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OPA, BOM TE

VER POR AQUI!

É muito provável que você já tenha se deparado com um paciente cirrótico ao longo da
sua carreira médica. Isso porque a cirrose hepática é muito prevalente, seja em contexto
de emergência, ambulatorial ou até mesmo de questões na prova de residência médica!

Sabemos que o manejo desses pacientes não é nada fácil, principalmente daqueles que
têm todas as complicações possíveis decorrentes da cirrose hepática. Por isso, juntamos
as principais informações que você precisa saber na hora de diagnosticar e manejar um
paciente hepatopata.

Esperamos que aproveite!

Boa leitura!
Equipe Medway
ÍNDICE
Introdução.............................................................................................................................................................................................6

Anatomia e histologia do fígado........................................................................................................................6

Fibrose hepática e hipertensão portal............................................................................................................8

Avaliação inicial..........................................................................................................................................................10

Causas de hepatopatia crônica.........................................................................................................................14

Complicações da cirrose hepática................................................................................................................. 22

Ascite.......................................................................................................................................................................................22

Peritonite bacteriana espontânea..................................................................................................................... 24

Hemorragia digestiva alta varicosa....................................................................................................................26

Encefalopatia hepática.............................................................................................................................................. 30

Síndrome hepatorrenal...............................................................................................................................................31

Síndrome hepatopulmonar....................................................................................................................................32

Insuficiência hepática crônica agudizada....................................................................................................32

Carcinoma hepatocelular.........................................................................................................................................33

Referências Bibliográficas.................................................................................................................................................... 34

Conclusão............................................................................................................................................................................................35

Anexos............................................................................................................................................................................ 36

Sobre a Medway .............................................................................................................................................................36

Nossos cursos................................................................................................................................................................... 38

Acesse gratuitamente................................................................................................................................................40

Ficou alguma dúvida?................................................................................................................................................ 42


QUEM SOMOS

Somos um time de médicos formados nas principais instituições de residência do


Brasil.

Conhecemos bem os obstáculos e as dificuldades que surgem durante a preparação para


as provas de residência médica. Justamente por isso, e porque sentimos falta de ter alguém
nos orientando lá atrás, tomamos a decisão de criar a Medway.

Depois de muito estudo, trabalho duro e dedicação total, desenvolvemos cursos exclusivos
e que nos enchem de orgulho. Isso porque, na prática, temos visto esses cursos serem a
chave do sucesso na aprovação de milhares de alunos de Medicina em todo o país.

Em quatro anos de existência, impactamos 16 mil alunos com uma metodologia diferente
da convencional. Leve, objetiva e verdadeira. Sem dúvidas, essa última característica é o
nosso maior diferencial.

Não te enrolamos e nem falamos o que você quer ouvir. Não generalizamos. Te tratamos
com respeito, da forma como gostaríamos de ser tratados.

Muitos nos veem como professores ou mentores. Nós gostamos de nos enxergar como
aqueles veteranos que você admira pelo conhecimento técnico, mas também pela
didática e pelo lado humano.

Se você chegou até aqui, saiba que já nos orgulhamos muito de você ter se conectado com
a Medway. Estamos e estaremos ao seu lado para sermos parceiros em toda a sua jornada
como profissional de Medicina. Até a prova de residência e depois dela. Vamos juntos até
o final!

Boa leitura!
O QUE NOSSOS ALUNOS
ESTÃO FALANDO?
Introdução
Fala, galera! Animados para entrarmos em um mundo da hepatologia?

A cirrose e as complicações relacionadas são situações muito frequentes do dia a dia do


médico, seja um generalista atendendo no pronto socorro ou o especialista atendendo no
consultório. Calma! Vamos destrinchar ao longo deste material a etiologia, fisiopatologia,
diagnóstico e falar do manejo. Temos certeza de que essas informações serão úteis na
sua vida como estudante e como profissional. Deixaremos tudo bem prático para você
conseguir se lembrar do assunto na prova e, principalmente, quando estiver atendendo
um paciente!

Anatomia e histologia do fígado


O fígado participa na digestão de lipídeos através da bile, regula diferentes vias metabólicas,
produz diferentes fatores de coagulação e é responsável pela metabolização de diferentes
drogas e toxinas. Pesa entre 1,3 e 3,0 quilogramas e é um órgão macio marrom-rosado. É o
segundo maior órgão do corpo e está localizado no lado direito do abdome.

É composto por lobos anatômicos (D e E) separados pelo ligamento falciforme.


Cirurgicamente, esta divisão é feita ao nível do porta-hepatis.

Figura 1. Anatomia Macroscópica do Fígado. Fonte: Netter. Atlas de anatomia humana.

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A unidade funcional do fígado é o lóbulo hepático. Cada lóbulo é hexagonal e uma tríade
portal (ramo da veia porta, ramo da artéria hepática e o ducto biliar) fica em cada canto do
hexágono.

No espaço entre os hepatócitos é onde a bile produzida é depositada, seguindo na direção


contrária ao sangue sinusoidal, ou seja, do centro para a periferia, dos canalículos biliares
para os ductos biliares interlobulares até os ductos hepáticos e colédoco. Junto à
parede dos sinusóides hepáticos encontramos as células de defesa do fígado, as células
de Kupffer (macrófagos sinusoidais) conhecidas também como células estreladas.
São estas células que após um estímulo crônico começam a produzir fibrose e “estancar”
os buracos dos sinusoides hepáticos, comprometendo as trocas e levando à hipertensão
portal.

Sinusoide hepático
Veia central
Canalículo biliar

Célula reticuloendotelial
Hepatócitos
Sinusóide hepático

Veia central Hepatócito

Tríade portal
Canalículo
biliar Ramo do ducto biliar

Ramo da veia
porta hepática

Ramo da
A. Lóbulo hepático artéria hepática

B. Hepatócitos e sinusóides

Figura 2. Lóbulo hepático e tríade portal. Fonte: Mescher AL. Junqueira’s basic histology: text and atlas. 2010.

É preciso um trabalho em conjunto dos lóbulos hepáticos para que o fígado como um
todo consiga realizar suas funções no organismo. Note que os lóbulos hepáticos são
interligados, e após cada um fazer o seu trabalho, o sangue agora purificado cai nas veias
centrolobulares que são tributárias da veia hepática.

