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Luciana Ellwanger 1
RESUMO: O estresse é uma síndrome multifatorial ligada a aspectos físicos, psicológicos, sociais e
comportamentais. Está intimamente relacionado à percepção do sujeito ao estímulo estressante, e,
por isso, as vertentes emocionais vinculadas a esta síndrome são muito relevantes. O ambiente de
trabalho, por ter sofrido mudanças em sua estrutura funcional, levou a uma alteração no equilíbrio
entre a atividade física e mental, gerando estresse. Neste ambiente encontram-se estímulos
estressores como a incerteza quanto à permanência no mercado de trabalho, aumento do trabalho
administrativo, condições ergonômicas inadequadas, dentre outros. O ambiente militar, por
caracterizar um ambiente de trabalho específico, apresenta agentes estressores característicos, dos
quais este trabalho selecionou mobilidade geográfica constante, separação da família, risco de lesão
durante o trabalho e jornada de trabalho longa e imprevisível. Os oficiais-alunos do Curso de
Formação de Oficiais do Quadro Complementar entram em contato com estes estressores e contam,
como estratégias de enfrentamento, com técnicas emocionais, físicas e estruturais. Fisicamente,
sugerem-se técnicas de relaxamento como o sono, fazer pilates ou yoga e, emocionalmente, a
convivência com os colegas e com a troca de experiência entre si, o que proporciona, empiricamente,
a queda no nível de ansiedade. Porém há outras técnicas como a prática de esportes, dança ou
estudo de idiomas. Estruturalmente, no entanto, a modificação do ambiente de trabalho não se
constitui uma possibilidade pela estrutura sólida e conservadora do Exército Brasileiro.
ABSTRACT: Stress is a multifactorial syndrome associated with physical, psychological, social and
behavioral aspects. It is closely related to the individual´s perception of the stressing stimulus and, be-
cause of this, the emotional sources linked to this syndrome are very relevant. The work atmosphere
went through changes in its functional structure, which led to a change in the balance between physic-
al and mental activity, generating stress. In this atmosphere we can find stressing stimuli such as the
uncertainty of permanence at the labor market, the increase of administrative work and the inadequate
ergonomic conditions. The military environment, as a specific workplace, presents characteristic
stressing agents, among which this paper selected constant geographic mobility, being distant from
the family and injury risk during work, besides long and unpredictable work hours. The trainee-Officers
of the “Corpo de Formação de Oficiais do Quadro Complementar” get in touch with these agents, and
count on emotional, physical and structural techniques as coping strategies. Physically, techniques of
relaxation like sleeping, doing yoga or pilates are suggested and; emotionally, relying on the closeness
to the other students and the exchange of experiences among them is highly recommended, since it
provides, empirically, a drop in the level of anxiety. Nevertheless, there are other techniques as playing
sports, dancing or language learning. Structurally, however, the change at the work atmosphere is not
possible on account of the solid and conservative structure of the Brazilian Army.
Existem vários fatores que podem quatro anos (BRASIL,1996). Assim sendo,
influenciar a suscetibilidade ao estresse em há a possibilidade do militar e sua família
diferentes pessoas. Estes fatores estão residirem nos lugares mais diversos, em
ligados, ainda segundo Onciul (1996), a qualquer Estado do País. As mudanças
características de constituição individual, podem alterar a vida familiar, amizades e
ao estilo de vida e de trabalho, a outras relações de afeto e apoio à vida em
mecanismo de enfrentamento, a comunidade. Isso leva à busca e ao
experiências prévias com estresse, a desenvolvimento de novos laços nas novas
expectativas para com as diversas comunidades de destino.
