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PRÁTICA DE ENSINO E

ESTÁGIO SUPERVISIONADO
EM EDUCAÇÃO INFANTIL
PRÁTICA DE ENSINO E
ESTÁGIO SUPERVISIONADO
EM EDUCAÇÃO INFANTIL
Copyright © UVA 2019
Nenhuma parte desta publicação pode ser reproduzida por qualquer
meio sem a prévia autorização desta instituição.

Texto de acordo com as normas do Novo Acordo Ortográfico


da Língua Portuguesa.

AUTORIA DO CONTEÚDO PROJETO GRÁFICO


Cristiane Bomfim Cruz do Nascimento UVA

REVISÃO DIAGRAMAÇÃO
Janaina Senna UVA
Lydianna Lima

N244

Nascimento, Cristiane Bomfim Cruz do

Prática de ensino e estágio supervisionado : educação infantil [livro


eletrônico] / Cristiane Bomfim Cruz do Nascimento. – Rio de Janeiro:
UVA, 2019.

12 MB.

ISBN 978-85-5459-079-6

1. Prática de ensino. 2. Professores - Formação. 3. Programas de
estágio. 4. Supervisão escolar. I. Universidade Veiga de Almeida. II.
Título.

CDD – 371.3

Bibliotecária Katia Cavalheiro CRB 7 - 4826.


Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central da UVA.
SUMÁRIO

Apresentação 6
Autor 8

UNIDADE 1

A práxis pedagógica na Educação Infantil 9


• Práxis Pedagógica: atuação docente

• Proposta pedagógica da Educação Infantil a partir do eixo cuidar/


educar/brincar

• O professor pesquisador e a estética pedagógica

UNIDADE 2

Aspectos fundantes da educação infantil e a linguagem 37


da infância
• Aspectos fundantes da Educação Infantil: identidade, linguagem e
sexualidade

• O corpo e o movimento infantil na relação com as artes

• A ludicidade como eixo central da ação com a criança de 0 a 5 anos


SUMÁRIO

UNIDADE 3

Cotidiano da educação infantil 61


• Currículo, planejamento e projeto político-pedagógico – PPP

• Organizando o espaço, o tempo e a aprendizagem na Educação Infantil

• Alternativas pedagógicas e avaliação (portfólio) — o trabalho com


projetos e as múltiplas linguagens

UNIDADE 4

Reconstrução da Prática 83
• Modelos pedagógicos como amarras ou como possibilidades de
reflexão

• Família e escola: uma relação de cumplicidade

• Construção de projeto e planejamento de aula


APRESENTAÇÃO

Olá, estudante!

A partir deste momento estaremos conectados neste ambiente de aula da disciplina


Prática de Ensino e Estágio Supervisionado em Educação Infantil.

Esta disciplina foi organizada de forma a possibilitar que você reflita sobre a relação
teórico-prática essencial para a atuação do professor em sala de aula. Dessa forma, os
objetivos instrucionais estão voltados para a construção de competências e habilidades
que levem a uma formação crítica da prática pedagógica com a primeira infância.

Na Unidade 1 será abordada a práxis pedagógica, ou seja, a ação pedagógica do professor


que ocorre em uma relação intrínseca entre a teoria e a prática. Será analisado o eixo
educar-cuidar-brincar que conduz a proposta pedagógica para a Educação Infantil e a
estética pedagógica que possibilita a construção do professor investigador.

A Unidade 2 apresentará as características da primeira infância e seus aspectos


fundantes: identidade, linguagem e sexualidade, além das possibilidades de expressão
dessa criança por intermédio do corpo, da arte e da ludicidade.

A seguir, na Unidade 3, o cotidiano da Educação Infantil será tratado a partir de uma


reflexão a respeito do currículo, do planejamento, do PPP e da avaliação, assim como das
relações entre o espaço, o tempo e a aprendizagem.

A Unidade 4 trará uma proposta de reconstrução da prática, identificando as possibilidades


de atuação a partir dos modelos pedagógicos, na relação família e escola e na orientação
para a construção de projetos e planejamentos de aula.

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A relevância desta disciplina está na reflexão crítica sobre o cotidiano da Educação
Infantil, a partir do fato de que esta é considerada a primeira etapa da educação básica e
possibilita a construção de conhecimentos específicos próprios da primeira infância, que
serão fundamentais na constituição dos alunos, tendo em vista que repensar a atuação
dos educadores na Educação Infantil à luz das teorias e das construções políticas da
área é comprometer-se com uma educação de qualidade.

Será muito bom caminhar com você na construção desses conhecimentos e, desde já,
você está convidado para investigar, em quatro unidades de estudo, as possibilidades de
integração teórico-prática no universo da Educação Infantil.

Aproveite para interagir com sua turma e tutor.

Bons estudos!

7
AUTOR

CRISTIANE BOMFIM CRUZ DO NASCIMENTO

Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade pela Universidade Veiga de Almeida – UVA-


-RJ. Especialista em Educação Infantil pela Pontifícia Universidade Católica – PUC-Rio.
Graduada em Pedagogia pela UVA e em Psicomotricidade pelo Centro Universitário IBMR
(RJ). Professora no curso de Pedagogia da Faculdade São Judas Tadeu – FSJT-RJ. Pro-
fessora-tutora do curso de Pedagogia EAD da UVA. Professora-autora das disciplinas Es-
tágio Supervisionado e Prática de Ensino em Educação Infantil/Metodologias de Ensino da
Educação Infantil, da graduação EAD em Pedagogia da UVA-RJ. Sua experiência também
abrange regência em turmas da Educação Infantil ao 5º ano do Ensino Fundamental. Áreas
de atuação: Educação, Educação Infantil, Corpo e Movimento, Arte e Educação.

C. Lattes

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UNIDADE 1

A práxis pedagógica
na Educação Infantil
INTRODUÇÃO

Esta primeira unidade foi organizada de forma a possibilitar que você reflita sobre a relação
teórico-prática fundamental para a atuação do professor em sala de aula. Dessa forma, os
objetivos instrucionais estão voltados para a construção de competências e habilidades
que levem a uma formação crítica da prática pedagógica com a primeira infância.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Analisar a práxis pedagógica específica da Educação Infantil no contexto atual brasileiro.

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Práxis Pedagógica: atuação docente

Neste tópico, começaremos a nossa trajetória pela disciplina refletindo sobre a relação
teoria/prática. A atuação do professor na Educação Infantil foi, durante muito tempo, con-
fundida com as funções maternas, tanto pelos pais quanto pelos próprios educadores,
principalmente na creche (0 a 3 anos). Formar esses profissionais ainda é um desafio,
principalmente no que tange a definir as competências e habilidades necessárias para
essa atuação.

Para refletir

Seria suficiente gostar de trabalhar com crianças e saber trocar bem uma
fralda? Propor brincadeiras para distração e pronto, assim o tempo passaria?

Se essas são as funções do educador na Educação


Infantil, realmente a formação acadêmica é
desnecessária, basta contratar uma babá com habilidade
para lidar com grupo ou uma recreadora.

Com a democratização do ensino, aumentou o número de fracassos escolares, um


número cada vez maior de alunos frequentava a escola, mas não aprendia a ler e a
escrever. Como solução para o problema, um grupo de educadores começou a considerar
a Educação Infantil como o espaço adequado para preparar as crianças para as séries
iniciais, valorizando técnicas de treinamento de aprendizagem voltadas para o alcance
da prontidão para a alfabetização. A esse fenômeno chamamos de escolarização da
infância, é a entrada das crianças em uma escolarização precoce, dentro dos moldes da
escola moderna.

11
Para quem trabalha em escola, uma das frases mais comuns é:

A teoria é muito bonita, mas na prática a realidade é bem diferente.

Para verdadeiramente compreendermos a função do estágio, precisamos desmistificar


essa questão. Todo professor, ao atuar em sala de aula, escolhe uma forma de lidar
com as crianças, com o conhecimento, com o processo de ensino/aprendizagem, seja
por imitação de outros professores ou por embasar-se teoricamente e, conscientemente,
escolher uma atuação que contenha a contribuição de seus estudos.

Fonte: kdobolodecarne.blogspot.com.br

A charge de Tonnucci exemplifica bem a questão. A professora estudou a teoria piagetiana


e procura aplicá-la com o seu aluno.

Será que a partir da atuação dessa professora podemos concluir que


é impossível aplicar a teoria na prática? A professora verdadeiramente
compreendeu a proposta que deveria fazer e a ideia de trabalhar com a
construção de hipóteses?

Ao assistirmos a cenas como essa no cotidiano escolar, nem sempre paramos para
refletir. Criticamos apenas de forma negativa a atuação da professora, sem contribuir
com o seu crescimento ou, simplesmente, concluímos que é impossível usar as teorias
que aprendemos na prática.

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Atitude investigativa

Ir para o estágio é estar preparado para descobrir algo novo a cada dia. Cada situação
que acontece, desde um pequeno diálogo entre as crianças ou uma situação clássica da
rotina escolar, todas são dignas de serem analisadas e repensadas a partir das teorias
sobre a área educacional. Vejamos um exemplo:

Exemplo

Márcio, um ano, está brincando na brinquedoteca.

Lucas, também um ano, chega e quer pegar o chocalho de Márcio.

Márcio reage imediatamente com uma mordida na mão do coleguinha, que


começa a chorar.

A professora da turma, rapidamente, pega Lucas no colo para acalmá-lo,


enquanto repreende duramente Márcio pela atitude.

13
Essa é uma situação clássica de mordida na creche; tanto pais quanto professores e
funcionários da escola estão mais do que acostumados com esse tipo de acontecimento.
Entretanto, a atitude de Márcio pode ser vista sob várias concepções teóricas, como
agressividade ou como expressão infantil. Assim como a atitude da professora:
repreender ou não? Pegar no colo, deixar chorar ou abaixar para falar com a criança?
Toda atitude vai depender de como a professora encara teoricamente essa situação ou
de suas experiências ao observar outros professores em situação parecida.

Importante

Práxis pedagógica

“[...] a práxis é, na verdade, atividade teórico-prática; ou seja, tem um lado ideal,


teórico, e um lado material, propriamente prático, com a particularidade de que
só parcialmente, por um processo de abstração, podemos separar, isolar um do
outro.” (SÁNCHEZ VÁZQUEZ, 1977, p. 241 apud CALDEIRA; ZAIDAN, 2013, p. 20)

O que é práxis afinal?

A práxis é a dimensão criativa da atuação docente. A consciência dessa práxis é construída na


singularidade da atuação de cada docente, a partir das reações que ele tem a cada situação e
da tomada de decisão para resolvê-las. Essa tomada de decisão é que será permeada pelos
saberes construídos pelo professor, em suas experiências teóricas e práticas.

Para Caldeira e Zaidan (2013), dentro da perspectiva histórico-crítica, as ações práticas


mecânicas e repetitivas são tão importantes quanto as ações criativas, que surgem a
partir da problematização das situações cotidianas.

Essa atuação reflexiva-crítica que está para além da instrumentalização técnica é refletida
na capacidade de investigar a própria ação pedagógica, ou seja, tornar-se um professor
pesquisador.

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Para refletir

Maitê, um ano e seis meses, continua, após dois meses de adaptação, tendo
a necessidade de ficar no colo da educadora, encostando o rosto no lençol de
casal de sua mãe, que fica dobrado no ombro dela, para se acalmar, toda vez
que sente saudade da mãe.

Como tirar esse objeto que não pertence ao ambiente escolar e acaba por
manter o apego exagerado da criança com a mãe, respeitando o tempo de
adaptação da criança ao novo trazido pela escola?

A relação teoria/prática na Educação Infantil implica uma especificidade que fica no


limite do intuitivo, do senso comum. De acordo com Ausubel, precisamos de conceitos
“subsunçores” para dar suporte aos novos conhecimentos. Com relação à educação da
infância são oferecidos poucos ou nenhum conceito dessa natureza na formação dos
educadores. A imitação de outros educadores acaba sendo a base da formação prática
dos professores da Educação Infantil, sem ser permeada por reflexão. Apesar de exigida,
a criatividade dos professores fica restrita a um cotidiano ritualizado e cheio de crenças
rotineiras, incapaz de qualquer flexibilidade.

Importante

Subsunçor => Conceito relevante preexistente na estrutura cognitiva do sujeito,


que funciona como âncora permitindo a assimilação de novas informações
ao cérebro. Conceito trabalhado por Ausubel em sua teoria para explicar a
Aprendizagem Significativa.

O trabalho com os pequenos exige uma série de cuidados com aspectos que passam
despercebidos em outros níveis de ensino. Para que a aprendizagem significativa
realmente ocorra na Educação Infantil, é importante que o professor se questione a todo
momento, em cada ação, por menor que possa parecer. Porque toda e qualquer relação
com a criança é importante para o desenvolvimento integral dela.

15
Vamos ver nas próximas aulas alguns dos pontos teóricos que não podem ser deixados
de lado na atuação no campo de estágio.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre as diferentes concepções para estágio e docência.

16
Proposta pedagógica da Educação Infantil
a partir do eixo cuidar/educar/brincar

Neste tópico, vamos identificar o eixo que percorre a proposta da Educação Infantil como
um nível de ensino específico, que possui características próprias que o diferem dos
outros níveis de ensino. Fato que não o desqualifica, ao contrário, deixa a tarefa de educar
ainda mais complexa. É comum considerarem o professor da Educação Infantil menos
importante dentre os professores de conteúdos específicos, fato que ainda se reflete na
diferença entre os salários.

Pensar a educação de crianças pequenas implica exercer algumas funções muito próximas
da função materna, porque elas exigem, muitas vezes, cuidado físico. A cena descrita
abaixo é do filme Um tira no jardim de infância, com o ator Arnold Schwarzenegger, e
exemplifica bem essa questão:

O detetive John Kimble se infiltra numa escola de Jardim de Infância


para capturar um traficante pai de um dos alunos. Numa primeira investi-
da, resolve questionar as crianças sobre quem nasceu na cidade e quem
vem de fora. Obviamente as crianças não entendem a pergunta e não
conseguem responder satisfatoriamente. O detetive começa a ficar irri-
tado quando, de repente, uma das alunas levanta e o chama sinalizando
que quer fazer xixi. Kimble fica desconcertado e corre para pedir ajuda de
outra professora, pois sente-se incapaz de resolver a questão.

