas abordagens
metodológicas e sua efetividade;
5.5) apoiar a alfabetização de crianças do campo,
indígenas, quilombolas e de populações itinerantes,
com a produção de materiais didáticos específicos,
e desenvolver instrumentos de acompanhamen-
to que considerem o uso da língua materna pelas
comunidades indígenas e a identidade cultural das
comunidades quilombolas;
5.6) promover e estimular a formação inicial e con-
tinuada de professores (as) para a alfabetização de
crianças, com o conhecimento de novas tecnologias
educacionais e práticas pedagógicas inovadoras,
estimulando a articulação entre programas de pós-
-graduação stricto sensu e ações de formação conti-
nuada de professores (as) para a alfabetização;
5.7) apoiar a alfabetização das pessoas com deficiên-
cia, considerando as suas especificidades, inclusive
a alfabetização bilíngue de pessoas surdas, sem es-
tabelecimento de terminalidade temporal. (BRASIL,
PNE 2014-2024, p. 1)

O Plano destaca ainda, dentre as suas diretrizes, no Art. 2º,


a melhoria da qualidade do ensino. Vale ressaltar que, de
acordo com a mais recente Pesquisa Nacional por Amos-
tra de Domicílios (PNAD), feita pelo Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) em 2012 e divulgada em se-
tembro de 2013, a taxa de analfabetismo de pessoas de 15
anos ou mais foi estimada em 8,7%, o que corresponde a
13,2 milhões de analfabetos no país.

Nesse contexto, surgem reflexões e discussões em torno


de propostas de alfabetização para todos os sujeitos da
aprendizagem. Para as crianças, a ênfase das questões fica
direcionada à formação do professor alfabetizador, e para

.........................................................................................................
A dimensão política da alfabetização no contexto da educação brasileira 21

jovens e adultos a questão se volta para a implantação de


leis como forma de assegurar a permanência e a progres-
são nos estudos.

Assim, atravessamos a sociedade do século XXI preconi-


zando, por meio dos documentos oficiais e das aspirações
da sociedade civil, formar cidadãos, sujeitos históricos ca-
pazes de analisar e criticar as situações que vêm ocorren-
do no mundo, fazendo inúmeras e diferenciadas leituras,
entendendo-as, adaptando-as e modificando-as. Surgem
ainda, nesse conteto, implantações de políticas educacio-
nais, igualmente no âmbito da alfabetização, para crian-
ças, jovens e adultos, visando sempre a promover, de ma-
neira cada vez mais efetiva, maior qualidade na formação
dos sujeitos.

Vimos aqui que o desenvolvimento histórico do processo


de alfabetização perpassa sempre pelas demandas da socie-
dade vigente e por sua preconizada visão de sujeito. Dessa
forma, o estudo histórico do processo de alfabetização é (re)
validado por conhecimentos que sustentam suas concep-
ções de sociedade, de homem, de ensino e aprendizagem.

É nessa direção que convidamos você a continuar seus es-


tudos com a leitura do próximo tópico, que se ocupará em
elucidar os fundamentos filosóficos, linguísticos, psicoló-
gicos e sociolinguísticos, como referenciais teóricos que
nos possibilitam refletir de forma ampla sobre pressupos-
tos educacionais que possam contribuir para a qualidade
no processo de alfabetização.

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22 Fundamentos da alfabetização

FUNDAMENTOS DA ALFABETIZAÇÃO:
FILOSÓFICOS, PSICOLÓGICOS,
LINGUÍSTICOS E SOCIOLINGUÍSTICOS

A história da humanidade é caracterizada por inúmeras


invenções que contribuíram para o bem-estar de seus
membros. Sem dúvida, a escrita é uma das mais impor-
tantes invenções.

Ao revisitarmos a história do surgimento da escrita, cons-


tatamos que, durante milhares de anos, os homens senti-
ram a necessidade de registrar as informações e os pen-
samentos, de ordem pessoal ou coletiva, bem como fazer
trocas comerciais. Para isso, foi necessário construir siste-
mas de representação em que a mensagem fosse entendida
pelas pessoas, pois os leitores dependiam do contexto e
do senso comum para decifrar o significado do que estava
escrito. Dessa forma, os homens foram construindo sis-
temas de representação progressivamente. Primeiramente,
de forma pictográfica (por meio de figuras para represen-
tar cada objeto), depois passou-se para a fase pictórica,
que apresentava uma escrita bem simplificada dos objetos
da realidade, por meio de desenhos,41até chegar à escrita
ideográfica, um dos inventos na progressão até a escrita
alfabética, agora usada mundialmente.52

4
Podem ser vistos nas inscrições astecas presentes em cavernas, ou nas
inscrições de cavernas do noroeste do Brasil.
5
Progressão até a escrita alfabética: que não utilizava apenas rabiscos e
figuras associados ao que se queria registrar, mas sim uma imagem ou
figura que representasse uma ideia, tornando-se posteriormente uma
conversão da escrita. Foi na antiga Mesopotâmia, há cerca de 6 milhões de
anos, que se desenvolveu a escrita ideográfica.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 23

O homem vive em sociedade e, como tal, é constituído e


constituinte do seu processo evolutivo. Assim, ler e escre-
ver tornou-se uma ferramenta essencial na comunicação
entre as pessoas, uma vez que estabelece com o mundo
uma relação consciente de trocas significativas, concreti-
zadas a partir da compreensão do papel social da leitura e
da escrita.

Nesse contexto, este livro enfatiza que analisar os fun-


damentos da alfabetização pelas perspectivas filosóficas,
psicológicas, linguísticas e sociolinguísticas proporciona-
rá maior reflexão sobre os saberes e fazeres pedagógicos
no ensino da leitura e da escrita, além de causar o aumen-
to da possibilidade da superação histórica da dicotomia
teoria-prática.

Fundamentação filosófica
A compreensão das diferentes doutrinas filosóficas — em-
pirismo, inatismo ou nativismo e humanista — leva-nos a
melhor identificar as opções declaradas nas diversas prá-
ticas de alfabetização vigentes, historicamente situadas e
culturalmente elaboradas, ao mesmo tempo que nos per-
mite avaliar a qualidade e os objetivos que determinam seu
uso educacional.

Entende-se por empirismo aquilo que tem veracidade ou


falsidade verificada por meio dos resultados de experiên-
cias e observações. Seu principal teórico foi o inglês John
Locke (1632-1704), que defendeu, nessa perspectiva, uma
corrente que chamou de tabula rasa. Para o autor, a mente
da criança é uma tabula rasa. (uma tábua que ainda não
recebeu inscrições), nada contém: é passiva e receptiva
(ARANHA, 2006). Nesse contexto, as práticas alfabetizado-

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24 Fundamentos da alfabetização

ras baseadas na corrente empirista tendem especialmente


a enfatizar a experimentação, defendendo que a aprendi-
zagem envolve a formação de padrões ou comportamen-
tos observáveis, ou seja, a aprendizagem consiste em uma
alteração estável no comportamento devido à experiência.

O inatismo ou nativismo destaca que a maioria dos tra-


ços característicos de um indivíduo é fixada desde o nas-
cimento e que a hereditariedade permite explicar uma
grande parte das diferenças individuais físicas e psico-
lógicas. Nessa concepção, as formas de conhecimento
estão predeterminadas no sujeito. Assim, as práticas al-
fabetizadoras são baseadas no entendimento de que, ao
aprender, o ser humano aprimora aquilo que já é inato
avançando no seu desenvolvimento.

A doutrina humanista é reconhecida por legitimar o cará-


ter único da experiência pessoal. Isso porque teve seu iní-
cio com o Renascimento, que rompeu com o pensamento
religioso da idade Média, segundo o qual Deus era o cen-
tro de tudo, ao ceder lugar para o antropocentrismo, em
que o homem é o centro de interesse (ARANHA, 2006).
Nesse sentido, o processo de alfabetização leva em conta
o sujeito da aprendizagem, valorizando sua condição hu-
mana acima de tudo.

É válido ressaltar que os pressupostos da fundamentação


da alfabetização são frutos de ações que ocorrem conse-
quentemente e/ou paralelamente, como, por exemplo, as
doutrinas filosóficas aqui referenciadas que serviram como
bases ao surgimento das teorias de aprendizagem relacio-
nadas pelas correntes psicológicas.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 25

Fundamentação Psicológica
Para a psicologia, as teorias de aprendizagem partem da
ideia de que os indivíduos têm diferentes maneiras de “per-
ceber” e de “processar a informação,” o que implica dife-
renças nos modos como cada um compreende os processos
de aprendizagem.

As principais interpretações das questões relativas à na-


tureza da aprendizagem e, consequentemente, às práticas
de ensino, são delineadas por diversas correntes de pensa-
mento fundamentadas na Psicologia. Apresentaremos aqui
um breve questionamento sobre as seguintes concepções:
behaviorismo/comportamentalismo, gestalt/cognitivismo,
interacionismo, sociointeracionismo e conectivismo.

• Behaviorismo/comportamentalismo: em ra-
zão dos condicionamentos e associações estímulo e
resposta, quando um comportamento é seguido da
apresentação de um reforço positivo (recompensa)
ou negativo (supressão de algo desagradável), a fre-
quência deste comportamento aumenta. O compor-
tamento pode ser modificado a partir da manipula-
ção do meio. Tais teorias são, portanto, defensoras
da concepção de que a aprendizagem se centra
apenas nos comportamentos objetivamente obser-
váveis, negligenciando as atividades mentais, e “o
exercício das operações mentais está na estrita de-
pendência do estímulo”. (BECKER, 2001, p. 264). As
práticas pedagógicas baseadas nessa teoria têm uma
concepção de educação mecanicista, centrada em
uma perspectiva de entendimento do ser humano
que viabiliza modificar o comportamento em uma

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26 Fundamentos da alfabetização

direção previsível, incentivando o controle das ações


da pessoa e a obtenção segura de resultados.

• Gestalt/cognitivismo: enfatiza o estudo da men-


te e da inteligência em termos de representações
mentais e processos subjacentes ao comportamento.
Os cognitivistas recusaram sempre a ideia de que a
aprendizagem se circunscreve à reprodução de um
comportamento e, mais do que o resultado visível
(comportamento observável), tentaram perceber o
processo subjacente à aprendizagem. Dessa forma,
no processo de alfabetização deve-se levar em conta
os estágios do desenvolvimento da inteligência, para
que ocorra a aprendizagem. Esta última é fruto da in-
teração (interacionismo) entre o sujeito e o objeto de
conhecimento. Tais teorias defendem que os indiví-
duos têm uma postura ativa perante a aprendizagem
e que somente iniciam o processo quando percebem
que os benefícios são compensatórios.

• Sociointeracionismo: enquanto o interacionismo


enfatiza a interação contínua sujeito-objeto, como vi-
mos anteriormente, o sociointeracionismo pressupõe
uma relação dinâmica entre a bagagem genética e sua
adaptação ao meio. Enquanto Piaget (interacionista)
defende que a estruturação do organismo precede o
desenvolvimento, para Vygotsky (socionteracionista)
é o próprio sistema de aprendizagem, em um pro-
cesso interacional com o meio, que gera e promove o
desenvolvimento das estruturas mentais superiores.

• Conectivismo: a aprendizagem é fruto das cone-


xões em rede. Vivemos, atualmente, em uma socie-
dade caracterizada por um vertiginoso processo de
desenvolvimento tecnológico que, indiscutivelmen-

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 27

te, impõe aos cidadãos novas formas de estar no


mundo. Por essa razão, teóricos como George Sie-
mens e Stephen Downes vêm defendendo o constru-
tivismo como uma nova teoria de aprendizagem que
intitulam de aprendizagem em rede, pois o processo
de aprendizagem se dá por meio das conexões com
o mundo, utilizando a Teoria do Conectivismo para
explicar o efeito que as novas Tecnologias de Infor-
mação e Comunicação têm sobre a forma como as
pessoas se comunicam e aprendem. Para os autores,
o conhecimento está disponível nas redes, ele existe
no mundo e não apenas na cabeça de um indivíduo
portador de uma verdade universal.

Aposta-se, nessas concepções, em um ensino interativo


e dinâmico, em que o conhecimento humano é essencial-
mente ativo e os sujeitos da aprendizagem pensam, com-
param, estabelecem relações, conexões, participam, coope-
ram, constroem e transformam os conhecimentos.

Vimos, até aqui, que as principais interpretações das ques-


tões relativas à natureza da aprendizagem e, consequente-
mente, ao processo de alfabetização remetem a um passa-
do histórico, definindo princípios educacionais, no qual são
delineadas por diversas correntes de pensamento, funda-
mentadas na filosofia e na psicologia aqui assim definidas:

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28 Fundamentos da alfabetização

EVOLUÇÃO DOS PRINCÍPIOS EDUCACIONAIS


Filosofia Psicologia
Empirismo Behaviorismo/
A mente da criança é comportamentalismo
uma tabula rasa (uma Em razão dos condicio-
Foi a
tábua que ainda não namentos e associações
base do
recebeu inscrições), estímulo e resposta.
nada contém: é pas-
siva e receptiva.
Inatismo ou nativismo Gestalt/
Argumenta que a maio- cognitivismo
ria dos traços caracterís- Estudo da mente e da in-
ticos de um indivíduo é teligência em termos de
fixada desde o nasci- representações mentais
mento e que a heredita- e processos subjacentes
Foi a
riedade permite explicar ao comportamento.
base do
uma grande parte das Conhecimento in-
diferenças individuais tuitivo (insight).
físicas e psicológicas. Estrutura equilíbrio/
As formas de conheci- desequilíbrio.
mento estão predeter- Compreensão.
minadas no sujeito.
Humanista Sociointeracionismo
Caráter único da ex- Pressupõe uma rela-
periência pessoal; leva ção dinâmica entre a
em conta o sujeito da bagagem genética e sua
Foi a
aprendizagem, valo- adaptação ao meio.
base do
rizando sua condição Conectivismo
humana acima de tudo. Aprendizagem em redes,
a partir das conexões
com o mundo.

Depois desse breve resumo sobre as correntes filosóficas


e psicológicas, em que se destacam as interdependências
de seus pressupostos teóricos, assim como as demais fun-
damentações apresentadas a seguir, observa-se que todas
definem e preconizam concepções e materializações das
práticas de ensino e aprendizagem.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 29

Seguiremos agora para a reflexão sobre mais duas áreas


do conhecimento, mencionadas anteriormente, que corro-
boram também significativamente para os pensares e fa-
zeres no processo da alfabetização. Sabe-se que, para se
ensinar uma língua, é necessário conhecer sua estrutura e
seu funcionamento, por meio de conteúdos teórico-linguís-
ticos. Para uma efetiva comunicação, trata-se de conhecer
e saber utilizar as convenções linguísticas adotadas pelo
grupo social em que se vive. Nesse contexto, destacaremos,
a seguir, os fundamentos linguísticos e, posteriormente, os
sociolinguísticos, que são de um ramo da linguística63que
estuda a relação entre a língua e a sociedade.

Fundamentos Linguísticos
A fim de explicar os fundamentos linguísticos, valem qua-
tro grandes reflexões e seus respectivos desenvolvimentos.

Como podemos ensinar uma língua sem saber


a sua estrutura e o seu funcionamento?

A linguística se preocupa em explicar toda a estrutura e o


funcionamento da língua; estuda cientificamente a lingua-
gem verbal, a linguagem oral ou a escrita humana; está vol-
tada para a explicação de como a linguagem humana funcio-
na e de como são as línguas em particular (CAGLIARI, 2001).

6
Segundo estudiosos, a linguística divide-se, além da sociolinguística, em
mais dois ramos: a psicolinguística (que estuda a relação entre a lingua-
gem e a mente) e a etnolinguística (que estuda a relação entre a lingua-
gem e cultura — a tradição de um povo).

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30 Fundamentos da alfabetização

Quais são os conhecimento relacionados


especificamente ao ensino da língua
que o professor deve ter?

O ensino da língua portuguesa na escola vem se configu-


rando uma das discussões mais frequentes nas últimas
décadas entre professores, familiares, profissionais de en-
sino e pesquisadores. Isso porque o aprendizado da leitu-
ra e da escrita tem sido uma questão imperativa quando
se discute o fracasso escolar, do qual as escolas públicas
brasileiras vêm padecendo com estatísticas abaixo do de-
sejável para atender a atual sociedade. Uma sociedade que
preconiza a formação de um sujeito capaz não apenas de
ler e escrever mas interpretar, analisar, criticar, compre-
ender e aprender a ler o mundo, a partir de diferentes lin-
guagens, como forma de comunicação entre o indivíduo e
a sociedade. Destaca-se, nesse contexto, a importância da
língua, da linguagem e da linguística.

• Língua é um sistema de signos que serve de


meio de comunicação entre os membros de uma
comunidade linguística. Os signos de uma língua
substituem os objetos e os representam.

• Linguagem é a representação do pensamento


por meio de sinais que permitem a comunicação
e a interação entre as pessoas.

• Linguística é a ciência que investiga os fenô-


menos da linguagem e que busca determinar os
princípios e as características que regulam o sis-
tema da língua.

Fonte: Adaptado de AZEREDO, 2002.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 31

Ressalta-se que a legitimação do processo de alfabetização


perpassa pelo desenvolvimento da consciência fonológica,
que é a habilidade de tomada de consciência das carac-
terísticas formais da linguagem (oralidade e escrita), bem
como o conhecimento acerca da sua estrutura sonora.

Falantes de qualquer língua fazem reflexões sobre o uso


e a forma da linguagem que utilizam. Assim, para uma
efetiva comunicação, trata-se de conhecer e saber utilizar
as convenções linguísticas adotadas pelo grupo social em
que se vive.

Quais seriam os indicativos


de análise da língua?

• Linguística descritiva (ou sincrônica): é o estu-


do do mecanismo pelo qual uma dada língua fun-
ciona, descrevendo-a simultaneamente no tempo. A
linguística descritiva analisa as relações existentes
entre os fatos linguísticos em um estado da língua.
Propõe-se a descrever as regras da língua falada. A
gramática descritiva não tem o objetivo de apontar
erros, mas sim de identificar todas as formas de ex-
pressão existentes e verificar quando e por quem
são produzidas. (MATOSO, 2004)

• Linguística histórica (ou diacrônica): analisa as


mudanças que a língua sofre ao longo dos tempos; é
a descrição de uma língua ao longo de sua história,
preocupando-se com as transformações ocorridas. Es-
tuda as relações entre termos que se substituem, por
sucessão, ao longo do tempo; “é diacrônico tudo que
diz respeito às evoluções”. (SAUSSURE, 2002, p. 96)

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32 Fundamentos da alfabetização

• Linguística teórica: procura estudar questões so-


bre como as pessoas, usando suas linguagens, con-
seguem comunicar-se; quais propriedades todas as
linguagens têm em comum; qual conhecimento uma
pessoa deve possuir para ser capaz de usar uma lin-
guagem e como a habilidade linguística é adquirida
pelas crianças.

• Linguística aplicada: utiliza conhecimentos da


linguística para solucionar problemas geralmente
referentes ao ensino de línguas, à tradução ou aos
distúrbios de linguagem. “Multidisciplinar e abran-
gente, a Linguística Aplicada apresenta preocupa-
ções com questões de uso da linguagem. Ela tem
um objeto de estudo, princípios e metodologia pró-
prios.”(CAVALCANTI, 1998, p. 9)

• Linguística geral: engloba todas as áreas, sem um


detalhamento profundo. Fornece modelos e concei-
tos que fundamentarão a análise das línguas.

O que constitui a linguagem?

O estudo da linguagem é dividido, pelos linguistas, por


áreas que são estudadas mais ou menos independente-
mente. Destacamos, abaixo, as divisões mais comuns:

Fonologia: estuda os menores segmentos que formam a


língua, isto é, os fonemas (os sons da língua); a divisão
silábica; a ortografia; a acentuação escrita das palavras e a
forma de pronunciá-las.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 33

Morfologia: estuda as flexões das palavras, sua estrutura


e formação; estuda as unidades que formam as palavras,
ou seja, estuda as palavras isoladamente. Ao estudar mor-
fologia, estudamos a formação de palavras a partir de ele-
mentos morfológicos (ou mórficos), que são as unidades
que formam uma palavra. Alguns elementos morfológicos
são: radical, vogal temática, tema, desinência (nominal ou
verbal), vogal ou consoante de ligação, afixo.

Radical: acopla outros elementos para formar a nova palavra.


Filho – Filhinho – Filhote – Afilhado

Vogal temática: aparece logo após o radical.


Filho – Filhinho – Filhote – Afilhado

Tema: radical acrescido da vogal temática.


Filho – Filhinho – Filhote – Afilhado

Desinência nominal: indica gênero masculino/feminino.