O fígado consegue sobreviver com um número muito menor de lóbulos hepáticos, tanto
que não é incomum cirurgias para retirada de um grande pedaço do fígado devido a
tumor ou cisto. Porém o fígado não consegue exercer sua função quando a comunicação
entre os lóbulos hepáticos é prejudicada. E é isso que ocorre na cirrose hepática.

Quando vocês lerem o termo cirrose hepática, traduzam mentalmente como fibrose
hepática. A cirrose nada mais é que o processo generalizado de fibrose das unidades

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funcionais do fígado, que ocorre de forma irreversível em resposta a um insulto crônico,
gerando inflamação crônica e levando à fibrose dos sinusoides hepáticos.

As células estreladas vão responder ao insulto hepático (álcool, outras toxinas, autoimune,
gordura), formando fibrose, que irá comprometer a troca nos sinusoides hepáticos,
aumentando a pressão do sistema porta. Com a continuação da agressão (quando não
cessamos o estímulo lesivo) ocorre fibrose que acomete não só o sentido centro-periferia
(veia centrolobular - tríade portal) mas também ocorre fibrose entre as tríades portais
(entre os vértices do lóbulo hepático), levando a uma conformação nodular, literalmente
isolando os lóbulos hepáticos em pequenas unidades que agora não são mais capazes de
realizar as funções esperadas pelo fígado. Neste momento, quando temos diversas ilhotas
de lóbulos hepáticos isolados, atingimos os estágios mais avançados da fibrose hepática e
o maior comprometimento do fígado, quando temos as maiores chances de complicações
da cirrose.

Como podemos perceber neste capítulo sobre fisiologia do fígado, em se tratando de


cirrose hepática, “a culpa é das estrelas”!

Fibrose hepática e hipertensão por-


tal
A fibrose dos lóbulos hepáticos e o comprometimento dos sinusoides levam a um aumento
retrógrado na pressão da veia porta, responsável pela drenagem do sangue proveniente
do trato gastrointestinal abaixo do diafragma. Como falado anteriormente, com o processo
de fibrose produzidas pelas células estreladas os “buracos”’ dos sinusoides são tapados e
o isolamento dos lóbulos hepáticos em pequenas ilhotas (nódulos) dificulta que o sangue
que entra no lóbulo pela tríade portal chegue até a veia centrolobular. Isso tudo gera
um aumento importante da pressão portal (pois o sangue que chega às vísceras não
consegue retornar à veia cava uma vez que há um “congestionamento” no fígado).

A pressão normal no sistema porta é de até 5 mmHg. Consideramos hipertensão portal a


pressão portal > 5 mmHg, sendo que em pressões maiores que 10 mmHg costumamos
observar a formação de varizes esofágicas. Pressões do sistema porta maiores que 12
mmHg sinalizam varizes com grande risco de ruptura.

A cirrose é uma das causas de hipertensão portal. De forma didática, costumamos


separar a hipertensão porta em causas pré-hepáticas, intra-hepáticas e pós-hepáticas.
As causas intra-hepáticas são separadas ainda como causas pré-sinusoidais, sinusoidais e
pós-sinusoidais. Parece complicado, mas não é! Veja as principais causas na tabela abaixo.

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CLASSIFICAÇÃO E CAUSAS DE HIPERTENSÃO PORTAL

• Trombose de veia porta


PRÉ-HEPÁTICA • Trombose de veia esplênica
• Esplenomegalia maciça

• Esquistossomose (principal causa de hipertensão por-


tal não cirrótica)
PRÉ-
• Sarcoidose
SINUSOIDAL
• Colangite biliar primária
• Colangite esclerosante primária

INTRA- • Doença hepática alcoólica


HEPÁTICA SINUSOIDAL • Drogas (amiodarona, metotrexato)
• Doença hepática gordurosa não alcóolica

• Intoxicação por vitamina A


PÓS- • Síndrome de obstrução sinusoidal
SINUSOIDAL • Angiossarcoma
• Sarcoidose

• Síndrome de Budd-Chiari
PÓS-HEPÁTICA • Pericardite constritiva
• Cardiomiopatia restritiva

Tabela 1. Classificação e causas de hipertensão portal. Fonte: Acervo Medway.

Mas o que acontece quando um paciente desenvolve hipertensão portal? Se o sangue tem
dificuldade de retornar à circulação sistêmica pela veia porta, quais as outras alternativas?

Para responder a essa pergunta, temos que relembrar um pouco da drenagem venosa do
aparelho digestivo.

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Figura 3. Drenagem venosa do aparelho digestivo. Fonte: Moore, Anatomia orientada para a clínica, 8 ed.

Note que o sistema porta é formado pela união da veia mesentérica superior com a
veia esplênica (que recebe a mesentérica inferior). Antes de entrar no fígado a veia porta
recebe o sangue proveniente da veia gástrica direita, responsável pela drenagem da região
da pequena curvatura gástrica e da transição esofagogástrica, incluindo a porção distal do
esôfago.

Neste local temos o primeiro shunt portossistêmico, pois corre anastomoses entre
a região do terço inferior do esôfago (que drena para a porta) com o terço médio e
superior do esôfago que drena para o sistema ázigos e veia cava superior. Nas situações de
hipertensão portal ocorre aumento do fluxo de sangue para o terço inferior do esôfago
na tentativa de fugir do “congestionamento” da veia porta e desviar para o sistema
ázigo terminando na veia cava superior. Com isso, ocorre a formação das temidas varizes
esofágicas.

Avaliação Inicial
Todo paciente recém-diagnosticado com cirrose hepática passará por anamnese
detalhada, buscando todos os potenciais fatores de risco (exposição a álcool, dieta, fatores
de risco para hepatites virais, história familiar e antecedentes pessoais).

Os indivíduos são assintomáticos até desenvolverem cirrose hepática. Caso evoluam


com hepatite alcoólica aguda em algum momento, terão quadro clínico de icterícia,

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aumento de transaminases, alargamento do tempo de protrombina e encefalopatia
hepática, como vimos agora há pouco.

Ao exame físico, são vistos os estigmas da cirrose, que devem ser buscados ativamente:
• Telangiectasias ou spiders
• Circulação colateral no abdome (cabeça de medusa)
• Contratura palmar de Dupuytren: específica do paciente etilista
• Ginecomastia
• Sarcopenia e caquexia
• Ascite
• Eritema palmar
• Esplenomegalia
• Hepatomegalia, porém nas fases mais avançadas o fígado é reduzido em tamanho
• Atrofia testicular
• Rarefação de pelos

Figura 4. Paciente com ascite volumosa. Fonte: Shutterstock.

