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Trecho
Diante do postal de Kleber, no delírio de ter uma cidade sob o sol nas mãos e estar sob o sol de
outra cidade, evoquei o dia em que conheci Nastácia, levado pela relação entre a reminiscência e
os dois sóis, relacionando Nastácia com minha vinda de um para o outro. Na margem do Tejo, o
suposto vendedor de haxixe (na verdade caldo concentrado de galinha prensado com louro)
aborda os estrangeiros, simpático enxame qual babel preguiçosa à beira do rio. Eflúvios de tágide
emanam do outro envelope – uma carta de Claudia, jovem que eu conhecera em Veneza e nos
instigamos e ficamos naquele jogo de olhares sutis e palavras dúbias a sugerir a íntima celebração
de um querer reticente, quando o que é implícito beira a revelação. Enquanto isso dura, resiste
uma inquieta amizade. E nos tornamos amigos. Agora me escrevia de Muggio, falava de trabalhos
e estudos em Milão, de sua vida solitária de muitas atividades, de todo o seu tempo tomado, mas
dera assim mesmo um pulo a Moscou após breve giro pelas capitais da comunidade européia em
pleno início da livre circulação de pessoas e mercadorias. Falava. Posso ouvir a sua voz. Soa com
naturalidade para mim apenas compreensível de quem diz ter ido ver o crepúsculo na varanda de
casa. Ah, o tom confuso do mundo de camponeses e reis, dos pedestais da aristocracia feminina e
ternos vagabundos sob o sol...
mais trechos em
http://lisboamaiode1998.blogspot.com
Vídeo relacionado:
http://www.youtube.com/watch?v=vG1NpLe9-mU
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Carros ressoam no crepúsculo ao longo da Avenida Atlântica atrás de mim. Piso na areia vindo da
calçada que acompanha a orla de Copacabana. O oceano transmite a velha paz que não consigo
manter. Deus, eis-me aqui de novo tentando. Pode ser o começo de uma história, de minha
história. Até aqui nada tenho feito além de sonhar e abortar sonhos. Mas descalço na areia sinto
que minha existência é real e mais que isso, necessária. Sempre fui aquele que poderia ter sido.
Tudo o que fiz foram as coisas que deixei de fazer. Um sonhador, prefiro considerar; um perdedor,
será irreversível admitir? (...) É noite, agora também no Brasil. E posso vê-la, Esperança, em
algum lugar deste pequeno mundo errante na vastidão infinita, ouvindo baixinho sob o
travesseiro um blues apaziguador, o brilho de seus olhos acesso na noite por uma saudade serena.
Insone a luz do abajur de meu quarto, não choro nem me sinto miserável.
Vídeo relacionado:
http://www.youtube.com/watch?v=paD2UgvwYD8&feature=related
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O último homem, escrito na época dos livros de bolso, quando surgiu o e-book. Narra
a saga de um pequeno exército liderado pelo filho de um homem que se tornara lenda
em sua luta pela liberdade. Mas uma mulher irá mudar o rumo dos acontecimentos.
Trecho
"Vagões. Vagões. Vagões. Quando um deles cumprirá a promessa de Marcelino, trazendo seu
sucessor? A violência voltou a tomar conta da terra. Pessoas vão e vêm, tentando levar a vida;
mas a cada dia torna-se mais difícil levar a vida por aqui. Como naqueles tempos... (...) O cerco,
entretanto, se dissipa.. O ataque frontal chega em fragmentos e aquele imperativo tremendo
captava a força de antigos mestres, a destreza de um castanho sazonado de paixão, desativando o
último golpe do inimigo. Explosões, clarões, fogo. Lâminas ensangüentadas. Patas de cavalo sobre
o chão, relinchos e gritos. E clamores. O som dos rifles e carabinas e o silêncio quase incógnito do
Anjo. Hilson! Sua arma respondia em seu lugar.”
link-
http://www.scribd.com/doc/2886569/ricardo-rocha-O-Ultimo-homem
“A senhora Lens” foi o ultimo romance. Escrito em 1994 segundo o ponto de vista dos
personagens, conta a história do forasteiro que se casa com a jovem da pequena
cidade para ficar próximo da mãe dela, por quem desde o primeiro momento se
apaixonou.
Trecho
A senhora Lens fechou os olhos. Arfava. A respiração a enchia de vida exterior. O ar cortado pelas cigarras,
recém-chegadas do fundo da terra, dividia a madrugada embebida em barulho de mar, tornando-a multíplice
em sua lucidez dilacerada. O mar ao longe. Parece aqui. Dentro do quarto. Nos pensamentos relativos ao
momento imediato, imprimiu-se um colorido digressivo. No pio da ave noturna há um desenho aos pés da
freira no colégio; o raio lunar, em que nasce o cântico das contrações, retroage para a primeira varanda ao
luar ou a madrugada em que a menina sai à luz vinda do ventre de sua mãe. E como ouvisse do lado de fora
céleres os morcegos, ao som da inspiração profunda, ansiou a antiga liberdade. Mãe, mãe! Ambíguas, as
lágrimas brilhavam como num reencontro. – Minha filhinha... As reminiscências enviaram ao corpo quieto
na cama as praias da adolescência povoada de gaivotas. Quem sou, se pergunta. Mulher, menina; mãe, filha;
esposa. Esposa. Bater de asas. O pulsar do colchão de molas havia ateado um rubor vivíssimo às partículas
de pó, assim o Verbo no principio, quando fervilham esperanças entre o sabor e o azedume. Permanece,
permanece por toda a noite, noite semelhante àquela em que a consciência fez com que ela se acovardasse e
decidisse casar, apesar da claridade gloriosa de um dia distante – o primeiro dia do seu primeiro namoro –
apenas reconhecido por certa memória imprecisa que ainda consegue vislumbrar a redenção, mas se
confunde com as preocupações de segurança material. Ai. Um arrepio na parte de dentro das coxas. Como
foi tola. O que se leva deste mundo? Nada, pensou ao levar os dedos. Então a revelação. Hoje. Espere. O
gatinho sobe na cama e se aconchega ao lado dela. Esperaria, se anteciparia até. Através da estreita
passagem, escura como a madrugada próxima ao amanhecer e, mesmo antes da aurora, pelo sol redimida.
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