Filho – Filha
Filhos – Filhas

Desinência verbal: indica a pessoa, 1ª, 2ª, 3ª; número (singular /


plural) e tempo (imperfeito, presente, passado, futuro...).
Cantássemos
cant = radical
á = vogal temática
sse = marca o tempo imperfeito e o modo subjuntivo
mos = desinência que marca 1ª pessoa, número plural

Vogais ou consoantes de ligação: são a de um fonema e outro


por motivos eufônicos (som agradável), facilitando o entendi-
mento da palavra.
Gasômetro - Paulada

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34 Fundamentos da alfabetização

Afixos: são morfemas que se colocam antes ou depois do radi-


cal, formando novas palavras e alterando sua significação básica.
São divididos em:

• Prefixos: antepostos ao radical. Exemplos: incorreto,


impossível, desleal.
• Sufixos: pospostos ao radical. Exemplos: casamento,
lealdade, felizmente.

Sintaxe: é a parte da gramática que estuda as funções das


palavras nas frases.

Semântica: estuda os sentidos das frases e das palavras


que a integram.

De acordo com os estudos linguísticos, em meados do sécu-


lo XX, a área da linguística sofreu mudanças significativas,
ou seja, a linguística passou a se interessar não só pelo sis-
tema do conhecimento da língua em si mas também pelo
seu uso. Nesse contexto surge a sociolinguística, que leva
em conta, além dos fatores internos à língua, anteriormente
mencionados (fonologia, morfologia, sintaxe e semântica),
os fatores de ordem externos a ela (situação econômica,
escolaridade, sexo, história, origem geográfica, faixa etária,
entre outros).

Fundamentos Sociolinguísticos
A Sociolinguística estuda as línguas na sua relação com as
sociedades que as usam e busca mostrar que toda e qual-
quer língua é constituída de diversas formas de uso, a de-
pender de quem a usa.

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Fundamentos da alfabetização: filosóficos, psicológicos, linguísticos e sociolinguísticos 35

Os estudos sociolinguísticos no processo de alfabetização


corroboram o entendimento de que a escola deve romper
com concepções tradicionalistas de ensino e aprendiza-
gem, que desconsideram o sujeito da aprendizagem. As-
sim, as seguintes questões devem ser consideradas: Quem
diz? O que diz? Quando? Onde? Como? Por quê? Qual a sua
idade? Qual é o contexto social?

Verificamos, aqui, que todo processo de alfabetização está


intimamente respaldado nas relações que estabelece com
diversos campos de conhecimento e, entre outros, destaca-
mos os seguintes: filosófico, psicológico, linguístico e so-
ciolinguístico. No entanto, não se tem a pretensão de que
tais conhecimentos possam superar todos os desafios que
assolam o processo de alfabetização, mas eles facilitarão o
aperfeiçoamento do trabalho do professor e a contextua-
lização dos pressupostos metodológicos da alfabetização
que discutiremos a seguir, de forma a contribuir para um
ensino mais efetivo e significativo.

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36 Fundamentos da alfabetização

PRESSUPOSTOS TEÓRICO-
METODOLÓGICOS DA ALFABETIZAÇÃO

As concepções educacionais almejadas atualmente bus-


cam a utilização de métodos de aprendizagem dos quais o
educando aprenda a aprender, e se torne apto a enfrentar
e decidir diante de cada nova situação, refletindo sobre os
processos ocorridos, trabalhando coletivamente e de for-
ma interdisciplinar,71 enfim, sendo ator e autor no processo
educativo. Isso porque as exigências do mundo contem-
porâneo, marcado pelas rápidas transformações em todos
os setores, caracterizando a era da informação, impõem
novas formas de construir e lidar com os conhecimentos.
Nesse contexto, aprender a ler e escrever é: saber inter-
pretar, compreender, traduzir, aprender a ler o mundo a
partir de diferentes linguagens

É interessante observarmos o papel singular da linguagem


no cotidiano humano e o uso de comunicações variadas para
estabelecer uma relação social contínua. O homem como ser
social, neste mundo tão complexo, precisa refletir, interpre-
tar e utilizar diferentes linguagens como ferramenta para se
inserir de forma qualitativa na sociedade em que vive.

7
Interdisciplinaridade: interlocução entre as diversas áreas do conheci-
mento. Entende-se, atualmente, que as coisas não acontecem de forma
isolada, pois existe toda uma contextualização, derivada de interlocuções,
interações, complementações de fatores explicados e justificados uns
com relação aos outros. A tradicional ênfase sobre informações isoladas
que passam a valer por elas mesmas e não por sua capacidade de ajudar
o homem a compreender o mundo impossibilita o processo de desen-
volvimento do conhecimento, inviabilizando a construção de um cidadão
crítico-reflexivo, tão preconizado pela sociedade atual.

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Pressupostos teórico-metodológicos da alfabetização 37

Nesse contexto, a escola deve ser um ambiente rico em


recursos, no qual os aprendizes tenham acesso às tecno-
logias existentes, interajam com os recursos e com os pro-
cessos educativos, para que, assim, possam desenvolver
sua capacidade intelectual, respeitando suas característi-
cas e “tempos” individuais.

Aspira-se a uma metodologia educativa que esteja em sin-


tonia com o ritmo próprio de cada indivíduo, uma edu-
cação interdisciplinar, que cause fissuras nas estruturas
organizacionais curriculares, que provoque rompimentos
e aponte novas abordagens educacionais. Assim, com re-
lação ao processo de alfabetização, é preciso destacar que:

Não basta apenas, desenvolver as habilidades da


aprendizagem da leitura e da escrita, é preciso tam-
bém saber fazer uso do ler e escrever, saber res-
ponder às exigências de leitura e de escrita que a
sociedade faz continuamente. (SOARES, 1998, p. 21)

Tais concepções exigem do professor o comprometimento


e o desejo de busca pelo desenvolvimento de novas práti-
cas pedagógicas.

Faz-se necessário, então, que se redefina esse espaço esco-


lar, tão contraditório atualmente, evidenciando um novo
perfil docente — por meio de novas práticas — e voltando-
-se, sobretudo, para a adequação do processo de ensino-
-aprendizagem. Garrido (2000) acrescenta:

[...] as novas tendências investigativas sobre for-


mação de professores valorizam o que denominam
o professor-reflexivo (SCHÖN, 1990; ALARCÃO,
1996). Opondo-se à racionalidade técnica que mar-

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38 Fundamentos da alfabetização

cou o trabalho e a formação de professores, enten-


de-o como um intelectual em processo contínuo de
formação. Enquanto tal, pensar sua formação signi-
fica pensá-la como um continuum de formação ini-
cial e contínua. Entende, também, que a formação
é, na verdade, autoformação, uma vez que os pro-
fessores reelaboram saberes iniciais em confronto
com suas experiências práticas, cotidianamente vi-
venciadas nos contextos escolares. É nesse confron-
to e num processo coletivo de troca de experiências
e práticas que os professores vão constituindo seus
saberes como praticum, ou seja, aquele que cons-
tantemente reflete na e sobre a prática. (GARRIDO,
2000, p. 28)

Perrenoud (2001) ainda destaca que o modelo profissional


de Schön, ressaltado acima por Garrido (2000), intitulado
“professor reflexivo,” caracteriza o pensamento de um
professor especialista como uma reflexão em ação, funda-
mentada em cognições implícitas oriundas de uma situação
que o profissional é incapaz de descrever, pois seu conhe-
cimento está se construindo a partir da articulação entre
seus saberes. Isto é o oposto da reflexão apenas sobre a
ação, porque esta “se situa antes ou após a ação e se baseia
em conhecimentos explícitos” (PERRENOUD, 2001, p. 29),
onde a racionalidade técnico-científica se sobrepõe à práti-
ca cotidiana, com objetivos e finalidades predeterminados.

É necessário, portanto, que o professor possua uma sólida


formação teórico-prática, permeada pela reflexão crítica
e contínua entre seus saberes, os quais podemos definir
como Garrido (2000):

Saberes das áreas específicas (onde se encontra


o referencial teórico, científico, técnico e tecnoló-
gico); saberes de experiência (acumulada durante
sua vida, submetida a confrontos com as teorias

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Pressupostos teórico-metodológicos da alfabetização 39

e práticas, próprias com as dos outros) e saberes


pedagógicos (o referencial para trabalhar os conhe-
cimentos enquanto processo de ensino) (GARRIDO,
2000, p. 27. Grifo nosso.)

Garrido enfatiza que tais saberes são necessários para que


não se perca a visão globalizante da prática pedagógica
capaz de eliminar distorções decorrentes da priorização
de um dos polos. Pretende-se, assim, que essa formação
ofereça instrumentos de análise das práticas docentes; ain-
da mais, que a cultura da reflexão seja uma marca da ação
pedagógica para a construção de uma identidade profissio-
nal compromissada com as novas exigências educacionais.
Almeida complementa:

O perfil não é apenas uma descrição de competên-


cias, mas uma compreensão de identidade profis-
sional do professor que se constrói historicamen-
te. Implica, fundamentalmente, uma concepção de
profissionalização que supere o sentido técnico do
termo, contido na Lei nº 5692, e alcance a compre-
ensão da busca de uma competência científico-téc-
nica e sócio-política, em que formação e exercício
profissional, dialetizando-se, constroem um perfil
de crescente qualificação profissional, compreendi-
da na indissociável relação teoria-prática dos fun-
damentos, princípios e pressupostos epistemoló-
gicos, pedagógicos e ético-políticos implicados no
trabalho do professor das Séries Iniciais, histórica
e socialmente contextualizado. Tal formação é um
processo, com marco histórico inicial, porém sem
previsão de “acabamento”, já que se trata de um
processo continuado. (1996, p. 42)

Vale ressaltar que essa formação deve, também, ser tra-


balhada no processo de democratização da sociedade, ou
seja, que não perca a conexão com a problemática social.
Assim, sua finalidade não deve estar circunscrita apenas

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40 Fundamentos da alfabetização

ao âmbito escolar, mas voltada para a transformação da


própria realidade, já que a prática do professor é essencial-
mente social e possui um caráter coletivo.

Na prática escolar, a concretização das condições de apren-


dizagem da leitura e escrita que asseguram a realização do
trabalho docente está pautada em teorias de alfabetização,
determinando as práticas pedagógicas. Com base nesses
condicionantes teórico-práticos, diferentes pressupostos
sobre o papel da escola, do ensino, da avaliação, as rela-
ções professor-aluno, dos recursos de ensino e do método
pedagógico influenciam e orientam a prática utilizada.

Destaca-se que mudanças conceituais ocorridas no campo


da alfabetização trazem, como consequência, mudanças
nas decisões metodológicas e nas práticas pedagógicas a
ela relacionadas. Dessa forma, ao verificar a transitorieda-
de histórica dos métodos de alfabetização, verificaremos
que, de acordo com o desenvolvimento da sociedade, urge
a necessidade de se (re)pensar suas práticas. Com efeito,
a escola desde sempre foi norteada por expectativas em
relação ao que a ela pode oferecer aos que nela ingres-
sam. Dentre tais expectativas, destaca-se a potencialidade
da escola na preparação do sujeito para as demandas da
sociedade. Surgem, assim, subsídios teórico-práticos em
relação à natureza da aprendizagem, com o objetivo de se
cumprir adequadamente tal demanda.

Em métodos tradicionais de alfabetização, verifica-se a ên-


fase na memorização de letras, sons e palavras, com tex-
tos descontextualizados da realidade da criança, sem se
preocupar se o aluno está compreendendo o que escreve

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Pressupostos teórico-metodológicos da alfabetização 41

ou o que lê. No entanto, com o desenvolvimento da so-


ciedade, outras concepções e discussões sobre eficácia de
processos e métodos de alfabetização foram surgindo. Nas
concepções atuais, privilegia-se o uso social da leitura e
da escrita, em uma perspectiva crítica, na qual o profes-
sor é visto como mediador e o aluno como sujeito refle-
xivo e ativo. Sobre esse aspecto, Paulo Freire (2011, p. 32)
acrescenta: “Por que não estabelecer uma intimidade entre
os saberes curriculares fundamentais aos alunos e a expe-
riência social que eles têm como indivíduos?” Para o autor,
alfabetizar não pode ser tratado como uma simples técni-
ca — codificar e decodificar letras — , mas com uma visão
ideológica em que alfabetizar é humanizar, que passa pela
leitura de mundo e reflexão das causas sociais, que leva à
conscientização, ao pensar certo, à real leitura de mundo e
das condições de vida.

É válido ressaltar que, ao se privilegiar teorias e técni-


cas de alfabetização, deve-se ter o entendimento de que o
processo de aprendizagem deve partir da ideia de que os
indivíduos têm diferentes maneiras de perceber e de pro-
cessar a informação, o que implica diferenças no modo
como cada um compreende os processos de aprendiza-
gem da leitura e da escrita.

Percebe-se, assim, o processo de alfabetização como um


campo de confluências de múltiplas práticas, as quais con-
correm para a sua configuração. É necessário, pois, enten-
der as diferentes instâncias teóricas sobre os métodos de
alfabetização, de forma a ter claros os consensos estabele-
cidos para a possibilidade de uma concretização qualitativa.

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42 Fundamentos da alfabetização

Resguardados tais posicionamentos, o próximo capítulo se


ocupará em discutir sobre os métodos e técnicas de alfa-
betização como forma de esclarecer as compreensões teó-
ricas desse processo, como uma possibilidade de atuação
eficaz no campo da prática pedagógica.

Ressalta-se, aqui, que a fundamentação teórica das dife-


rentes concepções sobre o processo de alfabetização im-
plementadas nas escolas é um meio essencial à qualifica-
ção profissional e à transformação do cotidiano escolar,
na medida em que se revela que existe uma pluralidade
de definições de práticas e que cada uma delas pressupõe
determinados valores e concepções implícitos que, conse-
quentemente, contribuem para a análise do modo como
foi e tem sido feito o processo de ensino-aprendizagem no
cotidiano escolar.

.........................................................................................................
43

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..........................................................................................................
46

.........................................................................................................
Métodos de alfabetização 47

CAPÍTULO 2
TEORIAS E MÉTODOS DE
ALFABETIZAÇÃO

O ensino da língua portuguesa está posto hoje, nas institui-


ções de ensino, como um grande desafio, uma vez que os
professores encontram inúmeras e diferenciadas dificulda-
des em apropriar-se de uma teoria e/ou método de alfabe-
tização que legitime uma aprendizagem de qualidade para
os cidadãos brasileiros, em especial por estar ainda sob a
égide de uma concepção reducionista de alfabetização que
não atende favoravelmente às exigências de formação da
sociedade contemporânea e aos sujeitos da aprendizagem.
Agrega-se a este contexto a evolução da sociedade, que im-
põe novas e diferentes formas de leituras de mundo.

Como forma de superação a esse quadro, o presente capítu-


lo oferece suporte teórico-prático de métodos e propostas
de alfabetização, bem como analisa e sugere pressupostos
metodológicos para questões desafiadoras que norteiam a
aprendizagem da língua, com o objetivo precípuo de con-
tribuir para a melhoria do processo de alfabetização e le-
tramento. Para isso, enfatiza que um bom começo é buscar
concepções e práticas de ensino que se materializem por
meio da construção de competências, como um instrumento
norteador do desenvolvimento permanente do aluno, sendo
este contemplado por abordagens educacionais contextua-
lizadas e interdisciplinares, tal como sugere a proposta de
alfabetização defendida por Emília Ferreiro.

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48 Teorias e métodos de alfabetização

MÉTODOS DE ALFABETIZAÇÃO

Historicamente, a problemática da aprendizagem da leitura e


da escrita tem sido colocada como uma questão de método.
Para tal, professores, alfabetizadores, responsáveis e com-
prometidos com a ação educativa centram sua preocupação
e atenção na busca do “melhor” ou do mais “eficaz” método
para a questão. Assim, tentam desenvolver uma ação didáti-
co-pedagógica que possa levar em consideração as diferentes
concepções da aprendizagem.

Sabe-se que qualquer proposta de ensino para a aprendi-


zagem da leitura e da escrita é fundamentada em condi-
cionantes teórico-práticas de concepções de aprendizagem
baseadas em propostas de teorias e métodos de alfabeti-
zação. Contudo, é importante salientar que tais propostas
não surgem de repente, são frutos de movimentos históri-
cos cujas raízes podem ultrapassar o tempo, estabelecendo
uma continuidade em relação ao passado. Dessa forma, ao
refletirmos sobre a transitoriedade histórica dos métodos
de alfabetização e suas práticas no processo de aprendiza-
gem da língua materna, teremos a oportunidade de enten-
der as práticas atuais de alfabetização.

Barbosa (2013) distingue três períodos principais na história


do ensino da leitura e escrita: o primeiro período vai da Anti-
guidade a meados do século XVIII e é marcado pelo uso dos
chamados métodos sintéticos; o segundo período começa
no século XVIII, efetivando-se no século XX, marcado pelos
métodos analíticos; o terceiro período, o autor intitula como

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Métodos de alfabetização 49

atual — o que é interessante, pois a primeira edição do livro


do autor, Alfabetização e Leitura, em 1994, já ultrapassava
os métodos anteriormente citados. A concepção de Barbosa
permanece em nossos questionamentos atuais sobre a alfabe-
tização, pois ele faz o seguinte questionamento sobre os mé-
todos sintéticos e analíticos: será que é preciso passar pela
mediação da fala para aprender a ler?

Como forma de referenciá-lo, mas contribuir com uma relei-


tura das três fases históricas já citadas, tomemos a seguinte
classificação de grupos: método sintético; método analítico
(ou global) e método misto (referenciado por MORTATTI,
2006). Isso porque Barbosa (2013), em seu terceiro grupo, já
considera indicativos que darão subsídios para o surgimento
de novas concepções de alfabetização, como a proposta cons-
trutivista ressalvada por Emília Ferreiro, a qual discutiremos
mais amplamente no próximo tópico. Nessa mesma perspec-
tiva, elucidaremos primeiramente os três momentos listados
por Mortatti (2006), já que o quarto momento endossado pela
autora, tal como Barbosa (2013), ressalta a proposta constru-
tivista, que iremos abordar posteriormente.

Você deve estar perguntando: “Por quê?” É apenas por uma


questão de concepção. As autoras do presente livro não legi-
timam o construtivismo como um método de alfabetização
e, sim como uma proposta baseada na Teoria Epistemológica
Genética do biólogo suíço Jean Piaget8.1
8
Para Piaget (1995), o indivíduo não é um simples resultado do meio (con-
cepção behaviorista, em que a aprendizagem é uma associação entre es-
tímulo-resposta e resposta-estímulo, e a aprendizagem centra-se apenas
nos comportamentos, negligenciando as atividades mentais), e nem é sim-
plesmente determinado por princípios inatos (concepção inatista, em que
o desenvolvimento da criança é pré-requisito para o aprendizado e para o
desenvolvimento mental e cognitivo). O desenvolvimento cognitivo é de-
terminado pela interação entre fatores internos (orgânicos, hereditários)
e fatores externos (meio). (CAETANO, 2010)

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50 Teorias e métodos de alfabetização

Ela é definida como a teoria do desenvolvimento da inte-


ligência humana como resultado de uma interação com o
meio. Para as autoras deste livro, método significa uma
sistematização de comportamentos previamente determi-
nados; para Piaget (1995), o desenvolvimento da aprendi-
zagem é, também, determinado por fatores internos.

Mortatti (2006), ao descrever a história da alfabetização no


Brasil, enfatiza que a questão dos métodos de ensino ini-
ciais da leitura e da escrita, aqui em nosso país, iniciou-se
desde as décadas finais do século XIX, optando a autora
por dividir os períodos em quatro momentos cruciais:

• 1º momento: a metodização do ensino da leitura


(equivale ao período do método sintético);

• 2º momento: a institucionalização do método


analítico;

• 3º momento: a alfabetização sob medida (método


misto);

• 4º momento: alfabetização (construtivismo e des-


metodização)

[...] cada um deles caracterizado pela disputa em


torno de certas tematizações, normatizações e con-
cretizações relacionadas com o ensino da leitura e
escrita e consideradas novas e melhores, em relação
ao que, em cada momento, era considerado antigo
e tradicional nesse ensino. Em decorrência dessas
disputas, tem-se, cada um desses momentos, a fun-
dação de uma nova tradição relativa ao ensino ini-
cial da leitura e escrita. (MORTATTI, 2006, p. 4)

Em continuidade à divisão dos grupos de métodos elucida-


dos pelo presente livro, segue, resumidamente, a classifi-
cação dos métodos.

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Métodos de alfabetização 51

1. Sintético: parte de elementos mais simples — le-


tras, fonemas ou sílaba — que são combinados, for-
mando palavras e sentenças. Pode ser: ALFABÉTICO,
FÔNICO, SILÁBICO.