Para refletir

“Nossa história nos mostra que existe uma dupla imagem do adulto que lida com
crianças na instituição. A primeira imagem é a do ‘adulto maternal’, aquele que apenas
‘cuida’ de crianças de 0 a 3 anos, do qual não se exigiu, por muito tempo, formação
adequada. A outra imagem é a da profissional ‘professora’, formada para ‘ensinar’
as crianças de 4 a 6 anos. Podemos dizer também que as concepções de criança
e de Educação Infantil são as grandes estruturadoras da ação dos profissionais
da Educação Infantil, pois de acordo com a maneira como concebem a criança
é que eles planejam e desenvolvem o trabalho com ela.” (AZEVEDO, 2007, p. 174)

17
MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre cuidar, educar e brincar.

A discussão sobre a atuação na Educação Infantil e sobre as diferentes funções exerci-


das, assim como suas responsabilidades, não começou agora. É um embate de mais de
cem anos, no qual caminhamos de uma visão assistencialista, focada no cuidado, para
uma visão de desenvolvimento integral do sujeito. Será somente na década de 1990 que a
articulação entre o cuidar e o educar nas práticas educativas com as crianças pequenas
irá se concretizar na Política Nacional de Educação Infantil (2006), que enfatiza que “a edu-
cação infantil deve pautar-se pela indissociabilidade entre o cuidado e a educação” (p. 17).

LINHA DO TEMPO

“Educar e cuidar, duas ações separadas na origem dos serviços de atenção à


criança pequena, tornam-se, aos poucos, duas faces de um ato único de zelo
pelo desenvolvimento integral da criança. Cuidar e educar se realizam num
gesto indissociável de atenção integral. Cuidando, se educa. Educando, se
cuida. Impossível um sem o outro.” (DIDONET, 2011, p. 13)

1875
Criação de Creches e Jardins de Infância
Creches (caráter assistencial) = filhos das mulheres trabalhadoras,
crianças desamparadas, órfãs ou abandonadas.
Jardins de Infância (caráter educacional) = crianças das classes abastadas, classe média e
alta.

1879
Reforma Leôncio de Carvalho
Determinou que todos os distritos tivessem um Jardim de Infância, porém não foi colocado
em prática, ficou como letra morta.

18
1880
Criação do Instituto de Proteção e Assistência à Infância do Brasil
Iniciativa privada do médico pediatra e higienista Arthur Moncorvo Filho.
Instituto com a concepção médico-social e higienista, voltado para as crianças da classe
pobre com a intenção de engajar as classes média e alta.

1919
Fundação do Departamento da Criança no Brasil
Também criado pelo Dr. Arthur Moncorvo Filho, para realizar e divulgar estudos sobre a
situação da criança, realizar congressos, velar pela aplicação das leis de amparo à criança e
fomentar iniciativas que levassem ao desenvolvimento infantil.

1922
I Congresso de Proteção à Infância
Dentre suas recomendações estava a abolição da “roda dos expostos”.

1933
Congresso Nacional de Proteção à Infância
Sinalização de Anísio Teixeira para a premissa de ultrapassar a visão da criança pré-
escolar somente sob seu aspecto físico e de saúde, considerando fundamental focar o viés
educacional, que implica uma concepção de desenvolvimento englobando a formação de
habilidades mentais e de socialização.

1940
Criação do Departamento Nacional da Criança (DNCr)
Responsabilidade do governo federal, no âmbito do Ministério da Educação e da Saúde
Pública (Mesp).
Função coincidente com a do Departamento da Criança, de Moncorvo Filho, que funcionou
até 1938.

1946
Objetivo da Legião Brasileira de Assistência (LBA)
Volta-se para a maternidade e para a infância.

1952
Publicação pelo DNCr
Ainda sob o Mesp, o órgão publicou livreto orientando o uso de materiais apropriados para a
educação de crianças pequenas em creches, muito semelhantes aos de hoje.

19
1953
Departamento Nacional da Criança (DNCr)
Passa para o âmbito do Ministério da Educação e da Cultura (MEC), e é criado o Comitê
Nacional Brasileiro da Organização Mundial para a Educação Pré-Escolar (Omep), instituição
pioneira na difusão da necessidade e da importância da educação pré-escolar no país e da
urgência na tomada de decisão política pela criança.

1967
DNCr lança o plano de assistência ao pré-escolar para crianças até dois anos
Criação de escolas maternais e jardins de infância como instituições auxiliares da família na
educação de seus filhos pequenos.
Foco no Desenvolvimento Integral.

1968
I Encontro Interamericano de Proteção ao Pré-Escolar
Realizado no Rio de Janeiro, envolveu o DNCr, a Omep, a LBA, a Funabem, a Secretaria de
Educação do então estado da Guanabara e o UNICEF.

1969
Departamento de Segurança e Higiene do Trabalho
Passou a ser o órgão responsável pelas normas de instalação de creches em locais de
trabalho ou criadas por meio de convênios, e também responsável pela fiscalização desses
estabelecimentos. Portanto, viu-se mais um Ministério — o do Trabalho — a exercer um papel
na atenção integral à criança.

1977
Projeto Casulo
LBA começa a incluir a educação em seu aspecto assistencial de atendimento à infância.

1979
Aprovado o novo Código de Menores (Lei nº 6.697/1979)
Em substituição ao de 1924, que havia consolidado todas as leis existentes a respeito da
assistência e da proteção à infância.
Manteve a perspectiva que reconhece não a criança-pessoa, mas o menor pobre,
marginalizado, delinquente, infrator — portanto, assunto da segurança pública —, ou o menor
abandonado, fragilizado pelo descaso, pela desnutrição, pela precária atenção familiar, logo
objeto de assistência e caridade.

20
1980
Omep realizou um congresso em Brasília com o tema “A Criança Precisa de
Atenção”
Foco foi o atendimento integral e integrado do nascimento aos seis anos.
Marco na tomada de decisão política no país em relação à educação pré-escolar.

1981
O Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS)
Ao qual a LBA estava vinculada, editou um pequeno livro de orientação prática, o Vamos fazer
uma creche, no qual explicitava as ações educacionais a serem desenvolvidas. As creches
da assistência social passaram a ter, se não na prática efetiva, pelo menos na concepção e
na orientação metodológica, a função “guardiã” e a função “pedagógica”.

1988
Promulgação da nova Constituição federal

1990
Aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA)
Faz uma revolução conceitual e cria os mecanismos operacionais para a implementação
dos direitos da criança no Brasil (substitui o Código de Menores, Lei nº 6.697/1979).

1993
Lei Orgânica da Assistência Social (Loas)
Estabelece um conjunto de mudanças na política de assistência social, em coerência com o
princípio constitucional de que a assistência é um direito do cidadão e um dever do Estado e
se destina a quem dela necessitar. Ela preconiza o atendimento na perspectiva da proteção
integral (oposta ao assistencialismo).

1996
Nova LDB (Lei nº 9.394/1996)
Representa um marco nessa discussão: confirma o que foi anunciado na Constituição de
1988, a Educação Infantil como direito da criança, dever do Estado e como parte integrante
do sistema educacional, ampliando o conceito de Educação Básica e trazendo outras
implicações para o trabalho pedagógico com as crianças pequenas.

1998
Aprovação dos RCNEI (Referenciais Curriculares para a Educação Infantil)
Educação Infantil com objetivos educacionais explícitos, com propostas pedagógicas, a
partir das quais começaram a seguir parâmetros e normas, trabalhando em prol da educação
e do processo ensino-aprendizagem, possibilitando aos alunos o acesso ao conhecimento e
ao pleno desenvolvimento, deixando, assim, de ter um cunho apenas assistencialista.

21
Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil e as Diretrizes Operacionais
para a Educação Infantil
As Diretrizes Operacionais tratam, especificamente, da transição e da integração das creches
à educação. Fixam normas relativas à vinculação das instituições de educação infantil aos
respectivos sistemas de ensino, às propostas pedagógicas, à formação dos professores
para essas instituições e a espaços e materiais pedagógicos, considerando sempre a
globalidade do educar e cuidar.

2001
PNE (Plano Nacional de Educação)

2005
PNEI, Política Nacional de Educação Infantil
Pelo direito das crianças de zero a seis anos à educação.
Programa de Formação Inicial para Professores em Exercício na Educação Infantil
(Proinfantil).

2006
Parâmetros nacionais de qualidade para a Educação Infantil e parâmetros
básicos de infraestrutura para instituições de Educação Infantil

2010
DCNEI – Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Infantil (DCNEI)

Entretanto, o que significa essa indissociabilidade?

Esse é o ponto que tem gerado muitas discussões na área, algo que parece muito simples
e lógico, mas que na prática ainda gera muitos questionamentos.

Quando começamos a trabalhar com bebês, já acreditávamos que tudo


o que fazíamos com eles era importante; o cuidar e o educar estavam
unidos pelas ações das crianças e dos educadores. Quando trocavam
as fraldas, tocavam-se, choravam, brincavam com os pés. Quando se ali-
mentavam, tocavam nos alimentos, juntavam pequenos grãos de arroz
com os dedinhos em forma de pinça e observavam o movimento dos
líquidos na mamadeira. Ao dormir, emitiam sons ou se aninhavam nos
seus “cheirinhos”.

Saber que essas ações contêm em si mesmas aspectos do cuidado e


da educação é tarefa fundamental dos formadores em educação, dos

22
coordenadores pedagógicos, dos diretores. As escolas de formação de
educadores infantis precisam começar a trabalhar com as questões
pontuais dessa ideia: o cuidar e o educar são elementos de uma mesma
vertente — com a qual compactuamos — de que o trabalho com bebês
precisa ser encarado como ação efetiva de intervenção pedagógica im-
pregnada de conhecimentos básicos que permitam ao educador estabe-
lecer junto às crianças práticas educativas que colaborem com seu ple-
no desenvolvimento. (RAMOS; PORTO ALEGRE, 2003, p. 29 apud NONO,
2010, p. 133)

Vejam que o embate cuidar/educar constitui o caráter pedagógico da Educação Infantil,


dessa forma, não cabe a preocupação em diferenciar o cuidado, como função principal
da creche e da pré-escola, da educação formal, como função do Ensino Fundamental.
Com as crianças de zero a cinco anos, o educador precisa estar ciente de que ao cuidar
está educando.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998, p. 24) deixa
claro que “[...] cuidar de uma criança em um contexto educativo demanda a integração de
vários campos de conhecimentos e a cooperação de profissionais de diferentes áreas”.
Assim, a simples ação de cuidar, associada ao cuidado materno, que, por muito tempo, foi
considerado algo intuitivo de toda mulher, mostra-se como uma função extremamente
complexa e que por isso exige uma formação muito mais apurada.

Saiba mais

O Referencial Curricular Nacional para a Educação infantil (RCNEI) compõe a


série de documentos dos Parâmetros Curriculares Nacionais elaborados pelo
Ministério da Educação e do Desporto. Sua proposta apresenta uma reflexão
sobre a atuação nesse nível de ensino de forma a abranger os objetivos,
conteúdos e orientações didáticas, sem desrespeitar os estilos pedagógicos
e a diversidade cultural brasileira. O RCNEI é composto por três volumes:
introdução; formação pessoal e social; conhecimento de mundo.

23
Criança se nasce, charge de Francesco Tonucci, presente no livro Com os olhos de criança.

Fonte: paraalmdocuidar-educaoinfantil.blogspot.com.br.

Desenvolver o sujeito integralmente implica valorizá-lo e ajudá-lo a desenvolver suas


capacidades cognitivas, afetivas e motoras em uma relação de cuidado, considerada um
ato em relação ao outro e a si mesmo, de forma a reconhecer a criança enquanto sujeito
capaz de aprender. Para tanto, é preciso olhar para sua singularidade, o cuidado precisa
ser dado a cada um, não é apenas o ato de alimentar, mas o que implica socialmente
essa alimentação, fato que não será vivenciado em uma ação que considere a criança
como apenas mais um no grupo, como evidencia a charge de Tonucci acima.

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24
O que é educar, afinal?

Conforme o RCNEI (1998):

Educar significa, portanto, propiciar situações de cuidados, brincadeiras


e aprendizagens orientadas de forma integrada e que possam contribuir
para o desenvolvimento das capacidades infantis de relação interpes-
soal, de ser e estar com os outros em uma atitude básica de aceitação,
respeito e confiança, e o acesso, pelas crianças, aos conhecimentos
mais amplos da realidade social e cultural. Neste processo, a educação
poderá auxiliar o desenvolvimento das capacidades de apropriação e co-
nhecimento das potencialidades corporais, afetivas, emocionais, estéti-
cas e éticas, na perspectiva de contribuir para a formação de crianças
felizes e saudáveis. (BRASIL, 1998, p. 23)

Para refletir

Refletindo a partir de tudo o que foi exposto até o momento, cabe perguntar:
de que forma a brincadeira entra nesse processo? Por que o título desta aula
coloca o brincar como eixo do trabalho pedagógico da Educação Infantil?

De acordo com o RCNEI (1998), a criança tem uma linguagem específica para estabelecer o
vínculo com o mundo real: a brincadeira, que faz uso do simbólico, pois acontece no plano da
imaginação. Isso significa que a criança articula a imaginação e a imitação da realidade de
forma singular, já que depende da apropriação que faz da realidade imediata, ressignificando-a.
A brincadeira, portanto, não reflete a realidade imediata, sendo uma imitação transformada.

25
Ao brincar, a criança coloca em jogo todas as suas experiências, tudo o que viu, ouviu,
sentiu e viveu. Quanto maior for a diversidade de experiências oferecidas à criança, maiores
serão as suas possibilidades de exploração do imaginário. Ela experimentará assim papéis
sociais diversos, reconhecendo modelos de comportamento social e padrões culturais.

Importante

Para brincar é preciso que as crianças tenham certa independência para


escolher seus companheiros e os papéis que irão assumir no interior de um
determinado tema e enredo, cujos desenvolvimentos dependem unicamente
da vontade de quem brinca. Pela oportunidade de vivenciar brincadeiras
imaginativas e criadas por elas mesmas, as crianças podem acionar seus
pensamentos para a resolução de problemas que lhe são importantes e
significativos. Propiciando a brincadeira, portanto, cria-se um espaço no qual
as crianças podem experimentar o mundo e internalizar uma compreensão
particular sobre as pessoas, os sentimentos e os diversos conhecimentos
(BRASIL, 1998, p. 29).

26
Por meio da brincadeira, o professor pode ampliar os conhecimentos da criança,
oferecendo-lhe materiais, espaços e tempo para que possa explorar junto com as outras
crianças o mundo no qual estão inseridos. É também um momento de excelência para
observar o desenvolvimento da criança, tanto individualmente quanto em grupo nas
relações que estabelece com os colegas e com os objetos que utiliza na brincadeira.

Exemplo

Carol, três anos, está brincando no cantinho das bonecas.

Coloca sua boneca preferida na cadeira de alimentação e diz:

— Espere aí, Fernandinha, vou fazer o seu papá.

Vai até o fogãozinho e prepara a comida para a boneca, mexendo nas panelinhas,
volta até a boneca com uma panela e uma colher:

Vamos,
Fernandinha, você
tem que papar tudo
pra ficar forte!

27
A professora da turma entra na brincadeira:

— Nossa, que papá gostoso!