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Figura 5. Contratura Palmar de Dupuytren. Fonte: Bildinhalt: Rechte Männerhand mit Morbus Dupuytren am
Ringfinger. Aufnahmeort: Baden-Baden, Deutschlan

Além das alterações do exame físico, o paciente pode desenvolver complicações da cirrose,
que serão detalhadas adiante.

Os exames complementares iniciais incluem avaliação de etiologia:


• Sorologias para hepatite B e C
• FAN e autoanticorpos para hepatite autoimune e Colangite biliar primária (CBP)
• Biópsia hepática em caso de dúvida diagnóstica

E também vamos solicitar exames para estratificar o grau de insuficiência hepática do


paciente:
• Transaminases (TGO e TGP): não avaliam função hepática, mas ajudam a entender a
etiologia
• Fosfatase alcalina e gama-GT: também não avaliam função hepática, mas podem estar
aumentados em síndromes colestáticas e a GGT aumenta no paciente etilista crônico
• Bilirrubinas: há aumento de bilirrubina direta com a progressão da insuficiência hepática
• Tempo de protrombina (TP): também é marcador de função hepática, pois a deficiência
de produção de fatores da coagulação pelo fígado alarga o TP
• Albumina: outro marcador de função hepática; é reduzida com o avançar da cirrose

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• Função renal (Ur e Cr): podem evidenciar complicação da cirrose, a síndrome hepatorrenal
• Eletrólitos: o cirrótico pode ter hiponatremia dilucional, secundária à hipervolemia, e
distúrbios hidroeletrolíticos secundários à doença renal
• Hemograma: a hipertensão portal e o hiperesplenismo acarretam plaquetopenia, em
valores que não costumam ser menores que 50.000. Também é comum haver anemia
• Endoscopia digestiva alta: faz parte da avaliação inicial de todo cirrótico! Para detectar
varizes de esôfago ou gastropatia hipertensiva portal

Em posse dos exames, já conhecendo melhor nosso paciente, vamos calcular o Escore de
Child-Pugh:

ESCORE DE CHILD-PUGH

1 PONTO 2 PONTOS 3 PONTOS

Bilirrubinas
<2 2-3 >3
(mg∕dL)

Encefalopatia Grau I ou II de Grau III ou IV


Ausente
hepática West-Haven de West-Haven

Albumina (g∕dL) > 3,5 3-3,5 <3

TP (segundos)
< 4 s ou < 1,7 4-6 s ou 1,7-2,3 > 6 s ou > 2,3
ou INR

Pequeno volume Grande volume e


Ascite Ausente
e de fácil controle de difícil controle

CHILD A: 5 a 6 pontos
CHILD B: 7 a 9 pontos
CHILD C: 10 a 15 pontos

Tabela 2. Escore de Child-Pugh. Fonte: Acervo Medway.

É fácil entender por que quanto maior o Child, maior a mortalidade do paciente! Ele é
muito usado na prática clínica para avaliação prognóstica e todo cirrótico deve ter o escore
calculado. Algumas bancas ainda gostam de cobrar o cálculo decorado, mas a maioria
exige apenas que você saiba quais são os critérios (ainda bem!). Para ajudar, fica o macete:

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“BEATA”

B - Bilirrubina
E - Encefalopatia
A - Albumina
T - TP
A - Ascite

Outro escore utilizado é o Escore de MELD. É um cálculo logarítmico e nenhuma banca


é doida de cobrar a conta. Mas é importante saber que ele é utilizado para listagem para
transplante hepático e, quanto maior, mais grave. Utiliza bilirrubina, INR e creatinina.
Também tem macete para decorar os critérios:

“BIC”

B - Bilirrubina
I - INR
C - Creatinina

Causas de hepatopatia crônica


CIRROSE DE ETIOLOGIA ALCOÓLICA

A prevalência de dependência de álcool no Brasil é alta, chegando a 13,8% no Nordeste!


Não admira, portanto, que essa ainda seja uma das principais causas de cirrose no nosso
país. O principal fator de risco é o consumo de álcool, especialmente > 30g por álcool por
dia.

Fisiopatologia

O álcool absorvido no organismo é metabolizado no fígado a acetaldeído, pela enzima álcool


desidrogenase. Este, por sua vez, é metabolizado pela enzima acetaldeído desidrogenase
a acetato. Os produtos do metabolismo do álcool ativam uma cascata inflamatória e de
estresse oxidativo, que culmina na inflamação do fígado e, eventualmente, em cirrose.

A história natural da lesão hepática secundária ao etilismo começa pela esteatose hepática,
que é o acúmulo de gordura no fígado secundário a essa inflamação, sendo tipicamente
macrovesicular. Até 90% dos indivíduos que bebem vão ter algum grau de esteatose
hepática. Se eles continuarem a beber, até um terço vai evoluir para esteato-hepatite, em

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que há maior atividade inflamatória, marcada pelo aumento de transaminases. Por fim,
toda essa inflamação gera fibrose hepática, que evolui com cirrose e suas complicações.
Nesse ponto, não é mais reversível, e há dano à arquitetura do fígado, insuficiência hepática
e hipertensão portal.

Quadro clínico

O quadro clínico é comum às outras etiologias de cirrose hepática, com algumas


particularidades. O paciente desenvolve os estigmas de cirrose, descritos anteriormente e
as complicações da cirrose hepática, que vamos detalhar adiante. No etilista crônico, são
sinais específicos no exame físico a contratura palmar de Dupuytren, um encurtamento
da fáscia palmar que costuma afetar o 4º e 5º dedos, e a hipertrofia de parótidas.

Exames complementares
• Aumento de TGO e TGP com TGO∕TGP > 2
• Gama-GT elevada
• Anemia macrocítica (VCM > 100)
• Ultrassonografia: aumento da ecogenicidade hepática, fígado irregular e heterogêneo

Tratamento

O principal é a abstinência alcoólica, podendo ser necessário tratamento medicamentoso


para sintomas de abstinência e suporte nutricional.

DOENÇA HEPÁTICA GORDUROSA NÃO ALCOÓLICA (DHGNA)

É considerada uma epidemia mundial, representando a principal causa de doença hepática


nos Estados Unidos. No Brasil, é cada vez mais prevalente e mais diagnosticada, visto a
intensa relação com dieta industrializada, rica em gordura e carboidratos e o sedentarismo.