2. Analítico (ou global): tem como ponto de partida


elementos significativos — palavras, frases, peque-
nos textos. Pode ser: PALAVRAÇÃO, SETENCIAÇÃO
OU GLOBAL.

3. Analítico-sintético (misto): mescla os métodos


sintético e analítico.

A partir daqui, os métodos classificados acima serão de-


talhados.

O que significa método sintético?

Parte de elementos menores que as palavras — fonema ou


sílaba — que, combinados, formam palavras e sentenças;
podem, portanto, ser alfabéticos, fônicos ou silábicos.

O ponto-chave do método sintético está em estabelecer a cor-


respondência entre o oral e o escrito, entre o som e a grafia,
a partir da correspondência dos elementos mínimos, em um
processo que consiste em ir das partes ao todo. Para isso, é
necessário o aprendizado letra por letra, sílaba por sílaba,
palavra por palavra, ou seja, primeiro o aprendiz domina o
alfabeto (letras), depois sílabas, palavras, frases e, por últi-
mo, textos. Este método não permite que o aprendiz prossiga
para uma nova fase se não dominar aquela em que está.

O método sintético é dividido historicamente em três ti-


pos: método alfabético, método fônico e método silábico.

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52 Teorias e métodos de alfabetização

Método alfabético
É a mais antiga proposta de alfabetização, conhecida tam-
bém como método da soletração. Deu origem ao termo
“alfabetizar”, que significa: ensinar a ler e a escrever, dar
instrução primária.

alfabetização

alfabet
alfa = primeira letra do alfabeto grego; beta= segunda letra
do alfabeto grego
izar (sufixo)
significa =tornar, fazer como que
ção (sufixo que forma substantivos)
significa= ação

Parte do princípio que é preciso: decorar oralmente todos


os nomes das letras do alfabeto (maiúsculas e minúscu-
las), fazer combinações silábicas, formar palavras, para, só
a partir daí, conseguir ler as sentenças curtas até evoluir
para histórias. Por esse processo, o aprendiz vai soletran-
do, aprendendo inicialmente as letras, depois forma as sí-
labas até decodificar a palavras e construir o texto.

Método fônico
Surgiu como uma crítica ao método alfabético. Consiste
nas relações entre sons e letras, entre fonemas (som das
letras) e grafemas (símbolos de um sistema de escrita). A
unidade mínima de som da fala é o fonema.

É interessante destacar três questões:


• O fonema não deve ser confundido com a letra. Na
língua escrita, representamos os fonemas por meio

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Métodos de alfabetização 53

de sinais chamados letras. Nessa concepção, letra é


a representação gráfica do fonema. Na palavra sapo,
por exemplo, a letra “s” representa o fonema /s/ (lê-
-se sê); já na palavra brasa, a letra s representa o
fonema /z/ (lê-se zê).

• Às vezes, o mesmo fonema pode ser representa-


do por mais de uma letra do alfabeto. É o caso do
fonema /z/, que pode ser representado pelas letras
z, s, x:

zebra
casamento
exílio

• Em alguns casos, a mesma letra pode representar


mais de um fonema. A letra x, por exemplo, pode
representar:

o fonema sê: texto


o fonema zê: exibir
o fonema chê: enxame

Logo, o aprendiz deve ser capaz de isolar e de reconhe-


cer os diferentes fonemas de seu idioma para poder, em
seguida, relacioná-los aos sinais gráficos (correspondência
grafema/fonema; letra/som). Portanto, como se enfatiza, a
análise auditiva institui três questões como pressupostos
básicos para a alfabetização:

• A fim de evitar confusões entre os fonemas, a


pronúncia deve ser correta.

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54 Teorias e métodos de alfabetização

• Apresentar separadamente as palavras que apre-


sentam grafias de formas semelhantes, para evitar
confusões visuais entre estas últimas.

• Ensinar um par fonema/grafema por vez, não pas-


sando à etapa seguinte enquanto não esteja bem fixa-
da a associação. É prioritária na aprendizagem a fixa-
ção mecânica da leitura, ou seja, a decifração do texto
que, posteriormente, dará lugar à sua compreensão.

Primeiro são ensinadas as formas e os sons das vogais, de-


pois são ensinadas as consoantes, sendo, aos poucos, esta-
belecidas relações mais complexas. Esse método de ensino
permite primeiramente descobrir o princípio alfabético e
depois, progressivamente, dominar o conhecimento orto-
gráfico próprio de sua língua, por meio de textos produzi-
dos especificamente para esse fim.

Método silábico
Consiste em aprender primeiro as sílabas para formar as
palavras. A aprendizagem é feita inicialmente por meio de
de uma leitura mecânica do texto, a partir da decifração de
palavras, vindo posteriormente sua leitura com compre-
ensão. Nesse método os principiantes aprendem as letras
mediante o uso de ilustrações, ou seja, apresentam-se as
sílabas canônicas,92utilizando palavras e ilustrações.

Destaca-se que se aprendem as sílabas que constituem uni-


dades sonoras, de forma sistemática e ordenada. Começa-
-se pelas vogais, depois as sílabas e as famílias silábicas
(das sílabas mais fáceis para as mais difíceis). (BARBOSA,
2013)

9
Sílaba canônica é aquela que aparece sempre na mesma ordem: consoan-
te, vogal, consoante, vogal.

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Métodos de alfabetização 55

Ao ensinar as vogais e sílabas, utilizam-se as ilustrações com as


palavras.

“E” de Elefante.

“MA” de macaco.

No método silábico, não há correspondência entre som e


letras, já que o aprendiz decora o nome da letra para a
sílaba com o seu respectivo som silábico.

O que significa método analítico?

Conhecido também como método global, pois defende


que a leitura é um ato global e audiovisual, é o método

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56 Teorias e métodos de alfabetização

do “olhar e dizer”, como foi assim difundido. O ensino da


leitura é iniciado pelo “todo”, para depois se proceder à
análise de suas partes constitutivas. Mortatti (2006) en-
fatiza que depende do entendimento de seus defensores
sobre o “todo”, que pode ser entendido como palavras ou
a sentença, ou a “historieta”.103 Trabalham-se as unidades
completas da linguagem para depois dividi-las em partes
menores. Por exemplo: começa-se pela frase para extrair
palavras e, depois, dividi-las em sílabas.

O método analítico se desenvolve a partir da teoria do “sin-


cretismo infantil”, que foi fundamentado pela teoria da
gestalt, e acredita que a aprendizagem se dá pelo insight.
Oñantivia destaca que:

No final do século XIX e início do século XX, sob


a influência da psicologia genética, surgem os de-
fensores dos métodos analíticos, que se opõem aos
métodos sintéticos, alegando que estes não consi-
deram a psicologia da criança e acabam se tornan-
do macânicos, artificiais e não funcionais. [...] Sua
metodologia propunha que se escrevessem palavras
significativas para as crianças em pedaços de papel
de diferentes formatos. Com essa pequena ajuda,
tomando como base os formatos, a criança logo
conseguia conhecer as palavras. Passado algum
tempo, as mesmas palavras eram então escritas em
pedaços de papel de formato idêntico. Aos poucos,
a criança reconhecia diretamente as palavras es-
critas. Depois passava a escrever frases com essas
palavras e, em pouco tempo, conseguia realizar a
leitura delas. (OÑANTIVIA, 2009, p. 14)

10
O processo baseado na “historieta” foi institucionalizado em São Paulo,
mediante a publicação do documento Instruções práticas para o ensino
da leitura pelo método analítico – modelos de lições. (Diretoria Geral da
Instrução Pública/SP – [1915]). Nesse documento, priorizava-se a “histo-
rieta” (conjunto de frases relacionadas entre si por meio de nexos lógi-
cos), como núcleo de sentido e ponto de partida para o ensino da leitura”.
(MORTATTI, 2006, p. 7)

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Métodos de alfabetização 57

Segundo defensores do método analítico, essa concep-


ção de alfabetização tem como objetivo fazer com que os
aprendizes compreendam o sentido de um texto. Não ensi-
nando a leitura por meio da silabação, incentiva os alunos
à produção de textos prestando atenção ao uso da pontua-
ção, estimulando a leitura e deixando o aluno à vontade
para expor suas ideias.

O método analítico pode ser divido em: palavração, seten-


ciação ou global.

Palavração
Parte-se da palavra para depois haver a aquisição de um
número de palavras, iniciando-se, assim, a formação das
frases. Ou seja, aprendem-se as palavras e, depois, sepa-
ram-se as sílabas para, com estas, formar novas palavras.

Paulo Freire (2011)114 é reconhecido por alguns autores


como um dos precursores dessa concepção, pois defendia
a “leitura do mundo” como recurso audiovisual importante
e capacitador do desenvolvimento intelectual. Assim, o alu-
no aprendia as palavras e, depois de reconhecer algumas
delas, estas eram divididas em famílias silábicas, para for-
mar outras palavras. No entanto, o autor faz uma releitura
desse método, que, embora siga suas orientações didáticas

No processo de aprendizado baseado em Paulo Freire, o aprendiz é es-


11

timulado a aprender palavras e articulá-las, formando novas palavras, ex-


traídas da sua realidade, do seu cotidiano e das suas vivências. Essa pro-
posta estimula a alfabetização/educação dos adultos mediante a discussão
de suas experiências de vida entre os participantes da mesma experiência,
através de tema/palavras gerador(as) da realidade dos alunos, que é decodi-
ficada para a aquisição da palavra escrita e da compreensão do mundo. As
experiências acontecem nos círculos de cultura, que são realizados com o
objetivo de realizar diálogos sobre a experiência, a cultura e o mundo.

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58 Teorias e métodos de alfabetização

no que diz respeito ao ensino da leitura, torna mais aberta


a questão da percepção do autor, pois, para ele, o ato de
alfabetizar não pode ser tratado como uma simples técni-
ca — codificar e decodificar letras — , mas com uma visão
ideológica em que alfabetizar é humanizar, que passa pela
leitura de mundo e reflexão das causas sociais, que leva a
uma conscientização, um pensar certo, uma real leitura de
mundo e das condições de vida. O autor enfatiza: “Por que
não estabelecer uma intimidade entre os saberes curricula-
res fundamentais aos alunos e a experiência social que eles
têm como indivíduos?” (FREIRE, 2011, p. 32)

Favela

FA VE LA
FA FE FI FO FU
VA VE VI VO VU
LA LE LI LO LU

É um método, muitas vezes, acompanhado da imagem,


porém a atenção é dirigida aos detalhes da palavra, como
sílabas, letras e sons. Inicia-se com a escolha de uma pala-
vra com sílabas simples que é memorizada pelos alunos,
começando, logo em seguida, o ensino das demais sílabas.

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Métodos de alfabetização 59

Sentenciação ou Global
Inicia-se pela frase, que é dividida em palavras e, poste-
riormente, em sílabas. Ou seja, a partir de uma frase, o
aprendiz visualiza e memoriza as palavras que formam
esta sentença, depois analisa as sílabas das palavras para
formar novas palavras. São usadas frases curtas, que te-
nham sentido completo e que apresentem uma sequência
de dificuldades crescentes.

Frase > Palavra > Sílaba > Letra

Já o global, conhecido também como o método de contos


e historietas, é uma ampliação do método da sentenciação.
Começa por um conto, história, letras de música etc., em
uma sequência lógica (início, meio e fim). Esse método tem
como ideia fundamental fazer com que a criança entenda
que ler é descobrir o que está escrito, decompondo peque-
nas histórias em partes cada vez menores: orações, expres-
sões, palavras, sílabas.

Mortatti (2006) ressalta que sempre houve discussões acir-


radas na propagação e efetivação dos métodos de alfabe-
tização, ocasionando várias disputas, principalmente na
década de 1920, quando surgiu a ideia de superação ao en-
tendimento de que o ensino inicial da escrita era baseado
na questão de caligrafia (vertical ou horizontal) e de tipo
de letra a ser usada (manuscrita ou de imprensa, maiúscu-
la ou minúscula), o que demandava, especialmente, treino,
mediante exercícios de cópia e ditado. Segundo a autora,
nesse contexto, em oposição ao que se praticava, surgiu a
ideia da valorização das questões didáticas no ensino da
leitura, ou seja, o como ensinar, a partir da definição das

..........................................................................................................
60 Teorias e métodos de alfabetização

habilidades visuais, auditivas e motoras da criança a quem


ensinar. Nesse sentido, Mortatti (idem) adverte que o ensi-
no da leitura e escrita é tratado, então, como uma questão
de ordem didática subordinada às questões de ordem psi-
cológica da criança.

A autora ainda diz:

Os defensores do método analítico continuaram a


utilizá-lo e a propagandear sua eficácia. No entanto,
buscando conciliar os dois tipos básicos de méto-
dos de ensino da leitura e escrita (sintéticos e analí-
ticos), em várias tematizações e concretizações das
décadas seguintes, passaram-se a utilizar: métodos
mistos ou ecléticos (analítico-sintético ou vice-ver-
sa), considerados mais rápidos e eficientes. A dis-
puta entre os defensores dos métodos sintéticos e
os defensores dos métodos analíticos não cessaram;
mas o tom de combate e defesa acirrada que se viu
nos momentos anteriores foi-se diluindo gradativa-
mente, à medida que se acentuava a tendência de
relativização da importância do método e, mais res-
tritamente, a preferência, nesse âmbito, pelo méto-
do global (de contos). (MORTATTI, 2006, p. 9)

Como podemos observar, nesse contexto surgem os méto-


dos mistos, especificados a seguir.

O que significa método misto?

Método misto ou Eclético é a mistura dos dois métodos — sin-


tético e analítico — ou vice-versa, como destacado por Mortatti
(2006). Dessa forma, a exemplo, o aprendiz pode analisar e
compreender textos e frases, reunir sílabas para formar pa-
lavras e, ao mesmo tempo, agrupar palavras e formar frases.

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Métodos de alfabetização 61

Um exemplo dessa concepção é o método da abelhinha.


Criado por Alzira Sampaio Brasil da Silva, Lúcia Marques
Pinheiro e Risoleta Ferreira Cardoso, educadoras com am-
pla experiência de ensino e pesquisa, o método da abelhi-
nha foi experimentado na Escola Guatemala, na cidade do
Rio de Janeiro, em 1965, e é considerado assim porque não
é totalmente fônico, sendo utilizados recursos fônicos e
visuais, evidenciando a memorização dos sons e a preocu-
pação com a leitura (CARVALHO, 2005).

Mortatti (2006) destaca que, a partir do início da década


de 1980, os métodos supracitados passaram a ser siste-
maticamente questionados, em decorrência de novas ur-
gências políticas e sociais que se fizeram acompanhar de
propostas de mudança na educação, a fim de se enfrentar,
particularmente, o fracasso da escola na alfabetização de
crianças. Surge o pensamento construtivista sobre alfabe-
tização, resultante das pesquisas sobre a psicogênese da
língua escrita desenvolvidas pela pesquisadora argentina
Emília Ferreiro e por seus colaboradores. Tal pensamento
desloca o eixo das discussões dos métodos de ensino para
o processo de aprendizagem da criança (sujeito cognos-
cente). O construtivismo, assim, se apresenta não como
uma proposta nova, “mas como uma ‘revolução concei-
tual’, demandando, dentre outros aspectos, abandonarem-
-se as teorias e práticas tradicionais” (Ibid, p.10).

Essa nova concepção questiona as cartilhas e se ocupa em


desmetodizar o processo de alfabetização (Ibid). Trataremos
desse assunto com mais profundidade no tópico a seguir.

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62 Teorias e métodos de alfabetização

OS DIFERENTES MÉTODOS DE
ALFABETIZAÇÃO E O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DA LEITURA E DA ESCRITA
NA CONCEPÇÃO DE EMÍLIA FERREIRO

Tivemos a oportunidade de conhecer os diferentes méto-


dos de alfabetização e seus pressupostos. Observamos que
os métodos são divididos em: sintéticos, analíticos e mis-
tos, sendo distinguidos pelo ponto de partida, seguido por
uma sequenciação na apresentação das unidades linguís-
ticas, constituindo-se em fases de aprendizagem, a saber:

Sintéticos Analíticos Mistos


Mescla
Soletração Senten-
Palavra- dois
Fases (alfabé- Fônico Silábico ciação ou
ção méto-
tico) global
dos
Alfabeto: Letras: Letras:
1a letra, nome som e consoantes Palavras Sentenças
fase e forma forma e vogais
2a
Sílabas Sílabas Sílabas Sílabas Palavras
fase
3a
Palavras Palavras Palavras Letras Sílabas
fase
4a
Sentenças Sentenças Sentenças Sentenças Letras
fase
5a Contos ou Contos Contos ou Contos ou Contos
fase textos ou textos textos textos ou textos

Boas (1988) enfatiza que é preciso se ter o cuidado do não


reducionismo nas concepções desses métodos, já que as
discussões sobre o “fracasso na alfabetização” podem re-
cair sobre o fato de o ponto de partida ter iniciado ora em
uma fase, ora em outra. A autora faz o seguinte questiona-

.........................................................................................................
Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de construção da leitura e da escrita 63
na concepção de Emília Ferreiro

mento: “Tomar, por si só, uma ou outra unidade linguísti-


ca, como ponto de partida do processo, é garantia de sua
eficácia?” (BOAS, 1988, p. 11). Boas (Ibid, p. 11) ainda des-
taca que os métodos “chegam ao mesmo lugar. Recaem na
silabação, no fonema solto, na visualização da palavra ou
associação a figuras, dificultando a criança de ultrapassar
o nível da mera percepção”. Segundo a autora, os reducio-
nismos da concepção desses pressupostos impedem: (i)
o aluno de buscar sentido no que se lê; (ii) que a leitura seja
vista como algo significativo e atraente; (iii) o entendimen-
to de que o aluno tem um papel ativo e participante nesse
processo. Portanto, é preciso que se trabalhe de modo a
superar concepções tradicionais sobre o processo de ensi-
no-aprendizagem.

É válido ressaltar, de novo, que os métodos de alfabetiza-


ção podem atravessar, atualmente, questões de superação
de raiz histórica. Dessa forma, podemos encontrar, em
nosso cotidiano escolar, práticas de ensino fundamenta-
das em concepções tradicionais de alfabetização, como são
considerados os métodos sintéticos, analíticos e mistos.
Estes podem ser representados por meio de atividades que
levam a decorar, a ter informações isoladas, em uma forma
de avaliação que não considera o sujeito da aprendizagem.
Por exemplo, eles podem levar o aluno a apreender sem
significação, impedindo sua compreensão e percepção da
leitura. Com isso, o aluno tem dificuldades de compreen-
der. Trata-se de métodos considerados pelos críticos como
cansativos e enfadonhos, pois são baseados na repetição,
na memorização, e podem estar fora da realidade da crian-
ça, que não cria nada, impedindo que ela consiga pensar e
agir por si própria, ou seja, impedem que ela consiga pro-
duzir seus textos com autonomia.

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64 Teorias e métodos de alfabetização

Até mesmo a proposta de Paulo Freire, baseada no método


analítico (palavração), não foge às críticas, embora o autor
tenha a concepção de educação baseada na autonomia do
aluno, o que é inegável em toda a sua obra. A sistema-
tização da leitura e da escrita é baseada na fixação das
palavras e sílabas. Há autores que consideram Paulo Freire
construtivista. Na nossa opinião, ele não está distante dis-
so, pois, para nós, o construtivismo não é uma sistemati-
zação sequencial e ordenada do ensino da leitura, é uma
concepção que considera o sujeito da aprendizagem e suas
formas de construção do conhecimento; portanto, não é
um método.

Dessa forma, a concepção construtivista do processo de


aprendizagem, oriunda dos estudos de Piaget, cujo inte-
resse era dar fundamentação teórica à forma de como se
constrói o conhecimento no ser humano, é a concepção
que mais se apropria das aspirações das atuais demandas
educacionais de alfabetização. Na teoria piagetiana, o su-
jeito da aprendizagem é visto como um sujeito ativo e que
estabelece uma relação de troca com o meio, uma vez que
essas ações são vivenciadas e adquirem significação ao co-
nhecimento inserido. Tal concepção é baseada na Teoria
de Epistemologia Genética do autor, como anteriormente
citada, que é o estudo da gênese e do desenvolvimento das
estruturas lógicas do sujeito em interação com o objeto de
aprendizagem, ou seja: o estudo do processo de construção
dos conhecimentos (físicos, lógico-matemáticos e sociais).

De acordo com suas teorias, o conhecimento, em qualquer


nível, é gerado por intermédio de uma interação do sujeito
com seu meio, a partir de estruturas previamente existentes
no sujeito. Assim, a aquisição de conhecimentos depende

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Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de construção da leitura e da escrita 65
na concepção de Emília Ferreiro

tanto de certas estruturas cognitivas inerentes ao próprio


sujeito como de sua relação com o objeto, não priorizando
ou prescindindo de nenhuma delas (WADSWORTH, 1999).
Entretanto, para que esse sujeito aprenda, é importante
que a atividade planejada esteja organizada no intuito
de promover a interação entre o aluno e o conteúdo a ser
aprendido e seu grau de desenvolvimento.