Carol responde:

— É, mas a Fernandinha não quer comer, olha como está fazendo! Virando o
rosto e fechando a boca — e imita o gesto que diz que a boneca está fazendo.

— E agora? Ela vai ficar fraquinha... — diz a professora.

— Pois é — confirma Carol, com cara de desalento.

No exemplo acima, Carol está usando a brincadeira para elaborar suas vivências com
relação à alimentação. As reações que transpõe para a boneca podem ser dela mesma ou
de um amigo. Também é preciso levar em conta que pode ser a expressão do seu desejo.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre a brincadeira na Educação Infantil.

28
O professor pesquisador e a estética
pedagógica

Olhar que constitui o sujeito

Neste tópico, vamos tratar do olhar que nos constitui enquanto sujeitos. Olhar que,
primeiramente, é o materno e que depois vai sendo substituído por outros olhares. Temos
como proposta inquietar você quanto ao seu olhar diante do aluno que é colocado em
suas mãos, seja ele de que idade for.

Rubem Alves (2002, p. 37) é muito claro quanto ao que pensa sobre o olhar do professor:
“Professor: trate de prestar atenção no seu olhar. Ele é mais importante que seus planos
de aula. O olhar tem o poder para despertar e para intimidar a inteligência.” E lembra que
ao aprender a andar a criança não depende de ensinamentos ou modelos da mãe de
como se anda, precisa do olhar dela, olhar que a sustenta, ampara e estimula. O apoio
físico fica restrito ao simples amparo para evitar a queda. O olhar da mãe transparece
seu desejo de ver a criança andar.

29
Espera-se que o educador caminhe junto e estimule o sujeito a descobrir suas
possibilidades. Ação que só se torna possível quando esse educador está sensibilizado
para suas próprias descobertas.

Fonte: verinhaalfabetizacao.blogspot.com.br.

Para refletir

Como observar as crianças sem ser um intruso em seu mundo?

Rita Ribes Pereira, em 2012, sugere que usemos três aspectos próprios da pesquisa: o
pensar, o conviver e o escrever, para lidar de forma teórica com a alteridade no campo
de pesquisa. Esses três aspectos são indissociáveis e acontecem sem hierarquia ou
linearidade. São instrumentos para guiar a ação do professor, que se torna pesquisador,
pois será a partir da reflexão sobre sua prática que encontrará os caminhos necessários
para auxiliar a criança em seu desenvolvimento integral. Na convivência, conquista-se a
criança; é brincando com ela que entramos em seu mundo. Com o registro de tudo o que
acontece no campo de estágio: diálogos, interações, brincadeiras, atividades, cuidados...
Como se fosse um “diário de bordo”, colhemos material para refletir e nos damos a
chance do distanciamento necessário do objeto de pesquisa para a análise.

30
Saiba mais

Relação de alteridade: relação com o outro que se constitui nas interações com
as pessoas e com a cultura. Parte da concepção de ser humano enquanto ser
social que interage e interdepende do outro.

PENSAR CONVIVER

ESCREVER

Importante

“O abismo entre as gerações revela nossa solidão cultivada na insensibilidade


com que facilmente descartamos o ‘outro’ de dentro de nós. A questão do olhar
torna-se fundamental para retomarmos o tema da alteridade: o olhar convoca
nossa dimensão ética na relação com o outro (AMORIM, 1997). Ao reconhecer
a diferença no ‘outro’, recuperamos a dignidade de nos reconhecermos nos
nossos limites, nas nossas faltas, na nossa incompletude permanente, enfim,
em tudo isso que é essencial e verdadeiramente humano e, ao mesmo tempo,
inefável.” (PEREIRA; SOUZA, 2003, p. 39).

31
Dica

Construa um “Caderno de Campo”, personalize a capa e traga-o com você o


tempo todo. Comece a criar o hábito de escrever tudo o que observa no estágio,
seja o diálogo entre duas crianças que tenha chamado a sua atenção, seja
a atitude de algum funcionário, seja uma tarefa proposta pela professora da
turma ou alguma atividade que você tenha realizado no ambiente escolar.

Você vai perceber que, conforme a escrita das situações for virando um hábito,
a vontade de registrar virá mesmo quando estiver fora do ambiente do estágio,
vai lembrar das situações no ônibus, no carro, no cinema... enfim... faça da
reflexão um exercício diário.

Tire foto da capa e de alguns registros do seu caderno e poste no Fórum


Introdutório, partilhe com seus colegas e com o seu tutor suas experiências.
Coloque-as em discussão, transforme as situações observadas e vividas por
você em situações-problema e veja como seus colegas podem pensar junto
com você.

Então? Qual foi a sua primeira observação no campo de estágio? O que


mais chamou a sua atenção?

SEJA CURIOSO SURPREENDA-SE

32
NA PRÁTICA

Duas educadoras compunham a situação, com um grupo de


15 crianças de dois a três anos. O ritmo de umas e de outras
era bem diferenciado. Enquanto as educadoras, automática
e rapidamente, desempenhavam as tarefas de despir, lavar,
secar e vestir uma criança após a outra, as crianças eram
submetidas a um contínuo e longo tempo de espera. De iní-
cio, permaneciam em penicos encostadas à parede. Quando
chegava sua vez, eram pegas, esfregadas, enxaguadas e dei-
xadas, ainda pingando, no estrado, para esperar a vez de se-
rem vestidas e penteadas pela outra educadora. Terminada
essa rotina, as crianças ficavam à espera da rotina seguinte,
sendo repreendidas se não ficassem quietas e silenciosas.
Pouca ou nenhuma oportunidade era propiciada a elas de ter
alguma autonomia na situação, desfrutar o prazer da água
no corpo, interagindo e brincando umas com as outras. A
organização dessa situação de cuidado estava claramente
educando as crianças a serem submissas e passivas, sem
iniciativa e autonomia. (ROSSETTI-FERREIRA, 2003, p. 10)

O banho na escola, além de ter um viés de cuidado, essencial no trato com crianças
pequenas, tem um caráter educativo que precisa ser levado em conta, visando ao
desenvolvimento integral das crianças. Nesse sentido, é correto afirmar que cada
situação de cuidado deve ser vista como uma oportunidade para observar as
particularidades de cada criança, de forma a oferecer-lhe momentos de atenção
individual. Assim, apesar do contexto coletivo da escola, as particularidades das
crianças precisam ser vistas e os momentos de cuidado são essenciais para
conhecermos as crianças. O educar nessas situações de cuidado aparece na
intencionalidade educativa, que está para além de nomeações de partes do corpo
ou compreensão dos hábitos de higiene.

33
Resumo da Unidade 1

Nesta unidade, trilhamos um caminho pela práxis pedagógica da Educação Infantil, pro-
curando ressaltar os principais pontos para uma atuação docente de acordo com as
necessidades dessa etapa de ensino. Primeiramente, destacamos a importância de uma
prática permeada pela teoria para tirar o professor de uma atuação intuitiva, construindo
uma atuação criativa cheia de atitude investigativa. Em seguida, trouxemos o eixo con-
dutor da proposta pedagógica na Educação Infantil: educar, cuidar e brincar, acentuando
a passagem de uma visão assistencialista da educação da infância para a educação do
sujeito integral. Na última aula, propomos a sensibilização do olhar a partir do estudo da
estética pedagógica na construção do professor pesquisador.

CONCEITO

O conceito abordado nesta unidade refere-se à práxis pedagógica, considerando-a


como a integração entre a teoria e a prática na ação do professor. Esse contexto con-
templa um olhar diferenciado para o cuidar e o educar, em uma atitude investigativa
do processo de desenvolvimento e aprendizagem.

34
Referências

ALVES, R. Por uma educação romântica. Campinas: Papirus, 2002.

AZEVEDO, H. H. O. Implicações teórico-práticas do binômio cuidar-educar na formação


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159-179, 2007. Disponível em: http://www.revistas2.uepg.br/index.php/olhardeprofessor/
article/view/1493. Acesso em: 14 jun. 2016.

BRASIL. Política Nacional de Educação Infantil: pelo direito das crianças de zero a seis
anos à educação. Brasília: MEC/SEB, 2006.

. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília:


MEC/SEF, 1998. v. 1. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_vol1.
pdf. Acesso em: 15 maio 2016.

. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-


cação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.html. Acesso em: 15 maio 2016.

CALDEIRA, A. M. S.; ZAIDAN, S. Práxis pedagógica: um desafio cotidiano. Paidéia: revista


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Acesso: 20 jul. 2016.

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35
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ROSSETTI-FERREIRA, M. C. A necessária associação entre educar e cuidar. Pátio Edu-


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VYGOTSKY, L. S. Imaginação e criação na infância; ensaio psicológico: livro para profes-


sores. Apresentação e comentários Ana Luiza Smolka. Tradução Zoia Prestes. São Paulo:
Ática, 2009.

36
UNIDADE 2

Aspectos fundantes da educação


infantil e a linguagem da infância
INTRODUÇÃO

Nesta segunda unidade, você estudará a expressividade infantil como forma singular de
comunicação do sujeito. Reconhecerá os aspectos fundantes e irá relacioná-los com a
linguagem própria da infância, o que é fundamental para a construção de uma prática pe-
dagógica rica em intencionalidade. A ludicidade é a linguagem mais específica da criança,
principal veículo de comunicação dela com o mundo. A criança percebe o meio à sua volta
a partir do seu próprio corpo; essa é a sua primeira referência para suas construções cog-
nitivas e perceptivas. As artes propiciam diversas possibilidades expressivas e sensitivas
que permitem que a criança tenha uma comunicação mais autêntica com o meio externo.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Relacionar os aspectos fundantes da Educação Infantil com a linguagem própria


da infância.

38
Aspectos fundantes da Educação Infantil:
identidade, linguagem e sexualidade

Para iniciar esta aula, vamos refletir juntos?

O que são aspectos


fundantes?

Por que a eleição da


identidade, da linguagem
e da sexualidade é
fundamental para esse
nível de ensino?

Respondendo à primeira questão, podemos pensar que os aspectos fundantes são


aqueles que estarão na base, mas que, muito mais do que base, serão os alicerces da
construção em torno dos quais o sujeito se constituirá. Portanto, são aspectos que
fundam o sujeito, que o estabilizam no terreno da vida. Pensemos em pilares que irão
sustentar o sujeito e acompanhá-lo pelo resto da vida, como ilustrado na imagem abaixo.

39
Agora que você já sabe o que são aspectos fundantes, vamos compreender
melhor esses pilares e também entender a resposta da segunda pergunta
lançada no início da aula. Vamos lá?

Identidade

Compreendendo a criança como produto e produtora de cultura, considerando-a como


um sujeito histórico-social, podemos entender o porquê do primeiro pilar: Identidade.

O que me caracteriza? O que me diferencia do outro?

A identidade é um conceito do qual faz parte a ideia de distinção, de uma


marca de diferença entre as pessoas, a começar pelo nome, seguido de
todas as características físicas, de modos de agir e de pensar e da histó-
ria pessoal. Sua construção é gradativa e se dá por meio de interações
sociais estabelecidas pela criança, nas quais ela, alternadamente, imita e
se funde com o outro para diferenciar-se dele em seguida, muitas vezes
utilizando-se da oposição. (BRASIL, 1998b, p. 13)

Dessa forma, podemos perceber que, inicialmente, o sujeito confunde-se com quem
cuida dele; ao nascer a criança está em um processo fusional com a mãe e, aos poucos,
vai descobrindo o próprio corpo e diferenciando-o do corpo da mãe.

Saiba mais

Processo fusional é o estado no qual o sujeito é um com a mãe, não faz


diferença entre o seu corpo e o corpo da mãe. O corpo desta é uma extensão
do seu próprio corpo.

A criança, ao chegar à creche, está em pleno processo de diferenciação, porém ainda


será nas interações com o cuidador/educador que esse processo se complementará.
do outro.

40
Cada cultura traz um conjunto de valores e crenças próprios, que são passados de geração
para geração, por meio da linguagem, inclusive na forma de lidar com a criança. Por
exemplo, em determinadas tribos africanas, as mães voltam ao trabalho na lavoura com
os bebês presos em suas costas, e será nesse contato intenso, sentindo os movimentos
do corpo da mãe, que o bebê irá percebendo as limitações entre o seu corpo e o corpo
do outro.

Saiba mais

Diálogo Tônico, você sabe o que é?

É a comunicação entre o tônus


muscular do cuidador e o tônus
muscular da criança, é a primeira e
mais intensa forma de comunicação.

Tônus muscular é o estado de contração mínima da musculatura para a


sustentação da estrutura óssea do sujeito. Ao relacionar-se com o meio, o tônus
fica mais enrijecido ou mais relaxado de acordo com as situações de interação.

Dessa forma, é importante ressaltar que cada cultura terá um jeito de lidar com os seus
bebês. Além de ser uma questão cultural, é uma questão histórica, pois irá variar de
acordo com os conhecimentos que aquele grupo social vai adquirindo.

Curiosidade

Ao relatar o cotidiano da criança livre no Brasil entre a Colônia e o Império, Mary


Del Priore (2008) descreve os cuidados com o recém-nascido de uma forma
que exemplifica o que estamos querendo dizer:

Os primeiros cuidados com o recém-nascido eram


ancilares. Seu corpinho molengo era banhado em

41
líquidos espirituosos, como vinho ou cachaça, limpo
com manteiga e outras substâncias oleaginosas e
firmemente enfaixado. A cabeça era modelada e o
umbigo recebia óleo de rícino misturado à pimenta com
fins de cicatrização. Coroando os primeiros cuidados,
era fundamental o uso da estopa: “cataplasma
confeccionado com a mistura de um ovo com vinho”,
aplicado a uma estopa que por sua vez era presa por
um lencinho à cabecinha do pequeno para “fortificá-
la”. As mães indígenas preferiam banhar-se no rio com
seus rebentos. As africanas costumavam esmagar o
narizinho de seus pequenos, dando-lhes uma forma que
lhes parecia mais estética. Os descendentes de nagôs
eram enrolados em panos embebidos numa infusão de
folhas, já sorvida pela parturiente. (PRIORE, 2008, p. 86)

A separação da criança do outro se dá a partir da percepção das diferenças, sua percepção


dos contrastes é a mais acirrada: contração/descontração, alegria/tristeza, quente/
frio, grande/pequeno, frente/trás. As oposições são as primeiras a serem percebidas
pela criança. Por isso, é tão importante trabalharmos com a diversidade. Em relação
às semelhanças, a construção de grupos por afinidade é realizada posteriormente à
construção das diferenças; descobrimos o que é igual a partir do diferente.

Na construção da identidade, nós nos


descobrimos como únicos no grupo e
conquistamos autonomia na execução de
pequenas tarefas ao aprendermos a lidar com
nós mesmos e com o outro.