Fisiopatologia

A presença de resistência à insulina é a base do desenvolvimento de toda a doença! Por


isso, ela é relacionada à síndrome metabólica: diabetes, hipertensão arterial, hiperlipidemia
e obesidade central costumam estar presentes – mas já se sabe que não são obrigatórios,
podendo ocorrer em indivíduos magros. Há acúmulo de gordura no fígado, que leva a
inflamação, fibrose... e o resto você já sabe!

A história natural da doença é bem semelhante à doença hepática alcoólica. De início, há


só acúmulo de gordura no fígado, assintomática, a esteatose hepática não alcoólica. Com a
evolução, se não houver redução dos fatores agressores, começa a aumentar a inflamação,

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marcada pelo aumento das transaminases. Por fim, o paciente evolui com cirrose hepática
e suas complicações.

Quadro clínico

O quadro clínico é semelhante (até indistinguível) ao da doença hepática alcoólica. O


paciente se apresenta com estigmas de cirrose e evolui com as complicações, seguindo a
história natural da doença.

Exames complementares
• Aumento de transaminases até 5 vezes o limite superior da normalidade (LSN). Lembrando
que as transaminases podem estar normais também.
• Relação AST∕ALT < 1
• Ferritina > 1,5 vezes o LSN
• Ultrassonografia: aumento da ecogenicidade hepática
• NAFLD escore: escore baseado em parâmetros laboratoriais e clínicos para estimar o grau
de fibrose
• Elastografia hepática: ultrassonografia especial, que consegue também estimar o grau
de fibrose hepática de forma não invasiva
• Biópsia hepática: reservada para casos em que há dúvida diagnóstica

Agora lembrem-se de uma coisa: o diagnóstico de DHGNA na maioria das vezes não é
realizado por biópsia e, portanto, costuma ser um diagnóstico de EXCLUSÃO. Apesar da
DHGNA ser a causa mais comum de esteatose na população, outras doenças hepáticas
podem se apresentar com esteatose (hepatopatia alcoólica, doença de Wilson, esteatose
hepática aguda da gravidez, doença hepática por medicamentos - metotrexate, dentre
outras). Logo, diante de um paciente com esteatose, é prudente afastarmos o uso nocivo
de etanol e outras drogas potencialmente esteatogênicas, hepatites virais e outras doenças
que possam causar o quadro. Caso a gente exclua todas e o paciente apresente fatores de
risco para DHGNA (diabetes, obesidade, HAS, tabagismo etc.), podemos dar o diagnóstico
presuntivo de DHGNA!

Tratamento

MUDANÇA DE ESTILO DE VIDA! Atividade física e dieta estão indicadas para todos os
pacientes. A perda de peso é o principal tratamento, com maior nível de evidência
e que tem maior benefício. Perder 5 a 10% do peso corporal já tem impacto na história
natural da DHGNA.

É importante o controle de comorbidades, como HAS e DM com tratamento específico. A


pioglitazona e vitamina E têm aparente benefício e podem ser usadas, especialmente se
paciente diabético.

Índice

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HEMOCROMATOSE HEREDITÁRIA (HH)

Pessoal, a hemocromatose é uma das doenças de transmissão hereditária mais comuns.


Em algumas regiões (especialmente Europa), aparece como a doença autossômica
dominante mais frequente.

Fisiopatologia

É uma doença genética cuja transmissão é autossômica dominante e caracterizada por


mutações no gene da hepcidina (proteína envolvida na absorção do ferro no intestino),
sendo as mais comuns C282Y, H63D e S65C.

A manifestação envolve fatores ambientais, sendo mais comum em homens. As mulheres


apresentam maior dificuldade em acumular o ferro, devido à perda menstrual. O acúmulo
de ferro nos tecidos é que leva à doença em si, causando fibrose e dano irreversível.

Quadro clínico

A hemocromatose pode afetar diversos órgãos e sistemas. É conhecida como a doença dos
6Hs:
• Hepatopatia crônica
• Heart – cardiomiopatia
• Hipogonadismo
• Hiperglicemia - Diabetes
• “H”artrite (essa é ruim, mas aceita que ajuda a gravar)
• Hiperpigmentação cutânea

A doença também é apelidada de “diabetes bronzeado”, por causa


da manifestação de hiperglicemia e hiperpigmentação cutânea.
Gostou?

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Diagnóstico

A avaliação do perfil de ferro é essencial para o diagnóstico. Vejam como fica:

PERFIL DE FERRO NA HEMOCROMATOSE

Saturação de transferrina > 45%

• Teste de escolha para rastreamento

Ferritina > 1000 ng/ml

PERFIL • Baixa especificidade


DE
FERRO • Alto valor preditivo negativo: < 200 ng/mL em mulheres pré-
menopausa/< 300ng/mL em homens e mulheres pós-meno-
pausa E saturação de transferrina < 45% = exclui a doença

Capacidade total de ligação do ferro < 26 μmol/L

• Boa acurácia diagnóstica, alternativa para o rastreamento

Tabela 3. Perfil de ferro na hemocromatose. Fonte: Acervo Medway.

Outros exames importantes são:


• Teste genéticos: pesquisa do gene HFE (mutação C282Y) faz parte do diagnóstico
• Biópsia hepática
• Ressonância magnética

Tratamento

O tratamento é realizado pelas flebotomias, em que o paciente retira 500 ml de sangue


semanalmente na fase inicial, até atingir alvo de ferritina de 50 a 100 ng/mL. O tratamento
é capaz de melhorar a disfunção hepática, insuficiência cardíaca e a fadiga. No entanto,
não é capaz de melhorar o diabetes, hipogonadismo e artralgias já estabelecidos. A terapia
de segunda linha é feita com os quelantes de ferro, como a deferoxamina.

DOENÇA DE WILSON

Mais uma doença genética, dessa vez autossômica recessiva, cujo defeito na ceruloplasmina
(proteína carreadora de cobre) acarreta acúmulo de cobre pelo corpo. No fígado, pode
levar a insuficiência hepática aguda e cirrose.

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Quadro clínico

Cursa tanto com hepatopatia crônica, cirrose e todas as suas complicações quanto com
insuficiência hepática aguda fulminante. Nesses casos agudos, a liberação de cobre pelos
hepatócitos pode levar a quadro de anemia hemolítica. O acúmulo de cobre na retina leva
aos famosos anéis de Kayser-Fleischer. No sistema nervoso central, pode gerar quadros
de parkinsonismo, tremores e distonias.

