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Cirrose hepática

Letícia Muniz – Itpac Porto – Turma 34

Anatomofisiologia do fígado no centro está a veia central, e irradiando para fora dele
- Histologicamente, o fígado é composto por vários estão fileiras de hepatócitos e sinusoides hepáticos.
componentes: → Lóbulo portal: enfatiza a função exócrina do
• Hepatócito: principais células funcionais do fígado fígado, isto é, a secreção biliar. Por conseguinte, o ducto
e realizam uma grande variedade de funções biliar de uma tríade portal é considerado o centro do lóbulo
metabólicas, secretoras e endócrinas; As lâminas portal
hepáticas são placas de hepatócitos de uma célula → Ácino hepático: a unidade estrutural e funcional
de espessura limitada em ambos os lados por preferida do fígado é o ácino hepático. Cada ácino hepático
espaços vasculares revestidos por células é uma massa ligeiramente oval que inclui partes de dois
endoteliais chamados sinusoides hepáticos. lóbulos hepáticos vizinhos.
• Canalículos de bile: pequenos ductos entre os SISTEMA PORTA HEPÁTICO: o fígado recebe sangue
hepatócitos que coletam a bile produzida pelos através de dois vasos sanguíneos, a artéria hepática (20 a
hepatócitos. A bile passa por vários ductos até 25%) e a veia porta (75 a 80%). O sangue que circula pela
chegar no ducto hepático comum. O ducto artéria hepática vem indiretamente do coração, trazendo os
hepático comum junta-se ao ducto cístico da nutrientes e a oxigenação para o fígado. O sangue da veia
vesícula biliar para formar o ducto colédoco. Por porta é proveniente do intestino, pâncreas e do baço,
ele, a bile entra no duodeno do intestino delgado levando todos os produtos que são absorvidos pelo intestino.
para participar da digestão Após o sangue passar pelas células do fígado, o sangue sai
• Sinusoides hepáticos: capilares sanguíneos do mesmo através das veias hepáticas, desemboca na veia
altamente permeáveis entre fileiras de hepatócitos cava e leva o sangue para o coração.
que recebem sangue oxigenado de ramos da - A artéria hepática (esquerda e direita) leva sangue
artéria hepática e sangue venoso rico em oxigenado para os tecidos hepáticos, enquanto a veia porta
nutrientes de ramos da veia porta do fígado. Os (fusão da veia esplênica e da veia mesentérica superior)
sinusoides hepáticos convergem e entregam o coleta sangue desoxigenado dos órgãos abdominais e o
sangue a uma veia central. A partir das veias filtra, eliminando toxinas e processando os nutrientes que
centrais, o sangue flui para as veias hepáticas, que foram coletados durante a absorção no trato
drenam para a veia cava inferior. Nos sinusoides gastrointestinal.
hepáticos também estão presentes fagócitos fixos
chamados células estreladas do fígado, que
destroem eritrócitos e leucócitos envelhecidos,
bactérias e outros materiais estranhos do sangue
venoso que drena do canal alimentar.
→ Juntos, o ducto biliar, um ramo da artéria
hepática e um ramo da veia hepática são
chamados tríade portal.

- A existência do sistema porta garante que todas as


substâncias absorvidas pelo trato gastrointestinal passem
primeiro pelo fígado antes de caírem na circulação
sistêmica. Isso significa que todas as substâncias que são
digeridas e absorvidas pelo sistema digestivo são levadas ao
- O fígado podem ser organizados em unidades anatômicas fígado para serem metabolizadas antes de seguir para o
e funcionais de três maneiras diferentes: resto do corpo.
→ Lóbulo hepático: cada lóbulo hepático tem o
formato de um hexágono (estrutura de seis lados), em que
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- Na vigência da perpetuação da agressão, ocorre