42
Sexualidade

Dessa diferenciação faz parte a questão de gênero. Será a partir das diferenças e das
identificações que o sujeito se descobre menino ou menina. Porém, esse é apenas um
aspecto da sexualidade.

Freud, em 1905, no texto Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, constata a presença
da sexualidade na infância. Ao contrário do que muitos imaginam, Freud não está se
referindo à sexualidade genital, mas à condição de a criança ter um corpo sensível ao
prazer/desprazer. Considera que a primeira curiosidade da criança expressa em palavras
tem a ver com o desejo de descobrir de onde veio, o questionamento sobre a sua origem,
o seu nascimento, é o que rege suas empreitadas curiosas sobre o mundo. Sua relação
com o conhecimento tem como ponto de partida o desejo de saber sobre si.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 2 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre sexualidade na infância.

Linguagem

É na linguagem que o sujeito faz essas


descobertas. Ela é responsável por
favorecer o processo de diferenciação
do outro, inicialmente na linguagem do
toque e, posteriormente, por meio da
linguagem oral. A linguagem enquanto
instrumento de socialização propicia
a comunicação e a expressão dos
sujeitos, a transmissão cultural. Indica a
pertença social de cada sujeito e instiga
a imaginação infantil para a descoberta
de outros mundos, de outras realidades.

43
Será por meio da pele, das sensações, dos prazeres e desprazeres, da sua sexualidade,
que a criança irá descobrir o mundo e dar asas a sua imaginação, explorando a linguagem
na construção de sua identidade.

Vamos ler o texto a seguir que trata dessa questão?

Pela pele experimentamos as sensações de ca-


lor, frio, dor, prazer. A pele é a raiz cobrindo o cor-
po inteiro. O corpo, que vive intensamente a pele,
é raiz, caule, folha, flor e fruto. O corpo é inteiro e
por isso mesmo ouve, fala, se cala, sente sabo-
res e dessabores, mostra e revela. (TIRIBA, 2001,
p. 16)

Fonte: www.themaeducando.blogspot.com.br.

Estamos tratando a linguagem enquanto capacidade de simbolização do sujeito, de


falar o mundo, expressando-se e comunicando-se, linguagem enquanto característica
tipicamente humana. Seja verbal ou não verbal, a linguagem é intrínseca às relações
humanas, interiormente, em nosso pensamento, na relação do sujeito com ele mesmo,
ou externamente, ao lidar com o outro.

Como eixo teórico propomos pensar a linguagem com os autores Walter Benjamin,
Mikhail Bakhtin e Lev Vygotsky, que vão refletir sobre o Homem como ser social, ativo
e produtor de sentido, para o qual a linguagem possibilita repensar o tempo, em sua
dimensão histórica, ressignificando o presente, o passado e o futuro, por meio da
dimensão expressiva desta.

Segundo Kramer (1993, p. 102), os três autores veem a linguagem


como expressão, fazem críticas ao formalismo, dão ênfase
ao riso, às lágrimas, à imaginação criadora, ao sentimento,
percebendo a linguagem além do signo arbitrário, negando-a
enquanto meio e forma cristalizada. Todos eles buscam uma
interação viva com a língua, trazem a emoção, o movimento
da linguagem na história, percebem e perseguem a linguagem
como experiência criativa ininterrupta. (CORSINO, 2001, p. 5)

44
O corpo e o movimento infantil na relação
com as artes

Na aula anterior, pudemos compreender a importância dos aspectos fundantes e


a valorização do corpo nesse processo. Nesta aula, vamos refletir um pouco sobre o
movimento e as artes na educação infantil.

Vamos iniciar a aula com esta emblemática:

O movimento humano é
recheado de gestos, de
significados.

O que isso quer dizer?

O movimento para o ser humano está para além do motor, cada mínimo gesto é significado
pelo outro e vai, aos poucos, sendo internalizado, ganhando significado para o sujeito.

Henri Wallon (1975), em sua obra, afirma que o ser humano é organicamente social, ou
seja, para que se desenvolva integralmente, necessita do outro, fato que o diferencia dos
outros animais. Mais especificamente, Wallon trata da afetividade humana, considerando
como afeto a ação de um sujeito sobre o outro. Assim, afetividade consiste em quanto
eu afeto o outro com a minha ação e o quanto sou afetado por ele.

Portanto, o movimento humano é forma de expressão e tem por base as alterações de


tônus muscular. Cada sujeito tem tônus próprio; alguns mais tensos, outros mais relaxados.
Além disso, o tônus varia de acordo com as situações pelas quais o sujeito passa. Em uma
situação de luta/fuga, todo o tônus fica mais enrijecido, pronto para lutar ou correr. Da
mesma forma, ao estar deitado na praia tomando sol, o sujeito está totalmente relaxado. O
diálogo tônico nos acompanha em todas as situações relacionais, pois existe uma conversa
entre a tonicidade dos sujeitos; a comunicação humana passa pelo corpo.

45
Cada emoção provoca uma expressão
facial e corporal em você, assim como
nas crianças, além de gerar uma reação
no outro.

A linguagem corporal nos acompanha por toda a vida, porém é mais intensa na infância.
Colocar o corpo em movimento é algo extremamente natural para a criança, a descoberta
de si passa pela descoberta do próprio corpo em movimento, é agindo no mundo que a
criança o descobre. A imobilidade exigida pela escola moderna fere essa essência infantil.

Precisamos compreender que a modernidade


exigiu um comportamento controlado, voltado
para a mecanização do homem, já que a indústria
precisava de mão de obra obediente, especializada
e silenciosa, pois o único foco era uma produção
mais eficiente. A escola respondeu a esse modelo,
produzindo ambientes controladores, que se
especializaram em controlar os corpos dos alunos.

[...] a ordenação por fileira, no século XVII. Começa a definir a grande


forma de repartição dos indivíduos na ordem escolar: filas de alunos nas
salas, nos corredores, nos pátios; [...] determinando lugares individuais
(a organização de um espaço serial) tornou possível o controle de cada
um e o trabalho simultâneo de todos. Organizou uma nova economia do
tempo e da aprendizagem. Fez funcionar o espaço como uma máqui-
na de ensinar, mas também de vigiar, de hierarquizar, de recompensar.
(FOUCAULT, 1987, p. 126)

Sendo a criança livre em sua expressão e precisando se movimentar para descobrir o


mundo, nada mais natural que a escola se reinvente, começando pela disposição de seu
espaço. Uma sala de aula da Educação Infantil precisa acolher o movimento — na
verdade, propiciá-lo, conforme as imagens a seguir demonstram..

46
Para refletir

Assim, propomos algumas questões para que possamos refletir:

Como explorar a movimentação infantil em sala de aula, trabalhando os


conteúdos próprios para essa faixa etária na busca pelo desenvolvimento
integral da criança?

É necessário usar a Educação Infantil como espaço de preparação para o


aprendizado que será proposto no Ensino Fundamental?

É preciso treinar habilidades como a coordenação motora fina para facilitar a


aprendizagem da escrita na alfabetização?

Ainda se percebe, em alguns espaços da Educação Infantil, a ansiedade dos educadores


em oferecer aos alunos a base para que não tenham dificuldades para aprender a ler,
escrever e contar no ingresso do Ensino Fundamental. Preocupação natural e saudável,
mas que precisa ser coerente com as descobertas sobre o desenvolvimento infantil.

O treino de habilidades motoras foi, durante muito tempo, usado como forma de facilitar
o aprendizado da leitura e da escrita; já que uma das principais características do ser
humano é a adaptação, esse acaba por parecer um caminho frutuoso. Entretanto,
as crianças que não construíram determinados conceitos na primeira infância não
respondem bem ao treinamento de habilidades. A ideia de treinamento ganhou força
teórica na década de 1970, com a concepção de privação cultural e com os programas
compensatórios que foram criados a partir dela.

47
Saiba mais

Privação Cultural: ideologia vinda dos Estados Unidos, que considerava a não
adaptação dos alunos das classes pobres ao ensino escolar como consequência
da falta de cultura, já que esses alunos não tinham acesso à cultura dominante.

Como exemplos do questionamento às ideias que conduziram para o treinamento de


habilidades, podemos destacar que a coordenação motora fina sempre foi a grande vilã.
Entretanto, como uma criança capaz de confeccionar uma pipa, tarefa que exige grande
habilidade motora fina, não tem a tão sonhada coordenação motora fina para a escrita?
Porque o ato de escrever está muito além da simples habilidade motora. Muitos aspectos
estão relacionados com esse aprendizado, principalmente a simbolização. Portanto,
restringir a aprendizagem da leitura e da escrita à coordenação motora fina é esvaziar a
linguagem escrita.

Da mesma forma, como uma criança capaz de lidar com o dinheiro, fazendo compras
e recebendo o troco, pode não ter raciocínio matemático? Ela não está conseguindo
compreender a simbolização necessária para registrar graficamente as contas que
realiza mentalmente, mas já construiu o raciocínio matemático.

Importante

Esses exemplos são para nos fazer refletir sobre o que realmente precisamos
trabalhar na Educação Infantil. Existem conceitos próprios das construções
cognitivas dessa faixa etária, não precisamos querer repetir o que será feito no
Ensino Fundamental, buscando antecipar conteúdos que serão próprios das
etapas posteriores. Quando os educadores ficam presos aos conteúdos do
Ensino Fundamental, sem conhecê-los profundamente, não compreendem os
reais alicerces que esses conhecimentos exigem.

Para aprofundar essa reflexão, vamos continuar com o exemplo da construção da


coordenação motora fina, que precisa ser explorada, e bem explorada, na Educação
Infantil, porém a construção desse aspecto psicomotor passa pela exploração constante
de todos os aspectos psicomotores, ou seja, do corpo em movimento.

48
Os pontos abaixo são conteúdos da Educação Infantil e precisam ser trabalhados para
que a organização do espaço gráfico seja bem construída:

Experimentar variações Movimentos


Equilíbrio
de tônus amplos e finos

Organização temporal Organização temporal


Lateralidade
e espacial e espacial

Descoberta das Percepções


dominâncias laterais

As imagens a seguir ilustram, na prática, o trabalho desses conteúdos:

Explorar esses aspectos psicomotores não significa estimular a repetição mecânica


em jogos de competição, muito pelo contrário, é necessário buscar o jogo corporal no
qual será valorizada a qualidade do movimento e a expressão corporal. Portanto, o que
importa é a expressão de sentimentos: medo, inveja, raiva, paixão, alegria, tristeza; o uso
da força, da intensidade e da destreza, investindo no desenvolvimento da personalidade,
das habilidades, do potencial criativo, da função lúdica, no uso desse corpo como
instrumento de comunicação com o mundo exterior.

49
Pensando a expressividade infantil como material a ser explorado pelos educadores nas
salas de aula, é fundamental considerar a arte como uma possibilidade expressiva, na
qual a criança comunica suas elaborações de sensações, sentimentos e percepções.
Assim como a expressão corporal, a arte é uma linguagem privilegiada na infância e que
precisa ser vivenciada na escola.

Considerar a criança enquanto sujeito sócio-histórico implica considerá-la ativa em seu


processo de construção do conhecimento. Desde o ventre da mãe essa criança é falada,
um lugar no mundo a espera ao nascer, seus pais lhe dão um nome e cuidam dela de
acordo com a cultura na qual estão inseridos. Essa criança vai sendo produzida pela
cultura, vai recebendo informações de comportamentos e valores próprios de cada grupo
social, ao mesmo tempo que interage constantemente com esses grupos, retornando
ao mundo exterior suas impressões. Nesse contexto é que se considera que a criança
chega à escola trazendo uma bagagem cultural que será ampliada em uma permanente
troca com o meio que a cerca, produzindo cultura desde a mais tenra infância.

Assim, o ato criador necessita de exploração constante do ambiente para enriquecimento


da bagagem cultural do sujeito. Cada atividade oferecida à criança é tomada por ela como
possibilidade de descoberta, e esse movimento a leva a registrar de forma representativa o
que vivencia. Ouvir histórias é uma das principais atividades para estimular a imaginação.

A expressão infantil é, pois, a mobilização para o exterior de manifesta-


ções interiorizadas e que formam um repertório constituído de elemen-
tos cognitivos e afetivos. Assim, desde bem pequenas as crianças vão
desenvolvendo uma linguagem própria, traduzida em imagens em sig-
nos e símbolos carregados de significação subjetiva e social, como, por
exemplo, os rabiscos das pequeninas que são extensões de seus gestos
primordiais. Esta dimensão particularíssima da linguagem da criança é
que a faz reconhecida e respeitada. (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 86)

50
Para refletir

Leia o fragmento a seguir:

“[...] a prática artística é vivenciada pelas crianças pequenas como uma atividade
lúdica, onde ‘o fazer’ se identifica com ‘o brincar’, o imaginar com a experiência
da linguagem ou da representação” (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 123).

Será suficiente oferecer para a criança giz de cera todos os dias para colorir um
desenho já impresso ou para desenhar livremente? Ela estará experimentando
todas as possibilidades de representação artística dessa forma?

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 1 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre a brincadeira na Educação Infantil.

51
A ludicidade como eixo central da ação com
a criança de 0 a 5 anos

Parece um tanto óbvio pensar que o trabalho com crianças de zero a cinco anos deve
ter como eixo o brincar. Por que, então, não é dado ao brincar o seu verdadeiro lugar na
Educação Infantil?

Muitos professores ficam preocupados em trabalhar conteúdos próprios do Ensino


Fundamental, querendo garantir o aprendizado da leitura e da escrita, porém acabam
esquecendo que existem conteúdos próprios para a Educação Infantil que estão de
acordo com o desenvolvimento da criança. Esses conteúdos trabalharão os conceitos
necessários para que a criança construa de forma saudável seu conhecimento.

Entretanto, o mais importante não são os conteúdos, mas a forma como a criança
aprende. Até os cinco anos de idade, seu aprendizado se dá por meio da brincadeira, é
na brincadeira que a criança aprende o sentido das coisas dando significado a elas. É o
momento auge para a apreensão de signos sociais e culturais. Tirar o tempo e espaço
da brincadeira da Educação Infantil é estabelecer uma barreira na comunicação com a
criança, é impedir que ela construa seu conhecimento.

A sala de aula da Educação Infantil é espaço de brincadeira, é na atividade


lúdica que a criança aprende!

52
A autonomia, a criatividade e a imaginação são vivenciadas com intensidade no ato de
brincar, nele são desenvolvidos os sentimentos, as percepções e as fantasias das crianças.

