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O texto abaixo, de autoria do filósofo Paulo Ghiraldelli Jr, foi recebido diretamente por email, e

está sendo repassado, a pedido do autor. (Figura ilustrativa suprimida)

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“Ensino e vestibular: contra o rico ninguém pode


26 04 2009

Alguns burocratas da pró-reitoria de graduação da USP estão exultantes. Qual a razão?


Segundo eles mesmos, o objetivo que tinham era o de “democratizar a USP” que,
também segundo eles mesmos, seria “elitizada”. Agora, como dizem, estão contentes
porque a USP finalmente aderiu ao sistema de cotas para o exame vestibular; no caso, a
chamada cota social: 50% das vagas da USP devem ficar para alunos provindos da
escola pública.

Não posso ficar feliz com isso. Pois apesar da aparente boa intenção desses professores
burocratas (alguns deles não passaram no vestibular da USP), sua idéia sobre o assunto
é equivocada. Trata-se de um equívoco que também percorre os corredores de
secretarias de educação, gabinetes de reitorias por aí afora e vai acabar batendo no MEC
e no Congresso. E essas instâncias, todas elas muito afeitas ao populismo barato,
tenderão a errar segundo o mesmo erro da pró-reitoria atual da USP.

Caso a intenção não seja a de mero populismo, e que realmente seja um erro de
avaliação e não um engodo proposital, então qual é o erro? Simples: acreditar que a
Universidade tem o poder de forçar a melhoria da escola pública por meio de exames.
Não tem. Nem de forma direta e nem de forma indireta. Talvez no passado isso pudesse
acontecer. Agora, na situação em que a escola pública se encontra, esse tipo de ação vai
antes prejudicar os cursos universitários que ser uma cunha para a melhoria da escola
pública básica.

A escola pública está aquém de conseguir se recuperar a partir desse mecanismo.


Deveríamos ter pensado nele quando a parte menos pobre de nossa classe média ainda
estava na escola pública. Isso iria incentivá-la a ficar e, então, tal postura poderia manter
nossas elites governantes – que possuem vários elementos vindos da classe média –
com os olhos abertos para o ensino estatal. Mas, agora é tarde. Ao menos para esse tipo
de ação isolada, é tarde.

As estatísticas iniciais, feitas por grupos privados, começam a chegar às nossas mãos.
De fato, por conta do vestibular da FUVEST aproveitar três pontos da prova do ENEM, já
estávamos constatando uma sensível aparente migração de alunos de melhor renda para
a escola pública. E isso agora tende a aumentar decisivamente: todos vão procurar se
beneficiar das cotas. E qual é a estratégia dos ricos? Voltar para a escola pública em
termos de ocupar uma posição na sala, passar ali com facilidade, dado que a escola
pública não oferece qualquer resistência, e continuar a estudar nos cursinhos pré-
vestibulares particulares. Os cursinhos já perceberam isso claramente, e estão
começando a se preparar para receber mais alunos nas salas avulsas, aquelas que não
são salas de colégio. Assim, voltamos ao processo de seleção de sempre: os mais ricos,
os que puderem pagar o cursinho, vão disputar todas as vagas.
Ou seja, em termos de política educacional, essa volta da classe média menos pobre para
a escola pública não necessariamente significará, no curto prazo ou mesmo em uma
situação de médio prazo, o despertar de uma atenção das elites governantes para a
escola pública. Talvez a medida contida no projeto do senador Cristóvam Buarque, ao
menos como idéia, seja bem melhor: que todo político seja obrigado a ter seu filho na
escola pública. É uma idéia que nunca vingará no Congresso Nacional, mas, como idéia,
ao menos tem o mérito de mostrar onde está o problema de fato. A medida da USP não
mostra o problema, o escamoteia. Resolver? Jamais!

