A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
Direitos autorais:
Attribution Non-Commercial (BY-NC)
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A educação pela pedra
Uma educação pela pedra: por lições;
para aprender da pedra, freqüentá-la;
captar sua voz inenfática, impessoal
(pela de dicção ela começa as aulas).
A lição de moral, sua resistência fria
ao que flui e a fluir, a ser maleada;
a de economia, seu adensar-se compacta:
lições de pedra (de fora para dentro,
cartilha muda), para quem soletrá-la.
Outra educação pela pedra: no Sertão
(de dentro para fora, e pré-didática).
No Sertão a pedra não sabe lecionar,
e se lecionasse não ensinaria nada;
lá não se aprende a pedra: lá a pedra,
uma pedra de nascença, entranha a alma.
João Cabral de Melo Neto
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O conceito temtico de ressentimento no seio da moral s conheceu direitos de cidadania com o pensamento de Nietzsche, em particular no texto Para a Genealogia da Moral. O ressentimento comea por ser a uma inibio de uma reaco num mundo humano, isto , algum faz outrem sofrer sem que este possa responder a tal agresso (fsica ou psicolgica). Por outras palavras, o ressentimento deriva da impotncia, como quer que esta seja pensada: ausncia do agressor, conscincia da fraqueza diante daquele que agride, etc. Mas o prprio conceito de impotncia significa que a inteno inibida de reagir est presente, trata-se apenas de diferir essa reaco. A partir daqui, a relao com o agente (causa) do sofrimento no pode reencontrar a inocncia prvia aco daquele, isto , o ressentimento envenena porque prende ao passado, numa dupla acepo: o ressentido fica atado agresso de que foi vtima, sem conseguir abrir-se ao tempo como novum, por um lado, e liga o outro agresso que cometeu contra si, interpretando-o luz da aco passada. Mas o que est aqui separado pode ainda juntar-se, quando algum sofre pelo que fez e ressente contra si prprio. Neste caso, particularmente visvel a incapacidade do ressentido de separar a aco do acto: este esgota aquela. O que o ressentimento mostra sobretudo uma incapacidade de comear, de ser um incio, de se lanar corps perdu que Nietzsche caracteriza como segurana dos instintos; o ressentido, ao invs, vive de prudncia e de conscincia (Nietzsche, 2000, p.38), ou seja, tem presente a si a agresso a que no reagiu e articula todo o curso dos acontecimentos desde ento sob a ptica de uma reaco futura. O passado determina assim o futuro. Tal seria o aspecto do ressentimento em estado normal, isto , passivo. Mas o ressentimento tambm pode ser activo, na medida em que cria novos valores que permitem alterar a posio hierrquica do opressor luz de outro estalo valorativo. Sem que sobrevenha qualquer alterao nos factos, d-se uma mudana na interpretao. Enquanto o ressentimento passivo espera pelo momento propcio para se vingar, o ressentimento activo consuma a vingana atravs de uma inverso de valores, que exalta o ressentido e rebaixa o agente causador de sofrimento. Trata-se, diz Nietzsche, de uma vingana imaginria. O encadeamento temporal mantm-se, mas indexado de um novo valor: a prudncia torna-se inocncia e a conscincia alegria. Cada ofensa um passo na via da perdio para o agressor e uma promissria de bem-aventurana para a vtima. A vingana imaginria aparece assim como uma vingana sempre j realizada. A nota caracterstica de imaginria, contudo, d conta de uma caracterstica suplementar do ressentimento activo, a
DICIONRIO DE FILOSOFIA MORAL E POLTICA Instituto de Filosofia da Linguagem saber, a sua m conscincia, pois s faz sentido vingar-se se a escala de valores anterior (aquela que presidiu ofensa) se mantiver, seja de que modo for, vigente. Por outras palavras, a inverso de valores est permanentemente hipotecada aos valores que geram sofrimento. Esta ambiguidade valorativa faz com que a vingana no seja propriamente consumada, mas se consume no tempo, isto , paralelamente permanncia da ofensa segundo a tbua valorativa anterior. Da que a vingana imaginria no recupere, em rigor, a inocncia e a alegria afirmativa seno em aparncia; trata-se antes de uma inocncia e alegria malvolas: Schadenfreude. O esquema explicativo de Nietzsche surge a partir de relaes sociais so os escravos sofredores que segregam ressentimento contra a aristocracia. Mas o ressentimento criativo implica, contra as interpretaes aristocrticas, um elemento de universalismo. Enquanto estas ltimas no querem universalizar-se, impor-se como a interpretao verdadeira, anulando assim o seu carcter de interpretao, ou