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De Paris tenho agora uma impressão completa e poderia me tornar muito poético:
compará-la, por exemplo, a uma gigantesca esfinge enfeitada que devora os
estrangeiros que não conseguem decifrar seus enigmas... A cidade e as pessoas
eu as sinto estranhas, parecem de um tipo absolutamente diferente do nosso; acho
que são todos possuídos por mil demônios (RICCI, 2005 p. 64).
Outro dia, ainda tive oportunidade de ouvir um registro de áudio que meu
pai fez de mim e minhas irmãs: ali, já entoava a música da bernunça:
O berro da Bernunça/
batiza, anuncia/
a bocarranca/
tudo do lugar/
fruto da renúncia/
Abrenuntio Dominum.
Freud nos ensina que a língua que falamos nos é também sempre
estrangeira (1919). E isso, no movimento errático da psicanálise na cultura é
demonstrado. Podemos ai entender como o que foi escrito em alemão, só foi
compreendido em francês, e o que foi dito em francês é hoje predominantemente
escutado em espanhol e português. A psicanálise nos mostra, desde a
Psicopatologia da Vida Cotidiana e do livro dos Chistes o quanto Errar é humano,
e como erramos pela língua. Isso, tanto no que diz respeito ao equívoco versus
acerto, quanto à nossa condição errática de descentramento, como atesta o golpe
freudiano: “Não somos senhores em nossa própria morada”.
Aprendamos, portanto, a decifrar o enigma da bernunça que nos regurgita
de um gole só, fazendo-nos comuns com os aparentemente diferentes, para não
sermos por ela devorados. Ouçamos a diferença para certificarmo-nos de que os
manés e os forasteiros, somos sempre nós mesmos, errando mundo adentro e
mundo afora, pelas bordas do litoral-literal.
Referências:
7. RICCI, Giancarlo. As cidades de Freud. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2005