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Congreso de Métodos Numéricos en Ingeniería 2005

Granada, 4 a 7 de Julio, 2005


© SEMNI, España 2005

INFLUÊNCIA DOS TURBILHÕES NAS INTERACÇÕES ENTRE


GRANDES E PEQUENAS ESCALAS DE ESCOAMENTOS
TURBULENTOS
Carlos Bettencourt da Silva e José Carlos Fernandes Pereira,

Instituto Superior Técnico,


Pav. Mecânica I, 1º andar (LASEF),
Avenida Rovisco Pais 1049-001 Lisboa, Portugal
e-mail: {csilva,jose}@navier.ist.utl.pt web: http://degas.lasef.ist.utl.pt

Palavras-chave: Escoamentos turbulentos, Simulação numérica, modelos sub-malha

Resumo. Simulações numéricas directas de turbulência homogénea e isotrópica são


usadas para analisar a relação entre os grandes turbilhões do escoamento e os processos
de interacção entre escalas resolvidas e escalas residuais no contexto de simulações das
grandes escalas (Large-Eddy Simulations – LES). Mais detalhes deste trabalho são
descritos em da Silva e Métais[2], da Silva e Pereira[5],[8],[9].

1. INTRODUÇÃO
A hipótese de equilíbrio local entre as grandes e pequenas escalas do movimento em
escoamentos turbulento é uma das mais usadas no estudo da turbulência (teoria e modelação).
No contexto de simulações das grandes escalas (Large-Eddy Simulations - LES), a hipótese
de equilíbrio local é frequentemente usada para obter relações matemáticas e constantes de
modelos sub-malha. Por exemplo, no modelo de Smagorinsky a constante Cs é obtida
assumindo equilíbrio local entre escalas resolvidas e sub-malha como descrito na equação (1)
em baixo (ver Piomelli e Chasnov [3]). Outro exemplo é o cálculo da energia cinética sub-
malha em LES (Knaepen et al [4]).
O equilíbrio local pode assumir duas formas. A forma mais comum é obtida quando se
assume que toda a energia cinética transferida das escalas resolvidas para as escalas sub-
malha é exactamente equilibrada pela dissipação viscosa,
Π =ε, (1)
<
onde Π = τ ij ∂u i / ∂x j é a energia cinética transferida entre escalas resolvidas e escalas sub-
< < <
malha, τ ij = (u i u j ) < − u i u j é o tensor das tensões sub-malha e ∂u i / ∂x j é o gradiente da
< <
velocidade resolvida. ε = υ (∂u i / ∂x j )(∂u i / ∂x j ) é a taxa de dissipação viscosa de energia
cinética. Localmente Π pode assumir valores positivos e negativos. Quando Π < 0 a energia
Carlos Bettencourt da Silva e José Carlos Fernandes Pereira

cinética é transferida das escalas resolvidas para as sub-malha (transferência directa- forward
scatter). Transferência inversa (backward scatter) occorre sempre que Π > 0 .
Para o campo de escalar passivo a expressão análoga a (1) é,
Πθ = ε θ (2)

onde Π θ = q j G <j é a transferência de variância de escalar passivo entre grandes e pequenas


escalas, G <j = ∂θ / ∂x j é o gradiente do campo escalar passivo resolvido e q j = (θu j ) < − θ < u <j
é o fluxo de escalar residual, e ε θ = κ (∂θ < / ∂x j )(∂θ < / ∂x j ) é a dissipação molecular de
variância escalar.
Outra forma de equilíbrio local obtém-se quando se considera a equação de transporte de
energia cinética sub-malha τ ij (ver da Silva e Métais). Se nesta equação se considera que
existe equilíbrio local entre os movimentos resolvidos e residuais então todos os termos de
transporte são desprezáveis e a seguinte aproximação é verificada:

∂u i< ⎡⎛ ∂u ∂u ⎞ < ∂u < ∂u < ⎤


2τ ij = −2υ ⎢⎜ i i ⎟
− i i ⎥
. (3)
∂x j ⎜ ∂
⎢⎝ j ∂ ⎟ ∂ ∂
x x j ⎠ x x j ⎥
⎣ j

O segundo termo na equação (3) ε visc
sgs
, é sempre negativo e representa a dissipação final de
energia cinética injectada em τ ii através de Π . Considerando agora a evolução de
qθ = (θ 2 ) < − θ < , a aproximação análoga à equação (3) é,
2

