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BELO HORIZONTE

QUINTA-FEIRA, 26/2/2009

RAQUEL EMANUELLE

“A escola tradicional não forma para a cidadania, existe para atender ao mercado, gerar mão-de-obra, ganhar dinheiro e
ter diploma”, critica o arte-educador e fundador do Centro Popular de Cultura e Desenvolvimento, Tião Rocha (foto). Sob
a égide da responsabilidade social, ONGs, empresas e governos, investem na educação não-formal, como complementar
à tradicional. 0 modelo exige novos atores, espaços e tecnologias, nas oficinas lúdicas e culturais. Mas, por falta de uma
cultura de gestão eficiente nas organizações, nâo são mensuradas por indicadores de impacto. Páginas 8 e 9.
BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 26/2/2009 HOJE EM DIA - euacredito@hojeemdia.com.br

Nas organizações sociais, arte-educadores exercem modelo de


educação comprometido com a formação integral humana

DIVULGAÇÃO RAQUEL EMANUELLE

O educador
Tião Rocha:
“A educação é
um fim e a
LUIZA VILLARROEL escola, um
CAMIL A LOPES meio”
LITZA MATTOS
COLABORADORAS

Longe das quatro paredes da habi- Diferente da educação formal, onde o interesse está Para a educadora Sandra Lanne, a educação não-formal
tual sala de aula, a rotina acadêmica diretamente vinculado ao grau de aprendizado; na educação atual como comple­mentar, aos modelos de aprendizagens
cede lugar a uma educação nada não-formal, considera-se a qualidade da expe­riência e suas formal e informal. “O processo acontece através da vivência
convencional. Jogos, histó­rias e, acesso conseqüências. São inseri­dos outros atores, possibilidades cotidiana. A educa­ção não-formal amplia as experiências
à cultura, fazem parte desse mo­delo de e for­mas de aprendizagem e construção do co­nhecimento. es­colares e de vivência cidadã” conclui. Atualmente, em
ensino, que formam alunos, sobretudo, “Desde o início, em Araçuaí (MG), já são 11 anos na parceria com o artista plástico Leandro Gabriel, Sandra desen­
para a cidadania. Denominada não- instituição. Cresci muito, pessoal e profissionalmente e, ti­ve volve o projeto Escultórias, que promove acesso à cultura.
formal, es­s e modelo da prática do oportunidades que, de outra forma, nunca teria. A instituição Leandro Gabriel atua principalmente nas escolas, da
ensino, torna a obriga­ção do saber faz com que acreditemos em nosso potencial e nos mostra seguinte forma: durante duas semanas, a escola recebe uma
prazerosa, com resultados tão efi­cientes, uma forma melhor de ver o mun­do e acreditar que tudo é expo­sição de esculturas. O aluno que se sentir motivado,
quanto ao tradicional sistema das re­ possível,” conta uma das beneficiárias das ações do CP­CD, poderá se inscrever para fazer uma oficina de criação plástica
Nataliana Santos, 23 anos. e literária, tendo como eixo motivador as escultu­ras. Este
des pública e privada, que conhecemos
Fundado em 1984, em Belo Hori­zonte, o CPCD promove aluno também participará de um bate-papo com o escultor
e esta­mos acostumados. “Através da
a educação po­pular e o desenvolvimento comunitá­rio a partir e, terá a pos­sibilidade de ver seus trabalhos no acer­vo da
informalidade, que possibilita o uso
da cultura. “ Uma escola que não aprende, que não se abre, exposição itinerante do projeto e/ou serem publicados em
de novas técnicas, acre­ditamos que o
que acha que só ensina, não educa”, com­pleta Tião. Para ele, um livro.
processo de educação se mante­nha vivo a educação só se aprende no plural. Como resultado, participantes de seis escolas municipais
durante toda a vida de uma pessoa. É de Belo Horizon­te e da cidade de Ipatinga, tiveram os seus
um fim, e a escola, um meio”, explica o CULTURA E ARTE COMPLEMENTAM ENSINO textos publicados em dois livros: “Escultórias” e “Escultórias
funda­dor e educador do Centro Popular Sob diversificado leque de possibili­dades das ações de Arigatô”. Aini-ciativa motivou a formação de um grupo de
de Cultura e Desenvolvimento (CPCD), responsabilidade so­cial, com foco na melhoria da qualidade jovens, que passaram a contar artisti­camente para os mais
Tião Rocha. 0 edu­cador consolidou de vida da população, as metodologias usadas na educação diferenciados pú­blicos, histórias, poemas e músicas desen­
projetos como Sementinha, para não-formal reúnem propostas educacionais e manifestações volvidas no projeto.
crianças de quatro a seis anos; Ser artísticas e culturais, no atendimento a crianças, jovens, “A promoção da inclusão social, ar­tística e cultural por
Crian­ça, entre sete e 15 anos; Pedagogia adultos e idosos. Bastan­te diversificadas, os projetos meio de um contato maior com a arte é o que este projeto
do Brinque­do; projeto Bornal dos Jogos, são elabora­dos e implementados em torno das políti­cas de educação-não formal, possibilita na vi­da das pessoas.
para educado­res; Bornal da Paz e muitos públicas de inclusão, nos programas e ações efetivadas Uma vez que 93% dos brasileiros, de acordo com o IBGE,
outros. Implantado em seis estados por organizações Não-Governamentais, com o patrocínio, nun­ca foram a uma exposição de arte”, com­pleta Sandra. A
brasileiros e em Moçambi­que, na África, em sua maioria, de empresas e esferas gover­namentais. A educadora desenvolve outros projetos sobre essa forma de
onde o programa já beneficiou mais de mobilização e a utilização da mão de obra voluntária é outra ensi­no: Primavera de Histórias, Histórias da Nossa Gente, e
20 mil crianças e jovens. caracte­rística marcante do modelo. Passaredo Contadores de Histórias.
BELO HORIZONTE, QUINTA-FEIRA, 26/2/2009 HOJE EM DIA - euacredito@hojeemdia.com.br