Brincar na infância é o meio pelo qual a criança vai organizando suas


experiências, descobrindo e recriando seus pensamentos e sentimentos
a respeito do mundo, das coisas e das pessoas com as quais convive.
Por isso, quanto mais intensa e variável for a brincadeira e o jogo, mais
elementos oferecem para o desenvolvimento mental e emocional infan-
til. (FERRAZ; FUSARI, 2009, p. 123)

A ação de brincar, para Vygotsky (2002), “[...] cria uma zona de desenvolvimento proximal
da criança”. Ao imitar as ações do adulto a criança parece mais velha e até fala algumas
palavras ou expressões que não usaria em seu dia a dia.

Saiba mais

Zona de Desenvolvimento Proximal (ZDP)

Conceito cunhado por Vygotsky, em que este determina que, no processo de


aprendizagem do sujeito, existe um Nível de Desenvolvimento Real (NDR), aquilo
que o sujeito já sabe fazer sozinho, e um Nível de Desenvolvimento Potencial
(NDP), aquilo que o sujeito ainda não consegue fazer sozinho, mas com ajuda.
Essa ajuda acontece justamente na ZDP, a mediação possibilita o alcance do
Nível de Desenvolvimento Potencial.

NDR NDP
ZDP

Para aprofundar esse conceito, leia o Capítulo 6, Interação entre aprendizado e


desenvolvimento (p. 103-119), do livro A formação social da mente (VYGOTSKY,
2002), indicado nas referências.

53
Observe a imagem a seguir:

Preciso ir buscar
minha filha na escola!

Será nessa clássica brincadeira de imitação da mãe que a menina vai


descobrindo as funções sociais de mãe e mulher.

Para refletir

Tratando a questão da brincadeira pelo viés da mediação na ZDP, amplia-se


a importância de favorecer momentos de brincadeira. Assim, surge mais um
questionamento, sobre o qual precisamos refletir:

Que tipos de brincadeiras devo propiciar ao meu aluno, orientadas ou livres?

Durante muito tempo, acreditou-se que a brincadeira livre na escola só poderia acontecer
em momentos de recreação no pátio ou para passar o tempo. Ainda hoje, quando uma
professora é vista brincando com os seus alunos, costuma ser criticada, considera-se
que não tem conteúdo para trabalhar com os seus alunos e que por isso está brincando.

54
Exatamente esse estigma é que precisa ser quebrado. Se todos os professores brincassem
mais com os seus alunos, menos dificuldades enfrentariam na sua escolaridade.

Dica

Você pode saber mais sobre a importância da brincadeira na infância no texto:

PORTO, C. L. Brinquedo e brincadeira na brinquedoteca. In: KRAMER, S.; LEITE,


M. I. (org.). Infância e produção cultural. 8. ed. Campinas: Papirus, 2015.

Observe a imagem a seguir:

Você quer Sim, por favor!


mais chá? Tem de hortelã?

Na brincadeira livre, não é o adulto quem traz a proposta, a criação das regras da
brincadeira fica por conta das próprias crianças, o adulto precisa assumir uma postura de
disponibilidade para ser incluído na brincadeira, deixando-se conduzir. A ação educativa
estará nas contribuições que o educador dará para a brincadeira. No exemplo acima,
essa contribuição está na pergunta: “Tem de hortelã?”. Dessa forma, a professora mostra
aos alunos que existem vários tipos de chá. Parece algo muito simples, mas será nessa
simplicidade que a criança vai ampliar suas relações com o mundo.

55
A intencionalidade na ação com a criança, tendo plena consciência do momento de
aprendizagem de seus alunos, é que propiciará a estes um momento rico em trocas na
brincadeira.

Importante

As atividades orientadas e os jogos com


regras precisam ser intercalados com as
brincadeiras livres. Cada tipo de proposta
tem sua importância, a criança precisa
experimentar as mais variadas formas
de brincar para elaborar cada vez mais
hipóteses sobre o mundo que a rodeia.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 2 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre brincadeira e desenvolvimento cognitivo.

56
NA PRÁTICA

Será que, de uma maneira geral, nossas escolas ainda estão


aprisionadas a uma visão que relaciona movimento à bagun-
ça, à confusão, à dispersão? (TIRIBA, 2001, p. 19)

Lívia é professora de uma turma de Educação Infantil, suas crianças têm 5 anos.
Para trabalhar o projeto sobre animais, propôs um trabalho diversificado na sua sala
de aula. Dividiu a turma em três grupos:

• Pintura livre sobre seu animal preferido.


• Manuseio de livros sobre o tema, escolhendo um para desenhar livremente.
• Jogo sobre animais: sorteia uma imagem e imita para os colegas adivinharem.

A prática pedagógica de Lívia não tem sido bem vista por alguns professores da
escola, que consideram que ela não controla o seu grupo de crianças. Entretanto, de
acordo com Léa Tiriba (2001), no trecho acima, podemos considerar que Lívia não
está preocupada em treinar movimentos nem em controlar os corpos das crianças.
Em sua proposta, a professora permite a livre expressão motora de seus alunos,
mediando as situações de aprendizagem.

57
Resumo da Unidade 2

Nesta unidade, procuramos construir quem é o sujeito aprendiz da Educação Infantil,


delineando suas especificidades. Inicialmente, você estudou os aspectos fundantes da
Educação Infantil: a constituição da identidade, a partir da diferenciação no grupo; e os
processos de construção da sexualidade e da linguagem, que são constituintes do ser
humano e que se edificam concomitantemente com a identidade, em uma relação de
reciprocidade constante. Em seguida, aprendeu a expressividade infantil, nas duas for-
mas essenciais de comunicação da criança: a corporeidade e as artes, que precisam ser
exploradas exaustivamente pelos educadores. Por último, estudou, com mais detalhes, a
brincadeira, de forma a reconhecer a importância desta como principal veículo de ação
com a criança, portanto crucial no planejamento do professor. E viu que é necessário ter
espaço no plano de aula para o brincar, tanto livre quanto orientado.

CONCEITO

Alguns conceitos importantes abordados nesta unidade foram: identidade,


linguagem e sexualidade; expressividade infantil: corpo e artes; ludicidade e
produção cultural; brincadeira e aprendizagem.

58
Referências

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília:


MEC/SEF, 1998a. v. 1. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_
vol1.pdf. Acesso em: 15 maio 2016.

. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília:


MEC/SEF, 1998b. v. 2. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.
pdf. Acesso em: 15 maio 2016.

. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da edu-


cação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em: http://
planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.html. Acesso em: 15 maio 2016.

CORSINO, P. (org.). Linguagens e sentidos. Salto para o Futuro. Brasília, ago. 2001. Bole-
tim linguagens e sentidos: o corpo silenciado. Disponível em: http://cdnbi.tvescola.org.br/
resources/VMSResources/contents/document/publicationsSeries/181924Corponaes-
cola.pdf. Acesso em: 20 jul. 2014.

FERRAZ, M. H. C.; FUSARI, M. F. R. Metodologia do ensino de arte: fundamentos e pro-


posições. 2. ed. São Paulo: Cortez, 2009.

FOUCAULT, M. Vigiar e punir. Petrópolis: Vozes, 1987.

FREUD, S. Obras completas: três ensaios sobre a teoria da sexualidade, análise fragmen-
tária de uma histeria (“O caso Dora”) e outros textos (1901-1905). Tradução Paulo César
de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016. v. 6. Disponível em: https://www.com-
panhiadasletras.com.br/trechos/14199.pdf. Acesso em: 5 nov. 2018.

OSTETTO, L. Observação, registro, documentação: nomear e significar as experiências.


In: . (org.). Educação infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 5. ed.
Campinas: Papirus, 2011. p. 13-32.

PEREIRA, R. M. R. O que se cria. O que se copia. In: JOBIM E SOUZA, S. (org.). Educa-
ção@pós-modernidade. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2003.

PRIORE, M. D. História das crianças no Brasil. 6. ed. São Paulo: Contexto, 2008.

59
ROSENAU, L. S. Diagnósticos do fazer docente na educação infantil. Curitiba: Intersa-
beres, 2013. (Série Pesquisa e Prática Profissional em Pedagogia).

TIRIBA, L. (org.). O corpo na escola. Salto para o Futuro. Brasília, ano 18, 4 abr. 2001.
Disponível em: https://cdnbi.tvescola.org.br/contents/document/publicationsSeries/
181924Corponaescola.pdf. Acesso em: 5 nov. 2018.

VYGOTSKY, L. S. A formação social da mente: o desenvolvimento dos processos psico-


lógicos superiores. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2002.

WALLON. H. Psicologia e educação da infância. Lisboa: Estampa, 1975.

60
UNIDADE 3

Cotidiano da educação infantil


INTRODUÇÃO

Esta unidade pretende atrelar o planejamento e a avaliação com a singularidade da


Educação Infantil. Assim, os objetivos da unidade voltam-se para a organização do
espaço, do tempo e da aprendizagem de acordo com as necessidades dessa etapa de
ensino, de forma a propor a elaboração de propostas viáveis, possíveis de serem postas
em prática de modo eficaz e coerente.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Operacionalizar o trabalho pedagógico de acordo com a singularidade da


Educação Infantil.

62
Currículo, planejamento e projeto político-
pedagógico – PPP

Nesta primeira aula, vamos refletir sobre o Planejamento, aspecto


fundamental do trabalho do professor, que indica a intencionalidade de
sua ação, nas relações que estabelece com o Currículo e com o PPP.

Vários aspectos precisam ser considerados ao realizar um planejamento, dentre eles,


podemos destacar a adequação aos documentos oficiais que regem a educação brasileira.

A Nova LDB (Lei nº 9.394/1996), atual Lei de Diretrizes e Bases da Educação, em seus
princípios, norteia a importância da construção de um PPP de forma democrática, que
contemple as metas e os meios pelos quais a escola pretenda conduzir seus trabalhos.
Considerando que o PPP é a primeira etapa de planejamento da escola, iniciamos com
uma questão:

Você sabe como a construção do PPP influencia o currículo da escola?

Considerando que toda proposta pedagógica expressa um projeto político e cultural, a


partir de uma abordagem crítica da cultura com Sonia Kramer (1997), vários aspectos
precisam ser considerados ao se construir o PPP, inclusive uma nova relação com os
conteúdos precisa ser estabelecida.

No Brasil, temos documentos oficiais, como as Diretrizes Curriculares Nacionais para a


Educação Infantil (DCNEI, 2010) e a Base Nacional Comum Curricular (BNCC, 2017), que
orientam sobre:

• Os conteúdos básicos a serem trabalhados em cada etapa do ensino.


• A forma como esses conteúdos serão trabalhados.
• Como serão interligados dependerá da proposta pedagógica de cada escola.

Essa contextualização precisa contemplar uma série de variáveis específicas de cada


realidade escolar, além da realidade social, cultural e histórica de cada sociedade na qual
a instituição esteja inserida.

Um fator que tem influenciado bastante as construções de propostas pedagógicas


escolares é a nova relação do sujeito com o conhecimento na contemporaneidade.

63
Atualmente, o sujeito não precisa da escola para ter acesso às informações; a web é
muito mais eficiente.

Ao mesmo tempo, esse mesmo sujeito é


bombardeado por uma quantidade infinita
de informações de forma extremamente
superficial, muitas vezes sem condições
de discernimento sobre o uso delas. Nesse
ponto, a função da escola se reconstrói,
deixando o lugar de transmissão para
ocupar o lugar de construção conjunta, na
mediação entre o aluno e o conhecimento.

Como uma das etapas da Educação Básica, a Educação Infantil faz parte de um todo, e
seu trabalho precisa estar em sintonia com as outras etapas. Assim, sem perder suas
peculiaridades, o planejamento da Educação Infantil deve estar adequado ao PPP da
escola.

A origem da Educação Infantil como um auxílio à família no cuidado e na educação


das crianças permite uma maior flexibilidade ao pensarmos o currículo. Entretanto, as
concepções compensatórias da década de 1970 quase minaram essa flexibilidade,
transformando esse nível de ensino em uma preparação para o Ensino Fundamental.

Saiba mais

Concepções compensatórias da década de 1970: baseadas na ideologia da


privação cultural, na qual as dificuldades dos alunos eram justificadas pela “falta
de cultura” das crianças que precisavam ser compensadas pela antecipação
dos conteúdos.

64
Observe a tirinha abaixo:

Fonte: inovareduca.blogspot.com

Ainda hoje, percebemos, em alguns educadores, alunos e familiares, a ideia trazida por
Mafalda na tirinha: a escola responsável por transmitir saberes que serão absorvidos
pela criança de acordo com a capacidade dela de recebê-los.

Por que repensar o currículo na Educação Infantil de acordo com a sua


identidade enquanto etapa de ensino, sem estar vinculada ao Ensino
Fundamental como etapa preparatória?

A Educação Infantil é o segmento com maior liberdade para pensar um currículo


diferenciado, pois toda a construção que tem sido proposta nos documentos oficiais
para esse segmento contempla uma proposta de integração entre conteúdos de áreas
diversas. Dessa forma, a partir da compreensão das características da infância, pode-
se repensar o processo educativo mais adequado para as crianças dessa faixa etária,
trazendo os conteúdos relevantes de acordo com cada PPP.

Embasando essa discussão, a nova LDB nº 9.394/1996 propõe o desenvolvimento


integral como finalidade da Educação Infantil. Leia o trecho da nova LDB a seguir:

Art. 29. A educação infantil, primeira etapa da educação básica, tem


como finalidade o desenvolvimento integral da criança de até 5 (cinco)

65
anos, em seus aspectos físico, psicológico, intelectual e social, comple-
mentando a ação da família e da comunidade. (BRASIL, 1996, grifo nosso)

A partir dessa proposta mais abrangente, os conteúdos selecionados não precisam estar
ligados somente ao aspecto cognitivo, sendo essencial que contemplem os demais
aspectos do desenvolvimento infantil. Assim, nesse nível de ensino, os conteúdos “[...]
abrangem, para além de fatos, conceitos e princípios, também os conhecimentos
relacionados a procedimentos, atitudes, valores e normas como objetos de aprendizagem”
(BRASIL, 1998a, p. 49).

O RCNEI (BRASIL, 1998), primeiro documento oriundo do MEC que orienta a construção
curricular de forma nacional para esse nível de ensino, defende os conteúdos como
instrumentos pelos quais as crianças poderão desenvolver suas capacidades e elaborar
hipóteses sobre sua própria realidade, exercitando uma maneira singular de ser, pensar e
sentir o mundo, agindo sobre ele.

A intencionalidade e a flexibilidade na organização dos planejamentos


passam a ser a principal característica exigida dos educadores dentro
dessa nova proposta.

O PPP precisa ser pensado em conjunto


com todos os atores envolvidos na
Mas como
comunidade escolar: pais e responsáveis;
planejar? professores; funcionários; alunos. É
importante que o Projeto contemple
todos os pontos de vista refletidos em
uma decisão comum. Será a partir do
envolvimento de todos que cada um
poderá tomar para si a responsabilidade
pelo alcance dos objetivos ali
estabelecidos. Da mesma forma, o planejamento da Educação Infantil, enquanto
segmento escolar, precisará refletir o que foi pensado como meta no PPP.

