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O ano 1968 começou pela porta da frente. Escancarada.

Querendo sorver o novo, o


admirável mundo novo. Os ventos da mudança, que arrasariam pelas ruas das capitais
européias, aportavam no Brasil nos passos dos estudantes. Para parte da juventude e
intelectuais cariocas, o ano começou embalado em uma festa que parecia não ter fim.
Pelas cabeças dos que rondavam o místico reveillon, na casa de Heloísa Buarque de
Holanda, imaginava-se que aquele ano seria diferente. Porém, nem os mais otimistas
dos otimistas – ou o pessimista dos pessimistas - ousariam idealizar o que 1968 viria a
representar para o mundo e particularmente para o Brasil. Como poeticamente Zuenir
Ventura definiu, foi o ano que não chegou ao fim.

Reconstruir os rumos que mudariam a história daquele ano, e conseqüentemente as


trajetórias políticas e culturais do país, foi o primoroso relato do jornalista Zuenir
Ventura, na obra 1968 – O ANO QUE NÃO TERMINOU: A AVENTURA DE UMA
GERAÇÃO (Editora Nova Fronteira, 1988, 314 páginas). Testemunha das
movimentações daquele período, Zuenir, vinte anos depois, faz uma análise riquíssima
sobre o início dos anos de chumbo. Misturando entrevista com os envolvidos,
documentos, até então, inéditos e suas memórias – além de um estilo literário
desprendido de mágoas das vivências que sofrera quando preso -, o autor remonta um
enorme quebra-cabeça de fatos que mudariam vidas e o destino da nação.

O ano em questão, marcado pela rebeldia dos estudantes na Europa – o famoso Maio de
1968 -, teve reflexo na juventude carioca e paulista (e em outras capitais brasileiras). As
crescentes manifestações estudantis e o apoio dos populares desencadearam vários
processos para tentar legitimar o uso da força por parte dos militares. Quatro anos
depois do golpe – que fora apoiado pelos meios de comunicação e opinião pública –,
inúmeras falhas administrativas desgastavam a imagem perante os populares.
Descontentes com os rumos que o golpe culminava, as revoltas populares, arquitetadas
pelos movimentos estudantis, tomavam às ruas. Ao mesmo tempo, a “Revolução
Armada” ganhava corpo e força entre os jovens rebeldes com o sistema.

Retrato fidelíssimo do momento, evitando ao máximo tender para um dos lados,


apontando falhas e exageros de todos os ângulos, Zuenir desprende das mágoas que
poderiam o amofinar, para, em meio de bom humor e visão aguçada, relatar da ascensão
à queda – por imposição de força superior, ou por fragmentação e erros da esquerda –
das movimentações estudantis. E, por fim, ao desfecho do fatídico 13 de dezembro.

Nem a tentativa do então vice-presidente, Pedro Aleixo, foram suficiente para evitar o
golpe dentro do golpe, nem a atitude digna de Pôncio Pilatos do então presidente, o
General Costa e Silva, foi capaz de impedir o Ato Institucional número 5 (AI-5), que
estava em com as horas contadas para ser instituído. Ao passo, que a esquerda
estudantil, cada vez mais fragmentada, perdera força e a empatia da opinião pública ao
misturar rebeldia e baderna, manifestação popular com atos de vandalismo
desnecessários. Além da ingenuidade e ações de espionagem infiltradas entre os
estudantes.

Aos artistas e intelectuais restaram apenas as mordaças que calariam as produções


culturais. Esmagando como rolo compressor qualquer cisma, por mais estúpida que
fosse, sobre a ideologia política dos produtores de arte. Assim, 13 de dezembro de 1968
encerrou o ano idealizado e sonhado pelos estudantes que bebiam dos filósofos e
pensadores mais iluminados. A caça as bruxas, que dera início antes mesmo do
pronunciamento oficial do ato, matou parcela da esperança que ainda florescia na mente
inquieta dos jovens. Para quem foi alvo das perseguições na madrugada e os dias
seguintes ao Golpe dentro do Golpe, 1968 deixou no ar a sensação incompleta do ano
que não terminou.

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