PIPA CAVALCANTI

Em Betim, a ONG
construindo uma casa
de hóspedes, com o
apoio da Fundação
Kellogs, para receber
e capacitar gestores
e colaboradores de
outras organizações.

Envolve criatividade, disciplina, reci­clagem des­se país”, dispara o educador Tião Ro­cha do Solange Bottaro, que atua nas comunidades da Zona Rural de
de posturas, valores e tradições. No modelo Centro Popular de Cultura e De­senvolvimento. Ele Betim, na RMBH, também com pro­jetos artísticos-culturais
de educação não-formal, para a formação do explica que, quan­do se desenvolve uma educação e lúdicos com crianças e adolescentes, no contratur­no da
cidadão, ético, justo, solidá­rio e, protagonista de dita popular, informal, e não meramente acadêmica, escola formal, não existe, nas or­ganizações sociais, uma
seu próprio desenvol­vimento humano e social, é quando pensamos que essa educação dentro da cultura de mensuração dos resultados para levan­tamento
entram em cena, outros atores, possibilidades, forma, sozi­nha, não dá conta do todo. E não tem dado dos indicadores de impacto das ações, em qualquer área.
formas e téc­nicas de aprendizado. Além disso, conta, inclusive, da própria fun­ção social da escola. “Eu te­nho certeza absoluta de que, em 50 anos, a atuação da
fora da tradicional sala de aula, todos os E apesar dos resul­tados efetivos, constatados, Ramacrisna, elevou o índice de escolaridade da população
espaços abrem sua infinidade de possibilidades visibiliza-dos e fiscalizados, pelos patrocinado­res, regional, mas não tenho dados”, afir­ma. Solange informa que
pa­ra esse descobrimento. Através de ofici­nas não existem indicadores consisten­tes, capazes de está, neste momento, implantando um sistema de gestão,
artísticas e culturais, de forma lúdica, crianças nos dar a real dimensão da contribuição do modelo, com esse fim.
implemen­tado, em sua maioria, pela sociedade ci­vil Na mesma cidade, porém na área central, o Salão do
e jovens são beneficiados com atividades que
organizada. Encontro, organiza­ção também com cerca de 30 anos de
promovem o desenvolvi­mento psicomotor, o
De acordo com o educador, a esco­la, qualquer atuação na promoção do desenvolvi­mento integral humano,
raciocínio lógico e a melhoria da auto-estima,
uma delas, é o aparelho ideológico do mercado. em meio a muita natureza, é um celeiro de ofici­nas de arte-
além da forma­ção de hábitos para a saúde; “A escola exis­te para atender ao mercado. Formar
preservação ambiental, higiene, alimentação educação. Entre as ativida­des, informática, artesanato, jogos
mão-de-obra, arrumar emprego, ga­nhar dinheiro, ar­tesanais, reforço escolar, artes circen­ses, reciclagem,
saudável e socialização; como cooperação, ter diploma. O proble­ma é que a escola não faz cerâmica, tecelagem, marcenaria, tapeçaria e reciclagem,
partici­pação e respeito. isso bem”, cri­tica Tião. Os índices de avaliação do “Bastaque, com simplicidade, discipli­na, sensibilidade e
Programa Internacional de Avaliação de Alunos (Pisa) muito amor, dar es­tímulo e fazer que eles acreditem no seu
“Educação informal é aquela que não está na 2007 mostra que os brasileiros, de 15 anos, ficaram potencial”, ensina, Noemi Gontijo, 84 anos, fundadora e até
forma, formatada e muito menos, dentro do formol, em últi­mo ou penúltimo lugar em conheci­mentos hoje coorde­nadora da ONG. Na educação infantil, a ONG
que é essa educação engessada entre quatro pare­des gerais. “E não forma também para a cidadania, beneficia cerca de 400 crianças de quatro a seis anos. Já na
dentro de um currículo pronto, de­fasado, fossilizado, devido à falta de fun­ção social”, conclui. escola com­plementar , em média, 150 alunos, de sete a 14
em geral, com o qual trabalha o sistema de ensino Para a Superintendente da Missão Ramacrisna, anos. A pré-escola oferece al­moço, lanche e banho.

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