capilarização dos sinusoides, onde se depositam
continuamente laminina, colágeno tipo IV e perlecans..
Nessa situação, reduzem-se os microvilos dos hepatócitos,
instalam-se modificações fenotípicas das células de lto
(células HSC), as quais assumem aspecto miofibroblástico.
Cirrose hepática - Participam ainda do processo fatores liberados de
- Cirrose hepática resulta da inter-relação entre diversos macrófagos ativados, sobretudo IL-1, fator de necrose
fatores etiológicos, que atuam ao longo dos anos, tais como, tumoral, prostaglandinas e substâncias inflamatórias outras,
morte e regeneração celular, degradação e formação como fator de crescimento derivado de plaquetas, além de
anormal da matriz extracelular. radicais livres de oxigênio intermediário, , responsáveis pela
- Trata-se de um processo que se caracteriza por ativação de lipócitos, os quais se encontravam quiescentes
formações de fibrose difusa, além de micro e macronódulos
- A contínua lesão dos hepatócitos resultam numa contínua
fibrogênese (substituição do tecido hepático normal por
nódulos e tecido fibroso)
- No fundo, a cirrose nada mais é do que a cicatrização do
fígado; onde deveria haver tecido funcionante, há apenas
fibrose (cicatriz)
- Desse processo, participam células endoteliais, células de
Kupffer (células fagocíticas mononucleadas), células
estelares (células HSC/células de Ito - armazenadoras de
gordura e produzem componentes de matriz extracelular -
miofibroblastos) do espaço de Disse (espaço que existe
entre os capilares sinusóides - onde estão presentes as
células de kupffer- e os hepatócitos)
➢ As células de Kupfer, ao sofrerem injúrias por uma
série de toxinas (o que inclui álcool, drogas, CLASSIFICAÇÃO ANATÔMICA
medicamentos), passam a secretar uma série de → Micronodular: nódulos pequenos, com pouca variação de
citocinas inflamatórias. Essas citocinas agem agora tamanho, uniformes, com até 3 mm de diâmetro, sendo
nas células de Ito as quais normalmente sempre observados septos finos de até 2 mm, que os
produzem Vit. K, mas que sob estímulo das separam e envolvem todo o lóbulo
citocinas passam a sintetizar colágeno → Macronodular: septos de tamanhos variados,
➢ As células de Ito que naturalmente armazenam com nódulos atingindo diâmetros entre 3 e 30 mm,
vitaminas passam a produzir colágeno, reduzindo o multilobulares, com deformação grosseira do fígado.
espaço de Disse, prejudicando a troca de Representa evolução da cirrose micronodular, uma vez que
substância do sinusoide para o hepatócito devido a se perpetua a ação lesiva exercida pelo agente etiológico;
perda das fenestrações (capilarização dos → Mista: coexistência, em um mesmo paciente, de micro e
sinusoides), gerando morte celular do hepatócito macronódulos
➢ Além dessa dano no sinusoide, as células
estreladas tornam-se miofobriblastos, se
contraindo e diminuindo o diâmetro dos
sinusoides, explicando porque a cirrose pode
evoluir com hipertensão portal intra-hepática
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CLASSIFICAÇÃO ETIOLÓGICA parenquimatosa e hipertensão portal, sendo necessário