⎡⎛ ∂θ ∂θ ⎞ < ∂θ ∂θ ⎤
2q j G = −2κ ⎢⎜
< ⎟ − ⎥. (4)
⎢⎜⎝ ∂x j ∂x j ⎟⎠ ∂x j ∂x j ⎥
j

⎣ ⎦
Globalmente, i.e. quando feita a média nos dois termos da equação, as aproximações
expressas pelas equações (1) e (3) são razoavelmente verificadas em simulações numéricas de
turbulência homogénea e isotrópica (de Borue e Orszag [1]) e em jactos planos (da Silva e
Métais [2], da Silva e Pereira [5]). Contudo localmente as aproximações não funcionam muito
bem. De Borue e Orszag [1] observaram uma correlação de 30-39% entre os dois lados da
equação (1). De forma semelhante da Silva e Métais [2] observaram que a correlação
existente entre os dois lados da equação (3) é de 39%.
Uma vez que a hipótese de equilíbrio local é uma das mais importantes e frequentemente
utilizadas em turbulência, não só em estudos teóricos mas também no desenvolvimento de
modelos sub-malha, e uma vez que na prática acaba por se revelar uma hipótese que não é
verdadeira é importante analisar este problema com mais profundidade. Neste trabalho
estabelece-se a influencia do número de Reynolds, tamanho do filtro e tipo do filtro na
hipótese de equilíbrio local como descrito pelas equações (1) e (3). Alem disso faz-se uma
análise semelhante para o caso do escalar passivo (equações 2 e 4), bem como a influência do

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número de Schmidt.
Reλ=39.4
8
10 Reλ=95.6
(-5/3)
106 ∆/∆x=2
∆/∆x=4
4
∆/∆x=8
10
∆/∆x=16

E(k)/(εν5)1/4
2
10

100

-2
10
(filters:)
10-4
Reλ=95.6
Reλ=39.4
-6
10
0.5 1 1.5 2

Figura 1. Espectro de energia para todas as simulações com a localização dos filtros usados.

2. SIMULAÇÕES NUMÉRICAS DE TURBULÊNCIA HOMOGÉNEA E


ISOTROPICA STATISTICAMENTE ESTACIONÁRIA
O código de cálculo numérico usado no presente trabalho utiliza esquemas pseudo-
espectrais para discretização espacial e um esquema Runge-Kutta de 3ª ordem para avanço
temporal. O domínio computacional consiste numa caixa de lados 2π . Três simulações
numéricas directas (direct numerical simulations - DNS) de turbulência homogénea e
isotrópica statisticamente estacionaria (forcada [6]) usando N=192 pontos de colocação em
cada direcção foram realizadas. Os detalhes de cada simulação são descritos na tabela I. O
presente estudo foi feito usando 10 campos instantâneos de cada simulação. A separação entre
escalas resolvidas e escalas residuais foi feito usando um filtro do tipo “caixa”. A figura 1
mostra o espectro de energia com os vários filtros usados. Para a simulação com Re λ = 95.6
existe uma região inercial com cerca de uma década de extensão. O filtro com dimensão
∆ / ∆ x = 16 está sobre essa região.

Re λ υ Sc k maxη k maxη B L11 η (×10 −2 ) η B (×10 −2 )


39.4 0.02 3.0 4.3 2.5 1.11 6.8 3.9
95.6 0.006 0.7 1.8 2.1 1.24 2.8 3.3
95.6 0.006 0.2 1.8 4.1 1.24 2.8 6.2

Tabela 1. Parametros e quantidades estatisticas das simulações numéricas directas.