Emília Ferreiro (2009) diz que as propostas metodológicas


podem ser medidas de acordo com o que a escola ensina e
o que a criança aprende. Segundo ela, nem sempre o que a
escola quer ensinar a criança consegue aprender. O docen-
te tende a alfabetizar passo a passo, do simples ao mais
complexo, simplificando o sistema alfabético, com defini-
ções sempre impostas por ele e acreditando que todas as
crianças estão preparadas para receber esse conhecimento.
Nessa visão tradicional, o docente basicamente transmite
o som das letras e fixa a grafia a partir de exercícios de
repetição. As expectativas das crianças encontram-se com
as do docente apenas na fase final do processo, e isso dá
margem para que a escola se enderece apenas para aqueles
alunos que já sabem, excluindo, assim, os alunos que não
têm o conhecimento prévio no momento. Para a autora,
só terão sucesso na aprendizagem tradicional as crianças
que têm um nível de conhecimento avançado, aprendendo
tudo o que o professor ensina. Para os alunos que não es-
tão preparados, resta serem intitulados como alunos com
déficit na aprendizagem, atribuindo-lhes deficiências.

Aos seis anos a criança já é capaz de, sozinha, resolver


muitos problemas e tem um vasto conhecimento sobre a
escrita. Parte-se do princípio que toda criança ingressa no
primeiro ano já com muitos conhecimentos. No entanto,

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66 Teorias e métodos de alfabetização

ainda segundo Emília Ferreiro (2009), o caminho já inicia-


do pelas crianças não é interessante para a escola, pois ela
supõe que somente por intermédio de uma técnica e de
exercícios de fixação repetitivos os alunos serão capazes
de dominar a leitura e a escrita.

O sujeito a quem a escola se dirige é um sujeito


passivo, que não sabe, a quem é necessário ensinar
e não um sujeito ativo, que não somente define seus
próprios problemas, mas que, além disso, constrói
espontaneamente os mecanismos para resolvê-los.
É o sujeito que reconstrói o objeto para dele apro-
priar-se através do desenvolvimento de um conhe-
cimento, e não da exercitação de uma técnica. É o
sujeito, em suma, que conhecemos graças à psicolo-
gia genética. (FERREIRO; TEBEROSKY, 2008, p. 292)

Enfatiza-se que, no processo de alfabetização baseado em


uma concepção construtivista, o aluno se desenvolve em
um ambiente social, porém as informações e as práticas
vivenciadas não são recebidas passivamente.

Dessa forma, surge a questão:

Como seriam a alfabetização e


a proposta construtivista?

Tem-se dado considerável atenção a atividades liga-


das ao desenho espontâneo de crianças pequenas,
mas suas primeiras tentativas para escrever têm es-
capado à percepção de psicólogos infantis. Talvez a
razão para isto seja o fato de a escrita, muito mais
que o desenho, ser considerada o objeto da instru-
ção escolar. (FERREIRO, 2009, p. 21)

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Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de construção da leitura e da escrita 67
na concepção de Emília Ferreiro

A citação faz alusão ao modo como a escrita vem sendo en-


sinada, ou seja, refere-se à escrita de um modo figurativo,
levando em consideração, tal qual a concepção tradicional
de alfabetização, aspectos como: coordenação motora, es-
crita correta das letras, traços verticais e horizontais. Con-
tudo, verifica-se que os aspectos figurativos têm sua rele-
vância, porém, considerando a escrita como um processo
psicogenético, colocam-se em primeiro plano os aspectos
construtivos da alfabetização.

A escrita é um objeto de conhecimento. Há certa dificul-


dade para as crianças fazerem ligação com a linguagem
oral e a linguagem escrita. Para compreender o conjunto
de formas gráficas, as crianças levantam várias hipóteses
de maneira progressiva. Segundo Emília Ferreiro e Ana
Teberosky (2008), pode-se identificar duas abordagens no
processo de alfabetização. A primeira, quando se leva em
consideração que a escrita é um sistema de signos repre-
sentando sons individuais da fala e relaciona-se a escrita
ao alfabeto. Já a segunda define a escrita no seu sentido
mais amplo, considerando suas origens psicogenéticas e
sua história. Percebe-se a escrita como uma forma parti-
cular de representação gráfica.

Analisando esses dois pontos de vista, entende-se que a al-


fabetização é um processo evolutivo. Na proposta constru-
tivista, a criança, para compreender a escrita, passou por di-
versas etapas: refletiu, expediu hipóteses, procurou as regras,
superou conflitos, buscou significados a todo momento.

Neste sentido, a teoria construtivista na proposta da al-


fabetização, realizada por Ferreiro e Teberosky (2008) no

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68 Teorias e métodos de alfabetização

livro Psicogênese da língua escrita, dá ênfase ao conheci-


mento prévio do aluno, enfatizando práticas alfabetizado-
ras que levam o aprendiz a descobrir o processo pelo qual
se constrói ou se interpreta a mensagem escrita e traba-
lham com o alfabeto e textos diversos, na perspectiva de
oferecer maior possibilidade de levantar hipóteses sobre
a língua escrita. Sob essa perspectiva, a criança vence bar-
reiras cada vez que supera um dos níveis de evolução da
escrita dispostos a seguir. Assim, quando o aluno domina
todas as etapas do processo de alfabetização, será capaz
de interpretar e reproduzir os símbolos e gráficos.

Os processos de construção da leitura e da


escrita na concepção de Emília Ferreiro
A partir desta concepção, cai por terra a crença de que
a alfabetização só ocorre em níveis satisfatórios quando
a criança encontra-se “madura”. Em muitos métodos, vía-
mos o período preparatório se arrastando por meses a fio,
buscando a maturidade das crianças nas áreas perceptivas
e motora. Com a psicogênese da escrita, verificamos que
esta condição, a maturação, não é a única que promove a
aprendizagem.

Emília Ferreiro (2009) nos mostra etapas que nos ajudam


a entender como se configura a alfabetização. Vejamos
como a especialista define cada uma delas:

Distinção entre a representação icônica e não icônica


Nesta fase, ocorre a diferenciação entre as formas gráfi-
cas figurativas e não figurativas. Começa a haver distinção
entre “desenhar” e “escrever”. Ao desenhar, muitas vezes,
a criança atribui um texto ao desenho, como se escreves-
se com desenhos. Ao escrever, há um distanciamento do

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Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de construção da leitura e da escrita 69
na concepção de Emília Ferreiro

icônico, pois as letras não lembram, não representam o


objeto.

O código linguístico é arbitrário, tendo a humanidade per-


corrido um longo caminho até chegar ao alfabeto que co-
nhecemos. E é oportuno lembrar que nossas crianças não
inventam as letras, recebem-nas prontas da sociedade.

O processo de aquisição da escrita demanda um grande


esforço por parte das crianças. Geralmente, elas levantam
hipóteses (no eixo quantitativo) sobre o número mínimo
de letras com que se escreve: três e uma outra (no eixo
qualitativo) que, para que uma série de grafias possa ser
interpretada como palavra, deve-se “escrever” com letras
diferentes.

Construção de formas de diferenciação (variações da re-


presentação) gráfica
A criança busca integrar os eixos quantitativos (quantidade
de letras de uma escrita para outra) e, às vezes, também os
qualitativos (variação da posição das letras sem aumentar a
quantidade; buscando, com isso, escrever “novas” palavras).

Ao entrar em uma etapa posterior, a criança começa a per-


ceber que partes de palavras podem corresponder à parte
construtiva de outras palavras e, nesta fase, é interessante
que o professor faça uso de esquemas, como o paradigma,
para intervir no processo.

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70 Teorias e métodos de alfabetização

pata
lata
mala
lavanda
caçarola

E aí chegamos ao período silábico, no qual a criança co-


loca uma letra (ou um outro símbolo) para representar
cada som e centra a sua atenção nas variações sonoras
entre as palavras. A criança entra em conflito com suas
próprias hipóteses, pois ela acredita que, para se escrever
uma “palavra”, necessita-se, no mínimo, de três letras e, ao
se deparar com o monossílabo, diz que “não se pode ler”
ou que não é algo interpretável, instalando-se o conflito.
O professor, neste momento, tem uma importante tarefa
pela frente: transformar a ansiedade da criança em um sal-
to qualitativo para esquemas futuros, até chegar à escrita
alfabética, em que cada letra tem sua função sonora na
palavra (substituir palavras por OA – bola; AEL – panela;
PEPAS – pão).

Em linhas gerais, a pesquisa de Emília Ferreiro gerou uma


revolução nos meios pedagógicos. Com ela, vários estudio-
sos abraçaram estes questionamentos e elaboraram pes-
quisas sobre a alfabetização construtivista, que, diferen-
temente dos métodos focados no ensino, dá prioridade à
aprendizagem, nas hipóteses que a criança levanta frente
ao objeto do conhecimento: a escrita. A criança imersa em
um meio letrado pensa e interage com este universo. O
desafio dos educadores é entender como a criança está
pensando a escrita e, a partir daí, provocá-la, desafiá-la

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Os diferentes métodos de alfabetização e o processo de construção da leitura e da escrita 71
na concepção de Emília Ferreiro

para que avance em suas hipóteses. Por outro lado, é im-


portante que o professor traga para a sala de aula o maior
número de textos que circulam nos meios frequentados
pelos alunos e, aos poucos, também introduza outros tex-
tos, provocando curiosidade e desejo de leitura.

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72 Teorias e métodos de alfabetização

ANÁLISE CRÍTICA DE PROPOSTAS,


PRÁTICAS, MÉTODOS E JOGOS PARA A
ALFABETIZAÇÃO

De acordo com Mizukami (2002), nas escolas que usam


como proposta pedagógica a concepção construtivista de
ensino e aprendizagem, hoje prioritariamente utilizada,
não cabe mais um professor no formato tradicional, em
que a prática pedagógica de ensino é focada no objeto, em
que o conhecimento é externo, transmitido ao aluno, e em
que a sala de aula é um lugar onde não se estimula o pen-
samento e sim a repetição, a cópia e a memorização. Está
fora de contexto aquele professor onipotente, que reúne
em si todo o conhecimento a ser transmitido, que acaba
com a liberdade do aluno de se expressar, de discordar,
de ver as coisas de outra maneira, de desenvolver suas
próprias ideias, pois isso faz com que o aluno tenha de
concordar com o discurso linear e repetitivo do professor,
que o sufoca com transmissão de conteúdos muitas vezes
descontextualizados, não significativos e desinteressantes.

Ferreiro (2011) destaca que o que se requer de uma pessoa al-


fabetizada hoje em dia é bem diferente do que em meados do
século XX. Não é mais suficiente saber assinar o nome e con-
seguir ler instruções simples. Do ponto de vista dos usos so-
ciais da escrita no mundo contemporâneo, temos uma com-
plexidade cada vez maior. A alfabetização não é vista mais
como algo desconexo do mundo, ela envolve um processo
de construção de conhecimentos, reconhece os educandos
como sujeitos autônomos, críticos e ativos na sociedade.

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Análise crítica de propostas, práticas, métodos e jogos para a alfabetização 73

DeVries e Zan (2011) dão um exemplo de como realizar


atividades em ambientes construtivistas.

Tempo de atividade (ou tempo central) é talvez o


mais importante período do dia na sala de aula
construtivista. O objetivo do tempo de atividade na
sala construtivista é que as crianças estejam inte-
lectualmente, socialmente e moralmente ativas, e
mais e mais autocontroladas. Por exemplo, numa
atividade de afundar e flutuar, o professor cons-
trutivista pede a criança para refletir sobre porque
alguns objetos afundam e outros flutuam, encoraja
as crianças a considerar as opiniões contraditórias,
e sustenta a busca para o conhecimento através da
observação e experimentação. No decorrer do agir
sobre os objetos e discutir resultados, as crianças
leem os resultados de uma experiência e têm a opor-
tunidade de aceitá-los mesmo se eles predizem algo
diferente. O professor também pede às crianças
para refletirem sobre como voltar na atividade, aju-
dá-los a tornarem-se conscientes que muitas outras
crianças querem este privilégio ao mesmo tempo, e
sugere que eles tentem descobrir formas de satis-
fazer a todos. Quando os professores construtivis-
tas recusam-se em ser autoritários, eles abrem uma
nova forma das crianças lutarem com suas próprias
questões e não confiarem unicamente nos adultos
como guia. (DeVRIES; ZAN, 2011, p. 1)

De acordo com as autoras, as crianças que convivem em


ambiente escolar como este são mais avançadas no desen-
volvimento sociomoral, resolvem mais os seus conflitos e
desfrutam mais amigavelmente as interações com seus co-
legas do que crianças vindas de ambiente mais tradicionais
e autoritários. Portanto, essa estratégia de ensino na ati-
vidade da escola, em sua essência, favorece que a criança
viva em um ambiente democrático.

É importante ressalvar, em consonância com Emília Fer-


reiro e Ana Teberosky (2008), que todas as metodologias

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74 Teorias e métodos de alfabetização

utilizadas no processo de alfabetização devem enfatizar o


ensino da leitura e escrita como um processo de constru-
ção que se dá de maneira desenvolvimentista, proporcio-
nando ao aluno o completo aperfeiçoamento das estrutu-
ras lógicas, socioafetivas e psicomotoras que permitirão
construções futuras de aprendizagem.

Ensinar a escrever textos torna-se uma tarefa muito


difícil fora do convívio com textos verdadeiros, com
leitores e escritores verdadeiros e com situações de
comunicação que os tornem necessários. Fora da es-
cola escrevem-se textos dirigidos a interlocutores de
fato. Todo texto pertence a um determinado gêne-
ro, com uma forma própria, que se pode aprender.
Quando entram na escola, os textos que circulam
socialmente cumprem um papel modelizador, ser-
vindo como fonte de referência, repertório textual,
suporte da atividade intertextual. A diversidade
textual que existe fora da escola pode e deve estar
a serviço da expansão do conhecimento letrado do
aluno. (BRASIL, PCN, 1997, p. 28; grifo nosso)

Enveredando por esse caminho, o processo de alfabetiza-


ção referendado pelos PCN (1997) destaca o fato de que,
no ensino da Língua Portuguesa, o educador deve selecio-
nar e oferecer aos educandos uma diversidade de propos-
tas, métodos, materiais (jogos) e práticas pedagógicas
baseados na realidade dos alunos, de modo a dar conta
da multiplicidade das práticas sociais que se desenvolvem
em torno da escrita e da leitura. Além disso, tais metodo-
logias devem estar de acordo com a escolaridade e a faixa
etária dos alunos. Desse modo, será possível desenvolver
momentos significativos e prazerosos na aprendizagem da
leitura e da escrita na sala de aula. Portanto, é desta for-
ma, ao conceber a linguagem como prática social, como
um processo de letramento, que os PCN contemplam o ob-
jetivo primordial da educação: formar indivíduos que de-

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Análise crítica de propostas, práticas, métodos e jogos para a alfabetização 75

senvolvam o exercício da cidadania, ou seja, que se tornem


aptos a atuar de forma crítica e produtiva na sociedade.

Para aprender a ler e a escrever é preciso pensar so-


bre a escrita, pensar sobre o que a escrita represen-
ta e como ela representa graficamente a linguagem.
Algumas situações didáticas favorecem especial-
mente a análise e a reflexão sobre o sistema alfa-
bético de escrita e a correspondência fonográfica.
São atividades que exigem uma atenção à análise
— tanto quantitativa como qualitativa — da corres-
pondência entre segmentos falados e escritos. São
situações privilegiadas de atividade epilinguística,
em que, basicamente, o aluno precisa:

• ler, embora ainda não saiba ler; e

• escrever, apesar de ainda não saber escrever.


Em ambas é necessário que ele ponha em jogo tudo
o que sabe sobre a escrita para poder realizá-las.
(BRASIL, PCN, 1997, p. 56)

De acordo com os PCN do Ensino Fundamental (p. 36), “não


se formam bons leitores oferecendo materiais de leitura
empobrecidos, justamente no momento em que as crian-
ças são iniciadas no mundo da escrita [...]”.

Vale destacar que a comunicação humana é um processo


que envolve a troca de informações e utiliza os sistemas
simbólicos (linguagem não verbal) e a linguagem verbal.
Dessa forma, a comunicação é uma palavra de sentido am-
plo e envolve uma variedade de possibilidades de lingua-
gens. Com o surgimento de novas tecnologias — além da
sofisticação e do aprimoramento de métodos de comunica-
ção já existentes —, afloram a cada dia novas alternativas,
tornando mais dinâmicas as possibilidades de comunica-
ção. No entanto, uma distinção deve ser feita entre a lin-
guagem verbal e a linguagem não verbal:

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76 Teorias e métodos de alfabetização

1. Linguagem verbal: que é expressa por meio de


palavras, faladas ou escritas.

2. Linguagem não verbal: qualquer aspecto da co-


municação que não envolve o emprego de palavras.
Inclui gestos, feições, imagens e sinais de trânsito.

Nesse contexto, a partir da utilização de forma interdis-


ciplinar de diferentes gêneros textuais, tais como jornal,
charge, cinema e música, possibilita-se um olhar crítico em
relação aos problemas atuais da sociedade, bem como pro-
piciam-se meios para a ampliação da argumentação e para
o desenvolvimento de maior habilidade para a elaboração
de textos escritos.

Nessa perspectiva, a escola deve viabilizar variadas situa-


ções de interação do aluno com a realidade dinâmica das
relações linguísticas, por meio de práticas pedagógicas
que dinamizem o ensino, privilegiando seu conhecimento
e construção.

Dentre as sugestões aqui expostas, seguem outras suges-


tões baseadas em jogos, acreditando que eles favorecem o
processo de alfabetização, além de os alunos aprenderem
vários conceitos. Por meio da utilização dos jogos, as aulas
se tornam mais atrativas e lúdicas, e os alunos aprendem
brincando.

Jogo de rimas
Leva a criança a conhecer vários tipos de palavras que ri-
mam entre si.

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Análise crítica de propostas, práticas, métodos e jogos para a alfabetização 77

• Material: lápis, papel e relógio.

• Como executar: o professor proporá às crianças


que escrevam o maior número de palavras que te-
nham o mesmo som final (ex.: balão, pavão, botão
etc.) Este jogo poderá ser individual ou em grupo.
O professor dará um tempo para as crianças termi-
narem a tarefa em minutos. No final, a criança ou o
grupo irá ler as palavras que conseguiram escrever.
Vence quem conseguir o maior número de palavras.

Bingo de palavras
• Material: cartela com palavras contextualizadas
em sala de aula (nomes de pessoas, animais, frutas,
flores, brinquedos etc.).

• Como jogar: cada criança recebe uma cartela do


bingo com nomes diversificados. Colocar em uma
sacola cartões com as letras do alfabeto. Sortear
uma letra. Quem tiver na cartela a letra sorteada vai
marcando com tampinhas ou sementes. Vence quem
preencher a cartela primeiro.

A palavra é...
• Material: rótulos de produtos, fichas com pala-
vras recortadas de jornais e revistas ou palavras que
fazem parte do conhecimento da criança.

• Como jogar: colocar dentro de uma sacola, enve-


lope ou caixa o rol de palavras significativas. O alu-
no retira uma palavra e lê em voz alta. Ganha quem
conseguir ler mais palavras.

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78 Teorias e métodos de alfabetização

A atividade lúdica no processo de ensino e aprendizagem


é uma grande aliada na construção de conhecimentos, já
que o educando aprende brincando. Antunes afirma que,
do ponto de vista educacional,

A palavra jogo se afasta do significado de competi-


ção e se aproxima de sua origem etimológica latina,
com o sentido de gracejo ou mais especificamente
divertimento, brincadeira, passatempo. Ou seja, os
jogos podem até incluir uma ou outra competição,
mas visam essencialmente estimular o crescimento
e aprendizagem e também a relação interpessoal
entre dois ou mais sujeitos. (ANTUNES, 2003, p. 9)

Assim, a criança que joga está desenvolvendo a linguagem


oral, o pensamento associativo, habilidades auditivas e
sociais, construindo conceitos de relações espaciais e se
apropriando de relações de conservação, classificação, se-
riação e aptidões visuoespaciais, entre outras.

Vimos que os métodos tradicionais de alfabetização po-


dem ser divididos em: métodos sintéticos (partem da me-
nor unidade para o todo); método analítico (parte do todo
para a menor unidade) e método misto, que mistura am-
bos os métodos (sintético-analítico ou analítico-sintético).

Toda e qualquer proposta de alfabetização está vinculada


aos pressupostos teórico-metodológicos de métodos ou
teorias de alfabetização, assim como a teoria baseada na
concepção construtivista, originada da Teoria da Psicogêne-
se de Piaget e enfatizada nas pesquisas de Emília Ferreiro.