→ Infecciosa: causada por infecções crônicas, como conduzi-los ao transplante de fígado
hepatites B, C e D. A perpetuação, durante alguns anos, de - Doenças metabólicas: (1) doença de Wilson: defeito na
lesão celular imunomediada mostra-se responsável pela excreção biliar do cobre, causando acúmulo de cobre no
instalação de hepatite crônica e cirrose fígado, na córnea e no cérebro e a doença hepática
- A perpetuação de lesões celulares causadas por manifesta por meio da insuficiência hepática fulminante,
patógenos infecciosos causa cirrose hepática hepatite crônica e/ou cirrose, podendo causar necrose e
→ Não infecciosa: álcool, hepatite autoimune, doenças hipertensão portal; (2) hemocromatose hereditária (HH):
metabólicas, obstrução biliar, fármacos, causa vascular e etc doença herdada relacionada ao gene HFE que causa
- Hepatite autoimune: causa hepatite periporta (próximo a mutações genéticas que resultam no excesso de ferro nos
tríade portal) com infiltrado inflamatório. Toda essa hepatócitos; (3) deficiência de alfa1-antitripsina: mutação no
evolução se relaciona com citotoxicidade imune-celular gene presente no cromossomo 14q3 que gera deficiência
mediada por anticorpos, que se dirigem contra proteínas dessa enzima, causando enfisema pulmonar e doença
normais de membranas hepatocíticas, onde autoantígenos hepática; (4) galactosemia: herança autossômica recessiva
específicos encontram-se hiper expressos, sendo de risco que causa expressão de deficiências celulares de três
maior a essa evolução pacientes HLA Dr3 e Dr4 positivos. enzimas, galactose-1-fosfato uridiltransfe rase,
- Alcoólica: ingesta alcoólica (> 80g de etanol/dia) aliado à galactoquinase e uridina difosfato (UDP) galactose-4-
predisposição genética, estado hipermetabólico em que se epimerase
acumula acetaldeído; os doentes evoluem com lesões - Vascular: (1) síndrome de Budd-Chiari: obstáculo ao livre
necróticas focais dos hepatócitos, inflamação, acúmulo de fluxo sanguíneo secundário a trombose de veias hepáticas
proteínas celulares, esteatose, fibrose e regeneração micro ou de veia cava inferior supra-hepática; (2) doença
e, menos frequentemente, macronodular, com instalação de venoclusiva; (3) telangiectasia hemorrágica hereditária
cirrose e risco de evolução para carcinoma hepatocelular → Cripogênica: etiologia desconhecida, representando cerca
- Obstrução biliar: (1) colangite crônica destrutiva não de 5 a 15% das cirroses. São pacientes negativos para todos
supurativa: doença crônica do fígado resultante do insulto os marcadores séricos, radiológicos e histológicos que
imunológico desenvolvido por linfócitos citotóxicos sobre o definem as anteriores etiologias. Mecanismos patogenéticos
epitélio dos duetos biliares, causando lesão hepatocelular e são desconhecidos, e, histologicamente, a doença
colestase progressiva; (2) colangite esclerosante primária: representa-se por ausência de espaços portais, arranjos
doença crônica, de etiologia desconhecida, cujos aspectos vasculares anormais, septos fibrosos e regeneração nodular.
histológicos são representados por inflamação de dueto HIPERTENSÃO PORTAL
biliar e fibrose; (3) atresia de vias biliares: doença - Todo o sangue que vem do sistema digestivo e do baço
idiopática, representada por obliteração completa, localizada passa obrigatoriamente pelo fígado antes de seguir para o
ou difusa, dos duetos biliares a partir do hilo até o duodeno. resto do corpo. Todas as veias destes órgãos desembocam
Essa obstrução ao livre fluxo biliar leva aos aparecimentos em uma única grande veia do fígado, chamada sistema
de fibrose gradual, destruição de estruturas biliares intra- e porta ou veia porta.
extra-hepáticas; (4) fibrose cística: desordem generalizada - A intensa instalação de fibrose e constante regeneração
das glândulas exócrinas devido a fatores genéticos nodular resulta no aparecimento da hipertensão portal em
(autossômico recessivo) com gene defeituoso no que os níveis pressóricos do sistema venoso portal atinge
cromossomo 7q31 (produção e acúmulo excessivo de muco, níveis superiores a 5mmHg na veia cava inferior
fibrose biliar focal e, eventualmente, cirrose, com - A hipertensão portal resulta em um aumento do débito
hipertensão portal em todos os casos); (4) displasia artério- cardíaco, pois o fluxo hepático deve ser mantido com
hepátca ou síndrome de Alagille: doença genética acentuação da resistência oferecida pelos vasos colaterais
autossômica dominante que causa fibrose, ductopenia e devido a contração do vaso causado pelos miofobriblastos
cirrose inativa, com aspecto colangiográfico de colangite (PA = DC x RVP)
esclerosante primária; (5) sarcoidose: doença crônica - O fluxo sanguíneo portal pode ser alterado na
sistêmica com presença de granulomas não caseosos no modificação da circulação esplâncnica ou sistêmica. Como
espaço portal evento instaurador da hipertensão portal temos a
- Fármacos: a hepatite causada por medicamentos causa vasodilatação e, consequentemente, o aumento do fluxo
infiltrado inflamatório periportal com linfócitos e sanguíneo na região portal.