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3. RESULTADOS E DISCUSSÃO
Começamos por analisar a validade da hipótese de equilíbrio global i.e. vêr se Π = ε ,
onde representa uma média feita em todo o domínio e com 10 campos instantâneos. Para
esse efeito a figura 2 mostra a evolução de Π / ε para vários filtros e números de
Reynolds. Vemos que Π / ε tende para 1 quando o filtro se desloca da região dissipativa
para a região inercial. Isto mostra que para elevados valores do número de Reynolds o
equilíbrio global existe desde que o filtro esteja colocado na região inercial. Analogamente
observa-se que Π θ = ε θ também tende para 1 para valores do número de Schmidt mais
altos.
O equilíbrio local pode ser apreciado analisando os coeficientes de correlação entre Π e ε e
de Π θ e ε θ como indicado na figura 2. Observa-se que os coeficientes de correlação são altos
quando o filtro é colocado na região dissipativa mas caem muito depressa assim que o filtro é
colocado na região inercial. Note-se que o coeficiente de correlação para o campo escalar se
mantêm alto desde que o número de Schmidt não seja baixo. Em conclusão, embora a
hipótese de equilíbrio seja verificada em média, particularmente para números de Reynolds e
de Schmidt elevados, acaba por falhar localmente precisamente para altos valores de
Reynolds e de Schmidt.
Para compreender a razão pela qual assim acontece estudam-se as funções densidade de
probabilidade PDFs de Π , ε , Π θ e de ε θ condicionadas por regiões (1) dominadas pela taxa
de deformação (Strain), (2) onde a vorticidade e a taxa de deformação são comparativamente
altas (flat sheet) e (3) por regiões dominadas pela vorticidade (tube core), conforme definido
por Horiuti [7].

Reλ=39.4 Reλ=39.4
Reλ=95.6 1 Reλ=95.6
10
1 Sc=0.2 Sc=0.2
Correlation (Π,ε) ; (Πθ,εθ)

Sc=0.7 Sc=0.7
0.9
<Π>/<ε> , <Πθ>/<εθ>

Sc=3.0 Sc=3.0

0
10 0.8

0.7
10-1

0.6

10-2 0.5

0.4
2 4 6 8 10 12 14 16 2 4 6 8 10 12 14 16

∆/∆x ∆/∆x
Figura 2. Π / ε e Πθ / εθ e coeficientes de correlação entre Π e ε , e entre Π θ e ε θ para todas as

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Carlos Bettencourt da Silva e José Carlos Fernandes Pereira

simulações em função do tamanho do filtro.

Conforme se pode observar na figura 3 quando o filtro está colocado na região dissipativa
transferência directa ocorre sobretudo nas regiões de intensa vorticidade e taxa de
deformação, mas quando está na região inercial é igualmente importante nessas regiões como
nas dominadas pela taxa de deformação. Transferência inversa ocorre sobretudo no centro dos
turbilhões ou seja, em regiões dominadas pela vorticidade.

0
∆/∆x=2 Reλ=95.6 0
∆/∆x=16 Reλ=95.6
10 10
Strain Strain
10
-1
Flat sheet 10
-1
Flat sheet
Tube core Tube core
-2 -2
10 10

-3 -3
10 10
PDF(Π)
PDF(Π)

-4 -4
10 10

-5 -5
10 10

-6 -6
10 10

-7 -7
10 10

-8 -8
10 10
0 2 4 -4 -2 0 2 4 6 8 10 12
Π Π
Figura 3. PDFs de Π para a simulação a Re λ = 95.6 para diferentes tamanhos de filtro.

A dissipação viscosa de energia cinética ocorre preferencialmente no centro dos turbilhões


como se observa na figura 4. Para o campo de escalar passivo a transferência directa ocorre
sempre (i.e. para todas as simulações) com igual probabilidade nas regiões de elevada
vorticidade e taxa de deformação como nas dominadas pela taxa de deformação (ver figura 5).
É interessante notar que ao contrário do que se passa com o campo de velocidade a dissipação
molecular de fluctuações do campo escalar dá-se nas mesmas regiões onde domina a
transferência directa como indicado na figura 5. Este facto permite explicar porque razão o
equilíbrio local parece funcionar melhor para o caso de um escalar passivo do que para o
campo de velocidade.

5
Carlos Bettencourt da Silva e José Carlos Fernandes Pereira

0
Reλ=95.6
10
Strain
10
-1
Flat sheet
Tube core
-2
10

-3
10

PDF(ε)
-4
10

-5
10

-6
10

-7
10

-8
10
0 2 4 6 8 10
ε

Figura 4. PDFs de ε para a simulação a Re λ = 95.6 .

0
∆/∆x=16 Sc=0.7
10
0 Sc=0.7
10
Strain Strain
10
-1
Flat sheet 10
-1
Flat sheet
Tube core Tube core
-2 -2
10 10

-3 -3
PDF(Πθ)

10 10
PDF(εθ)

-4 -4
10 10

-5 -5
10 10

-6 -6
10 10

-7 -7
10 10

-8 -8
10 10
0 5 10 15 20 0 2 4 6 8 10 12 14 16 18 20
Πθ εθ
Figura 5. PDFs de Π θ para a simulação a Re λ = 95.6 para diferentes tamanhos de filtro.