Ao distinguirmos os métodos de alfabetização, podemos


analisar suas práticas pedagógicas e tentar direcionar nos-

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Análise crítica de propostas, práticas, métodos e jogos para a alfabetização 79

sas práticas para uma visão mais atual, que leve em conta
o processo de construção da aprendizagem. Enveredando
por esse caminho, manifestou-se, no presente capítulo, a
necessidade de referendar a concepção construtivista no
processo do ensino da leitura e da escrita. Destaca-se que
tal concepção não é identificável em momentos da aula,
mas no embasamento teórico, na organização da escola,
nos propósitos educativos e no papel assumido pelo pro-
fessor nas práticas pedagógicas, assumindo uma metodo-
logia e um método de trabalho pautados no diálogo, em
jogos lúdicos, na construção grupal, na interação e no es-
tímulo ao raciocínio.

..........................................................................................................
80 Teorias e métodos de alfabetização

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82

.........................................................................................................
Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 83

CAPÍTULO 3
O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO
DA ESCRITA

Para a apresentação deste capítulo, a melhor maneira é des-


tacar a etimologia das palavras que originam seu título. É
válido ressaltar que etimologia significa: ciência que inves-
tiga a origem das palavras procurando determinar as cau-
sas e circunstâncias de seu processo evolutivo. Isso porque
tais significados etimológicos por si sós já nos reportam às
conexões possíveis de serem analisadas e compreendidas
no campo da educação, mais especificamente na alfabeti-
zação, por ser o objeto de reflexão da nossa disciplina.

Comecemos pela palavra “processo” que, dentre vários sig-


nificados, tem um que melhor se adapta, e que é este: ação
que expressa continuidade na realização de determina-
da atividade; ato prolongado e contínuo; seguimento.
Seguindo esse caminho, nos deparamos com o significa-
do da palavra “construção” que, tal como a primeira, nos
apresenta significações inerentes às situações ou campos
que são expressas. Assim, para significá-la escolhemos o
campo da gramática: disposição dos termos da oração.

Discutiremos a evolução da leitura e da escrita no que diz


respeito à formação das palavras e suas disposições na
frase para uma efetiva comunicação no contexto da socie-
dade.

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84 O processo de construção da escrita

CONCEPÇÕES DE LÍNGUA, LINGUAGEM


E O PROCESSO DE CONSTRUÇÃO DA
ESCRITA

Inicialmente é válido definirmos os termos língua/lingua-


gem como forma de facilitar as reflexões nos estudos do
processo da construção da escrita, já que para entender-
mos esse processo é necessário investigar a constituição
da linguagem, responsável pela comunicação entre os se-
res humanos que compartilham os códigos linguísticos
de uma determinada língua. Dessa forma, a linguagem se-
ria: (i) a capacidade do ser humano de se comunicar (por
ideias, pensamentos, significados, sentimentos); (ii) qual-
quer meio (sons, letras, cores, imagens, gestos etc.) usado
para a transmissão de uma mensagem entre os indivíduos.

A língua é: (i) um conjunto de regras e signos convencionais


que constituem as suas manifestações, seja oral, gestual
ou escrita; (ii) um código linguístico (conjunto de signos e
símbolos) empregado por uma determinada comunidade
para a comunicação entre seus membros.

Para Saussure121(2000), língua é um sistema de signos orga-


nizado que a sociedade impõe ao falante. A teoria linguís-
tica do autor ficou conhecida como estruturalismo.132 A lín-

12
Ferdinand de Saussure (26/11/1857-22/02/1913), linguista e filósofo
suíço.
13
Estudo da estrutura da língua e do uso coletivo, comum a todos os falan-
tes, desprezando o individual; por considerar que a língua é homogênea,
que funciona no nível inconsciente, seu desenvolvimento está ligado aos
aspectos culturais do falante.

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 85

gua é, ao mesmo tempo, um produto social da faculdade


da linguagem e um conjunto de convenções necessárias,
adotadas pelo corpo social para permitir o exercício des-
sa faculdade pelos indivíduos. Segundo o autor, a língua
é a parte social da linguagem, exterior ao indivíduo, que
segue leis estabelecidas pelos membros da sociedade que
não podem ser modificadas pelo indivíduo. Em um sentido
mais estrito, língua é um sistema de signos organizado.
Assim diz ele: “[a língua] é, ao mesmo tempo, um produto
social da faculdade de linguagem e um conjunto de con-
venções necessárias, adotadas pelo corpo social para per-
mitir o exercício dessa faculdade nos indivíduos” (SAUSSU-
RE, 2000, p. 17).

Chomsky (1983, p. 13), estabeleceu uma nova definição de


língua: “[...] um conjunto (finito ou infinito) de sentenças,
cada uma finita em comprimento e construída a partir de
um conjunto finito de elementos.” Para o autor, a defini-
ção de língua engloba as línguas naturais, uma vez que
todas as línguas naturais são linguagens porque possuem
um número finito de sons, embora possa haver um núme-
ro infinito de sentenças, e porque cada sentença pode ser
representada por uma sequência finita desses sons. Neste
sentido, diz-nos Chomsky que a criança aprende porque
possui a capacidade de linguagem e que a própria estrutu-
ra da linguagem está na mente ao nascer, ou seja, os esque-
mas para qualquer sistema linguístico fazem parte do es-
quema neural inato da criança. Afirma o autor, assim, que
todo ser humano nasce com o dispositivo de aquisição da
língua (gramática universal),143independentemente dos de-
14
De acordo com a Teoria Gerativa, proposta por Chomsky (1983), a lin-
guagem é uma característica inata e específica ao ser humano. Todos nós
temos inscritos em nosso código genético uma capacidade que nos permi-
te adquirir e desenvolver a linguagem.

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86 O processo de construção da escrita

mais mecanismos do pensamento, assim como a audição,


o pensamento, a memória etc. Deste modo, a localização
geográfica da região onde mora, a relação com sua famí-
lia, como a escola em que estuda, mobilizam o dispositi-
vo de aquisição da língua para o indivíduo construir uma
gramática particular. Assim, diferentemente da concepção
de Saussure (2000), para Chomsky (1983) a explicação da
aquisição da linguagem, a partir dos estímulos externos,
não faz sentido por não ter valor científico. Para ele, é o
mecanismo inato que explica o fato de a criança ser capaz
de inferir, na sua percepção do mundo externo, a estrutura
gramatical de sua língua em pouquíssimo tempo.

Para Bakhtin (1997), língua é um fenômeno social que se


organiza em torno de um interlocutor (real ou imaginário)
e se realiza em forma de enunciados dentro de uma ca-
deia de comunicação. Observa-se aqui o caráter social da
língua, uma vez que só existe mediante esta negociação
entre seus falantes. Enquanto a linguagem é concretizada
em enunciados, o discurso varia conforme o enunciado do
sujeito, um ser histórico e social.

Para o autor, a linguagem é um fenômeno profundamen-


te social e histórico e, por isso mesmo, ideológico. A uni-
dade básica de análise linguística é o enunciado, ou seja,
elementos linguísticos produzidos em contextos sociais
reais e concretos como participantes de uma dinâmica
comunicativa. Para ele, cada sujeito falante constitui uma
singularidade socialmente engendrada, e sua linguagem
significará, pois, sempre um partilhado território discur-
sivo. Ele enfatiza que a língua não se constitui a partir de
dicionários e gramáticas, mas de enunciações concretas,
que se constituem em uma teia de interações discursivas,

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 87

diante das quais os significados são estabelecidos e novos


discursos são desencadeados. Sob essa ótica, jamais pode-
remos desconsiderar a existência de um leitor pressuposto
como personagem necessariamente indispensável, quando
pensarmos na construção da escrita. Em consonância com
o autor, este capítulo enfatiza que a linguagem é uma ins-
tituição social, em que uma análise do discurso se inscreve
em um espaço linguístico e mantém vínculos peculiares
com as condições sócio-históricas de produção, onde a lin-
guagem considera a interação, a relação entre homem e
realidade cultural e social.

Bakhtin (1997) ainda enfatiza que o princípio do dialogis-


mo é constitutivo da linguagem, para uma efetiva comuni-
cação. A respeito disso, os PCN (Parâmetros Curriculares
Nacionais), destacam:

Comunicação aqui entendida como um processo de


construção de significados em que o sujeito intera-
ge socialmente, usando a língua como instrumen-
to que o define como pessoa entre pessoas. A lín-
gua compreendida como linguagem que constrói e
‘desconstrói’ significados sociais. A língua situada
no emaranhado das relações humanas, nas quais
o aluno está presente e mergulhado. Não a língua
divorciada do seu contexto social vivido. Sendo ela
dialógica por princípio, não há como separá-la de
sua própria natureza, mesmo em situação escolar.
(PCN, 1999, p. 138)

No fragmento do texto dos PCN, acima citado, observa-se


a palavra “dialógica” referindo-se ao dialogismo caracterís-
tico da linguagem da teoria bakhitiniana. Esse dialogismo
(várias vozes) ocorre entre interlocutores e entre discur-
sos. A linguagem, nessa concepção, é um instrumento que

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88 O processo de construção da escrita

permite ao homem expressar-se e interagir com o outro.


Ela é viva, segundo Bakhtin (1997, p. 124), uma vez que
“vive e evolui historicamente na comunicação verbal con-
creta”.Dessa forma, a linguagem é responsável pela media-
ção das relações sociais, permitindo que nos inscrevamos
neste ou naquele lugar social. Para o autor, os sujeitos da
comunicação não são dados previamente, mas, ao comuni-
car-se, são construídos por diferentes formas que fazem
deles sujeitos históricos e ideológicos.

Para Chauí (2006), a linguagem é uma criação humana


(uma instituição sociocultural), ao mesmo tempo que nos
cria como humanos (seres sociais e culturais):

A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao


pensamento, ela nos envolve e nos habita, assim
como a envolvemos e a habitamos. Ter experiência
da linguagem é ter uma experiência espantosa: emi-
timos e ouvimos sons, escrevemos e lemos letras,
mas, sem que saibamos como, experimentamos e
compreendemos sentidos, significados, significa-
ções, emoções, desejos, ideias. [...]É que a linguagem
tem a capacidade especial de nos fazer pensar en-
quanto falamos e ouvimos, de nos levar a compre-
ender nossos próprios pensamentos tanto quanto
os dos outros que falam conosco. As palavras nos
fazem pensar e nos dão o que pensar porque se
referem a significados, tanto os já conhecidos por
outros quanto os já conhecidos por nós, bem como
os que não conhecíamos e que descobrimos por es-
tarmos conversando. (CHAUÍ, 2006, p. 155)

Assim, na sociedade, a forma de comunicação é fundamen-


tal para se transmitir, construir, reconstruir e receber in-
formações. Para acompanhar a evolução do mundo com a
rapidez em que a comunicação acontece, as pessoas preci-
sam ter o direito de receber tais informações em todos os

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 89

espaços sociais por onde transitam, para que assim pos-


sam usufruir dos seus direitos de cidadania.

Vygotsky (1998) complementa enfatizando que a lingua-


gem é como pensamento generalizante, que tem como fun-
ção ordenar fatos, falas, objetos, enfim, tudo o que repre-
senta o real. E, para o autor, as palavras desempenham um
papel central não só no desenvolvimento do pensamento,
mas também na evolução histórica da consciência como
um todo. Para ele, a aquisição da linguagem desempenha
papel decisivo no desenvolvimento dos processos psicoló-
gicos superiores.

Nesta perspectiva, a linguagem não é estática, pois assu-


mem significados variados conforme as diferentes enun-
ciações, nos diferentes contextos sociais de produção e
compreensão, já que os sujeitos e seus contextos históri-
cos estão em constante modificação.

Koch (2011) destaca que, historicamente, a linguagem hu-


mana tem sido concebida de diferentes maneiras. Entre es-
sas concepções de linguagem, podemos citar as três prin-
cipais, que são:

• Como representação (“espelho”) do mundo e do


pensamento: é a mais antiga concepção; segundo a
autora, o homem representa para si próprio o mun-
do por meio da linguagem. Desta forma, a função da
língua é representar seu pensamento e seu conheci-
mento de mundo.

• Como instrumento (“ferramenta”) de comunica-


ção: considera a língua como um código, sendo a

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90 O processo de construção da escrita

principal função da linguagem a transmissão de in-


formações.

• Como forma (“lugar”): como uma forma de ação,


como um lugar de interação que possibilita aos
membros de uma sociedade a prática dos mais di-
versos tipos de atos. Dessa maneira, o sujeito é visto
como uma entidade ativa, psicossocial.

Resguardados tais posicionamentos, e ratificando que


toda produção de leitura e escrita são oriundas da concep-
ção de linguagem dos sujeitos, podemos classificar nesse
contexto, segundo Koch e Elias (2012), três concepções de
leitura e de escrita.

Três concepções de leitura


1. Foco no autor: o texto é visto como um produto
do pensamento do autor, o leitor é passivo.

2. Foco no texto: a língua é um código a ser decifra-


do pelo leitor/ouvinte, é necessário ter conhecimen-
to do código utilizado.

3. Foco no autor-texto-autor: é uma concepção dia-


lógica da língua; os sujeitos são ativos, constroem-se
e são construídos pelo texto.

Três concepções de escrita


1. Escrita com foco na língua: o texto é apenas um
produto a ser decodificado. O que está escrito não
pode receber nenhuma outra interpretação que não
seja a simples interpretação do nosso código.

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 91

2. Escrita com foco no escritor: a função do leitor


é captar a mesma ideia do autor. O pensamento do
autor deve prevalecer.

3. Escrita com foco na interação: o leitor participa


da construção do texto. Os conhecimentos do leitor
são levados em consideração. Existe uma ativação
dos conhecimentos do autor no momento da produ-
ção do texto e do leitor no momento da leitura.

Verificamos que tanto o processo de leitura quanto o da


escrita se assemelham, pois são constituintes e constituídos
de acordo com as concepções de linguagem inerentes aos
sujeitos da comunicação. Nesta obra, foi visto que alguns
autores, de acordo com o momento histórico vigente, foram
definindo a linguagem como uma forma de comunicação
por meio de signos ou sinais realizada entre os seres huma-
nos. A linguagem pode ser:

• Verbal: é aquela que faz uso das palavras para


comunicar algo. Está presente em textos, propagan-
das, obras literárias, jornais, revistas, na comunica-
ção entre as pessoas etc.

• Não verbal: é aquela que utiliza outros métodos


de comunicação, que não são as palavras. Entre elas
estão a linguagem de sinais, as placas e sinais de
trânsito, a linguagem corporal, uma figura, a expres-
são facial, um gesto etc.

Assim, ao pensar na linguagem como a capacidade de co-


municação por meio de um sistema de signos ou sinais
para exteriorizar nossos pensamentos, entende-se que

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92 O processo de construção da escrita

existem vários tipos de comunicação. Dessa forma, pode-


-se questionar:

Quais são os tipos de linguagem verbal e


não verbal utilizados na comunicação?

Segundo pesquisas no site Interpretação de texto, podemos,


assim, definir os tipos de linguagem verbal e não verbal:

• Linguagem mímica: é a linguagem dos gestos, a


expressão facial e corporal.

• Linguagem cromática ou das cores: observando


uma pintura onde sobressaem as cores claras e bri-
lhantes ou escuras e opacas, podemos sentir algo
diferente do sentimento despertado por um quadro.
Tais diferenças no sentir são provocadas pela lin-
guagem cromática.

• Linguagem plástica ou das formas: olhando aten-


tamente para uma escultura ou uma obra arquite-
tônica, observa-se que as formas longas, finas ou
estreitas despertam sensações diferentes daquelas
provocadas por formas curtas, grossas ou largas.

• Linguagem musical ou dos sons e ritmos: o ato


de ouvir músicas de diferentes estilos (tom predomi-
nantemente alto ou baixo, ritmo acelerado etc.) certa-
mente envolverá o indivíduo com sensações diversas,
dependendo da sua formação ou estado de espírito.

• Linguagem iconográfica: é uma forma de linguagem


que usa imagens para representar determinada men-
sagem (desenho, foto e outros). É um recurso muito
utilizado nas técnicas de comunicação comercial.

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 93

• Linguagem falada: é a produzida pela articulação


de sons humanos.

• Linguagem escrita: é a realizada pela articulação


dos símbolos gráficos, chamados letras e ideogramas.

A linguagem, para Cagliari (2001), é entendida como uma


manifestação de sentidos que expressa um significado
(sentido, significação ou conteúdo de um signo linguísti-
co) e um significante (imagem acústica ou manifestação
fônica do signo linguístico). Essa relação entre significado
e significante que constitui o signo linguístico pode ser en-
contrada na fala, na leitura e na escrita como elementos
inerentes à linguagem.

Como a escrita é objeto de estudo deste capítulo, nos de-


teremos, a seguir, nas reflexões inerentes ao seu processo
de construção.

Processo de construção da escrita


Tradicionalmente, pensava-se que a língua escrita era mera-
mente um código que materializava a fala. No entanto, com
o desenvolvimento da sociedade, esse conceito foi se trans-
formando e a escrita passou a ser considerada como um
processo imprescindível em um contexto social, tendo em
vista que viabiliza a participação efetiva do indivíduo nes-
se contexto. A escrita exige alguns tipos de conhecimento,
como ortográfico, gramatical e lexical, frutos das atividades
vivenciadas nas práticas sociais por quais passam os sujei-
tos. Cagliari (2001, p. 105) enfatiza que deve se considerar
“elementos do universo cultural, social, histórico etc., [em]
que o escritor se baseou para escrever”. Soares (2008) adver-
te que, na sociedade atual, a escrita está profundamente in-

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94 O processo de construção da escrita

corporada à vida social, cultural, política e econômica; desse


modo, a alfabetização é um instrumento necessário à vivên-
cia e é também um bem simbólico e cultural de valorização,
prestígio e poder, pois não há possibilidade de participação
econômica, política, social e cultural plena sem o domínio
da língua escrita.

Nesse contexto, evidenciar a concepção de homem-sujeito


que estabelece com o mundo uma relação consciente de
trocas significativas legitima as possibilidades das diferen-
ciações cognitivistas em que se envolve a construção da
escrita. Dessa forma, o processo de construção da escrita
deve privilegiar uma relação dialógica entre a cultura, co-
nhecimentos prévios e as formas de pensamento do sujei-
to da aprendizagem, disponibilizando práticas alfabetiza-
doras que levem o educando a descobrir o processo pelo
qual se constrói a escrita.

A escrita como um processo é uma concepção já amplamen-


te desenvolvida entre os estudiosos da língua. A visão da
linguística a esse respeito nos traz a seguinte perspectiva:

a escrita é uma atividade que envolve várias tarefas,


às vezes sequenciais, às vezes simultâneas. Há tam-
bém idas e vindas: começa-se uma tarefa e é preci-
so voltar a uma etapa anterior ou avançar para um
aspecto que seria posterior. (GARCEZ, 2002, p.14)

Dessa forma, escrever é um processo que envolve inú-


meras fases e percursos. Neste sentido, em consonância
com Emília Ferreiro (2011), que constatou que as crianças
aprendem segundo sua própria lógica, Matêncio (1994) en-
fatiza que a criança, inicialmente, não atribui significado à
escrita, pois ela é apenas código ainda não decifrado. Nessa

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Concepções de língua, linguagem e o processo de construção da escrita 95

perspectiva, o significante só terá significado no momento


em que o indivíduo conseguir atribuir sentido à escrita.
Quando a escrita passar a ter sentido, é porque houve o de-
senvolvimento de suas funções complexas, como tivemos
a oportunidade de observar nos níveis de desenvolvimento
da escrita segundo Emília Ferreiro.

É válido ressaltar que a aprendizagem da escrita, por ser


uma atividade processual, também se constrói em ritmo
diferente em cada indivíduo, já que “há diferentes tipos e
níveis de letramento, dependendo das necessidades, das
demandas do indivíduo e do seu meio, do contexto cultu-
ral” (SOARES, 2008, p. 49).

Soares (2006) destaca que a apropriação da escrita e tam-


bém da leitura devem estar interligadas a dimensões que
se articulam em um processo que abarca: dimensão lin-
guística, a qual faz a passagem da oralidade para a escrita;
dimensão cognitiva, que proporciona às atividades men-
tais manter-se em interação com a escrita na aquisição
do código e na produção do seu significado; e dimensão
sociocultural, que revela a funcionalidade e adequação da
leitura e da escrita às práticas sociais.