66
Importante

O educador é o profissional com formação para adequar os conteúdos ao PPP,


alinhando-o com as propostas para esse nível de ensino, de acordo com as
pesquisas sobre o desenvolvimento dessa faixa etária.

Vamos refletir juntos?

• Como adequar os conteúdos ao PPP e aos eixos que conduzem o


trabalho na Educação Infantil: interações e brincadeiras?

• De que forma a educação da infância precisa ser planejada na escola?

Considerando que a aprendizagem é uma constante reorganização do conhecimento,


não cabe a reutilização de um planejamento usado no ano anterior. Tendo em vista que os
alunos mudam, os conteúdos até podem permanecer quando ligados ao desenvolvimento
da faixa etária; mesmo assim, o desenvolvimento de cada criança é singular e nem sempre
respeita as etapas previstas em algumas teorias. Além disso, os centros de interesse
do grupo mudam, e a forma como esses conteúdos serão apresentados e explorados
precisa mudar também.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 3 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre o PPP.

67
Organizando o espaço, o tempo e a
aprendizagem na Educação Infantil

Nesta aula, vamos pensar a organização do espaço, do tempo e da


aprendizagem na Educação Infantil como aspectos interligados e
interdependentes: não tem como pensar um sem o outro.

O espaço e o tempo são componentes pedagógicos nessa etapa de ensino. Portanto,


ao realizar um planejamento, seja ele macro (como o PPP) ou micro (como o plano de
aula), o professor precisa ter em mente que o uso do espaço e do tempo influenciará
profundamente a aprendizagem das crianças.

Veja o esquema a seguir, que ilustra a inter-relação fundamental entre o espaço, o tempo
e a aprendizagem:

ESPAÇO TEMPO

APRENDIZAGEM

68
A seguir, vamos estudar cada um desses componentes! Vamos lá?

Espaço

Para o ser humano, a construção do mundo simbólico é sua principal característica, tudo o
que nos cerca é imerso em significado, seja ele transmitido culturalmente e apropriado pelo
ser humano ou produzido por cada um, a partir das próprias experiências. Dessa forma,
podemos afirmar que cada espaço tem uma simbolização específica para cada sujeito.

[...] o espaço físico isolado do ambiente só existe na cabeça dos adul-


tos para medi-lo, para vendê-lo, para guardá-lo. Para a criança existe o
espaço alegria, o espaço medo, o espaço proteção, o espaço mistério, o
espaço descoberto, enfim, os espaços de liberdade ou opressão. (LIMA,
1989, p. 30 apud BARBOSA, 2007, p. 119)

Mas... que ambiente pretendemos oferecer às crianças?

Um ambiente Ou um ambiente
disciplinador, que desafiador, que
mantém os corpos propicie o voo livre da
controlados? imaginação?

Tudo vai depender da proposta pedagógica que permeia a prática.

Saiba mais

Objeto do conhecimento: qualquer coisa que possa ser explorada pelo sujeito,
inclusive uma pessoa pode ser “objeto do conhecimento” em determinado
momento.

Ao mesmo tempo, se a mediação é o ponto alto que rege todo o trabalho na sala de aula,
como nos propõe Vygotsky, além de ser um ambiente desafiador, precisa possibilitar o
encontro com o outro, seja o colega ou o professor.

69
O espaço é em si um mediador cultural; por intermédio dele a criança experimenta a
cultura na qual está inserida.

Anteriormente, vimos que a experiência de mundo é realizada pela criança por meio
do próprio corpo, pois será o contato que terá com o espaço físico que irá qualificar
suas relações com o mundo e com o outro, ao experimentar as sensações de frio,
calor, luminosidade, barulhos, diversidade de cores, contatos que geram segurança ou
insegurança.

Para refletir

A brincadeira de faz de conta é um


dos momentos de excelência para
essas construções, pois a criança irá
fazer uma releitura de tudo o que ob-
serva no mundo que a rodeia.

Será que na Educação Infantil


damos espaço suficiente para essa
exploração?

Assim, podemos afirmar com Barbosa (2007) que “[...] a noção de espaço é construída
sócio-historicamente e constituída e constituidora dos seres humanos” (p. 121).

Vejam como os assuntos são interligados; dissemos isso ao trabalhar a questão da


brincadeira, justamente porque a forma de concebê-la é cultural. O mesmo se aplica
para o espaço e para o tempo.

As crianças precisam estar sempre


fazendo a mesma atividade ao mesmo
tempo?

70
Ter vários espaços diferenciados dentro de uma sala ampla possibilita diversas
explorações de acordo com os interesses. Ter todo o grupo em uma mesma atividade
gera segurança para o professor, porque tem aparentemente o grupo sob controle, fato
que pode continuar acontecendo com cada criança fazendo uma atividade diferente.
Essa proposta gera uma necessidade de reinvenção dos espaços de Educação Infantil.

Observe, a seguir, algumas imagens que ilustram situações em que as crianças estão
realizando atividades diferentes no mesmo espaço:

MASSINHA

CONSTRUÇÃO FAZ DE CONTA

CANTINHOS

LEITURA FANTOCHE

RECORTE E
PINTURA
COLAGEM

Tempo

Já a noção temporal é uma das últimas a ser construída pela criança, e depende de
uma série de experimentações no tempo, como: antes/depois, hoje/amanhã/ontem,
sequência, duração, ritmos, seriação, repetição, periodicidade e alternância. Noções que
são construídas no dia a dia, na rotina e no que foge dela.

Veja a tirinha a seguir que ilustra a revolta de Calvin contra a rotina:

71
Fonte: jcasadei.wordpress.com

É importante que você saiba que:

As rotinas impõem às atividades um ritmo, um tipo de inter-relaciona-


mento, um tempo de duração, modos de diversas atividades conecta-
rem-se umas às outras, modos de fazer transições de uma situação a
outra. (BARBOSA, 2007, p. 174)

A rotina organiza o espaço, o tempo, os materiais e as atividades. A forma como esses


aspectos serão conectados é que indicará a concepção pedagógica do professor. Ela só
será uma amarra se o educador assim o quiser.

Ao mesmo tempo, a criança precisa de certa estabilidade na sequência das atividades


para diferenciar o seu tempo interno do tempo externo, construindo hábitos sociais
coletivos nos diferentes momentos do cotidiano escolar.

Aprendizagem

Todo o processo de aprendizagem vai depender da forma como o sujeito se relaciona


com o ambiente; uma organização de espaço e de tempo que possibilite interações e
experimentações traduz uma concepção de infância com 100 linguagens. Uma criança
que interage significa, constitui-se e deixa algo de seu no ambiente, aprendendo a todo
momento.

72
Importante

Assim, a aprendizagem é influenciada pela forma como o espaço e o tempo


são pensados. O que faz a diferença no espaço oferecido à criança é a
disposição dos objetos no ambiente, o que cada um desses objetos diz para
a criança. Necessariamente não é o valor dos materiais que propiciará maior
aprendizagem, tudo depende da mediação do professor desde o momento em
que se propõe a pensar o espaço e o tempo, coletando o material necessário.
Salas de aula flexíveis e, muitas vezes, mais simples podem ter um resultado
mais eficaz do que salas de aula com móveis caríssimos.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 3 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre a creche inspirada em Reggio Emilia e veja quantas possibilidades
temos para atuar com as crianças na Educação Infantil.

73
Alternativas pedagógicas e avaliação
(portfólio) — o trabalho com projetos e as
múltiplas linguagens

Nesta aula, vamos refletir sobre a avaliação como um reflexo da proposta


pedagógica. Pronto para começar?

Para iniciarmos esse assunto, é importante frisar que não cabe construir todo um trabalho
com Projetos e realizar uma avaliação tradicional, descontextualizada de tudo o que as
crianças experimentaram, pautada apenas nos conteúdos cognitivos.

A avaliação é um instrumento que precisa ser previsto dentro do planejamento do


professor, sua construção e utilização vai depender das concepções sobre o processo
de aprendizagem do professor.

A necessidade de respostas extremamente objetivas


sobre o desenvolvimento do aluno impede os
professores de contemplá-lo como um ser humano que
sofre a influência de diversos fatores no seu processo
de aprendizagem. A implementação do registro de
observações nesse nível de ensino é um bom exemplo
devido a vários fatores. Contudo, a proposta inicial de
fazer um relato individualizado do aluno em forma de texto transformou-se, em muitos casos,
em um simples preenchimento de listas de habilidades alcançadas ou não pelas crianças.

74
Importante

As listas de habilidades alcançadas ou não pelas crianças


também são importantes, porém o relato sobre como a
criança está conquistando cada uma dessas habilidades é
mais essencial.

O principal obstáculo é a falta de tempo devido ao quantitativo


de alunos, entretanto a habilidade de registrar precisa ser
construída pelo professor; ela está ligada à competência de
observação do educador.

É importante lembrar que o que está em jogo é o processo de aprendizagem do sujeito


e não o produto final.

Então, trabalhar com


projetos é o caminho?

O trabalho com Projetos na Educação Infantil não é novidade, apesar de nem sempre ser
do conhecimento dos professores. O próprio RCNEI (1998a) apresenta essa possibilidade
de atuação junto às crianças como:

[...] conjuntos de atividades que trabalham com conhecimentos específi-


cos construídos a partir de um dos eixos de trabalho que se organizam
ao redor de um problema para resolver ou um produto final que se quer
obter. (BRASIL, 1998a, p. 57)

A duração dos projetos pode variar de acordo com cada grupo e com os objetivos
traçados, acontecendo com base, principalmente, no desejo e no interesse das crianças.

75
Por que trabalhar com
projetos?

Implementar projetos na sala de aula é estar aberto ao imprevisível. O caminho previsto, a


princípio, poderá ser modificado durante toda a trajetória; na verdade, é um caminho que
é traçado durante a caminhada, de acordo com as descobertas, com as escolhas, com
cada tomada de decisão.

O projeto acontece em etapas e tem na problematização seu principal fio condutor,


que deve levar ao contato com as práticas sociais reais, ampliando os conhecimentos
das crianças sobre determinados assuntos específicos. A rede de interligações entre
os diversos eixos de trabalho é uma das principais características do trabalho com
projetos, tornando-se um aprendizado que se estabelece como referência para futuras
generalizações em diversos campos do conhecimento.

Diagnóstico Levantamento dos interesses dos alunos, curiosidades


de interesses a respeito do mundo.

Construção de uma situação-problema a ser


Problematização
investigada, a partir do diagnóstico feito anteriormente.

Definição do tema e do percurso a ser percorrido para


Definição procurar as informações, juntamente com as crianças,
familiares e funcionários da escola.

Pesquisar em diversas fontes de informações: livros,


Pesquisa enciclopédias, filmes, imagens, entrevistas, visitas,
internet.

76
Registro constante das descobertas realizadas na
pesquisa: relatos escritos, gravações de áudio e vídeo,
Registro
fotos, produções das crianças (desenhos, pinturas,
construções em terceira dimensão).

Elaboração do produto final como resposta à


Elaboração
problematização.

Os projetos preveem atividades em sequência e a integração com atividades permanentes


da instituição. A visibilidade do produto final com a solução do problema inicial é
característica essencial desse tipo de trabalho. O produto final precisa ser significativo
para as crianças, sua construção precisa conter componentes discutidos durante todo o
desenrolar do projeto.

Exemplo

Por exemplo, um projeto sobre castelos, reis e rainhas


ter como produto final um Baile Medieval, o qual pode
ocorrer na própria sala com pequenos acessórios e
com a imaginação das crianças.

Trabalhar com a educação da infância baseado nas “cem linguagens da criança”,


considerando todas as suas possibilidades expressivas e todas as relações que
estabelecerá, inclusive com os funcionários da escola, tratando-os como sujeitos
educadores independentemente da função que realizam, não é tarefa fácil. Demanda
uma concepção diferenciada de infância e de educação que muitas vezes encontrará
empecilhos na própria comunidade escolar. Reggio Emilia é uma cidade que passou por
um processo de construção democrática bem diferenciado e sua população tem uma
forma específica de lidar com os direitos e deveres. Ao trazer a proposta pedagógica de
Reggio Emilia para uma escola brasileira, precisamos ter em mente que esta precisará

77
ser construída junto à comunidade escolar: alunos, professores, funcionários, pais e
familiares.

Todo e qualquer Projeto precisa ser construído dentro da realidade da comunidade


escolar, cada contexto é único, porém isso não significa que não possamos “beber” das
ideias de Reggio Emilia e descobrir a melhor forma de explorar as “cem linguagens” de
nossas crianças. Afinal, somos um povo tão criativo e com uma cultura vasta que nos
propicia muitas possibilidades de exploração. Usar e abusar das múltiplas linguagens,
permitindo experimentações diversificadas pelas crianças, é uma premissa do trabalho
baseado em projetos. Da mesma forma, torna-se viável, pelas próprias características
desse trabalho, a ludicidade como dinâmica.

Dica

Para aprofundar seu conhecimento das possibilidades de descobertas com as


crianças, sugerimos a leitura do texto abaixo:

OSTETTO, L. Aventuras de viver, conviver e aprender com as crianças. In: ______.


(org.). Educação Infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 5. ed.
Campinas: Papirus, 2011. p. 49-68. Biblioteca Virtual.

E como fica a
avaliação em uma
proposta de projeto?

Dentro da proposta de Projeto, não se adequa uma avaliação tradicional preocupada em


verificar os resultados. Faz-se necessária uma avaliação com o foco no processo de
construção de conhecimento do sujeito. O portfólio é uma opção compatível por ser um
instrumento de avaliação que permite o envolvimento dos alunos de forma ativa em seu
processo avaliativo, gerando compromisso com o seu próprio processo de aprendizagem.

78
Saiba mais

Portfólio: modalidade de avaliação proveniente do campo da Arte.

Longe de ser o caminho mais simples para o professor, é um caminho mais denso e
proveitoso, porém bastante trabalhoso. Encaixa-se perfeitamente na modalidade de
Projetos, pois consiste em uma avaliação do processo, que culmina em um produto final
elaborado pelo grupo.

[...] continente de diferentes classes de documentos (notas pessoais,


experiências de aula, trabalhos pontuais, controle de aprendizagem, co-
nexões com outros temas fora da escola, representações visuais, etc.)
que proporciona evidências do conhecimento que foi construído, das
estratégias utilizadas e da disposição de quem o elabora em continuar
aprendendo. (HERNÁNDEZ, 1998, p. 100 apud VIEIRA, 2002)

O registro por meio do portfólio permite a reflexão, tanto das crianças quanto dos
professores, sobre toda a produção realizada no projeto, é uma forma de documentar
os acontecimentos e estruturar a aprendizagem. Possibilita aos professores e pais a
visualização do processo de aprendizagem e descobertas das crianças, respeitando
o ritmo próprio de cada uma. Aumenta o compromisso dos alunos com tudo o que é
realizado em sala de aula, por tornar significativas as elaborações realizadas na escola, o
mundo e os conhecimentos escolares passam a estar conectados.

