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PALAS

Muito se tem cobrado da juventude, acusações diversas lhe têm


sido imputadas e não é raro entre os adultos um certo ar de descrença
em relação às novas gerações. Falta de compromisso, pouca atenção
para com os mais velhos, nenhuma preocupação com cultura, arte,
promoção do ser humano – essa parece ser a tônica da juventude atual.
E nem sempre é fácil perceber o quanto as aparências
enganam...
Minha cidade, Silvânia, sempre teve uma fama de “cultural”. Lá
se vão mais de duzentos anos de história e por muitas vezes a cultura e
a educação estiveram em destaque na velha Bonfim. Ali nasceram
Henrique Silva, Americano do Brasil, José Sêneca Lobo, e, mais
recentemente, Salomão Sousa e André de Leones (ainda que este, no
registro seja goianiense, tem forte ligação com Silvânia); ali estudaram
Ursulino Leão, os irmãos Humberto e José Crispim Borges, entre tantos
outros expoentes da cultura em Goiás.
Nos últimos tempos, é bem verdade, o setor cultural da cidade
andava meio que às traças.
Símbolo desse ostracismo era o Espaço Cultural Juvenal Tavares.
Construído como cinema no início dos anos 1960, depois
reformado e transformado em auditório na década de 1980, o local
estava totalmente abandonado, servindo de morada para inúmeros
pombos. Alguém chegou a tentar expulsar as aves de lá, colocando
veneno para elas, mas isso só piorou a situação: morreram alguns,
ficando espalhados seus restos pelo prédio, e outros continuaram se
multiplicando.
A prefeitura havia comodamente doado o prédio para a Câmara
Municipal, que chegou a preparar um projeto de reforma no local para ali
se instalar. Faltava só um pequeno detalhe para que a obra se
concretizasse: grana.
Na década de 1980, havia florescido na cidade um movimento
cultural chamado Palas, que marcou época e deixou saudosas
lembranças. Tive a satisfação de fazer parte desse grupo e de
acompanhar seu desenvolvimento.
No início de 2007, um grupo de jovens silvanienses, entre 15 e
vinte e poucos anos, sabendo da existência do Palas, quis reviver o
movimento. Lá estava eu novamente, mas vivendo uma experiência
totalmente nova.
Eu, que acompanhara os passos do Palas entre 1986 e 1991,
percebia aos poucos como mudara a juventude, suas concepções, sua
postura, sua coragem. Se antes eu era dos que lideravam o grupo e ia
na frente, abrindo caminhos, agora minha liderança se exercia de outra
maneira: eu tinha de ir atrás, como que “segurando” o ímpeto da
moçada.
Depois de alguns eventos realizados na cidade, entre os quais o
Omelete Cultural, feito em parceria com a unidade local da UEG; depois
saraus, de inúmeras reuniões e discussões, as atenções do grupo se
voltaram para o Espaço Cultural. Não tinha cabimento aquele espaço
abandonado, praticamente um caso de saúde pública dadas as
condições de sujeira em que se encontrava – e bem no centro da cidade
– e “nós” não fazermos nada! Ainda mais que a cidade não dispunha de
um espaço semelhante para a realização de palestras, shows, eventos...
Vamos limpar o Espaço Cultural! virou a palavra de ordem. E eu
vinha ponderando: gente! calma! O local está até perigoso!
Consegui segurá-los por um tempo, o suficiente para que a
Câmara mandasse fazer uma limpeza superficial, retirando o “grosso” da
sujeira que ali se encontrava. Depois disso, fomos todos para o Espaço
Cultural, munidos de rodos, vassouras, panos, mangueira e escovas. E
haja água e sabão! Sobretudo, haja desinfetante pra afastar o
insuportável fedor de pombos!
Depois de muito, mas muito trabalho, o local estava limpo. Quer
dizer, mais ou menos limpo, já que era impossível retirar aquele cheiro
horrível – e os pombos continuavam lá.
Percebemos que era preciso fazer mais.
Levamos um arquiteto ao local e ele nos orientou sobre o que
poderia ser feito a curto prazo e se dispôs a trabalhar um projeto de
reforma geral do prédio, para ser inscrito no Ministério da Cultura, Lei
Rouanet.
A limpeza até que deu uma melhorada no local, mas ainda assim
estava longe de ser utilizável para qualquer coisa. Até porque os tais
pombos ainda estavam lá.
Iniciamos então uma campanha para que a prefeitura nos
repassasse o local a fim de que pudéssemos tentar reativá-lo. Enquanto
negociávamos isso, o trabalho continuava: as cadeiras, fixas no piso,
foram retiradas para que se pudesse arrancar os tacos (a maioria podre
por causa da água das chuvas. E foram eles mesmos que arrancaram os
tacos.
Negociada a transferência junto à Prefeitura e à Câmara, o
Espaço Cultural era repassado a nossa entidade – a Sociedade
Bonfinense de Cultura – em regime de comodato. Ao mesmo tempo,
iniciamos uma campanha para arrecadar recursos para uma pequena
reforma no prédio, que fosse suficiente para que ele voltasse a ser
utilizado.
A Campanha, chamada de Livro de Ouro (na verdade, um livro-
ata em que as pessoas assinavam e colocavam na frente a quantia que
doariam), arrecadou pouco mais de nove mil reais. Com esse dinheiro, o
prédio recebeu uma pintura, o forro foi arrancado e as goteiras retiradas,
o piso foi cimentado, as instalações elétricas e os banheiros reformados.
No dia 15 de novembro passado, o Espaço Cultural era reaberto
com um show da banda Palas e convidados. Emocionante, sob diversos
aspectos.
Após a reabertura, o local recebeu inúmeros eventos –
seminários, shows, palestras. A cidade mostrou que realmente estava
sentindo falta daquele espaço.
Em janeiro, os jovens do Palas resolveram exibir alguns filmes lá
e as sessões estavam movimentadas... mas tivemos de interrompê-las.
Técnicos da Agepel que estiveram visitando a cidade foram
convidados a uma vistoria no local. O engenheiro então recomendou que
o Espaço fosse fechado – o telhado não oferecia as condições ideais de
segurança.
Foi difícil convencer a moçada da necessidade de interditar o
local. Mas todos acabaram se convencendo e se motivando para nova
campanha – agora para trocar o madeiramento do telhado.
Mas o que é importante ressaltar nessa história toda é o
empenho e a doação de um grupo de jovens interessados em buscar o
melhor para sua cidade, sem se preocuparem com recompensa ou
reconhecimento.
Isso mostra que o jovem pode muito e fará muito, desde que lhe
deem espaço, lhe respeitem as ideias e se saiba lidar com sua energia e
disposição.
O Livro de Ouro foi reaberto e quem quiser assiná-lo procure em
Silvânia a galera do Palas. A luta continua...

Edmar Camilo Cotrim, professor, escritor, presidente da


Sociedade Bonfinense de Cultura e Secretário Municipal de Cultura de
Silvânia.

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