seja, aceitam o politesmo dos valores O homem nobre exige o seu inimigo como quem exige uma distino (Nietzshe, 2000, p.39) , o ressentimento criativo opera uma inverso de valores que inventa o malvado enquanto aquele que diferente. Por isso, trata-se de reaco. Os valores aristocrticos afirmam o bom em primeiro lugar, sendo o mau consequncia desse bom, os actos expressam o carcter nobre que se define por no precisar de comparaes para se afirmar; o facto de se identificar com os actos significa que no se pe em causa como um agente livre que poderia ter agido de outro modo isso seria sintoma de instintos enfraquecidos , por outras palavras, o nobre o inconsciente. Os valores criados pelo ressentimento, pelo contrrio, definem-se em relao (reaco) ao mal, o bem contraposto ao mal primeiro, o objecto da avaliao no so os actos, mas sim as aces, porquanto se supe a existncia de um sujeito livre. Deste modo, o ressentimento possui uma possibilidade de culpabilizar o malvado, lanando mo da neutralidade e da consequente universalidade do agente (Nietzsche, 2000, p.46). O sofrimento deixa de ser trgico para passar a ser explicvel, racionalizvel, ou, usando a frmula dO Nascimento da Tragdia, a existncia pode ser corrigida, isto , o sofrimento pode ser superado, a contingncia existencial dominada (Nietzsche, 1997, p.97). Com o decurso temporal passado/presente/futuro submetido a uma lei de bronze, o sujeito justifica-se como o culminar do processo do mundo, torna-se ru e juiz da histria, est justificado. Ao apelarem liberdade e universalidade, os valores institudos pelo ressentimento criativo conseguem abolir a distncia e o politesmo dos valores: mediante um poder de subsuno, a existncia/vida pode ser vista sub specie aeternitatis e assim igualizar, imaginariamente, nobres e escravos. Mas a realidade permanece insurrecta razo, as diferenas no so unificadas atravs do mero
DICIONRIO DE FILOSOFIA MORAL E POLTICA Instituto de Filosofia da Linguagem desejo de o serem, por isso, o ressentido alcana, contrariamente ao que prega, uma posio de domnio na vida, e isso do modo mais dissimulado: afirmando que o domnio no domnio, que no ele que condena os maus, que existe uma ordem moral no mundo. O non plus ultra do ressentimento seria, assim, o amor cristo, que sob uma mscara de benevolncia seria, na verdade, uma mquina de vingana e crueldade. A superao da posio de inferioridade executa-se mediante o devir instrumento, uma mimese do que est morto; trata-se por isso de uma despersonalizao como fuga sui, que atinge o seu auge na anlise do ideal asceta da terceira seco de Para a Genealogia da Moral e nos 41-4 dO Anticristo (Nietzsche, 2000b, pp.61-8). Em ambas as anlises, Nietzsche muito antes de Marcel Gauchet mostra como o Ocidente se construiu com base na considerao de um ponto de vista exterior ao mundo esse o seu novum e, simultaneamente, o fim de todas as eras religiosas, porquanto a histria ocidental constitui a revelao da subordinao de Deus ao indivduo. A substituio de Deus do Deus cristo por avatares intramundanos (cincia moderna, igualdade, ideologias polticas, etc.) no deixa de manter o mesmo modo de pensar. Assim, a anlise do ressentimento ultrapassa progressivamente o campo de um sentimento moral entre outros, a fim de adquirir uma prevalncia na explicao de toda a histria, moral e metafsica ocidentais. A par deste poder explicativo alargam-se, no texto de Nietzsche, as causas do ressentimento: tudo o que faz sofrer pode ser ressentido, a vida sofrimento, logo, o ressentimento constitutivo da vida. O que coloca o Ocidente parte justamente a premissa inicial: a resposta ao sofrimento consiste na procura das suas causas e consequente correco. Por outras palavras, a interpretao ocidental do mundo activista: visa o domnio do todo para que nada mais acontea e supera o niilismo atravs do destaque do elemento vontade na vontade de nada; ao passo que a interpretao budista acentua o elemento nada, para assim no haver ocasio para vontade, substituindo-se aqui uma tcnica interior tcnica exterior do Ocidente. Em ambos os casos, a vontade encontra uma finalidade e um sentido. Escapar ao encantamento do ressentimento significa uma aceitao do sofrimento que no seja, contudo, um neo-barbarismo, j que para Nietzsche um regresso ao passado no possvel nem, sobretudo, desejvel. O nome para tal j Nietzsche o tem: Dioniso. Um deus que ainda no veio. No seguimento e na dependncia de Nietzsche, surgem duas outras interpretaes decisivas do ressentimento Max Scheler e Adorno/Horkheimer. Em Das Ressentiment im Aufbau der Moralen (Scheler, 1955), Max Scheler tenta responder identificao nietzschiana entre ressentimento e cristianismo, aceitando apenas a segunda parte da tese daquele: a modernidade e os seus valores (burgueses)