Existem várias possibilidades de formatos para portfólios, não existem modelos fechados,
o professor usa a sua criatividade para construir um portfólio que mais se adeque à
realidade de seus alunos. O importante é que esse portfólio apresente a caminhada feita
pela criança em seu processo de construção do conhecimento.

Dentro dessa proposta pedagógica, na qual se prioriza a construção de conhecimentos


por meio de projetos, o registro avaliativo no formato do portfólio é um instrumento
valoroso para o professor, tendo em vista que permite identificar o ritmo de cada aluno,
suas construções e as dificuldades encontradas, podendo acompanhar individualmente
o processo de aprendizagem de cada criança, refazendo as trajetórias necessárias para
que os objetivos de aprendizagem sejam alcançados.

79
MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 3 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre o portfólio como uma proposta de avaliação como reconstrução do
processo de aprendizagem.

NA PRÁTICA

Helena é coordenadora da Educação Infantil de uma escola há 13 anos. Esta semana


recebeu em sua sala um aluno de quatro anos, José, que se recusa a participar das
atividades propostas pela professora, sempre tumultua as atividades, e a professora
pediu auxílio.

Conversando com José em alguns encontros, começou a perceber que ele era muito
astuto e que demonstrava conhecimento sobre vários assuntos, mas o que mais lhe
interessava eram os dinossauros, poderia ficar horas falando deles e inventando
brincadeiras.

Aos poucos, Helena foi se dando conta de que José não tinha nenhum distúrbio
de comportamento, apenas não achava as aulas interessantes. O que fazer para
inserir José na turma? Como orientar a professora para atraí-lo para os assuntos
discutidos na sala?

Pensou que um projeto sobre dinossauros poderia ser bem proveitoso para ele e foi
olhar o planejamento anual para o Pré 1 (turma de José). Porém, constatou que não
havia espaço para esse projeto, pois todo o ano estava preenchido com atividades
voltadas para as datas comemorativas. O que Helena poderia fazer?

No caso apresentado acima, a coordenação vai precisar rever toda a proposta


pedagógica, adequando o currículo a uma proposta para trabalhar com projetos,
assim poderá aproveitar melhor os interesses dos alunos. Porém, Helena precisará
rever junto com as professoras a melhor forma de abrir espaço para a implementação
de tal proposta.

80
Resumo da Unidade 3

Nesta unidade, você estudou o cotidiano da Educação Infantil, de forma a unir o trabalho
pedagógico à singularidade da infância. Dessa forma, você viu que:

• A primeira aula focou a relação entre o currículo e o planejamento na construção


do PPP.

• A segunda aula priorizou as relações entre tempo, espaço e aprendizagem,


considerando que a rotina precisa fazer parte do planejamento, já que é um
componente pedagógico da Educação Infantil.

• A terceira e última aula se concentrou em buscar uma relação coerente entre


a alternativa pedagógica escolhida e a avaliação proposta. Nesse sentido, foi
apresentado o trabalho com Projetos como um instrumento favorável para as
construções próprias da Educação Infantil, assim como uma avaliação condizente
com esse tipo de trabalho pedagógico, o portfólio.

CONCEITO

Nesta unidade, o principal conceito trabalhado foi o planejamento do professor da


Educação Infantil, que precisa estar articulado com o PPP da instituição, com as
propostas de currículo dos documentos oficiais, com as formas de pensar o espaço
e o tempo na Educação Infantil e com as múltiplas linguagens das crianças, tendo
um instrumento de avaliação compatível com toda a proposta apresentada.

81
Referências

BARBOSA, M. C. S. Por amor e por força: rotinas na educação infantil. Porto Alegre:
Artmed, 2007.

BRASIL. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília:


MEC/SEF, 1998a. v. 1. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/rcnei_
vol1.pdf. Acesso em: 15 maio 2016.

. Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (RCNEI). Brasília:


MEC/SEF, 1998b. v. 2. Disponível em: http://portal.mec.gov.br/seb/arquivos/pdf/volume2.
pdf. Acesso em: 15 maio 2016.

. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as diretrizes e bases da


educação nacional. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 23 dez. 1996. Disponível em:
http://planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.html. Acesso em: 15 maio 2016.

KRAMER, S. Propostas pedagógicas ou curriculares: subsídios para uma leitura crítica.


Educação & Sociedade. Campinas, v. 18, n. 60, dez. 1997. Disponível em: http://www.
scielo.br/pdf/es/v18n60/v18n60a1.pdf. Acesso em: 15 nov. 2018.

OSTETTO, L. (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. 9. ed. Campinas:


Papirus, 2010.

. Educação infantil: saberes e fazeres da formação de professores. 5. ed.


Campinas: Papirus, 2011.

PENTEADO, T. C. Z.; GUZZO, R. S. L. Educação e psicologia: a construção de um projeto


político-pedagógico emancipador. Psicologia e Sociedade. Belo Horizonte, v. 22, n. 3,
2010. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/psoc/v22n3/v22n3a17.pdf. Acesso em: 15
nov. 2018.

VIEIRA, V. M. O. Portfólio: uma proposta de avaliação como reconstrução do


processo de aprendizagem. Psicologia Escolar e Educacional. São Paulo, v. 6,
n. 2, p. 149-153, 2002. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_
arttext&pid=S1413-85572002000200005. Acesso em: 15 nov. 2018.

82
UNIDADE 4

Reconstrução da Prática
INTRODUÇÃO

Nesta unidade, tem-se o propósito de inquietá-lo enquanto profissional da Educação


Infantil para transformar a sua prática, assim como o ambiente educacional no qual está
inserido. A teoria só poderá fazer sentido se for transformadora, se por meio dela for
possível modificar a sociedade. A escola é uma instituição que, em sua origem, reproduz
a sociedade, porém é também por intermédio dela que os sujeitos se tornam capazes
de questionar suas realidades e transformá-las. Deixemos de ser simples marionetes
reprodutoras de ideias para nos tornarmos polinizadores de novas práticas.

OBJETIVO

Nesta unidade, você será capaz de:

• Construir uma proposição diferenciada para a atuação na Educação Infantil,


a partir da aproximação com a teoria estudada.

84
Modelos pedagógicos como amarras ou
como possibilidades de reflexão

Nesta aula, vamos explorar algumas possibilidades dos modelos pedagógicos, procurando
compreender como as teorias podem ser um real auxílio na prática pedagógica com a
Educação Infantil.

Antes de entrarmos nos modelos, vale lembrar que, no decorrer do curso de Pedagogia,
você teve a possibilidade de conhecer uma série de teorias e seus respectivos autores
que refletem sobre propostas de trabalho com a infância.

Toda atuação pedagógica tem como pano de fundo um pensamento


teórico que conduz as intervenções do professor.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 4 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre os Modelos Pedagógicos da Educação Infantil.

Os teóricos da educação realizaram grandes impactos na Educação Infantil e no modo


como a criança era vista e entendida em suas épocas. Antes de Rousseau (1712-1778),
todo o processo educativo tinha como centro o professor e como ele deveria ensinar. O
foco do trabalho estava na transmissão de conhecimentos do professor para o aluno.
Esse teórico foi o primeiro a fazer o giro nessa concepção, pois colocou a criança como
o centro do processo de ensino-aprendizagem.

85
Dentre as diversas concepções de aprendizagem, Rousseau considerava que a criança
tinha uma “essência boa”, que seria descaracterizada pela influência da sociedade, portanto,
quanto menos o adulto fizesse interferências, melhor seria para a criança. Ao contrário
dele, Pestalozzi (1746-1827), pensador político, suíço, seguidor de Rousseau, divergia de
seu mestre em alguns aspectos. Considerava que a criança tinha uma “essência má”, que
precisava ser reconduzida para o bom caminho. Os autores que se seguiram e que focaram
o trabalho com a infância nem sempre deixam tão clara sua posição quanto a esse aspecto,
mas percebemos traços de uma tendência ou de outra em suas abordagens.

Veja a seguinte situação:

Uma criança acende um fósforo e resolve testar


se os fiapos das toalhas que estão penduradas
no varal pegam fogo. Logo o fogo lambe o varal
e vira uma situação de alto risco.

Agora reflita...

Em que você acredita: a “essência da criança” é boa ou má? É preciso


deixá-la totalmente livre ou ela precisa ser controlada o tempo todo
porque tudo o que pensa é fazer estripulias e maldades?

Bom, a curiosidade da criança é o que move suas ações no mundo.


Ao contrário do que se pensava nas teorias empiristas, a criança cria
hipóteses o tempo todo sobre tudo o que observa, tese comprovada pela
teoria piagetiana.

86
Saiba mais

Empirismo

“[...] a razão, a verdade e as ideias racionais são adquiridos por nós através da
experiência. Antes da experiência [...] nossa razão é como uma ‘folha em branco’,
onde nada foi escrito; uma ‘tábula rasa’, onde nada foi gravado. Somos como
uma cera sem forma e sem nada impresso nela, até que a experiência venha
escrever na folha, gravar na tábula, dar forma à cera.” (CHAUÍ, 2000, p. 88)

Inatismo

“[...] nascemos trazendo em nossa inteligência não só os princípios racionais,


mas também algumas ideias verdadeiras, que, por isso, são ideias inatas.”
(CHAUÍ, 2000, p. 85)

Teoria piagetiana

Teoria que enfatiza que o conhecimento é construído de forma interativa. Essa


teoria foi criada pelo suíço Jean Piaget (1896-1980).

Considerar que todos os atos infantis não são nem bons nem maus, mas experimentações
e descobertas, não significa que devamos deixar a criança colocar a própria vida em
risco para compreender um determinado fenômeno. Na infância, as noções de certo e
errado estão sendo construídas e se firmarão de acordo com as relações que a criança
estabelece com os outros, com a cultura, com a sociedade na qual está imersa. E nesse
ponto, quando inserimos as relações sociais em nossa defesa sobre o aprendizado
infantil, estamos trazendo para a reflexão Vygostky, autor russo (1896-1934) que agregou
a função social ao processo de aprendizagem.

87
Saiba mais

Para aprofundar seu conhecimento sobre o trabalho pedagógico na Educação


Infantil, leia o texto abaixo:

OSTETTO, L. E. O trabalho pedagógico na creche: entre limites e possibilidades.


In: ______. (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. 9. ed.
Campinas: Papirus, 2010. p. 31-50. Biblioteca Virtual.

Apesar de muitos professores considerarem que usam um pouquinho de cada autor, é


preciso ter claro qual a contribuição de cada um para a construção da sua prática, pois
esta não é uma mistura, mas uma reconstrução pessoal a partir das internalizações de
tudo o que aprendeu.

Saiba mais

Internalização

Termo cunhado por Vygotsky para designar que um conhecimento foi


apropriado pelo sujeito.

Como você pode perceber, Piaget e Vygotsky são dois autores muito importantes, eles
aparecem em vários momentos quando estudamos o processo de aprendizagem na
infância. Importante ter em mente o seguinte:

As ideias de Piaget e Vygotsky são singulares, não se complementam,


mas nos ajudam a compreender melhor a criança e como ela lida com o
mundo.

Veja a diferença das ideias desses dois estudiosos!

88
PIAGET VYGOTSKY

Já Vygotsky nos possibilita refletir


sobre como a aprendizagem
Piaget foi o primeiro a considerar
provocada pela relação
a possibilidade de o conhecimento
com os outros pode puxar o
ser construído pela própria
desenvolvimento. Mais do que se
criança, nas interações que tem
relacionar com o outro como um
com o meio. A novidade está em
objeto do conhecimento, Vygotsky
considerar que a criança formula
propõe que a ação do outro, que é
hipóteses o tempo todo.
cultural, histórica e social, produz a
construção de conhecimento.

Outros autores, como você tem visto, contribuíram bastante para o trabalho que temos
hoje na Educação Infantil. Froebel, Montessori, Dewey e Freinet são teóricos que deixaram
em seu legado importantíssimas contribuições aos educadores, já que suas propostas
concretizam muitas ações pedagógicas.

Assim, é preciso reconhecer as ideias desses autores e identificá-las em nossa prática;


dentre as suas contribuições temos:

89
Móveis em tamanho adaptado
Rodinha e utilização de jogos:
e trabalho individualizado:

Froebel Montessori

Passeios, jornal escolar


Projetos:
e correspondência:

Dewey Freinet

Desafio

Identifique a proposta pedagógica da escola na qual você está realizando o


estágio, procure detectar se a atuação do professor está em consonância
com a proposta redigida no PPP e que é apresentada aos responsáveis. Faça
um “retrato” da proposta pedagógica e registre no seu caderno de campo,
respondendo à questão: qual é a linha teórica que permeia o trabalho nessa
escola?

E você? Com qual linha teórica você se identifica mais? Como gostaria de
trabalhar com os pequenos?

90
Família e escola: uma relação de cumplicidade

Nesta aula, será abordada a questão da família na escola, partindo do ponto de vista de
que a relação da escola com a família precisa ser cultivada para além dos encontros para
avaliação dos alunos ou reunião de pais.

Observação

Principalmente na Educação Infantil, os pais, de modo geral, participam com


maior intensidade da escolaridade de seus filhos ou, pelo menos, estão mais
interessados por conta da preocupação com os cuidados que a criança recebe
na instituição escolar.

Os responsáveis pela criança precisam ser respeitados enquanto seu primeiro núcleo de
convivência. Por mais que ela possa vir cedo para a escola, com três meses de idade,
e passe mais horas na creche do que em casa, será com a família que construirá um
vínculo de intimidade que dificilmente ocorrerá na escola, salvo algumas exceções.

91
Os pais são a principal referência que a criança tem e isso não pode e não deve ser
descartado. Apesar de inicialmente a creche ter surgido como forma de substituição aos
cuidados da mãe para que esta pudesse trabalhar, a escola nunca poderá suprir a função
materna, a relação estabelecida na escola é de outra ordem.

Nem todos os pais têm isso claro, e cada vez mais se percebe que jogam para a escola
a função de educar seus filhos. Diversos são os motivos para esse fenômeno; a própria
contemporaneidade tem sido uma vilã a esse respeito. Vivemos um tempo em que:

O conhecimento é diluído em opiniões relativistas.


1
O mundo é instável, imprevisível, efêmero, circunstancial, descentralizado e cé-
tico com relação ao universal.
2
Busca-se a singularidade, mas cai-se no individualismo/sem noção do coletivo.

Tudo tem o mesmo valor.