Uma explicação para a diminuição do coeficiente de correlação entre Π e ε , (e entre Π θ e


ε θ ) pode ser dado se se apreciar as funções densidade de probabilidade conjuntas (JPDFs)
entre Π e ε (e entre Π θ e ε θ ) condicionadas pelas regiões usadas anteriormente, como
representado na figura 6. Nestas figuras pode ver-se que a correlação entre Π e ε é mais
baixa nas regiões de forte vorticidade do que nas outras regiões. Coeficientes de correlação
(não incluidos) mostram também que é nestas regiões a correlação entre Π e ε é mais baixa.
Uma vez que as zonas dominadas pela vorticidade tendem a aumentar com o número de
Reynolds compreende-se que a hipótese de equilíbrio local tenda a piorar com o aumento do
número de Reynolds. Observou-se que as mesmas conclusões são válidas para o caso do
campo escalar.

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Carlos Bettencourt da Silva e José Carlos Fernandes Pereira

4. CONCLUSÕES
A influência dos números de Reynolds e de Schmidt e do tamanho do filtros na hipótese
de equilíbrio local entre a energia e variância de escalar transferida para as escalas sub-
malha e suas respectivas dissipações moleculares foi analisada através de simulações
numéricas directas de turbulência homogénea e isotrópica estatisticamente estacionária
(forçada). Foram identificadas as regiões onde têm lugar os mais frequentes e intensos
eventos de transferência directa e inversa de energia cinética e de escalar passivo, além
das suas respectivas dissipações moleculares.
A hipótese de equilíbrio local é válida globalmente (i.e. em média), mas falha localmente
à medida que as regiões dominadas pela vorticidade se tornam mais numerosas no domínio
do escoamento, o que ocorre quando aumentam os números de Reynolds (para o campo de
velocidades) e de Schmidt (para o campo de escalar passivo).

Strain

-1 -1
ε

-2
ε

-2

-3 -3

∆/∆x=2 ∆/∆x=2
Reλ=39.4 Reλ=39.4
0 0.05 0.1 0.15 0 0.05 0.1 0.15
Π Π

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Sheet Tube

-1
-1

ε
-2
ε

-2

-3 -3

∆/∆x=2 ∆/∆x=2
Reλ=39.4 Reλ=39.4
0 0.05 0.1 0.15 0 0.05 0.1 0.15
Π Π

Figura 6. PDFs conjuntas de Π e ε para a simulação a Re λ = 39.4 condicionadas por diferentes regiões do
escoamento.

REFERÊNCIAS
[1] V. de Borue and Orszag, “Local energy flux and subgrid-scale statistics in three
dimensional turbulence”, Journal of Fluid Mechanics. Vol. 366, pp. 1-31, (1998).
[2] C. B. da Silva and O. Métais, “On the influence of coherent structures upon interscale
interactions in turbulent plane jets”, Journal of Fluid Mechanics. Vol. 473, pp. 103-
145, (2002).
[3] U. Piomelli and J. Chasnov. Large eddy Simulations: Theory and applications. In
Turbulence and Transition modeling. Kluwer, Dordrecht, (1996).
[4] B. Knaepen, O. Debiliquy, and D. Carati, “Subgrid-scale energy and pseudo-pressure
in large-eddy simulation”, Phys. of Fluids, Vol. 12, pp. 4235-4241, (2002).
[5] C. B. da Silva and J. C. F. Pereira, “The effect of subgrid-scale models on the vortices
computed by large-eddy simulations”, Phys. of Fluids, Vol. 16, pp. 4506-4534, (2004).
[6] K. Alvelius, “Random forcing of the three-dimensional homogeneous turbulence”,
Phys. of Fluids, Vol. 11, pp. 1880-1889, (1999).
[7] K. Horiuti, “A classification method for vortex sheet and tube structures in turbulent
flows”, Phys. of Fluids, Vol. 13, pp. 3756-3774, (2001).
[8] C. B. da Silva and J. C. F. Pereira, “On the local equilibrium of the subgrid-scales: the
velocity and scalar fields”, Phys. of Fluids. (artigo submetido),(2005a).
[9] C. B. da Silva and J. C. F. Pereira, “The relationship between energy and enstrophy
subgrid-scale dissipation”, (em preparação), (2005b).

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