DICIONRIO DE FILOSOFIA MORAL E POLTICA Instituto de Filosofia da Linguagem seriam fruto do ressentimento. Para separar o que Nietzsche juntara, Scheler tem de mostrar a originalidade do amor cristo. Enquanto a concepo grega, que via no amor um movimento do inferior para o superior, j dado e suficiente em si (o que constitua uma desvalorizao do amor e a sua relegao para a mera passagem, ou seja, algo que cessaria ao atingir o seu telos, na sua consumao), o amor cristo um fim em si (Scheler, 1955, pp.71-4). Deste modo, a concepo grega, em ltima anlise, que pode ser acusada de fuga realidade, uma vez que o amor visaria a anulao desta vida de carncias, de sofrimento, de resistncia, na vida perfeita da divindade que j no ama, no pensamento que se pensa a si mesmo por toda a eternidade, que atrai para dissolver a individualidade de quem chega at si. O amor cristo, ao contrrio, o amor da divindade pelo que se encontra necessariamente abaixo de si, cujo emblema mximo o acto de criao. E o amor humano seria a imitao deste amor pelo inferior, no para se comprazer no negativo, mas porque o indivduo no redutvel s qualidades que nele existem. Assim, no amor cristo no se d uma inverso de valores (o feio continua feio, o fraco fraco, etc.); pelo contrrio, ele a condio de possibilidade para que o feio seja feio, o fraco fraco, etc. O amor deve superar os elementos negativos em vista da individualidade embutida em tais qualidades. No se trata pois, no amor cristo ao prximo, de um comprazimento, mas de uma superao que s se d com o amor, porquanto ele que possibilita o aparecimento do indivduo enquanto tal. O amor cristo acto e no sentimento, dirige-se ao indivduo, no s suas qualidades. o humanitarismo moderno que transforma o amor em sentimento e, com isso, afasta-se totalmente da concepo crist do amor. O humanitarismo nivela o amor, redu-lo a uma manifestao do refluxo sobre um eu dos acontecimentos alheios. Por outras palavras, ama o outro, porque podia ser o outro, ficando assim abolidas as diferenas entre o que realmente individual, para subsistir apenas um amor genrico. Deste modo, substitui-se o qualitativo pelo quantitativo. este amor que esconde o dio ao diferente e pretende uma uniformizao completa, para assim no sofrer como o facto de se ser um eu. Para Adorno e Horkheimer (1944), o ressentimento ressuma da constituio da subjectividade, na medida em que esta se forma por um afastamento da natureza. Se os homens tiveram sempre de se adaptar natureza ou adapt-la a si (Adorno/Horkheimer, 1987, p.55), no primeiro caso compreendiam-se ainda como parte da natureza (a adaptao natureza realizava-se ainda sob o signo do parentesco mimtico, que negava a especificidade do humano), no segundo caso, a natureza que transformada imagem e semelhana do homem. Mas, neste caso, a autoafirmao do sujeito, atravs da renncia vida pulsional, exige como preo a
DICIONRIO DE FILOSOFIA MORAL E POLTICA Instituto de Filosofia da Linguagem eliso das suas funes naturais, mola propulsora do prprio movimento da autoconservao. Deste modo, a autoconservao do sujeito destri o seu princpio, ao reificar-se (Adorno/Horkheimer, 1987, pp.35,78). O ressentimento acumulado por uma vida de renncia a que se retira no fim o seu prprio telos, a revolta da natureza reprimida que se v defraudada, o que sobra para dar notcia de que a autoconservao foi reificada, ou seja, reverteu natureza de que pretendia emancipar-se. Por isso, no culminar do processo civilizacional, o domnio total e totalitrio permite a manifestao da natureza insubmissa, desde que seja posta ao seu servio. A mimese primeira mimetizada conscientemente (Adorno/Horkheimer, 1987, p.214). A falsa soluo do ressentimento redunda num maior poder da civilizao. Por isso, o ressentimento ser um sentimento que acompanha toda a vida civilizada at ao dia da redeno.
Joo Tiago Proena
Bem; Mal; Vontade; Paixo; Simpatia.
Bibliografia - Adorno, T.; Horkheimer, M. (1944), Dialectik der Aufklrung, Fischer Taschenbuch, Frankfurt a.M. (1987). - Nietzsche, F. (1871), O Nascimento da Tragdia, Relgio dgua, Lisboa (1997). __________ (1887), Para a Genealogia da Moral, Relgio dgua, Lisboa (2000a). __________ (1895), O Anticristo, Relgio dgua, Lisboa (2000b). - Scheler, M. (1915), Das Ressentiment im Aufbau der Moralen, Francke Verlag, Berna/Munique (1955).