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O que é Filosofia e para quê serve - reflexões

da reflexão
Publicado originalmente em: www.logdemsn.com

André entrega flores e uma carta de amor a Carol,


dizem que André ama Carol. Jânio diz que é um
homem livre justificando tal conquista graças à
democracia do seu país. Laura diz que o namorado
acusa-a de ser muito subjetiva e pede que ela seja
mais objetiva como ele. Dizem que os seres
humanos são seres sociais, políticos, seguem
normas de conduta, leis, são racionais, possuem
valores religiosos, artísticos, etc. Uma infinidade
de elementos que fazem parte do nosso cotidiano
são silenciosamente aceitas como óbvias.

Qualificamos e quantificamos as coisas. Mas ao invés de aceitar as


coisas como dadas e prontas, como verdades ou mentiras, loucuras
ou reais, boas ou más, etc., se perguntássemos por que André gosta
de Carol? O que faz alguém gostar de outra pessoa? O que é o amor?
O que é democracia? Como e por quê surgiu? O que é subjetividade e
objetividade? É possível sermos objetivos? O que é ser racional? Por
que acreditamos em valores? Como surgem os valores?…etc. - Uma
infinitude de indagações como estas afastam o homem da vida
cotidiana e das coisas tidas como óbvias para a reflexão, aproxima-o
do que chamamos de adotar uma atitude filosófica.

Ao perguntarmos o que é Filosofia, Chauí (1995) nos responde que


poderia ser a decisão de não aceitar as coisas como óbvias, as idéias,
os fatos, as situações, os valores e os comportamentos; em síntese,
Filosofia pode ser definida como a não aceitação dos elementos da
existência humana sem antes havê-los investigados e
compreendidos.

Atitude Filosófica
A atitude filosófica têm duas características, uma negativa e outra
positiva. A negativa é dizer não ao senso comum, ao que é pré-
concebido no cotidiano e tido como verdades aceitas porque todo
mundo diz e pensa. A positiva é a interrogação sobre os elementos do
cotidiano e da existência: O que é? Por que é? Como é?

Juntas, essas duas características da atitude filosófica constituem o


que os filósofos chamam de atitude crítica ou pensamento crítico.
Atitude crítica pode ser compreendida como tomar distância do nosso
mundo costumeiro olhando-o como se nunca tivéssemos visto antes.

Para que a Filosofia?


Muito cultuada entre os gregos da Antiga Grécia, hoje é comum
encontrarmos pessoas dizendo que Filosofia é uma inutilidade; que o
filósofo é aquele que fica pensando e dizendo coisas que ninguém
entende. Tais estultices encontram suas razões no tecnicismo, feto
não abortado do mundo Globalizado que costuma atribuir a razão de
existência das coisas somente se elas tiverem utilidade à favor do
acúmulo de riqueza e, fundamentalmente, seja a curto prazo.

Todos querem ver a utilidade da Ciência à curto prazo. Os resultados


cultuados como bons são aqueles que podem ser empíricos e
imediatos. As ciências no mundo globalizante têm as pretensões de
acreditarem na existência da verdade, das técnicas e metodologias
corretas e na tecnologia como status de racionalidade.

Perdem de vista que a Filosofia é a mais antiga de todas as Ciências.


Todos os campos dos saberes têm sua gênese na Filosofia. A Ciência
parte de questões já formuladas e respondidas pela Filosofia. Tais
respostas encontradas não devem ser tidas enquanto verdades
absolutas, mas como algo tido como uma representação válida para o
fenômeno - do contrário cairia no senso comum das coisas tidas
como óbvias.

Fora da Ciência, a Filosofia pode ser uma fonte de conhecimento que


pode nos ensinar muito. Uma arte do bem-viver que questiona e tráz
respostas que podem nos servir para conviver em melhor harmonia e
honestidade com outros seres humanos.