Figura 6. Presença de anel pigmentado na periferia corneana (anel de Kayser-Fleischer). Fonte: https://www.
scielo.br/j/abo/a/zmjYqdVLVjZvXHKf8ScnHXh/?lang=pt

Diagnóstico

O diagnóstico é dado pela dosagem dos níveis urinários de cobre, que estão altos, e da
ceruloplasmina, que está baixa. O teste genético confirma o diagnóstico.

Tratamento

São usados quelantes de cobre, como o trientina e a penicilamina.

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HEPATITE AUTOIMUNE

Como toda boa doença autoimune, é mais comum em mulheres de qualquer idade, mas
tipicamente é bimodal, com pico na 2ª década e na 5ª década de vida. Também é fator de
risco importante indivíduos que já têm outra doença autoimune.

Acredita-se que um trigger ambiental em indivíduos geneticamente predispostos leve


ao desenvolvimento de autoanticorpos, que acabam por desencadear uma resposta
agressora ao fígado.

Quadro clínico

O quadro clínico tem vários espectros de apresentação:


• Aumento assintomático de transaminases
• Hepatite aguda
• Hepatite fulminante
• Cirrose hepática

Exames complementares
• Aumento expressivo de transaminases, chegando a 10-20x o LSN
• Aumento de fosfatase alcalina, com relação FA∕AST ou ALT < 1,5
• Aumento de gamaglobulinas, especialmente IgG
• Autoanticorpos:
• Hepatite autoimune tipo 1: anti-músculo liso
• Hepatite autoimune tipo 2: anti-LKM-1
• Biópsia hepática: confirma o diagnóstico

Tratamento

O tratamento também segue o padrão das doenças autoimunes: imunossupressão com


corticoides e azatioprina, sendo esta usada como droga poupadora de corticoides.

COLANGITE BILIAR PRIMÁRIA (CBP)

Doença autoimune, mais comum em mulheres >40 anos, chegando a uma relação 9:1. É
mais comum em descendentes de europeus.

Quadro clínico

O quadro clássico, inclusive da prova, é a paciente com fadiga, prurido e elevação de

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fosfatase alcalina. Claro, casos mais graves e avançados vão evoluir para cirrose e suas
complicações.

Exames complementares
• Autoanticorpo: antimitocôndria
• Biópsia hepática: reservada para casos de dúvida diagnóstica

Tratamento

É usado o ácido ursodesoxicólico – o ursacol. A resposta ao tratamento costuma ser boa


na maioria dos casos. Pacientes refratários são candidatos a transplante hepático.

COLANGITE ESCLEROSANTE PRIMÁRIA (CEP)

Doença autoimune que tem maior prevalência em homens. Além disso, tem íntima
relação com doença inflamatória intestinal (DII), especialmente a retocolite ulcerativa.
Até 85% dos casos de CEP ocorrem em indivíduos com DII.

Quadro clínico

Os sintomas são de uma síndrome colestática, com fadiga, prurido, icterícia e


hepatoesplenomegalias. Todo paciente com DII que apresenta fosfatase alcalina
aumentada em exame de rotina deve ser investigado para CEP. A doença é grave e evolui
com cirrose hepática na maioria dos casos. Além disso, está associada a maior risco de
câncer colorretal e colangiocarcinoma.

Diagnóstico

Esse tem uma imagem clássica que as bancas adoram! O diagnóstico da CEP é feito
por exame de imagem das vias biliares – preferencialmente a colangiorressonância
magnética. Você vai ver as vias biliares alternando áreas de estenose e de dilatação, as
famosas “contas de rosário”.

Tratamento

Infelizmente, responde mal ao ursacol. O melhor tratamento é o transplante hepático,


com sobrevida média de 10 anos em pacientes que não são transplantados.

CIRROSE CRIPTOGÊNICA

Pessoal, até 10 a 15% dos casos de cirrose não têm causa bem definida! É quando chamamos

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de cirrose criptogênica. É importante avaliar a fundo todos os fatores de risco, exposição ao
álcool e síndrome metabólica.

Complicações da cirrose hepática


ASCITE

A ascite é uma das complicações mais comuns da cirrose (até 50% dos cirróticos vão
desenvolvê-la) e é definida como o acúmulo de líquido intra-abdominal.

Diagnóstico
• Exame físico: aumento do volume abdominal e macicez à percussão. Algumas manobras
e achados do exame físico podem ajudar:
• Macicez móvel: com o paciente em decúbito dorsal, vamos percutir o abdome da
cicatriz umbilical em direção ao flanco. Você vai observar o ponto em que se inicia a
macicez e marcá-lo – é onde está o líquido ascítico. A seguir, vamos virar o paciente
para decúbito lateral e percutir novamente. Você vai notar que o ponto em que se inicia
a macicez ficou mais medial, pois o líquido se moveu na cavidade abdominal com a
mudança de decúbito.
• Semicírculo de Skoda: no paciente em decúbito dorsal, o líquido ascítico se concentra
nas regiões laterais e inferiores do abdome. Na percussão, você vai notar abdome
maciço nessas regiões e timpânico no centro, ao redor da cicatriz umbilical.

A B

C D

Figura 7. Manobras semiológicas para avaliação de ascite. Fonte: Semiologia Clínica - HCFMUSP, 1 edição, 2021.

Índice

22
• Ultrassonografia de abdome: pode ajudar na detecção de ascite de pequeno volume,
não detectável ao exame físico
• Paracentese: a maioria das ascites no pronto socorro deve ser puncionada! Seja porque o
paciente ainda não tem o diagnóstico da causa da ascite, seja porque ele está em vigência
de descompensação da cirrose e pode ter infecção

Para o diagnóstico da causa da ascite, calculamos o Gradiente Albumina Soro Ascite, o


GASA.

GASA = albumina sérica – albumina líquido ascítico

Este exame vai ser importante para o diagnóstico diferencial das causas de ascite. Dessa
forma:

INTERPRETAÇÃO DO GASA

GASA ≥ 1,1 = hipertensão portal

Proteína do líquido ascítico ≥ 2,5 = ascite cardiogênica

Proteína do líquido ascítico < 2,5 = ascite secundária à cirrose hepática

GASA < 1,1: tuberculose peritoneal, carcinomatose peritoneal, síndrome nefrótica,


ascite quilosa (triglicerídeos altos no líquido ascítico)

Tabela 4. Interpretação do GASA. Fonte: Acervo Medway.

Tratamento

A primeira medida é adotar uma dieta restrita em sódio: até 2g de sódio por dia.