experiências da vida e à autoconfiança. - Separação da família: pode ocorrer em
No ambiente de trabalho, alguns diversas situações. O militar possui em
estressores específicos podem ser suas rotinas os exercícios de campo, os
encontrados: incerteza e perda de controle cursos de formação e aperfeiçoamento e as
dentro do ambiente de trabalho; exigência formações de tropa para deslocamento em
extrema, como muita responsabilidade e guerra ou missões de paz. Em todas estas
comprometimento; extremos de atividades, afasta-se de seus familiares e
temperatura e condições ergonômicas pessoas próximas. Estes períodos podem
inadequadas; cultura do ambiente de durar de alguns dias a meses e
trabalho não permitindo falhas ou normalmente ocorrem mais de uma vez
fraqueza, além de tarefas repetitivas durante a carreira militar. Burrell et al
(ONCIUL, 1996). (2006) cita que sentimentos de solidão e
Outra conseqüência dos fatores isolamento podem acometer militares em
estressantes, especialmente em países ocasiões de separação da família.
industrializados, com prevalência de 7% a - Risco de lesão: pensar na profissão
30%, são os chamados transtornos mentais militar como livre de riscos físicos e
comuns (TMC). No conceito apresentado psicológicos é uma perspectiva desejável,
por Goldberg e Huxley, (1992, apud porém, irreal (WESSELY, 2005). No
LUDERMIR e MELO FILHO, 2002) estes desenvolvimento de suas atividades
transtornos caracterizam-se por sintomas diárias, o militar lida com armamento e
como insônia, fadiga, irritabilidade, munição; realiza esforços físicos que,
esquecimento, dificuldade de concentração dependendo das exigências, podem levar a
e queixas somáticas. lesões ósteo-musculares, tanto dentro do
aquartelamento quanto nos exercícios de
3 Estresse e atividades militares campo e cursos; sofre exposição a
materiais químico-físico-biológicos-
O trabalho realizado nas Forças nucleares altamente tóxicos para aquelas
Armadas pode ser uma fonte de estresse equipes especializadas nestes materiais,
devido a uma série de aspectos dentre outras atividades. Além dos riscos
desencadeantes. Exemplos são citados no de lesão, a ocupação militar possui como
estudo de Burrell et al (2006) que coloca a maior agravante a convivência com o risco
ocupação militar como portadora de vários de morte. Este tipo de perspectiva,
fatores estressantes. São apresentados especialmente em países que vivem em
como “gatilhos” a mobilidade geográfica guerra, gera um considerável nível de
constante, separação da família, risco de ansiedade. O Brasil, no momento, não está
lesão durante o trabalho e jornada de envolvido em situações de conflito, mas a
trabalho longa e imprevisível. formação e o treinamento para participar
- Mobilidade geográfica constante: os dessas situações é freqüente e constante.
militares dos diversos quadros, serviços e Assim, diversos cursos (Caatinga,
armas são transferidos de uma localidade Comandos, Forças Especiais, etc)
para outra com a freqüência mínima de (BRASIL, 2007e) além de conferirem a
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necessária formação aos militares, já os alegam que o militar anseia por um ideal
expõem, enquanto alunos, a situações de profissional que se baseia em princípios
estressantes similares àquelas enfrentadas rígidos, padronização de condutas,
em operações reais. comportamentos, atos e fardamentos,
- Jornada de trabalho longa e imprevisível: dificultando, assim, a expressão da
a jornada de trabalho do militar inicia ao individualidade, e sua formação ocorre
toque de alvorada e acaba ao toque de nesses padrões. Ressaltam, ainda, que o
ordem (BRASIL, 2004), segundo o grupo exerce papel intimidativo sobre o
previsto no Regulamento Interno e dos indivíduo, cerceando, especialmente, sua
Serviços Gerais. Todavia, na prática, as liberdade, sendo que o Regulamento
jornadas de trabalho são mais longas e Disciplinar do Exército e o Código Penal
cansativas e não acabam aos toques Militar são elementos, juntamente com
regulamentares. Além de longa, a jornada outros princípios doutrinários e
de trabalho é imprevisível: o militar possui normativos, utilizados, não só para esse
múltiplas funções dentro de uma fim, mas para manter a coesão do grupo
organização militar e sob este prisma, (AMADOR et al, 2002).