Reflexão Filosófica
Outro elemento da Filosofia é o movimento de volta sobre si mesmo
(dialeticidade). O pensamento surge e interroga a si mesmo.
Indagando como é possível o próprio pensamento. Este movimento
de indagar a si próprio, é reconhecida na Filosofia enquanto reflexão
filosófica radical, que se organiza em três conjuntos de questões,
descritos por Chauí (1995) como:

1. Por que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos e


fazemos o que fazemos? (motivos, causas e razões)
2. O que queremos pensar quando pensamos, o que queremos
dizer quando falamos, o que queremos fazer quando agimos?
(conteúdo e sentido)
3. Para que pensamos o que pensamos, dizemos o que dizemos,
fazemos o que fazemos? (intenção e finalidade)
Diferentemente da atitude filosófica que se dirige ao mundo que nos
rodeia, indagando a essência, a significação e a origem de todas as
coisas, a reflexão filosófica aponta seu pensamento aos seres
humanos no ato da reflexão, perguntando sobre a capacidade e
finalidade humana para agir e conhecer.

Filosofia é diferente de “filosofias”


Retomando a arte do bem-viver atribuída à Filosofia, podemos dizer
que existem várias “filosofias”: a filosofia hindú, budista, religiosa,
chinesa, etc. Tais filosofias, também perguntam o quê, o como e o
por quê. Além de possuir uma reflexão, embora não seja a radical. -
Então, o que distancia a Filosofia das “filosofias”?

As outras filosofias têm por trás uma entidade - ou entidades - que


guia o homem e que dá significado e gênese as coisas. Tomando por
exemplo o Cristianismo, verificamos que eles também estão em
busca de uma comprensão do Universo, no entanto, se faz pela fé e
na confiança em uma sabedoria divina inquestionável; ao contrário da
Filosofia que é sistemática e busca as respostas através do esforço
racional. Buscando um encadeamento lógico com exigência de
fundamentação e, fundalmentalmente, o movimento de questionar as
próprias idéias.

Portanto, reservamos o termo Filosofia para um método próprio de


pensamento pautado no racionalismo; o confuncionismo, o Yin e o
Yang, o mantra, as auras piramidais entre outras, são erroneamente
chamadas de “filosofias”, cabendo a elas o termo “sabedoria”.

Epílogo
Acredito que o breve exposto não é o suficiente para atribuir utilidade
à Filosofia em um momento histórico onde ela é sinônimo de
inutilidade. Mas o que é útil? - Se tomarmos o senso comum no pós-
modernismo, verificaremos que o útil é o que tráz riqueza e prestígio.

Filosofia não é uma ciência, não é história, não é política, não é arte,
não é psicologia e nem sociologia; é uma reflexão crítica das ciências,
dos acontecimentos no espaço e no tempo, das origens e natureza
das formas de poder, dos sentidos e significados artísticos, dos
conceitos e metodologias da psicologia, da sociologia e de todas as
ciências. Filosofia é o conhecimento do conhecimento, situada em
vários momentos históricos da humanidade.

Para Nietzsche é uma forma libertária do ser, superando os


calabouços dos valores até então construídos. Para Schopenhauer, é
uma forma de superação da dor e sofrimento da existência. Para
Marx a filosofia deveria transformar o mundo trazendo justiça e
felicidade para os seres humanos, em detrimento da filosofia que
busca apenas conhecer o mundo. E no berço filosófico, encontramos
Platão que definia a Filosofia como um saber verdadeiro para ser
usado em benefício aos seres humanos.

Entre tantos significados e interpretações filosóficas diferentes, o útil


da Filosofia você saberá se achar que for útil abandonar os
preconceitos e crenças impregnados no senso comum e nas formas
ideológicas que definem os elementos da vida e do mundo a favor de
uns em detrimento dos outros.

Referências bibligráficas:
CHAUÍ, Marilena. Convite à filosofia. 5ª ed. São Paulo: Ática, 1996.

SCHOPENHAUER, Arthur. O Mundo como Vontade e Representação.


Rio de Janeiro: Editora Contraponto, 2001.

* imagem da escultura “O Pensador” (Rodin - 1882)

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