Porém, a maioria dos pacientes irá precisar do uso de diuréticos:


• Diuréticos de alça: furosemida (40 – 160 mg por dia)
• Poupadores de potássio: espironolactona (100 – 400 mg por dia)
• Objetivo: perda de 0,5 kg de peso por dia ou 1 kg por dia se edema de membros inferiores
associado
• Prescrição inicial: espironolactona 100 mg + furosemida 40 mg
• Doses máximas: espironolactona 400 mg+ furosemida 160 mg

Índice

23
A paracentese de alívio está indicada para pacientes com ascite muito volumosa,
causando desconforto respiratório, que são intolerantes à terapia com diuréticos (pode
ocorrer piora da função renal) ou refratários a ela.

Caso seja retirado > 5L de líquido ascítico, devemos repor 6 a 8g


de albumina para cada líquido retirado, para evitar uma piora de
função renal.

Exemplo: se retirei 10L de líquido ascítico, vou repor 60 a 80g de


albumina.

PERITONITE BACTERIANA ESPONTÂNEA (PBE)

A PBE é a principal causa de infecção do líquido ascítico em cirróticos, causada pela


translocação bacteriana do conteúdo intestinal para o líquido ascítico, clinicamente
suspeitada nos pacientes com ascite evoluindo com dor abdominal, por vezes cursando
também com febre e encefalopatia hepática secundária ao insulto agudo.

Dentre os fatores de risco, destaque para: sangramentos intestinais, cirrose CHILD C,


proteína do líquido ascítico < 1 g/dL, infecção de trato urinário e PBE prévia.

A causa mais comum é infecção por bacilos gram negativos (com destaque para
Escherichia coli), porém pode ocorrer por outras bactérias. Temos uma exceção em uma
doença: síndrome nefrótica. O principal germe que causa PBE nas ascites por síndrome
nefrótica é o Streptococcus pneumoniae. Como o paciente perde muitas proteínas pela
urina nesse doença, ele acaba urinando anticorpos também, fazendo com que haja uma
susceptibilidade à infecções por germes encapsulados, como o pneumococo!

Em relação ao diagnóstico, teremos a presença de cultura monobacteriana do líquido


ascítico + ≥ 250 polimorfonucleares (essencialmente os neutrófilos) + ausência de
infecção intra-abdominal de outra causa. Também temos 3 diagnósticos diferenciais:
ascite neutrofílica, bacterascite e peritonite bacteriana secundária (PBS). Confiram a tabela
e o quadro a seguir.

Índice

24
Tabela 5. Diagnóstico de PBE e seus diferenciais. Fonte: Acervo Medway.

O principal diagnóstico diferencial é com peritonite secundária, que


deve ser suspeitada quando:

• Clínica mais exuberante: dor abdominal intensa, sinais de perito-


nite no exame físico

• Líquido ascítico com as seguintes características:

• Proteína total > 1,0

• Glicose < 50

• LDH líquido ascítico > limite superior da normalidade do LDH


sérico

• Cultura polimicrobiana

Em relação ao tratamento, utilizaremos cefalosporinas de 3ª geração, como a ceftriaxona


(2 g EV 1x/dia por 5 - 10 dias) ou cefotaxima (2 g 8/8h por 5 - 10 dias).

Índice

25
Além disso, atenção! O risco dos cirróticos com PBE desenvolverem síndrome
hepatorrenal (SHR) é de cerca de 40%, sendo a principal causa de morte nesse grupo.

Veja um resumo dos diagnósticos diferenciais e conduta na ascite.

> 250
POLIMORFONUCLEARES CONDUTA
(NEUTRÓFILOS); PBE TRATAR
CRESCIMENTO
MONOBACTERIANO

Geralmente, a cultura
> 250 demora mais a ser liberada.
ASCITE
POLIMORFONUCLEARES CONDUTA Pelo risco de PBE,
NEUTROFÍLICA CONDUTA
CULTURA NEGATIVA iniciamos o tratamento
ate a cultura ser liberada
PARACENTESE
DIAGNÓSTICA
Pode ser apenas
< 250
contaminação, então
POLIMORFONUCLEARES
BACTERASCITE devemos repuncionar
BACTÉRIAS
CONDUTA e tratar se confirmado
PRESENTES
na segunda punção

2 DOS SEGUINTES
1) PROTEÍNA TOTAL > 1 g/dl
PERITONITE
2) GLICOSE < 50 mg/dl
SECUNDÁRIA
3) LDH > QUE O LDH
SÉRICO
CONDUTA

Exame de imagem
do abdome +
Antibioticoterapia
ampliando para
anaeróbios

Figura 8: Fluxograma para o diagnóstico e tratamento das infecções do líquido ascítico. Fonte: acervo Medway.

HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA VARICOSA (HDA)

Galera, as hemorragias digestivas altas (HDA) são uma das complicações com maior
mortalidade para os portadores de cirrose tanto pelo sangramento agudo ameaçador
à vida quanto pela translocação bacteriana gerada, propiciando PBE, e a hipovolemia
levando à injúria renal que pode ser tanto aguda como levar a condições mais graves,
como veremos adiante. A mortalidade dos pacientes com tal sangramento gira em torno
de 20 a 30% nas 4 a 6 semanas seguintes!

Índice

26
A maioria dos sangramentos no hepatopata são de origem varicosa, principalmente
varizes esofágicas. Aqui dividiremos nossa abordagem em 2 momentos: o atendimento
agudo e as profilaxias, vamos lá!

Primeiro, devemos lembrar que a HDA pode ter etiologia não varicosa (sendo a mais
comum devido à doença ulcerosa péptica) e varicosa (responsável por pouco menos de
50% dos casos em cirróticos).

O quadro clínico é descrito como enterorragia, melena e/ou hematêmese, podendo


estar presentes sinais de choque hipovolêmico em sangramentos volumosos por múltiplas
varizes ou varizes de grande calibre. Ao exame físico, devemos estar atentos aos sinais
de hepatopatia crônica e conduzir nosso paciente de acordo com a estabilidade clínica
naquele momento.

Nossa prioridade é manter a estabilidade clínica do nosso paciente, realizando a


monitorização hemodinâmica, oxigenoterapia se necessário e acessos venosos periféricos
calibrosos.

Além disso, avaliamos a necessidade de reanimação com solução cristalóide,


hemotransfusão com alvo de hemoglobina > 7 g/dL e transfusão de fatores coagulação.