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96 O processo de construção da escrita

O PROCESSO DE APROPRIAÇÃO DA
LÍNGUA ESCRITA: DO DOMÍNIO DO
CÓDIGO ORAL PARA O DOMÍNIO DO
CÓDIGO ESCRITO

Durante os estudos linguísticos, no decorrer da história


sobre construção da leitura e escrita, observa-se que houve
controvérsias sobre a fala preceder ou não a escrita no pro-
cesso de passagem do domínio do código oral (fala) para
o código escrito. No entanto, atualmente, estudiosos admi-
tem que não é necessário que a palavra falada venha antes
da palavra escrita. A esse respeito, Matêncio destaca que:

a hipótese de que a fala precedeu a escrita não seja


mais verdadeira do que uma outra que aponta para
o fato de que as primeiras marcas humanas, a pin-
tura nos corpos de nossos ancestrais, ou as primei-
ras interpretações de índices, rastros de animais,
representam a origem da invenção da escrita. (MA-
TÊNCIO, 1994, p. 34)

Em comparação, a autora exemplifica o fato de as crianças


iniciarem o processo de rabiscação sem terem tido antes
contato com o conhecimento sistematizado, pois a criança
adquire técnicas primitivas com funções semelhantes às
da escrita. A autora ainda chama a atenção para o fato de
que a criança é um ser social e, por isso, dá variados signi-
ficados aos seus rabiscos, nomeando-os de acordo com os
seus conhecimentos, onde estes vão se desenvolvendo na
medida em que a criança cresce. Ou seja, inicialmente os
rabiscos podem representar um gato ou mamãe, depois,

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O processo de apropriação da língua escrita: do domínio do código oral para o domínio 97
do código escrito

quando a criança já tem consciência da língua (por volta


dos três anos), são capazes de produzir, com ajuda em
relação à escrita, bilhetes, cartas histórias etc.

O domínio da língua oral e escrita é fundamental para a


participação social efetiva, já que possibilita a comunica-
ção entre os indivíduos, em que estes podem ter acesso às
informações, expressar sentimentos, partilhar ou construir
concepções de mundo e produzir conhecimentos. Tanto o
texto oral quanto o escrito fazem parte da linguagem.

O texto oral é fruto de conversação e pode ser definido


como:

Atividade linguística básica que pertence às práticas


diárias de qualquer cidadão, independentemente de
seu nível sociocultural. Ela representa o intercurso
verbal em que duas ou mais pessoas se alternam,
discorrendo livremente sobre as questões propicia-
das pela vida diária. (CASTILHO, 1986, p. 21)

O texto escrito, segundo Koch e Travaglia (2009), é enten-


dido como uma unidade linguística concreta, perceptível
pela visão, que é tomada pelos usuários da língua em uma
situação de interação comunicativa, como uma unidade de
sentido, como preenchendo uma função comunicativa e re-
conhecida (pois segue convenções estabelecidas de como
as palavras são escritas graficamente).

Observa-se que a modalidade oral, forma de comunica-


ção entre os ouvintes, faz parte da aquisição da escrita, já
que pela sua característica comunicacional, seus usuários
fazem conexões linguísticas (forma de utilização das pa-

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98 O processo de construção da escrita

lavras ao falar), sociais e culturais. Reserva-se aqui o en-


tendimento da fala como meio de comunicação entre os
indivíduos (oral — para os ouvintes — e gestual — para os
surdos). Ressalta-se que os sujeitos surdos utilizam, seme-
lhante à oralidade para os ouvintes, o querema (comuni-
cação com a utilização das mãos). Torna-se relevante essa
observação, já que, em nossas discussões sobre a aquisição
da escrita, ratificamos que ela não é um processo mecânico
de aprendizagem, em que se memorizam sons e letras.

A escrita é um objeto que demanda interpretação do


outro uma vez que, sendo língua(gem), tem na opaci-
dade uma de suas características constitutivas. Mais
do que se perseguir na escola a ampliação e memori-
zação de vocabulário, a escrita e a leitura demandam
a construção de um espaço dialógico de inserção. Só
adquire significado se elo integrante da cadeia de
enunciados nos quais o sujeito também se constitui.
(SOUZA; VELASQUEZ; SIQUEIRA, 1997, p. 59)

O fato é que, a princípio, a escrita feita pela criança tende a


representar a linguagem oral. A criança escreve como fala.
Ela não entende que nem sempre há uma relação entre o
som que ela fala com a letra. Com o processo de aprendi-
zagem, ela assimila que escrever não é equivalente ao ato
de falar, que a escrita é uma convenção social.

Segundo Cagliari (2001), a criança, no decorrer do desen-


volvimento do seu processo de alfabetização, começa a
perceber que a escrita é arbitrária, ou seja, não se escreve
do mesmo jeito que se fala, pois a palavra escrita terá que
obedecer às normas da língua padrão que tem uma linguís-
tica própria. Para o autor:

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O processo de apropriação da língua escrita: do domínio do código oral para o domínio 99
do código escrito

A língua portuguesa, como qualquer língua, tem o


certo e o errado somente em relação à sua estrutu-
ra. Com relação a seu uso pelas comunidades falan-
tes, não existe o certo e o errado linguisticamente,
mas o diferente. (CAGLIARI, 2001, p. 35)

Isso significa dizer que a escrita é uma construção cultural


e social que determina, juntamente com a fala, os objetos
e os seus respectivos nomes.

O processo de apropriação da língua escrita


O ponto de partida dessa discussão é o fato de que o aprendi-
zado das crianças começa muito antes de elas frequentarem
a escola. Portanto, a criança tem ideia sobre a escrita antes
da sua escolarização. Emília Ferreiro e Teberosky (2008), em
suas pesquisas, ratificaram essa questão e desmitificaram o
fato de que a aprendizagem da escrita está apenas associa-
da a questões de ensino de códigos linguísticos (dominar a
gramática, a grafia, sons das letras e desenvolver a memori-
zação). As autoras superaram essa concepção ao alertar que
a construção da escrita é um processo complexo e deve ser
entendida como um sistema de representação, desviando o
foco de “como se ensina” para o “como se aprende”, definin-
do a escrita como objeto sociocultural de conhecimento.

Enveredando por esse caminho, podemos destacar Vygotsky,


que afirma:

Ensina-se as crianças a desenhar letras e a construir


palavras com elas, mas não se ensina a linguagem es-
crita. Enfatiza-se de tal forma a mecânica de ler o que
está escrito que acaba-se obscurecendo a linguagem
como tal. (1998, p. 139)

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100 O processo de construção da escrita

Nesse contexto, portanto, o que se entende é que a alfabeti-


zação deve transcender as propostas pedagógicas mecâni-
cas do processo de leitura e da escrita.

Como já foi apresentado, falantes de qualquer língua fa-


zem reflexões sobre o uso e a forma da linguagem que
utilizam. Assim, para uma efetiva comunicação trata-se de
conhecer e saber utilizar as convenções linguísticas (sis-
temas fonológico, morfológico, sintático, semântico etc.)
adotadas pelo grupo social em que se vive. No entanto,
sabe-se que há uma vasta possibilidade de configurações
e funções inerentes a tais aprendizagens que merecem ser
consideradas nas mais diversas situações sociais de uso
da escrita. Nessa perspectiva, a aprendizagem da escrita,
assim como a da leitura, devem oferecer ao aluno possibi-
lidades de descobertas e reflexões, para que possam cons-
truir uma aprendizagem significativa.

Nesse contexto, gostaríamos de enfatizar Angela Kleiman


(2002), que embora direcione as reflexões de seu livro Tex-
to e leitor: aspectos cognitivos da leitura para o desdo-
bramento do ato de ler, traz implicitamente em suas ques-
tões a representação da escrita, enfatizando a dimensão
interacional entre o texto escrito e o leitor: “A leitura é
um ato social entre dois sujeitos — leitor-autor — que in-
teragem entre si, obedecendo a objetivos e necessidades
socialmente determinados” (KLEIMAN, 2002, p. 10).

Segundo Kleiman (2002), no processo de compreensão tex-


tual, o leitor de um dado texto necessita recorrer a conheci-
mentos anteriores para atribuir-lhe sentido, ou seja, necessi-
ta utilizar-se de conhecimentos prévios (acumulados durante
a vida e amarzenados na memória) em interação com:

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O processo de apropriação da língua escrita: do domínio do código oral para o domínio 101
do código escrito

• Conhecimentos linguísticos (relacionados à gra-


mática, língua, vocabulário individual): sem esses
conhecimentos, há uma dificuldade na compreensão
do texto, por conta do uso e de conceitos léxicos.
Dessa forma, mesmo se tratando de um texto escrito
que faz uso de nossa língua materna, se nele há a
utilização de algum termo que o leitor desconhece,
a compreensão pode ser afetada.

• Conhecimento textual (conhecimentos relaciona-


dos à classificação do texto, se ele é narrativo, des-
critivo, argumentativo): importante para a interação
pragmática; é a coesão, ou seja, a articulação de
ideias em um todo coerente.

• Conhecimento de mundo ou enciclopédico (co-


nhecimentos relacionados à elaboração do pensa-
mento e à imagem de mundo): importante para que
o sentido seja constituído. A autora subdivide esse
conhecimento em duas formas: conhecimento es-
trutural e conhecimento parcial. O conhecimento
estrutural é “adquirido informalmente, por meio da
interação [...]. Exemplos: ir ao médico, comer em um
restaurante, assistir a uma aula” (KLEIMAN, 2002, p.
22), ou seja, é relativo a instruções que anteriormen-
te são adquiridas e que se encontram imersas em
nosso dia a dia. Já o conhecimento parcial é “relativo
a assuntos, situações e eventos típicos de nossa cul-
tura” (KLEIMAN, 2002, p. 23). A atividade de leitura,
segundo Angela Kleiman (2002), possui dois princí-
pios fundamentais: a coerência e a formulação de
hipóteses. Observa-se, assim, que, tal como a cons-
trução da leitura, a escrita pode perpassar por cami-
nhos inerentes aos conceitos supracitados, dada sua
dimensão social.

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102 O processo de construção da escrita

A interação entre leitura e escrita também perpassa por


processamentos cognitivos. A grande maioria dos mode-
los teóricos de aquisição de leitura e escrita divide esses
processos em vários estágios, fases ou níveis, tais como os
preconizados por Emília Ferreiro e Teberosky (2008) ao re-
ferendarem o processo cognitivo da construção da escrita.

Quanto ao processamento cognitivo da leitura, cuja ma-


nifestação está diretamente relacionada ao processo de
alfabetização, destacaremos a seguir os processamentos
cognitivos baseados em Kato (1995) a saber: ascendente
(ou bottom-up), descendente (ou top-down) e o interativo.

• Processamento ascendente (ou bottom-up): a ên-


fase é no leitor; é um processamento sequencial e
hierárquico da leitura (primeiro as letras, depois as
sílabas, as palavras etc.); a leitura é um processo li-
near, com base na qual o leitor constrói significados
por meio das palavras do texto. Propostas de alfabe-
tização que legitimam essa estratégia dão importân-
cia às habilidades de decodificação, pois consideram
que o leitor pode compreender o texto porque pode
decodificá-lo totalmente.

• Processamento descendente (ou top-down): o


leitor constrói o significado com base nos dados do
texto. Ao contrário do primeiro tipo, não tira conclu-
sões apressadas, mas faz uso do seu conhecimento
prévio e dos seus recursos cognitivos para estabe-
lecer antecipações sobre o conteúdo do texto, pois,
quanto mais informação sobre o texto, menos preci-
sará se fixar nele para construir uma interpretação.

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O processo de apropriação da língua escrita: do domínio do código oral para o domínio 103
do código escrito

• Processamento interativo: considera o ato de ler


como um processo discursivo no qual se inserem os
sujeitos produtores de sentidos — o autor e o leitor;
usa de forma adequada, e no momento apropriado,
as duas estratégias anteriores.

Esses modelos lidam com os aspectos ligados à rela-


ção entre o sujeito leitor e o texto enquanto objeto,
entre linguagem escrita e compreensão, memória,
inferência e pensamento. (KLEIMAN, 2002, p. 32)

Tanto os aspectos sociais quanto cognitivos devem ser le-


vados em conta na aquisição da leitura e da escrita, já que
ambas são processos que estabelecem uma relação intera-
cional na sua produção e compreensão.

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104 O processo de construção da escrita

CONSCIÊNCIA FONOLÓGICA:
CONSCIÊNCIA DE PALAVRAS, DA
SÍLABA, FONÊMICA E O PROCESSO DE
CONSTRUÇÃO DA ESCRITA

O processo de alfabetização e letramento deve viabilizar


aos educandos possibilidades efetivas para a concretiza-
ção do ensino da língua. É válido observar que a apren-
dizagem da língua é um sistema de categorias com que o
homem organiza o mundo em uma estrutura dotada de
sentido. A produção e a compreensão de frases em uma
língua (como o português nas suas modalidades oral e es-
crita) requerem que o falante seja capaz de associar corre-
tamente sequências sonoras e significados. Dessa forma,
uma pessoa conhece de fato uma língua, segundo Azeredo
(2002), quando é capaz de identificar suas unidades cons-
titutivas e sabe combiná-las e recombiná-las de acordo
com as suas necessidades comunicativas.

Assim,

Uma pessoa que tenha facilidade para memorizar


frases de uma língua estrangeira com a respectiva
pronúncia e o respectivo sentido não pode, só por
isso, porém, ser considerada capaz de falar essa
língua. Ela ‘conhece’ dados isolados, produtos ‘já
prontos’, que ela apenas repete. Quem conhece a
língua conhece as unidades constitutivas de cada
plano e é capaz de combiná-las e recombiná-las,
segundo suas necessidades comunicativas. Ou seja,
a pessoa domina a língua não como uma “lista de
frases pré-fabricadas”, mas como um sistema arti-
culado de unidades. (AZEREDO, 2002, p. 25)

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Consciência fonológica: consciência de palavras, da sílaba, fonêmica e o processo de 105
construção da escrita

Enfatiza-se que para a aquisição de uma língua são ne-


cessárias tanto a identificação e a classificação dos sons
quanto o reconhecimento da função comunicativa desses
sons. Nesse contexto, para uma efetiva aprendizagem da
leitura e da escrita, um bom caminho é o conhecimento,
por parte do professor alfabetizador, da estrutura e do
funcionamento da linguagem humana a partir dos estudos
de fonética e da fonologia.

A fonética “se ocupa da produção e classificação dos sons


vocais, estuda a materialidade dos sons vocais” (AZEREDO,
2002, p. 51); “se ocupa do aspecto acústico e fisiológico dos
sons reais e concretos dos atos linguísticos, ou seja, sua pro-
dução, articulação e variedades” (BECHARA, 2003, p. 53). Por
exemplo: na palavra “tinta”, pronunciada por um carioca e
um gaúcho, verificaremos sons diferenciados de “t”.

A fonologia “se ocupa da estruturação desses sons em um


sistema linguístico, isto é, da estruturação dos sons na
fala em um sistema de relações opositivas e combinatórias
para a constituição dos signos de uma língua” (AZEREDO,
2002, p. 51); “a unidade básica não é o som, mas o fone-
ma, visto como unidade acústica que desempenha função
linguística” (BECHARA, 2003, p. 53); é a parte da gramática
que estuda os fonemas (os sons) da língua, sua organiza-
ção e classificação. Também cuida de aspectos relaciona-
dos à divisão silábica, à ortografia. A língua portuguesa
possui 33 fonemas, sendo 12 vogais,15119 consoantes e 2
semivogais.162

15
Vogais: são fonemas que fazem vibrar as pregas vocais. Elas podem ser:
orais e nasais.
16
Semivogais: acompanham a vogal na sílaba, mas em cuja produção a
passagem da corrente de ar proveniente dos pulmões não sofre obstrução
à /y/ /w/ .

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106 O processo de construção da escrita

Cada fonema tem a função de estabelecer uma diferença


de significado entre uma palavra e outra. Por exemplo, na
linguagem oral as palavras “gato” e “mato” se distinguem
apenas pelos fonemas “g” e “m”. Ao pronunciar essas duas
palavras, notamos que existe uma diferença de significado
entre elas. Do ponto de vista dos significantes, a única dis-
tinção está no /g/ e no /m/, unidades de som capazes de
produzir uma mudança de significado. Dessa forma, essas
unidades recebem o nome de fonemas.

Agora um exemplo com os dois aspectos: entre as palavras


“tanta” e “tonta”, a diferença fonética está no som nasal [t...
nta]. Como temos dois signos, podemos dizer que a diferença
entre [ã] e [õ] tem uma função linguística. Estamos diante das
diferenças ao mesmo tempo de sons vocais (fonética) e fone-
mas (fonologia). (AZEREDO, 2002)

A aquisição da escrita exige que o indivíduo reflita sobre a


fala, estabeleça relações entre os sons e sua representação
na forma gráfica e reconheça o sistema de regras da escri-
ta. Nessa perspectiva, a aquisição da escrita está intima-
mente ligada à consciência fonológica, uma vez que, para
dominar o código escrito, é necessária a reflexão sobre os
sons da fala e sua representação na escrita.

O processo de alfabetização é constituído e constituinte


das seguintes articulações: formulação de hipóteses sobre
a escrita; reflexão sobre a relação entre a fala e a escrita e
uso da consciência fonológica.

A consciência fonológica é um vasto conjunto de habilida-


des que nos permite refletir sobre as partes sonoras das
palavras. Lopes destaca:

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Consciência fonológica: consciência de palavras, da sílaba, fonêmica e o processo de 107
construção da escrita

A consciência fonológica pode ser entendida como


um conjunto de habilidades que vão desde a sim-
ples percepção global do tamanho da palavra e de
semelhanças fonológicas entre as palavras até a
segmentação e manipulação de sílabas e fonemas
(BRYANT & BRADLEY, 1985). Fazendo parte do pro-
cessamento fonológico, que se refere às operações
mentais de processamento de informação baseadas
na estrutura fonológica da linguagem oral. Assim, a
consciência fonológica refere-se tanto à consciência
de que a fala pode ser segmentada quanto à habili-
dade de manipular tais segmentos, e se desenvolve
gradualmente à medida que a criança vai tomando
consciência do sistema sonoro da língua, ou seja,
de palavras, sílabas e fonemas como unidades iden-
tificáveis. (CAPOVILLA; CAPOVILLA, 2000b apud
LOPES, 2004, p. 1)

A criança é exposta, dentro de uma cultura, aos diferentes


contextos linguísticos, formando assim sua consciência fo-
nológica. Como exemplo destacamos as músicas, cantigas
de roda, parlendas, poesias, jogos orais e a fala. É possível
observar os diferentes níveis de consciência fonológica ad-
quiridos pela criança, nomeadamente: (1) consciência de
palavras; (2) consciência silábica; (3) rimas e aliterações; (4)
consciência fonêmica.

A seguir veremos as definições desses níveis, baseadas em


Nascimento e Knobel (2009), e indicações de exemplos, ba-
seadas no Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa
(Ministério da Educação), que podem contribuir para o desen-
volvimento da consciência fonológica.

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108 O processo de construção da escrita

1. Consciência de palavras: também denominada


consciência sintática, requer a capacidade de seg-
mentar a frase em palavras, bem como de organizá-
-las em uma frase, de forma a dar-lhe sentido.

Exemplo de atividade: ler poemas e nessa mesma


atividade reescrever as frases, utilizando quadri-
nhos para cada palavra; identificar palavras no poe-
ma.

2. Consciência silábica: é a capacidade de segmen-


tar palavras em sílabas, exigindo a execução de dois
processos, a identificação e a discriminação de síla-
bas, sendo o primeiro processo facilitado quando há
produção isolada das sílabas.

Exemplo de atividade: ler parlendas e encontrar pa-


lavras de duas, três, quatro sílabas; escrever o núme-
ro de sílabas nas palavras.

3. Rimas e aliterações: ocorre rima quando há se-


melhanças entre os sons desde a vogal ou ditongo
tônico até o último fonema da palavra, podendo
abranger a rima da sílaba ou mais do que uma sílaba.
Pode ser: da palavra (igualdade entre os sons desde
a vogal ou ditongo tônico até o último som, como em
SAPATINHO - PASSARINHO); da sílaba (formada por
palavras que terminam com o mesmo som, como em
BALÃO – MÃO); sonora, (as palavras rimam, pois o
som em que terminam é igual, independentemente
da forma ortográfica, como em OSSO e PESCOÇO).

Exemplo de atividade: escrever palavras que rimam


com cipó, bonita, tia, coração.

Aliteração é a capacidade de identificar ou repetir


a sílaba ou fonema na posição inicial ou no interior

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Consciência fonológica: consciência de palavras, da sílaba, fonêmica e o processo de 109
construção da escrita

das palavras, dentro do mesmo verso, estrofe ou


frase, como em: chegamos de uma terra feia, fria,
fétida, fútil.

Exemplo de atividade: diga palavras que comecem


com determinada sílaba.