muitas questões podem surgir para serem Particularmente, os oficiais-alunos
solucionadas. Devem ser consideradas do CFO/QC, convivem com as situações
atividades como o serviço de escala e de tensão emocional como as já
missões concomitantes. As sindicâncias e a apresentadas e estão, constantemente,
participação em comissões são exemplos expostos aos estímulos estressores.
de atividades que levam o militar a uma Analisando pontualmente, constata-
sobrecarga elevada. Sua rotina e o nível de se a mobilidade geográfica e a separação
estresse do militar são alterados da família como fatores iniciais geradores
significativamente. Vale lembrar que todas de estresse, tendo em vista que a grande
as atividades exercidas em caráter maioria do CFO/QC é oriunda de outros
extraordinário não são assim remuneradas. Estados da Federação, uma vez que apenas
O ingresso em instituições militares, 6 são provenientes de Salvador de um total
segundo Amador et al (2002, p.2) traz um de 56 alunos (BRASIL, 2007c).
grande impacto psicológico ao indivíduo, A separação da família pode gerar
já que as regras grupais destas instituições, grande desconforto ao oficial-aluno.
suas particularidades, seus determinantes Burrell et al (2006) cita sentimentos de
de convivência e ideais “permeiam as tristeza e solidão como comuns. Estes
relações de trabalho e as relações sentimentos podem estar presentes no
interpessoais”. Ao ingressar na vida CFO, que busca apoio constante em sua
militar, o indivíduo incorpora aos seus família através de conversas telefônicas,
valores os atributos característicos da correio eletrônico, e visitas com freqüência
personalidade militar, preconizados pelos variável, dependendo da localidade onde
regulamentos da instituição. Amador et al os familiares residam. Além disso, os laços
(2002, p. 3) são pertinentes ao tratar dessa afetivos criados com os colegas são uma
adaptação, afirmando que: alternativa para aplacar os sentimentos
negativos que surgem pelo afastamento dos
Inicialmente, sentem o impacto das regras na entes queridos. Esta atitude é corroborada
convivência social intramuros, onde as por Burrell et al (2006).
relações perdem a naturalidade e se revestem
de medo, de receio do erro e de tudo que ele
Da mesma forma, a mobilização
pode acarretar. geográfica torna-se, para o CFO, fonte de
sentimentos conflituosos, por todo o ano
Os mesmos autores, ao analisarem o letivo: inicialmente, pela já tratada
impacto da inclusão nas Forças Armadas e separação da família; posteriormente, pela
de como isso pode ser um agente estressor, espera para a divulgação das vagas e a
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apesar de exigirem esforço de uma ou como por exemplo: nos dias que precedem
outra área. as avaliações.
Na EsAEx, como opção, há a Seção As propostas de mecanismos de
Psico-Pedagógica, especializada em enfrentamento que poderiam ser utilizados
atender os problemas emocionais dos contra o estresse no CFO/QC, podendo
alunos relacionados a acontecimentos abranger técnicas emocionais, físicas ou de
ocorridos na Escola ou fora de seus muros, reorganização administrativa.
e que interfiram no desempenho do aluno. Todavia, no EB, as regras rígidas de
Contudo, além de técnicas físicas de hierarquia e disciplina não permitem uma
relaxamento, é interessante ater-se na re-estruturação organizacional, haja vista
importância do vínculo criado entre os sua estabilidade há mais de três séculos.
alunos do CFO. No aquartelamento, é o No entanto, técnicas físicas e emocionais,
chamado espírito de corpo. Nos momentos especialmente o vínculo com os demais
de dificuldade, tensão, raiva, fadiga colegas e com as respectivas famílias, são
extrema, e humor deprimido, os alunos essenciais para um bom enfrentamento do
estão presentes para auxiliarem-se uns aos estresse no CFO/QC.
outros. Esta vinculação afetiva, que
perpassa o curso de formação, é o melhor
mecanismo de enfrentamento ao estresse Referências
de que o oficial-aluno pode se valer.