Além disso, uma outra prioridade é realizar a endoscopia em até 12 horas do início do
sangramento. Aliado a isso, como tentativa de controle do sangramento agudo, podemos
fazer vasoconstrictores esplâncnicos como a terlipressina, devendo ser mantida por até 5
dias e temos como opção também o octreotide e a somatostatina.

Índice

27
MANEJO DA HEMORRAGIA DIGESTIVA ALTA

Estabilização ABC (via aérea, respiração)

Estabilização hemodinâmica
• Solução cristaloide
• Droga vasoativa
• Hemoconcentrados

Dieta zero

Inibidor de bomba de prótons


• Omeprazol 40 mg IV 12h/12h (ou 8h/8h)

Transfusão de concentrado de hemácias


• Se Hb < 7,0 g/dL
• Alvo: Hb 7,9-9,0 g/dL

Transfusão de plasma fresco congelado se RNI > 1,5

Transfusão de plaquetas
• Se plaquetas < 50000/mm³

Vasoconstritor esplâncnico
• Terlipressina: 4 mg IV em bolus + 2 mg IV 4h/4h
• Octreotide

Tabela 6. Manejo da HDA. Fonte: Acervo Medway.

Em relação ao tratamento endoscópico, a ligadura elástica possui eficácia superior à


escleroterapia, sendo o tratamento de escolha, lembrando da indicação de endoscopia de
controle 15 dias após a primeira idealmente. Nas varizes de fundo gástrico, o tratamento
de escolha é o uso do cianoacrilato.

Índice

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MANEJO DA HDA VARICOSA

Endoscopia digestiva alta em até 24 horas:


• Idealmente em 12 horas
• Ligadura elástica das varizes

Tamponamento com balão de


• Sengstaken-Blakemore:
• Se terapia endoscópica não disponível
• Temporário

TIPS
(derivação portossistêmica transjugular)

Cirurgia

Tabela 7. Tratamento da HDA varicosa. Fonte: Acervo Medway.

Além disso, não vamos esquecer da profilaxia para PBE. Pacientes cirróticos com HDA
devem receber norfloxacino (400 mg/dia) ou ceftriaxona (1g/dia) para combater
possíveis translocações bacterianas e desenvolvimento de PBE.

Outro ponto muito importante é na profilaxia de novas varizes ambulatorialmente (no


paciente assintomático). Existe a profilaxia primária (pacientes que nunca sangraram)
não indicada em todos os casos e a profilaxia secundária (obrigatória).

PROFILAXIA PRIMÁRIA DE SANGRAMENTO


DE VARIZES ESOFÁGICAS

Varizes de fino calibre + marcas Iniciar betabloqueador não seletivo


vermelhas ou CHILD B ou C (propranolol)

Betabloqueador ou ligadura elástica


Varizes de grosso/médio calibre
endoscópica

Varizes de baixo risco, fino calibre, sem


Betabloqueador opcional
marcas vermelhas + CHILD A

Tabela 8. Profilaxia primária HDA varicosa. Fonte: Acervo Medway.

Índice

29
PROFILAXIA SECUNDÁRIA DE
SANGRAMENTO DE VARIZES ESOFÁGICAS

Ligadura endoscópica
Pacientes que já apresentaram HDA +
betabloqueadores não seletivos

Se contraindicação de ligadura
Betabloqueador + nitrato
endoscópica

Nova HDA varicosa apesar de TIPS (derivação portossistêmica


medicações + ligadura endoscópica transjugular intra-hepática)

Tabela 9. Profilaxia secundária HDA varicosa. Fonte: Acervo Medway.

ENCEFALOPATIA HEPÁTICA (EH)

É a síndrome neuropsiquiátrica associada ao acúmulo de substâncias tóxicas,


principalmente a amônia, no cérebro, em razão da insuficiência hepática e da presença
de circulação colateral.

Em geral, tem algum fator precipitante e é sempre importante buscá-lo na vigência de


descompensação. Os mais comuns são:
• Constipação intestinal
• Infecções: por ordem de prevalência no cirrótico: PBE -> pneumonia -> ITU
• Má adesão à dieta
• Distúrbios hidroeletrolíticos: hipocalemia e alcalose metabólica
• Desidratação
• Uso de benzodiazepínicos, sedativos ou opioides

Quadro clínico:

Ocorrem alterações da consciência. O quadro vai desde alterações subclínicas, percebidas


apenas em testes cognitivos, distúrbios da atenção e inversão do ciclo sono-vigília ao
coma hepático. Ao exame físico, aparece o flapping ou asterix, um tremor de extremidades
anteroposterior. Para caracterizar melhor, é usada a classificação de West-Haven para
encefalopatia hepática:

Índice

30
CRITÉRIOS DE WEST-HAVEN PARA ENCEFALOPATIA HEPÁTICA

GRAU DE
MANIFESTAÇÃO CLÍNICA
ENCEFALOPATIA

Nível de consciência e comportamento normal.


Mínima
Testes psicométricos prejudicados

Grau I Perda de atenção, inversão do ciclo sono vigília

Letargia, desorientação, comportamento inadequado e flap-


Grau II
ping

Grau III Sonolência intensa, agitação, hiperreflexia e rigidez muscular

Grau IV Coma, pode haver postura de descerebração

Tabela 10. Classificação de West-Haven. Fonte: Acervo Medway.

Tratamento:

O primeiro passo, como mencionado lá em cima, é identificar o fator precipitante. O


segundo passo é o paciente evacuar! A droga de escolha é a lactulose, feita via oral, 40 a
60 ml por dia, visando 3 evacuações pastosas por dia. Casos refratários são tratados com
neomicina, metronidazol ou rifaximina. Esse último é um antibiótico de ação exclusiva
intestinal não disponível ainda no Brasil, mas que já é de escolha em alguns países, com
bons resultados.

SÍNDROME HEPATORRENAL (SHR)

É a disfunção renal associada à cirrose avançada e hipertensão portal grave. Pode ser aguda
e de rápida instalação (antes chamada de SHR tipo 1) ou de instalação lenta e progressiva
(a SHR tipo 2). Geralmente, tem prognóstico ruim.