4. Consciência fonêmica: capacidade para mani-


pular e isolar as unidades sonoras que constituem
a palavra. É a capacidade de segmentar, omitir ou
substituir fonemas em palavras, bem como de evo-
car palavras com base no fonema inicial. É também a
última consciência a ser adquirida pela criança.

Exemplo de atividade: dizer quais ou quantos fo-


nemas formam uma palavra; formar novas palavras
subtraindo-lhes o fonema inicial (por exemplo, ex-
cluindo o fonema [k] da palavra CASA, forma-se a
palavra ASA).

De acordo com Freitas (2004), torna-se essencial que as


crianças recebam instruções formais que explicitem as re-
gras de manipulação dos sons da fala na escrita alfabética
(relações fonema-grafema) para promover maior desenvol-
vimento da consciência fonêmica.

Destaca-se a importância de o professor alfabetizador


viabilizar uma escolarização que leve o aluno a adquirir
conhecimento sobre a estrutura linguística da língua, fa-
vorecendo dessa forma o desenvolvimento da consciência
fonológica e, consequentemente, a construção da escrita.

Tivemos a oportunidade de estudar, neste capítulo, ques-


tões que perpassaram desde a definição de língua e lin-

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110 O processo de construção da escrita

guagem, unidades básicas e relevantes ao processo de


construção de escrita, até os elementos que a constituem,
como os domínios dos códigos (oral e escrito) e a cons-
ciência fonológica. Tais questões evidenciam pressupos-
tos teórico-práticos relevantes ao processo de alfabeti-
zação e letramento, cujos educadores devem possibilitar
práticas de leitura e de escrita fundamentadas nas dimen-
sões sociais e linguísticas no processo de aprendizagem.

Neste contexto, devemos encarar o processo de alfabetiza-


ção/letramento como um conjunto de práticas de leitura
e escrita que resultam de uma concepção de ensino que
viabilize ao aluno a grande diversidade de textos, sejam
orais ou escritos. Sob essa perspectiva, teremos um ensino
contextualizado, em que as palavras, frases e textos não
surgirão do nada, mas de uma situação específica, real e
significativa. Em continuidade às supracitadas reflexões, o
capítulo a seguir contribuirá para a ampliação de concei-
tos, definições e práticas sobre o processo de alfabetiza-
ção e letramento em que o aluno, em um processo carac-
terizado pela mediação entre os sujeitos da aprendizagem
e conhecimento de mundo, torna-se ator e autor da cons-
trução de seu conhecimento.

.........................................................................................................
111

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Conceito de alfabetização e de letramento 115

CAPÍTULO 4
ALFABETIZAÇÃO E LETRAMENTO

As exigências do mundo contemporâneo — marcado pe-


las rápidas transformações em todos os setores, o que
caracteriza a era da informação — impõem novas formas
de pensar, construir e produzir conhecimentos. Estamos
na era tecnológica — como também é conhecida a era da
informação —, cujas leituras de mundo apresentam dife-
rentes linguagens nas suas formas de comunicação. O ho-
mem, como ser social, precisa refletir, interpretar, produ-
zir e utilizar diferentes linguagens como ferramentas para
se inserir de forma qualitativa na sociedade em que vive.

Assim, a leitura e a escrita instituem e são instituintes no


papel singular da linguagem no cotidiano humano e no
uso das comunicações variadas como forma de estabele-
cer uma relação social contínua. Nesse contexto, a esco-
la brasileira torna-se um locus de formação baseada em
um permanente processo de ação-reflexão-ação. Enquanto
instituição social, precisa possibilitar diferentes lingua-
gens no ensino da leitura e da escrita de forma a preparar
os indivíduos para o mundo letrado.

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116 Alfabetização e letramento

CONCEITO DE ALFABETIZAÇÃO E DE
LETRAMENTO

Ao revisitarmos a história da escrita, podemos observar


que ela surgiu mais de 5.000 anos antes da Era Cristã,
como código de representação simbólica do pensamento,
em consequência das mudanças sociais, culturais, políticas
e econômicas (NUCCI, 2008). Segundo historiadores, du-
rante muitos séculos a escrita foi associada às relações de
poder e dominação de burocratas e religiosos, uma vez que
os ideogramas171 eram barreiras que impediam o cidadão
comum de ler e escrever.

Com o desenvolvimento das sociedades, o domínio


da escrita passou a ser uma necessidade emergen-
te, o que levou a alfabetização a assumir gradual-
mente um papel social essencial. [...] Com a escrita
cada vez mais enraizada nas sociedades, surgiu a
necessidade de se aprender a ler e a escrever como
oportunidade para a aquisição de informações que
poderiam ser utilizadas para melhorar a qualida-
de de vida e a produtividade no trabalho. (NUCCI,
2008, p. 48)

Nesse contexto, a necessidade da aprendizagem da leitu-


ra e da escrita surge em um momento de transformação
social, econômica e cultural, em que o homem precisa
aprender a comunicar, a adquirir conhecimentos por meio
dos signos escritos. A alfabetização significava aprender
os símbolos que representavam um modelo padronizado.
Posteriormente, com o passar do tempo, a escrita abando-
nou os símbolos para representar os sons da fala.
17
Símbolo gráfico utilizado para representar uma palavra ou conceito.

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Conceito de alfabetização e de letramento 117

De acordo com Tfouni (2004, p. 10), “a escrita é um pro-


duto cultural por excelência, sendo resultado da atividade
humana sobre o mundo, utilizado para difundir (ou ocul-
tar) as ideias”. Por ser um produto cultural, a escrita preci-
sa ser aprendida, e esse processo de aprendizagem deno-
mina-se alfabetização.

Entretanto, Nucci (2008) destaca que a escolarização do pro-


cesso de alfabetização ocorreu separando os indivíduos dos
usos sociais da escrita, criando uma nova prática, descon-
textualizada das práticas sociais cotidianas. A escola, como
locus de aprendizagem sistematizada, ao sistematizar a
aprendizagem da escrita, criou uma nova prática de escrita
que não correspondia às práticas sociais. Na realidade, se-
gundo a autora, a escola representou uma forma de controle
social sobre a escrita por parte do Estado Burguês, cuja fun-
ção era disciplinar os trabalhadores para a industrialização,
tendo em vista o acelerado desenvolvimento da sociedade.

Assim, ainda segundo a autora, foi a partir das mudanças


sociais, culturais e econômicas que a alfabetização assu-
miu um novo papel social: passou a ser considerada como
processo de aquisição de um sistema escrito normativo, e
a escola como forma de controlar e disciplinar a população
trabalhadora para a atividade industrial. Dessa forma, a
escolarização ficou caracterizada como um movimento so-
cial de massa, sendo a alfabetização o seu primeiro passo
para formar o indivíduo alfabetizado (indivíduo que do-
mina o código alfabético). Assim, a escrita passou a ser
privilegiada por ser uma forma de padronização e ades-
tramento e não de liberação e desenvolvimento do sujeito.
Até então, para ser alfabetizado era suficiente ter o do-

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118 Alfabetização e letramento

mínio do código alfabético, já que a escrita era concebida


como um simples reflexo da linguagem oral, ou seja, como
uma mera representação da fala e, assim, a alfabetização
entendida apenas como um processo que se desenvolve
em nível individual, desvinculada de seus usos sociais: a
decifração e a dominação do código (processo mecânico)
são entendidas como os aspectos centrais do processo,
acarretando a ênfase na preocupação com o erro ortográfi-
co e a descontextualização da própria atividade de leitura
e escrita (AMARAL, 2008).

No entanto, com o desenvolvimento da sociedade, novas


condições sociais exigiram o aprimoramento dos usos so-
ciais da leitura e da escrita nos diferentes gêneros, nas di-
ferentes leituras de mundo. Dessa forma, a escrita passou
a deixar de ser do domínio de uns poucos para um saber
universal, considerado direito de todos. Com isso a relação
das pessoas com a língua escrita mudou radicalmente, as-
sim como também mudou, ao longo da história, a concep-
ção do que seria “ser alfabetizado” e do que é necessário
saber para poder usar a escrita ao longo da vida.

Segundo Soares, essa mudança em relação à definição do


que seria um indivíduo alfabetizado trouxe a necessidade
de um novo conceito de alfabetização, pois

[...] dos indivíduos já se requer não apenas que do-


minem a tecnologia do ler e do escrever, mas tam-
bém que saibam fazer uso dela, incorporando-a
a seu viver, transformando assim seu ‘estado’ ou
‘condição’, como consequência do domínio desta
tecnologia. (SOARES, 2009, p. 7)

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Conceito de alfabetização e de letramento 119

Nessa perspectiva, à medida que novas condições sociais


passam a demandar o uso da escrita e que a sociedade
torna-se cada vez mais grafocêntrica,182 a busca desse novo
conceito surge como forma de explicar essa nova necessi-
dade: não basta aprender a ler e a escrever, é preciso usar
a escrita no cotidiano (SOARES, 2009).

Hoje se espera que, além de dominar esse código, o aluno


consiga se comunicar, por meio da escrita, em uma variada
gama de situações. Para se compreender o papel da escrita
como prática social, diferenciada da aquisição da tecno-
logia de aprender a ler e a escrever, considera-se: o domí-
nio do código como alfabetização e as práticas de escrita
como letramento.

Assim, ressaltando o que foi igualmente adiantado neste


capítulo sobre a aprendizagem da escrita, aprender a ler
e a escrever é, antes de tudo, estabelecer interpretar, com-
preender, traduzir e aprender a ler o mundo a partir de
diferentes linguagens. O letramento, nesse contexto, apa-
rece como uma forma de construção de conhecimento que
implica uma abordagem interdisciplinar de alfabetização,
em que o cidadão possa construir, em si próprio, o sentido
da escrita para sua vida cotidiana.

Soares (2009) destaca que a palavra “letramento” apareceu


primeiramente no livro de Mary Kato, intitulado No mundo
da escrita: uma perspectiva psicolinguística, de 1986. A
palavra surgiu entre os estudiosos da língua portuguesa e
passou a ter trânsito no campo educacional. O termo “letra-
mento”, ainda segundo a autora, teve sua origem na seguinte
palavra:
18
Grafocêntrica: diz-se do que é centrado na escrita.

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120 Alfabetização e letramento

literacy = estado, condição ou qualidade de ser literate


(educado para ler e escrever)

Segundo Kleiman (1995), o termo “letramento” surgiu


como tentativa de separar os estudos sobre o impacto so-
cial da escrita dos estudos sobre a alfabetização com cono-
tações escolares. Pode-se, segundo a autora, compreender
a alfabetização, a escolarização e o letramento consideran-
do-se que a alfabetização ocorre na instituição escolar e
envolve o domínio ativo e sistemático das habilidades de
ler e escrever.

A escolarização, por sua vez, é uma prática formal e ins-


titucional de ensino que visa à formação integral do indi-
víduo, sendo a alfabetização uma de suas atividades. E o
letramento é a ampliação da concepção de escrita para fora
do contexto escolar, envolvendo a aprendizagem social e
histórica da leitura e da escrita em contextos informais e em
usos contextualizados no cotidiano do indivíduo. Ela enfati-
za que, apesar de os conceitos de letramento, alfabetização
e escolarização terem marcas próprias, hoje, entende-se o
processo de alfabetização não apenas como alfabetização
escolarizada, mas sob uma perspectiva de letramento.

Soares complementa:

Antes o nosso problema era apenas o do “estado


ou condição de analfabeto” — a enorme dimensão
desse problema não nos permitia perceber esta ou-
tra realidade, o “estado ou condição” de quem sabe
ler e escrever, e por isso o termo analfabeto nos
bastava; – não nos era necessário. Só recentemente
esse oposto se tornou necessário, porque só recen-

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Conceito de alfabetização e de letramento 121

temente passamos a enfrentar esta nova realidade


social em que não basta apenas saber ler e escrever,
é preciso saber fazer uso do ler e do escrever, é pre-
ciso também saber responder às exigências de lei-
tura e de escrita que a sociedade faz continuamen-
te – daí o recente surgimento do termo letramento.
(SOARES, 2009, p. 71)

A autora exemplifica, ressaltando que, em décadas passa-


das, se considerava o indivíduo alfabetizado pelo simples
fato de que ele sabia escrever o próprio nome. Hoje, é a
resposta à pergunta “sabe ler e escrever um bilhete?” (SOA-
RES, 2009, p. 72) que define se o sujeito é alfabetizado,
pois se passou a verificar a capacidade de usar a leitura e a
escrita para a prática social, e não verificar apenas a “habi-
lidade de codificar o próprio nome”. (Ibid, p. 71)

Soares (2009) adverte que as pessoas podem aprender a


ler e a escrever, mas não necessariamente incorporam as
práticas da leitura e da escrita no seu cotidiano, pois, para
envolver-se com tais práticas sociais, é preciso saber ler re-
vistas, livros, jornais, telegramas, cartas; preencher formu-
lários; redigir requerimentos, ofícios, declarações; devem
saber encontrar informações em um contrato de trabalho,
em uma lista telefônica, em uma bula de remédio etc.

Contempla-se, assim, a concepção do homem-sujeito que es-


tabelece com o mundo uma relação consciente de trocas sig-
nificativas, concretizadas a partir da compreensão do papel
social da linguagem escrita. Nesse contexto não é possível en-
carar a alfabetização como um momento estanque e isolado
na vida do sujeito, mas parte de um sistema de evolução do
desenvolvimento de conhecimentos que interagem entre si.

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122 Alfabetização e letramento

Considera-se aqui que alfabetização e letramento são con-


cepções consideradas distintas e complementares, pois
enquanto alfabetizar significa a aquisição do sistema con-
vencional de escrita, letramento designa o desenvolvimen-
to de comportamentos que envolvem práticas sociais de
leitura e escrita. (SOARES, 2009)

Nesse sentido, define-se alfabetização – tomando-se


a palavra em seu sentido próprio – como o proces-
so de aquisição da ‘tecnologia da escrita’; isto é, do
conjunto de técnicas – procedimentos, habilidades
– necessárias para a prática da leitura e da escrita:
as habilidades de codificação de fonemas em grafe-
mas e de decodificação de grafemas em fonemas,
isto é, o domínio do sistema de escrita (alfabético,
ortográfico).
[...]
Ao exercício efetivo e competente da tecnologia da
escrita denomina-se letramento, que implica habili-
dades várias, tais como: capacidade de ler ou escre-
ver para atingir diferentes objetivos – para informar
ou informar-se, para interagir com outros, para imer-
gir no imaginário, no estético, para ampliar conhe-
cimentos, para seduzir ou induzir, para divertir-se,
para orientar-se, para apoio à memória, para catar-
se...; habilidades de interpretar e produzir diferentes
tipos e gêneros de textos; habilidades de orientar-se
pelos protocolos de leitura que marcam o texto ou
de lançar mão desses protocolos, ao escrever; atitu-
des de inserção efetiva no mundo da escrita, tendo
interesse e prazer em ler e escrever, sabendo utilizar
a escrita para encontrar ou fornecer informações e
conhecimentos, escrevendo ou lendo de forma dife-
renciada, segundo as circunstâncias, os objetivos, o
interlocutor... (SOARES, 2009, p. 91-92)

Lodi (2002), em consonância com Soares (2009), ressalta


que os conceitos de alfabetização e letramento são pro-
cessos que se dão de forma simultânea e interdependente,
bem como asseguram reflexões que elucidam o respeito à

.........................................................................................................
Conceito de alfabetização e de letramento 123

diversidade cultural e à linguística. Por isso, os seres hu-


manos acessam e processam informações, como também
estabelecem formas de se relacionar com o mundo a par-
tir do modo como organizam suas experiências cognitiva-
mente.

Soares argumenta:

Indivíduos ou grupos sociais que dominam o uso da


leitura e da escrita e, portanto, têm as habilidades e
atitudes necessárias para uma participação ativa e
competente em situações em que práticas de leitura
e/ou de escrita têm uma função essencial e mantêm
com os outros e com o mundo que os cerca formas
de interação, atitudes, competências discursivas e
cognitivas que lhes conferem um determinado e di-
ferenciado estado ou condição de inserção em uma
sociedade letrada. (SOARES, 2009, p. 146.)

Isso nos leva a refletir sobre a importância de que ler e


produzir textos significativos não é simplesmente codi-
ficar e decodificar; é, acima disso, ter competência para
tratar a informação, autonomia, capacidade para tomar de-
cisões, polivalência, flexibilidade, entre outras condições
hoje essenciais para a inserção do sujeito no mundo. Nesse
contexto, torna-se fundamental a compreensão da impor-
tância da leitura e da escrita no processo de letramento,
enquanto práticas individuais e sociais, para a formação
do leitor-escritor crítico.193

19
Pessoa que estabelece juízo de valor para obras artísticas, literárias,
científicas etc. (Dicionário on-line de Português).
..........................................................................................................
124 Alfabetização e letramento

A FORMAÇÃO DO LEITOR/AUTOR CRÍTICO


NA PERSPECTIVA DO LETRAMENTO

A sociedade contemporânea exige cidadãos que saibam li-


dar com o conhecimento e a diversidade de informações.
Isso porque as formas de construção e de aquisição de co-
nhecimentos não se constituem mais em verdades absolu-
tas, cujos objetivos eram claros, precisos e estáveis, adqui-
ridos de forma linear. É imprescindível ter ciência de que
o momento histórico, social, econômico, cultural e político
exige um cidadão letrado, exigindo grande operacionalida-
de de pensamento, habilidades e competências próprias em
virtude do grande avanço tecnológico, tão rápido e intenso.

Hoje, as verdades são plurais e instáveis. Confrontamo-


-nos, atualmente, com um universo extremamente com-
plexo, em que a compartimentalização na produção de
saberes já não dá conta de responder às questões que a
realidade nos mostra. A tradicional ênfase sobre informa-
ções isoladas que passam a valer por si mesmas e não por
sua capacidade de ajudar o homem a compreender o mun-
do impossibilita o processo de desenvolvimento do conhe-
cimento, inviabilizando a construção de um cidadão críti-
co-reflexivo, capaz de entender a realidade em que vive e
de transformá-la.

De acordo com Hall (2006, p. 9):

Essas transformações estão mudando nossas iden-


tidades pessoais, abalando a ideia que temos de nós

.........................................................................................................
A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letramento 125

próprios como sujeitos integrados. Esta perda de


um ‘sentido de si’ estável é chamada, algumas ve-
zes, de deslocamento ou descentração do sujeito.
Esse duplo deslocamento – descentração dos indiví-
duos tanto do seu lugar no mundo social e cultural
quanto de si mesmos – constitui uma ‘crise de iden-
tidade’ para o indivíduo.

Não há como negar que os saberes sistematizados são


frutos de um processo histórico-social e que, como tal,
devem ser (re)pensados segundo as exigências do mundo
atual, onde são colocados de acordo com os princípios de
uma sociedade que prima pelo desenvolvimento de um
cidadão reflexivo.

Nesse contexto, o papel da escola como locus de aprendiza-


gem dinâmica das relações de cunho social, afetivo e cog-
nitivo tem, portanto, um impacto significativo e uma forte
influência no comportamento dos indivíduos, já que pos-
sibilita que seus alunos aprendam as diferentes formas de
ver o mundo, de existir e construir as suas relações sociais.
O compromisso da escola é proporcionar novas formas de
aprendizagem que viabilizem os aprendizes a desenvolve-
rem competências que lhes possibilitem construir diferen-
tes tipos de conhecimentos sobre as coisas que existem
no mundo e de, sempre por iniciativa própria, continuar
construindo conhecimento sobre cada novo ponto de vista
percebido. Hoje, o centro do processo da nossa formação
não está em primeiro lugar no fazer, mas no saber fazer.

Philippe Perrenoud (1999) define competência “como sen-


do uma capacidade de agir eficazmente em um determina-
do tipo de situação, apoiada em conhecimentos, mas sem
limitar-se a ele”. Segundo o autor, esses conhecimentos

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126 Alfabetização e letramento

são oriundos da experiência individual, do senso comum,


da cultura partilhada com especialistas ou da pesquisa tec-
nológica ou científica.

Segundo esta perspectiva, a melhor forma de ensinar a lei-


tura e a escrita é aquela que propicia aos alunos o desen-
volvimento de competências para lidar com as caracterís-
ticas da sociedade atual, que enfatiza tal desenvolvimento
para que se corrobore na busca de novas compreensões do
mundo contemporâneo, por meio da produção de ideias e
ações criativas e colaborativas. A partir disso, torna-se evi-
dente que fortes mudanças deverão advir ao sistema edu-
cativo. Em uma sociedade caracterizada pelo paradigma201
tecnológico e do conhecimento torna-se necessário (re)
pensar o papel da escola no processo de letramento.