4
O mundo percebe-se composto de um conjunto de culturas que dialogam entre
si, mas que estão desunificadas.
5

O sujeito é ativo, mas fragmentado, bombardeado.

A competitividade, a eficiência e o mercado são hipervalorizados.

Reina a falta de referências.

92
Marinho-Araujo e Oliveira (2010) salientam a importância da responsabilização compartilhada
entre família e escola, sendo infértil o terreno da culpabilização ou da transferência de
responsabilidades. O comprometimento de ambas as partes com o desenvolvimento
integral das crianças emerge de uma relação estreitada entre os envolvidos.

Cada vez mais a escola está precisando aprender a lidar com a demanda das famílias,
que têm modificado sua estrutura-base. As crianças na escola provêm de diferentes
estruturas familiares: homoparentais; pais divorciados, gerando dois espaços familiares
diferentes; crianças criadas por avós e avôs; crianças adotadas, entre outros.

O primeiro momento com o qual a escola se depara com a diversidade é no trato com os
familiares da criança que chega à escola. As formas como essa criança e as demais irão lidar
com as diferenças entre as famílias vai depender do acolhimento dado pela escola a elas.

O professor precisa estar atento às suas próprias crenças para evitar que seus
preconceitos reflitam em suas ações com as crianças e, respectivamente, com os pais.
Independentemente de sua constituição familiar, a criança tem o direito de ser olhada como
sujeito, em todos os seus aspectos — físico, cognitivo e afetivo. Não cabe ao professor
realizar qualquer tipo de julgamento; sua atitude precisa ser de acolhimento constante.

Dois pontos de reflexão surgem a partir dessa questão:

Acolher
Não julgar implica constantemente
ser neutro e não ter significa deixar a
opinião? criança fazer o que
ela quer?

93
1) Não julgar implica ser neutro e não ter opinião?

A neutralidade era uma busca da modernidade. Acreditava-se que podíamos ser neutros
a partir do conhecimento científico, que nos apresentava uma única verdade. Atualmente
a ciência não trabalha mais com verdades únicas, mas sim com diferentes pontos de
vista sobre determinado objeto de pesquisa. Dessa forma, o sujeito crítico sempre irá
posicionar-se diante do objeto a partir de determinada posição teórica, fato que não dá
o direito a ninguém de julgar o outro, pelo contrário, permite posicionamentos diferentes
sobre a mesma questão. Assim, o professor não precisa ser neutro, terá a sua opinião,
porém ela só deve ser emitida se não for causar nenhum tipo de desconforto.

2) Acolher constantemente significa deixar a criança fazer o que ela quer?

Acolher constantemente não quer dizer ter pena da criança por essa ou aquela situação
de vida que passa, significa olhar para a criança enquanto sujeito, focando o seu pleno
desenvolvimento, fato que exige a imposição de limites em determinados momentos.
Deixar a criança solta, sem limites, também é excluí-la do processo educativo. Toda
criança precisa de continente, ou seja, de contenção, de sentir-se olhada e protegida.

MIDIATECA

Acesse a midiateca da Unidade 4 e veja o conteúdo complementar indicado pelo


professor sobre família e inclusão na creche.

94
O primeiro desafio enfrentado pela família e pela escola quando a criança da Educação
Infantil começa a frequentá-la é a adaptação. Para alguns, esse tempo será curto, porém
para outros pode ser bem mais longo, tudo depende de uma série de variantes. Cada
criança vai reagir de uma forma, não tem um padrão.

A 1ª semana de aula costuma ser uma boa choradeira na escola. O professor já está
esperando por essa situação e se organiza com atividades diferenciadas, porém, às
vezes, esquece que é um momento crucial para os pais. Alguns lidam muito bem com a
situação, outros não, precisam de mais tempo, precisam ser ouvidos em suas angústias.

Por serem adultos, os professores nem sempre


levam seu sofrimento em consideração, rotulam
qualquer dificuldade como “drama” por parte dos
pais e ainda os consideram culpados quando as
crianças choram.

Deixar seu filho na escola exige dos pais


confiança nesse espaço, e cabe à escola gerar
essa segurança.

Caso o pai tenha qualquer dificuldade em acreditar que seu filho será bem cuidado, isso
pode minar a adaptação da criança.

Observação

Ouvir os pais não significa fazer uma sessão de terapia todos os dias na porta
da sala, mas deixá-los nos orientar quanto à forma como desejam que seus
filhos sejam cuidados. Caso se perceba que existe realmente um exagero por
parte da família, a escola irá fazer a orientação, porém sem esquecer que a
família conhece os hábitos daquela criança, em sua singularidade, muito mais
do que a escola.

95
Portanto, é fundamental que o respeito mútuo esteja presente. Da mesma forma que
a escola estabelece limites bem definidos para a intromissão dos pais nos aspectos
pedagógicos, precisa respeitar o espaço particular dos pais; a escola não tem o direito
de invadir a forma como os pais educam seus filhos, a não ser que, de alguma forma,
estejam ferindo os direitos das crianças.

Ao contrário dos professores que acreditam que os pais é que devem ir


à escola mostrando-se interessados pelo desenvolvimento de seus fi-
lhos e pela relação entre família e escola, Tancredi e Reali (2001), Reali e
Tancredi (2002), Caetano (2004) acreditam que a construção da parceria
entre escola e família é função inicial dos professores, pois eles são ele-
mentos-chave no processo de aprendizagem. Dada a formação profis-
sional específica que têm, as tentativas de aproximação e de melhoria
das relações estabelecidas com as famílias devem partir, preferencial-
mente, da escola, pois ‘transferir essa função à família somente reforça
sentimentos de ansiedade, vergonha e incapacidade aos pais, uma vez
que não são eles os especialistas em educação’ (CAETANO, 2004, p. 58).
(MARINHO-ARAUJO; OLIVEIRA, 2010, p. 103)

Saiba mais

Para aprofundar seu conhecimento sobre as relações familiares no contexto


contemporâneo, leia o livro abaixo:

MARTINS FILHO, J. A criança terceirizada: os descaminhos das relações


familiares no mundo contemporâneo. Campinas: Papirus, 2015. Disponível na
Biblioteca Virtual.

96
Construção de projeto e planejamento de
aula

Nesta aula, você vai retomar alguns pontos abordados na disciplina para realizar a
construção do seu plano de aula do estágio.

Hoffman (2001) afirma que o planejamento proporciona ao professor a reflexão sobre suas
ações pedagógicas, permitindo rever a metodologia usada avaliando os resultados do projeto.

Ao planejar, o professor promove intencionalidade em suas ações, define com clareza


seus objetivos, os conteúdos e a forma como estes serão trabalhados. Como vem sendo
dito no decorrer da disciplina, toda ação pedagógica tem uma concepção teórica por
trás, entretanto estes três itens — objetivo, conteúdo e metodologia — estarão presentes
em qualquer linha teórica escolhida.

Ao trabalhar com projetos, o professor tem a oportunidade de interligar os conteúdos


das diversas áreas, porém o planejamento precisa ser claro e objetivo, ou facilmente o
professor se perderá entre tantas questões interessantes a serem trabalhadas.

Que legal!
Como isso
funciona?

UM MUNDO DE DESCOBERTAS!

97
Saiba mais

Leia o texto de Luciana Ostetto indicado abaixo para aprofundar seus


conhecimentos sobre as possibilidades de planejamento na Educação Infantil:

OSTETTO, L. E. O trabalho pedagógico na creche: entre limites e possibilidades.


In: ______. (org.). Encontros e encantamentos na educação infantil. 9. ed.
Campinas: Papirus, 2010. p. 175-199. Biblioteca Virtual.

Algumas perguntas precisam ser feitas na hora do planejamento. A seguir, elencamos


duas principais:

no
alu
se
es sor? eses
é fes ót da
u em pro s hip ões ao
Q ra o s, a gaç am
pa ideia esti ress
v
As s in inte
a
e ança or?
cri fess
pro

Para que um projeto seja pensado, o professor precisa primeiramente conhecer bem
o grupo com o qual está trabalhando, estar atento aos seus questionamentos para
detectar seus interesses. A partir dos interesses, juntamente com o conhecimento sobre
o desenvolvimento infantil e os conteúdos a serem trabalhados nessa faixa etária, o
professor poderá montar uma problematização que conduzirá todo o Projeto.

98
Todo projeto deve ter:

Título.
Justificativa contendo a motivação do projeto.
Objetivo geral.
Descrição da condução: assuntos/atividades.
Recursos.
Tempo previsto.

Precisa estar em consonância com o PPP da Instituição.

Com o projeto definido, parte-se para o planejamento da aula ou da atividade, para a qual
o professor precisará ter em mente as questões discutidas nesta disciplina:

Educar/cuidar/brincar.
Identidade/linguagem/sexualidade.
Múltiplas linguagens: explorando a corporeidade e as artes.
A organização do espaço/do tempo/da aprendizagem.
A rotina.
Sustentabilidade ambiental, sociopolítica e econômica.
Conteúdos: conceituais/procedimentais/atitudinais.

O grande desafio que se coloca diante do professor da Educação Infantil é, justamente, fazer
a construção de um planejamento que deixe de ser uma simples listagem de atividades
ou o desenvolvimento de temas geradores para ser um norteador de descobertas de
conteúdos de todos os níveis, contemplando todas as singularidades infantis, com suas
necessidades e organizações próprias.

Montar um plano de aula para a Educação Infantil implica ter em mente que a criança é muito
mais que o cognitivo, possuindo aspectos físicos e afetivos que gritam para serem ouvidos.
Desenvolvimento integral é o oposto de desenvolvimento compartimentado. A separação dos
aspectos em cognitivo, afetivo e físico vale somente para fins didáticos. No desenvolvimento
da criança, esses aspectos se entrelaçam de tal forma que é impossível separá-los.

Cada ponto do plano de aula deve estar em consonância com o PPP da escola, e os
dois precisam estar de acordo com as propostas dos programas nacionais. Um dado
fundamental é que o plano de aula do professor precisa refletir seu posicionamento
teórico e as relações que estabelece entre conhecimento e aprendizagem.

99
Exemplo

Um projeto para a Educação Infantil: o que tem no mar?

Essa pergunta irá desencadear todo um processo de descobertas conduzidas


pelo professor. Tal fato exige: disponibilidade para o novo; flexibilidade para
mudar de caminhos; objetividade para não perder suas metas e criatividade
para possibilitar explorações diferenciadas que respeitem as múltiplas
linguagens das crianças.

- Que animais existem no mar?


- Como se locomovem?
- Quais são as suas características?
- São todos da mesma família?

Muitas perguntas vão surgir... basta dar asas à imaginação! Cabe ao professor
associar as questões que irão surgir com os conteúdos a serem trabalhados:
conceituais, procedimentais e atitudinais.

“Isso significa levar em conta que a professora estabelece seu trabalho em sala
de aula em contraste e em relação com uma série de decisões prévias (o que
se deve ensinar?) que tem presente para organizar a atividade dos Projetos.”
(HERNANDEZ; VENTURA, 1998, p. 101)

100
Aspectos do plano de aula

A seguir, conheça mais os principais aspectos do plano de aula.

Objetivos
Trace os objetivos da aula, baseando-se nas habilidades e competên-
cias que pretende construir com as crianças.

Conteúdos
Selecione os conteúdos a serem trabalhados na aula, contemplando
os conteúdos: conceituais, procedimentais e atitudinais.

Desafio
Proponha um desafio, problematizando a questão a ser pesquisada.
Lembre-se que para instigar a pesquisa a pergunta precisa ser bem
elaborada.

Sistematização
Como se dará a aula? Descreva como acontecerão as atividades.

Recursos
Quais serão os recursos materiais necessários para a realização da
aula? Descreva esses recursos.

Tempo
Quanto tempo levará? Faça uma previsão para organizar melhor o
trabalho.

101
Desafio

São muitos aspectos para pensar... Vamos colocar em prática!

Construa seu plano de aula e insira-o em um projeto. Seja criativo! Não precisa
ser de acordo com o planejamento da escola de estágio. Caso seja possível,
use o planejamento que fizer para realizar a regência em sala de aula.

Registre tudo no seu caderno de campo.

Saiba mais

Para aprofundar seu conhecimento sobre o assunto, leia o texto abaixo:

MAIOR, S. D. S. O mapa do tesouro: ultrapassando obstáculos e seguindo


pistas no cotidiano da educação infantil. In: OSTETTO, L. E. (org.). Encontros e
encantamentos na educação infantil. 9. ed. Campinas: Papirus, 2010. p. 63-82.
Biblioteca Virtual.

102
NA PRÁTICA

Fonte: educacaoinfantilummundoadescobrir.blogspot.com.

Mariana é professora de uma turma de crianças com cinco anos, está muito atarefada
com o planejamento de início de ano, já pensou os projetos que percorrerão o ano
e está se organizando para receber seus 25 alunos, como na charge de Tonnucci
acima.

No primeiro dia de aula se depara com João, que chega todo eufórico com seu
lanche na merendeira, doido para conviver com os colegas nas brincadeiras. Uma
criança acostumada a brincar livremente no quintal de casa com seus amigos, logo
estranha a sala fechada, mas acredita que irão brincar no pátio da escola, que deve
ter árvores e terra. Qual não é sua decepção quando se depara com concreto e
alguns brinquedos de plástico. Rafaela, auxiliar da turma, percebe que algo está
errado e vai conversar com João. Muito tristemente, a criança desabafa e conta
sua decepção. Minutos depois, instigado por Rafaela está brincando com as outras
crianças de pique-pega. Rafaela vai até a professora da turma, Mariana, para contar
o ocorrido. A reação da professora deixou Rafaela desolada:

— Logo ele vai se adaptar e vai pensar como os outros.

Nesse caso, a professora não está contando com a singularidade dos alunos ao
planejar seu trabalho com a turma, ainda considera cada criança como mais um
número que precisa se adequar ao sistema.

103
Resumo da Unidade 4

Esta unidade contemplou uma reflexão sobre os aspectos necessários para se transformar
a prática. Na primeira aula, você percebeu como as teorias educacionais podem ser
objetos de reflexão sobre a prática pedagógica na Educação Infantil. Na segunda aula,
foi trazida a ideia da família como parceira da escola, e você viu como o acolhimento é
essencial para o sucesso dessa relação. Na última aula, você aprendeu como pode ser
montado um esquema para auxiliar o planejamento da aula que precisa ser realizada no
estágio, porém associando ao trabalho com projetos.

CONCEITO

O conceito trabalhado nesta unidade foi a construção de um plano de aula coerente com
as propostas atuais para a Educação Infantil, fazendo uso dos modelos pedagógicos
na correlação teoria-prática.

104
Referências

CHAUÍ, M. Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2000.

HERNANDEZ, F.; VENTURA, M. A organização do currículo por projetos de trabalho: o


conhecimento é um caleidoscópio. 5. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 1998.

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