São usados critérios diagnósticos para a definição de SHR. É um diagnóstico de exclusão


e todos os abaixo devem estar presentes:
• Presença de cirrose com hipertensão portal e ascite
• Aumento de creatinina ≥ 0,3 mg∕dL em 48h ou aumento em ao menos 50% do valor basal
em 7 dias
• Ausência de drogas nefrotóxicas
• Ausência de choque

Índice

31
• Ultrassonografia sem sinais de nefropatia parenquimatosa ou obstrução de vias urinárias
• Urina 1 com < 50 células e proteinúria < 500 mg
• Ausência de melhora na função renal com a suspensão de diuréticos e expansão com
albumina: 1g∕kg por dia por 48h

Tratamento:

É mantida a expansão volêmica com albumina, associada a um vasoconstritor. No


paciente em enfermaria, a escolha é a terlipressina; já em ambiente de UTI, ficamos com
a noradrenalina. É importante sempre suspender diuréticos. Hemodiálise pode funcionar
como uma ponte para o transplante duplo renal e hepático, que é a única terapia definitiva.

SÍNDROME HEPATOPULMONAR

É uma síndrome resultante da dilatação dos vasos pulmonares, secundária à hipertensão


portal. Forma-se um shunt direita-esquerda, resultando em hipoxemia. O quadro clínico
típico é de ortodeoxia (piora da saturação quando o paciente se levanta) e platipneia
(piora da dispneia quando em posição supina). O diagnóstico é pelo ecocardiograma com
microbolhas e esses pacientes devem ser encaminhados para transplante hepático!

INSUFICIÊNCIA HEPÁTICA CRÔNICA AGUDIZADA (ACLF)

Tema quente em hepatologia! Há alguns anos, foi descrita a Acute on Chronic Liver Failure
(ACLF), que nada mais é do que a cirrose descompensada. Porém, é uma condição especial,
diferente das descompensações comuns da cirrose. Tem alta mortalidade a curto prazo e
se caracteriza por intensa inflamação, um fator descompensador (libação alcoólica ou
infecções) e falência de múltiplos órgãos:
• Falência hepática: aumento de bilirrubinas
• Falência renal: aumento de creatinina
• Falência cerebral: encefalopatia hepática
• Coagulopatia: alargamento do INR
• Falência circulatória: hipotensão e choque
• Falência respiratória: necessidade de suporte de O2 e queda da relação de troca
(relação pO2/FiO2)

O tratamento é de suporte em terapia intensiva, controle do fator desencadeante e listagem


para transplante. A mortalidade é altíssima.

Índice

32
CARCINOMA HEPATOCELULAR (CHC)

É a neoplasia do fígado que mais se associa à hepatopatia crônica. Até 85% dos casos
de CHC ocorrem em indivíduos cirróticos. Sempre deve ser pesquisada em vigência de
descompensação da cirrose. O marcador tumoral é a alfafetoproteína (AFP).

Diagnóstico:

É uma das poucas neoplasias cujo diagnóstico não depende de biópsia. A imagem na
TC de abdome com contraste é típica: lesão irregular com hipervascularização na fase
arterial a wash-out ou clareamento na fase pós-contraste.

Nódulos característicos > 2 cm na TC ou RM já têm o diagnóstico. Nódulos entre 1 e 2 cm e


com AFP > 400 ng∕mL também já têm diagnóstico fechado, não necessitando de biópsia.

A B

Figura 9. CHC avançado com aspecto em mosaico em TC dinâmica. A: fase arterial conferindo aspecto em mosaico.
B: fase tardia demonstrando cápsula. Fonte: https://www.researchgate.net/figure/Figura-3-CHC-avancado-com-
aspeto-em-mosaico-em-TC-dinamica-A-fase-arterial-conferindo_fig2_322557528

Tratamento:

O manejo do hepatocarcinoma depende do tamanho e número de nódulos, classificação


de Child e status funcional do paciente.
• Até 1 nódulo < 5 cm ou 3 nódulos < 3 cm, assintomático e Child A = ressecção cirúrgica
potencialmente curativa e encaminhar para avaliação para transplante hepático
(tratamento de escolha).
• > 3 nódulos, assintomático e Child A ou B = terapias locais de quimioembolização.
• Paciente sintomático, metástase extra-hepática e com invasão tumoral vascular, Child A
ou B = sorafenibe (antineoplásico inibidor de quinases).

Índice

33
• Paciente com baixo performance status e Child C = cuidados paliativos.

Rastreamento:

Todo paciente cirrótico ou portador de vírus da hepatite B (mesmo que não cirrótico) é
rastreado para CHC a cada 6 meses com ultrassonografia E AFP.

Referências bibliográficas
1. Piettrangelo A. Review Article: Hereditary Hemochromatosis: a New Look at an Old
Disease. N Engl J Med. Jun 2004.
2. Radford-Smith DE, Powell EE, Powell LW. Haemochromatosis: a clinical update for the
practising physician. Internal Medicine Journal. Nov 2017.
3. Griffiths WJH, et al. Diagnosis and therapy of genetic haemochromatosis (review and
2017 update). British Journal of Haematology. April 2018.
4. Farias AQ, Bittencourt PL, Martinelli ALC. Hemocromatose Hereditária: muito além do
HFE. Sociedade Brasileira de Hepatologia – Programa de Educação Continuada.
5. Hoofnagle JH, Bjornsson ES. Drug Induced Liver Injury: Types and Phenotypes. N Engl
J Med. 2019
6. Giordano C, Rivas J, Zervos X. Na Update on Treatment of Drug-Induced Liver Injury. J
Clin Transl Hepatol. 2014
7. Arroyo V, Moreau R, Jalan R. Acute on Chronic Liver Failure. N Engl J Med. 2020
8. Manual do residente de Clínica Médica. Manole. 2ª edição
9. Medicina de emergência: abordagem prática. Manole. 15ª edição
10. Medicina intensiva: abordagem prática. Manole. 4ª edição
11. Clínica Médica, volume 4. Manole. 2ª edição

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34
CONCLUSÃO

E aí, gostou deste material?

Esperamos que agora você se sinta mais seguro para diagnosticar e manejar um paciente
cirrótico com ou sem complicações!

Esse é um tema super frequente e importante na prática clínica, bastante frequente nas
unidades de emergência e de internação em nosso país. Saber a condução é essencial!
Por isso, entender a fisiopatologia da cirrose hepática ajuda na compreensão de suas
complicações e na terapêutica necessária para estas.

A gente sabe, é muita informação. Mas lembre-se que você pode consultar este material a
qualquer momento, como se fosse um guia de bolso, seja num atendimento ambulatorial
ou em um pronto socorro!

A verdade é que é praticamente impossível esgotar todos os assuntos da medicina e, mais


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Esperamos que tenha gostado!

Estamos juntos até o final!

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