Tradicionalmente, a transmissão de aprendizagem de in-


formações era tarefa exclusiva da escola. Tais informações
eram passadas gradativamente às crianças pelo professor,
de forma objetiva, finita e determinada. Dependendo das
circunstâncias sociais ou de suas expectativas pessoais, fa-
zia-se a escolha do grau de sua formação, onde se poderia
obter, sem riscos de mudanças, conhecimentos e informa-
ções necessárias à inserção no mundo.

Atualmente, não existe mais a possibilidade de se conside-


rar a pessoa totalmente formada, independentemente do
grau de escolarização alcançado. O ritmo veloz com que
ocorrem as transformações sociais, culturais e tecnológi-
cas impõe uma constante adaptação ao novo, criando no-
vas relações entre o homem, o conhecimento e a sociedade.

20
Em que tudo se supera rapidamente.

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A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letramento 127

Portanto, o ensino organizado de forma fragmentada, que


privilegia a memorização de definições e fatos, bem como
as soluções padronizadas, não atende mais às exigências
da nova sociedade. A revolução tecnológica está transfor-
mando totalmente o papel social do aprender e ensinar.
Essa revolução do aprendizado está fazendo com que o
“professor de sala de aula” não seja o único responsável
pela aprendizagem.

Não se concebe mais a educação como uma simples trans-


missão de informações do professor diante do aluno, pas-
sivo. Há de se entender que novas maneiras de pensar e de
conviver estão sendo elaboradas no mundo contemporâ-
neo, impondo uma refiguração do papel da escola frente a
essas mudanças.

Dessa forma, a alfabetização, como parte da escolarização,


deve possibilitar aos indivíduos ampliarem seus limites e
(re)conhecimentos da realidade, em que o sujeito busca,
de uma forma autônoma, fazer com que seja efetiva a uti-
lização da leitura e escrita no seu cotidiano em todas as
esferas pelas quais transita, seja social, política, econômica
ou cultural, em um constante processo de letramento. É
a partir dessa supracitada percepção que o aluno pode
compreender e entender a realidade em que está inserido
e chegar a importantes conclusões sobre o mundo em que
vive e os aspectos que o compõem.

Ler e escrever é relacionar-se com o mundo, decifrando-lhe


os objetos culturalmente criados, conferindo-lhes sentido.
Por isso, a indiscutível necessidade de compreender o fun-
cionamento do sistema de escrita só tem sentido se o in-

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128 Alfabetização e letramento

divíduo puder cultivar e exercer as práticas de letramento:


cultivar no sentido de usufruir as possibilidades da língua
escrita no âmbito de sua cultura; e exercer como meio de
responder ativamente às solicitações e apelos da socieda-
de letrada (RIBEIRO, 2003).

É basilar e urgente a compreensão de que, hoje, o processo


de letramento exige, principalmente, mudança na forma de
perceber e compreender o aluno em um contexto em que
todos são sujeitos construtores de conhecimentos sobre
um mundo letrado. Isso porque, antes mesmo de apren-
dermos sistematicamente a leitura e a escrita em nosso
universo cultural, seu uso sistemático já nos marca cotidia-
namente desde muito cedo e, nesse processo, são criados
sentidos, tornando-nos, naturalmente, usuários da lingua-
gem escrita, cujas diferentes formas de leitura são aumen-
tadas gradualmente. Portanto, é na vivência da diversidade
de experiência que aprendemos coisas, construímos sub-
jetividades, fazemos alianças e tecemos visões de mundo.

Nesta perspectiva, deve-se proporcionar experiências múl-


tiplas, constituindo-se em um ambiente que possibilite al-
fabetizar letrando, onde se acolham diferentes e múltiplas
vozes, constituídas a partir de interações realizadas em
diferentes espaços-tempo em prol da construção de um
cidadão letrado. Um cidadão capaz de responder aos desa-
fios do cotidiano e seus valores, solucionando problemas
e produzindo respostas imediatas às complexidades do
mundo contemporâneo, construindo-se como um sujeito
ator e autor em todas as áreas de conhecimento.

Longe de ser um instrumento limitado em suas formas de


produção, aquele que aprende a ler e a escrever deve poder

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A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letramento 129

libertar a expressão de seus pensamentos para constituir


sua palavra e fazer juízos de valor em contextos de leituras
diferenciadas. Em síntese, é legítimo aprender a ler e a es-
crever se essa aprendizagem estiver associada ao processo
de libertação da palavra para a expressão/compreensão da
ideia, como defendia Paulo Freire (2003).

Os Parâmetros Curriculares Nacionais da Língua Portugue-


sa, nos primeiros anos do Ensino Fundamental, alertam
para o fato de que o aluno deve:

[...] utilizar a linguagem como instrumento de


aprendizagem, sabendo como proceder para ter
acesso, compreender e fazer uso de informações
contidas nos textos: identificar aspectos relevantes;
organizar notas; elaborar roteiros; compor textos
coerentes a partir de trechos oriundos de diferentes
fontes; fazer resumos, índices, esquemas etc. (BRA-
SIL, PCN, 1997, p. 18)

Considerados tais fatos, o processo de letramento deve re-


tratar a experiência social no que se refere a conhecimen-
tos e modos de ação, transformando-se em instrumento
pelo qual os alunos assimilam, compreendem e enfrentam
as exigências teóricas e práticas da vida social. Constitui
o objeto de mediação, no sentido de que a assimilação e
compreensão dos conhecimentos e modos de ação se con-
vertem em ideias sobre as propriedades e relações funda-
mentais da natureza do ensino e da sociedade. Para isso,
deve-se levar em conta não só a herança cultural manifes-
tada nos conhecimentos e habilidades, mas também a ex-
periência da prática social vivida no presente pelos alunos,
ou seja, nos problemas e desafios existentes no contexto
em que vivem.

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130 Alfabetização e letramento

Enfatiza-se que, ao remeter o processo de letramento aos


contextos naturais e sociais de onde o conhecimento foi
extraído e onde é aplicado, partindo dos conhecimentos
específicos e significativos, fazendo-os interagir, é preciso
que a escola forneça práticas de letramento que viabilizem
o desenvolvimento de compreensão e ação diante do novo
conhecimento. Pode-se dizer que o ensino da leitura e da
escrita deve permitir a mobilização de conhecimentos teóri-
cos e práticos para que se possa enfrentar uma determina-
da situação e desenvolver a capacidade de encontrar vários
recursos, no momento e na forma adequados, respondendo
às diferentes demandas da sociedade letrada. Nessa concep-
ção, o professor é visto como agente21 de letramento.

As concepções de letramento que se almejam atualmente


buscam a utilização de práticas pedagógicas em que o edu-
cando aprenda a aprender e se torne apto a enfrentar e deci-
dir diante de cada nova situação que surja, refletindo sobre
os processos ocorridos, trabalhando coletivamente e de for-
ma crítica, enfim, sendo ator e autor no processo educativo.

De acordo com os PCN da Língua Portuguesa do Ensino


Fundamental (1997, p. 36), “não se formam bons leitores
oferecendo materiais de leitura empobrecidos, justamente
no momento em que as crianças são iniciadas no mundo
da escrita [...]” Entende-se aqui a leitura vista como expe-
riência, a possibilidade própria que cada uma das pessoas
tem de dotar de sentido e de significado textos, escritos,
desenhos, comportamentos, expressões, peças de teatro
e filmes, obras de diferentes artes etc. Isso significa di-
zer que não se leem apenas os textos linguísticos, ou seja,
aqueles que se ocupam da palavra escrita.
21
Aquele que opera, o negociador (Dicionário on-line de Português).

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A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letramento 131

O mesmo documento explica que os conteúdos de Língua


Portuguesa no Ensino Fundamental devem ser seleciona-
dos em função do desenvolvimento das habilidades e or-
ganizados em torno de dois eixos básicos: o uso da língua
oral e escrita e a análise e reflexão sobre a língua, confor-
me quadro a seguir:

Língua oral Língua escrita


usos e formas usos e formas
Análise e reflexão sobre a língua
Fonte: Parâmetros Curriculares Nacionais, 1997, p. 35.

Os PCN ainda chamam a atenção para o fato de que a maio-


ria dos guias curriculares em vigor já não organiza os con-
teúdos de Língua Portuguesa em alfabetização, ortografia,
pontuação, leitura em voz alta, interpretação de texto, re-
dação e gramática.

Esses conteúdos também são propostos neste do-


cumento, mas estão organizados em função do eixo
USO E REFLEXÃO E USO. Aparecem, portanto, como
‘Prática de leitura’, ‘Prática de produção de texto’
e ‘Análise e reflexão sobre a língua’. (BRASIL, PCN,
1997, p. 35)

Dessa forma, o documento indica uma concepção de ensi-


no da língua em que as “situações didáticas são organiza-
das em função da análise que se faz dos produtos obtidos
nesse processo e do próprio processo”. (Ibid, p. 35) Adverte
ainda que, apesar de apresentadas como dois sub-blocos,
é necessário que se compreenda que leitura e escrita são
práticas complementares, intensamente relacionadas, que
se modificam mutuamente no processo de letramento — a
escrita transforma a fala (a constituição da “fala letrada”)

..........................................................................................................
132 Alfabetização e letramento

e a fala influencia a escrita (o aparecimento de “traços da


oralidade” nos textos escritos).

São práticas que permitem ao aluno construir seu


conhecimento sobre os diferentes gêneros, sobre os
procedimentos mais adequados para lê-los e escre-
vê-los e sobre as circunstâncias de uso da escrita.
(Ibid, p. 35)

A escola deve, assim, ser um ambiente rico em recursos, no


qual os aprendizes tenham acesso às tecnologias existentes,
interajam com os recursos e com os processos educativos,
desenvolvam sua capacidade intelectual, respeitando suas
características e “tempos” individuais. A seguir, apresenta-
-se qual deverá ser o papel do professor nesse contexto, no
que diz respeito ao aprendizado da leitura e da escrita.

Para o aprendizado da leitura: dispor de uma boa bi-


blioteca na escola; organizar momentos de leitura livre
em que o professor também leia; possibilitar aos alu-
nos a escolha de suas leituras; trabalhar com a diver-
sidade de textos e de combinações entre eles, quando
houver oportunidade de sugerir títulos para serem ad-
quiridos pelos alunos; construir na escola uma política
de formação de leitores na qual todos possam contri-
buir com sugestões; trabalhar com a diversidade de ob-
jetivos e modalidades que caracterizam a leitura, ou
seja, os diferentes “para quê” — resolver um problema
prático, informar-se, divertir-se, estudar, escrever ou
revisar o próprio texto — e com as diferentes formas
de leitura em função de diferentes objetivos e gêneros:
ler buscando as informações relevantes, ou o significa-
do implícito nas entrelinhas, ou dados para a solução
de um problema. (BRASIL, PCN, 1997)

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A formação do leitor/autor crítico na perspectiva do letramento 133

Para o aprendizado da escrita: oferecer textos escritos


impressos de boa qualidade; solicitar aos alunos que
produzam textos muito antes de saberem grafá-los;
propor situações de produção de textos, em pequenos
grupos; conversar com os alunos; ensinar os alunos a
lidar tanto com a escrita da linguagem (os aspectos no-
tacionais relacionados ao sistema alfabético e às restri-
ções ortográficas), como com a linguagem escrita (os
aspectos discursivos relacionados à linguagem que se
usa para escrever). (BRASIL, PCN, 1997)

Considerados tais exemplos, podemos observar que, ao


contemplar questões concernentes a processos de letra-
mento na vertente dos anos iniciais do Ensino Fundamen-
tal, o ensino da aquisição da leitura e a da escrita deve es-
tar a serviço da formação de sujeitos críticos e pensantes,
capazes de se expressar e de compreender as diferentes
formas de leitura e compreensão do mundo. Percebe-se
que ler e escrever ultrapassam a condição de apenas saber
as tecnologias da escrita.

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134 Alfabetização e letramento

OS MULTILETRAMENTOS NA ESCOLA

A sociedade sofreu e sofre constantes mudanças nas áre-


as das ciências e da tecnologia. Somos constantemente ad-
moestados por inúmeros e diferenciados conhecimentos,
frutos de uma sociedade informatizada, que nos obriga a
adquirir novos comportamentos fundamentados nos va-
lores de uma contínua e acelerada revolução tecnológica.
Este quadro gera modificações nos modos como o homem
aprende a produzir e a compreender os conhecimentos,
em prol das diferentes formas de linguagens no seu coti-
diano, em que a comunicação não se restringe mais a tex-
tos escritos. São usadas, atualmente, inúmeras linguagens,
como: verbais, fotos, música, imagens, desenhos e demais
recursos gráficos. Portanto, não podemos creditar apenas
à linguagem verbal o sentido das formas de expressão e de
comunicação.

Dessa forma,

o conceito de multiletramentos aponta para dois


tipos específicos e importantes de multiplicidade
presentes em nossas sociedades, principalmente as
urbanas, na contemporaneidade: a multiplicidade
cultural das populações e a multiplicidade semió-
tica de constituições dos textos por meio dos quais
ela se informa e se comunica. (ROJO, 2012, p. 13)

Para Rojo (2012), na perspectiva dos multiletramentos, a


leitura envolve diferentes modalidades de linguagem, além
da escrita, como imagens, que podem se apresentar na

.........................................................................................................
Os multiletramentos na escola 135

forma estática ou em movimento, a fala e a música. Para


a autora, como seres culturais, sofremos modificações da
cultura em que estamos inseridos. As mudanças sociais e
tecnológicas atuais ampliam e diversificam não só a manei-
ra de disponibilizar e compartilhar informações e conhe-
cimentos, mas também de lê-los e produzi-los. Podemos
destacar, como exemplo, as mensagens de WhatsApp.

Observa-se que o desenho e a forma de linguagem carac-


terísticos dessa ferramenta ultrapassam a produção pura-
mente escrita e inserem desenhos na mensagem, bem como
abrem possibilidades de diferentes interpretações, as quais
serão devidamente apreendidas e editadas segundo o con-
texto cultural-relacional dos sujeitos da comunicação.

Como consequência e já de pronto, no aprendizado da


leitura e da escrita as práticas de letramento fundamen-
tadas no uso da tecnologia da escrita, a partir do surgi-
mento das tecnologias, ampliam suas possibilidades na
produção, compreensão e transformação no conhecimento
processado. Como resultado, o aluno torna-se um produ-

..........................................................................................................
136 Alfabetização e letramento

tor e consumidor de bens culturais, já que nas práticas de


letramento toda e qualquer atividade é fundamentada no
reconhecimento do aluno como sujeito ativo.

A construção diária de nossa própria narrativa pessoal


como seres humanos é, em grande parte, determinada pe-
los textos que produzimos e a que estamos expostos. Dessa
forma, cada vez mais evidencia-se a necessidade de novas
possibilidades de diferentes formas de comunicação, em
que os multiletramentos se desenvolvem a partir de instru-
mentos teóricos e práticos para demonstrarem que, a partir
de textos (re)produzidos em diversas maneiras, criamos re-
presentações que refletem, constroem e/ou desafiam nos-
sas formas de comunicação nas relações sociais.

Os conhecimentos sobre multiletramentos tornam-se in-


dispensáveis nas práticas da sala de aula, em que já não
se pode mais desconsiderar as novas tecnologias e, con-
sequentemente, as novas formas de comunicação. Ao
ampliar a concepção do processo de leitura e escrita, en-
tende-se melhor os seus impactos sociais: as mudanças
e transformações decorrentes das novas tecnologias, os
usos da escrita, formas de leitura de mundo e seus refle-
xos no indivíduo.

A comunicação midiática — uma constante no dia a dia


dos alunos — precisa ser trabalhada também na escola, de
forma a desenvolver nos alunos competências necessárias
às suas utilizações, para que ele possa dialogar, processar,
reter ou descartar informações, transformando-as em co-
nhecimentos pertinentes; a escola deve proporcionar pro-
duções e leituras múltiplas relacionadas com o mundo em
que vivemos.

.........................................................................................................
Os multiletramentos na escola 137

Ao discutirmos alfabetização e letramento, presenciamos


uma realidade social marcada pelo acelerado desenvol-
vimento tecnológico que faz com que novas formas de
aprendizagem sejam implantadas e implementadas, em
um permanente processo de construção que exige do ho-
mem um comportamento crítico diante da apreensão, pro-
dução e transformação do conhecimento.

Assim, as práticas de alfabetização não podem estar cen-


tradas no trabalho normativo da língua portuguesa, em téc-
nicas e regras gramaticais e/ou em itens lexicais, sem con-
siderar as diferentes formas de leituras de mundo, cujas
possibilidades se fundamentam na capacidade de agir,
construir e interpretar dos sujeitos sociais — o letramento.

Torna-se basilar e urgente a compreensão de que os pro-


cessos de alfabetização e letramento, que são interdepen-
dentes, exigem, principalmente, mudança na forma de
perceber e compreender uma sociedade marcada pelos
multiletramentos (diferentes formas de produção e leitura
de mundo por conta dos avanços tecnológicos), que exige
de seus indivíduos uma atitude ativa e criativa nas suas
diferentes formas de comunicação.

..........................................................................................................
138 Alfabetização e letramento

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..........................................................................................................
140

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste livro, elucidamos questões histórico-metodológicas


que levam às reflexões sobre causas e consequências, bem
como alguns caminhos para a amenização dos desafios
que se colocam ao processo de alfabetização e letramento
há longa data. Aqui, enfatizamos a perspectiva de se tentar
superar concepções tradicionais de educação, entendendo
que, hoje, as metodologias de alfabetização e letramento
devem ser calcadas permanentemente na interação do pro-
cesso da aprendizagem.

Inicialmente, fizemos uma retrospectiva histórica sobre o


surgimento da escrita, com o objetivo de ressaltar a ne-
cessidade que os homens tiveram de registrar suas infor-
mações, conhecimentos e pensamentos. Para isso, criaram
a primeira forma de representação escrita, a pictográfica
(figuras), passando pela fase pictórica, representando uma
escrita bem simplificada dos objetos da realidade, até che-
gar à ideográfica e alfabética.

Ainda no primeiro capítulo, salientamos a necessidade de


o homem viver em grupo, em sociedade; como tal, ler e
escrever tornou-se uma ferramenta essencial na comuni-
cação e interação entre os membros sociais. Para analisar
tais perspectivas, elencamos os fundamentos da educa-
ção nas visões filosófica, psicológica, linguística e socio-
linguística a partir da compreensão do papel social da
leitura e da escrita.
141

Enveredando por esse caminho, no capítulo posterior, en-


fatizamos os métodos de alfabetização: sintético (parte
de elementos mais simples — letras, fonemas ou sílabas,
que são combinadas, formando palavras e frases; pode ser:
alfabético, fônico, silábico); analítico (tem como ponto de
partida elementos significativos — palavras, frases, peque-
nos textos; pode ser: palavração, sentenciação ou global);
misto ou eclético (é a mistura dos dois métodos — sintéti-
co e analítico). Discutimos historicamente desafios a serem
superados na utilização desses métodos, bem como des-
taca a concepção construtivista do processo de aprendi-
zagem, utilizada por Emília Ferreiro, baseada na teoria de
Piaget, que afirma que a construção do conhecimento, em
qualquer nível, é gerada por meio da interação do sujeito
com seu meio, a partir de estruturas previamente existen-
tes no sujeito.

Para ampliar as reflexões sobre a necessidade de se conhe-


cer o sujeito que apreende e as novas concepções educa-
cionais atuais, no terceiro capítulo, falamos sobre os pres-
supostos teórico-metodológicos da alfabetização. Desse
modo, enfatizamos ações básicas ao processo de cons-
trução da escrita e domínios dos códigos (oral e escrito)
e a consciência fonológica, evidenciando tais pressupostos
como relevantes ao processo de alfabetização e letramento.
Nessa concepção, o educador deve proporcionar um ensino
contextualizado e significativo, fundamentado nas dimen-
sões sociais e linguísticas do processo de aprendizagem.

O último capítulo, intitulado Alfabetização e Letramento,


tornou-se um espaço de discussões sobre a transitoriedade
histórica dos conceitos de alfabetização e letramento e so-
142

bre o papel da escola nas novas demandas da sociedade in-


formatizada. Na perspectiva do desenvolvimento histórico,
preocupamo-nos em distinguir ambos os conceitos, para
legitimar uma noção de alfabetização e letramento como
concepções consideradas distintas e complementares, já
que alfabetizar significa aquisição de códigos linguísticos,
e letramento indica o desenvolvimento de desempenhos
que envolvem práticas sociais de leitura e escrita.

Quanto ao papel da escola, destacamos que a aprendi-


zagem deve ser dinâmica nas relações sociais, afetivas e
cognitivas, possibilitando ao aluno aprender diferentes
formas de estar e ver o mundo — um mundo que sofre
constantes mudanças nas áreas das ciências e tecnologia,
exigindo cada vez mais inúmeros e diferenciados conheci-
mentos e novos comportamentos fundamentados nos va-
lores de uma contínua e acelerada revolução tecnológica.

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