A política de cotas para minorias não é uma ação de política educacional. É uma ação
para quebrar o preconceito; trata-se de uma ação social para diminuir o pouco convívio,
em determinados lugares, de grupos sociais diferentes. É necessário, sim, que em um
país como o nosso o filho do branco e o filho de negro convivam nos mesmos locais.
Nisso, ela está correta. Agora, a política de cotas da USP, no caso, é sim uma forma de
política educacional. Seu objetivo é mexer com a USP por dentro e fazer a USP, de fora,
possa mexer com a escola pública. Nos dois sentidos, a ação será nefasta. A USP vai ter
de abaixar seu nível de ensino que, aliás, já tem capengado por conta de greves e por
conta de concursos pouco sérios. E quanto à ação da USP sobre a escola pública básica,
ela será anulada facilmente pela capacidade de mobilidade dos ricos.

O resultado final será este: a USP ficará uma porcaria, e então as elites, que quiserem
estudar, irão todas de uma vez para o Mackenzie e PUC (no caso de São Paulo), e logo
estarão indo para outras faculdades e universidades privadas e, uma vez lá, obrigarão tais
escolas a se tornarem melhores. A escola pública de ensino básico passará por um
momento em que acolherá uma parcela de alunos menos pobres, mas esses alunos não
causarão o movimento desejado, que seria o de fazer seus pais, com capacidade de
reivindicação, gritar em favor da escola pública. Pois, afinal, o prazo que devem ficar ali,
para se garantirem no vestibular com a cota, é muito pouco (basta freqüentar o ensino
médio). Não é o suficiente para que seus pais venham a se preocupar com a escola do
filho. Não haverá o movimento de atenção social dos mais ricos para com a escola
pública, como se poderia esperar.

É triste dizer, mas tenho de dizer: as pessoas que inventam medidas de política
educacional na pró-reitoria da USP não entendem de educação. É incrível que elas não
tenham conseguido perceber isso. De fato, a ciência da educação, no Brasil, precisa de
melhores olhos. Precisam de olhos de bom senso.

Uma medida como esta, da USP, jamais poderia ser uma medida isolada. Para ter alguma
eficácia, ela teria de vir por meio de uma ação articulada da Universidade com a
secretaria de Educação do Estado de São Paulo. A USP teria de condicionar o seu
vestibular a uma ação prática do governo de São Paulo de melhoria real dos salários dos
professores da escola pública básica, e não esta política de bônus e mérito que, na
verdade, não é o mérito para o melhor professor. Além disso, tal medida da USP deveria
estar agendada com uma postura do governo estadual no sentido de garantir a fixação de
cada professor na escola básica em que leciona. E mais, o governo estadual deveria
garantir a ampliação do direito de crítica dos professores às suas autoridades. E por fim:
uma política clara no sentido de criar condições para que o professor tenha regimes
sabáticos, para que ele volte a estudar. Neste último caso, a USP deveria ter cursos de
mestrado específicos, para acolher tal professor em suas sabáticas, no assunto em que
ele gostaria de se aperfeiçoar. Uma vez com o título de mestre nas mãos, esse professor
deveria ter incentivos financeiros claros e decisivos no sentido de fazê-lo não sair da
escola básica que leciona.

Essas são umas poucas medidas – mas necessárias – que poderiam ser assumidas por
conta de um plano articulado entre o governo do Estado e a USP. Aí sim, a conversa seria
séria. Mas, infelizmente, cada um desses setores olha para o próprio umbigo, não para as
necessidades reais de nossa educação. A pró-reitoria da USP faz política, não política
educacional, e a secretaria de Estado do Governo de São Paulo, é claro, vai no mesmo
rumo, e no caso, nem quer saber do que ocorre com a USP.

Paulo Ghiraldelli Jr, filósofo

http://ghiraldelli.ning.com e http://ghiraldelli.org/

http://mogulus.com/filosofia e http://ghiraldelli.wordpress.com

http://ghiraldelli.blogspot.com

« De greve em greve a educação não enche o papo “

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