plasmócitos aém de necrose periférica podendo ter ouo não - Sempre que o fluxo de sangue encontra uma obstrução,
granulomas não caseosos. Relaciona-se essa evolução com a ele precisa arranjar uma maneira alternativa de continuar a
continuada exposição, levando a que cursem nas fases mais fluir. Se à frente há uma obstrução, a única forma do
avançadas com sinais de redução funcional da síntese sangue chegar ao resto do corpo é procurando um novo
caminho por outras veias (circulação colateral)
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→ Quando o sangue que deveria ser drenado pela valores de AST sobre ALT.
veia porta começa a retornar em grande quantidade por - Gamaglutamiltransferase (GGT) e fosfatase alcalina (FA):
veias colaterais, estas dilatam-se, formando varizes. valores alterados em processos de envolvimento do sistema
- HDA: presença de varizes no estômago e no esôfago é um biliar, tal como ocorre na cirrose biliar primária e colangite
fator de risco para hemorragias. Os vasos sanguíneos esclerosante primária, valores mais e levados de GGT são
desses órgãos não estão preparados para receber tamanho encontrados na cirrose alcoólica
fluxo e pressão sanguínea, e podem romper-se - Bilirrubina direta: níveis séricos aumentados
espontaneamente, causando hemorragia digestiva alta - A excreção urinária de sódio está diminuída na presença
(HDA) de ascite
- O aumento da pressão de sangue dentro do baço leva ao - Na cirrose biliar primária, ocorre aumento isolado de
aumento do seu tamanho, tornado-o facilmente palpável ao IgM; na alcoólica, de IgG e IgA e, em menor grau, de IgM;
exame físico (esplenomegalia) e de IgM nas fases iniciais das hepatites agudas.
- A ascite na cirrose é causada pela hipertensão porta e Concentrações reduzidas de <X1-antitripsina (< de 0,4
pela diminuição da concentração de albumina no sangue mglmf de soro) ocorrem na doença hepática por
(falaremos da albumina mais à frente). Na cirrose, pode deficiência dessa proteína. Valores de alfa-fetoproteína,
haver acúmulo de mais de 10 litros de líquido ascítico proteína oncofetal, encontram-se em níveis e levados no
dentro da cavidade peritonial, o que faz com que o soro e em baixa concentração ( 4 a 10,5 ng/mf) nos
paciente fique com um abdômen muito volumoso. indivíduos normais. Pode estar elevada por ocasião da
- O baço tem como uma de suas funções eliminar as regeneração hepática, podendo sugerir hepatite viral, e
células do sangue que já estão velhas. Cada vez que o serve de alerta para os casos com carcinoma hepatocelular.
sangue passa pelo baço, milhares de células são removidas EXAMES DE IMAGEM
para que haja espaço para a chegada de novas hemácias, - Ultrassonografia: padrão ecográfico heterogêneo e
plaquetas e leucócitos recém produzidos. Na hipertensão grosseiro, com hiperecogenicidade do parênquima, aumento
portal, o sangue que deveria sair do baço para o fígado fica
da atenuação sonora e nodularidade na superfície do órgão
congestionado e permanece mais tempo dentro do próprio (sinal mais específico)
baço, que acaba por eliminar mais células sanguíneas do Os sinais ultrassonográficos de hipertensão portal incluem
que seria necessário (hiperesplenismo) esplenomegalia, ascite e presença de circulação colateral
portossistêmica (sendo este o sinal eco gráfico mais
MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS específico).
- A magnitude das manifestações clínicas está, obviamente, - Tomografia computadorizada (TC): om o progresso da
na dependência do grau de comprometimento celular doença, identificam-se nodularidades sobre superfície do
hepático e da intensidade da fibrose. fígado, com o padrão heterogêneo do parênquima definido
• Assintomático na fase inicial principalmente após a injeção de contraste. As alterações
• Cirrose hepática compensada: anatômicas, atrofia e hipertrofia de lobos, e os achados
hepatoesplenomegalia e hipertransaminasemia, para hipertensão portal são os mesmos já descritos na
edema, lentidão de raciocínio, emagrecimento, ultrassonografia.
eritema palmar e referências a episódios de - Ressonância magnética (RM): tem sido usada para
diarreia, além de sintomas dispépticos diversos, detectar lesões hepáticas focais em pacientes com cirrose
tais como plenitude epigástrica ou flatulência. hepática e, de maneira geral, para investigar, de forma não
• Cirrose hepática descompensada: ascite, invasiva, as formações vasculares intra e extra-hepáticas
encefalopatia e hemorragia digestiva alta,
comprometimento de seu estado nutricional e
diminuição de massa muscular, pode haver
episódios de bacteriemia, com febre causada por
bactérias gram-negativas, necrose celular ou
instalação de carcinoma hepatocelular
ASPECTOS LABORATORIAIS
- Albumina: baixos níveis séricos devido ao fato de que os
hepatócitos não estão mais viáveis, sendo eles os
responsáveis por sintetizar albumina
- Aminotransferases (ALT e AST): valores flutuantes dos
seus níveis nas reagudizações da doença, porém, de
maneira geral, permanecendo em torno de 5 vezes o LSN
(limite superior de normalidade), predominando

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