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Quis o destino que a instituição que sirvo – nas raras atribuições académicas com
que me distingue, para além das da docência – e por mandato do conselho científico,
me coloque com regularidade em júris de apreciação de pedidos de «equivalência de
licenciatura».
Ao longo dos últimos doze anos em que tenho participado nesses júris como
doutorado da U.T.L., sedimentei uma série de preocupações e outras tantas dúvidas, que
gostaria de partilhar. Todavia, devo esclarecer previamente o que, para o caso, tem uma
importância determinante: o facto da quase totalidade das equivalências em que tenho
sido chamado a intervir, respeitar a licenciados oriundos de instituições sul americanas.
Posto isto, começarei por centrar o assunto em dois pontos que, no meu entender,
estão na origem de uma série de equívocos que, em cada momento e cada presidente
de júri, tem procurado ultrapassar da forma que supõe como mais conveniente, justa e
adequada:
1) — em primeiro lugar urge esclarecer, sem ambiguidades, se será este um
processo de análise «científica», se um processo de carácter «administrativo»,
2) — em segundo lugar, se não deveria ser uma exigência a satisfazer no
requerimento do “pedido de equivalência”, a declaração para que se destina um tal
documento?
Trato aqui, como já assinalei, de diplomas de licenciaturas obtidas fora da U.E. e
muito em especial, nos países de matriz ibérica da América do Sul.
A este propósito, há muito que a Espanha tem em prática uma política decidida,
firme e bem conhecida, no que respeita à questão. Justificam-na pela defesa interna de
princípios e interesses relevantes, assumidos como muito superiores aos daqueles que se
apresentam vindos de fora. Os candidatos que tentam obter ali uma equivalência (até
mesmo para alguns europeus), ficam a conhecer as dificuldades do processo e, quase
invariavelmente, o indeferimento do pedido.
Portugal, contudo, tem-se afirmado pela política oposta e de tal forma temos sido
generosos (para não adjectivar de permissivos), que gostaria de poder estar seguro, até,
de que os diplomas de licenciatura sul americanos a que concedemos equivalência nos
últimos anos, sejam todos legais e genuínos. O argumento que já ouvi invocado para que
me «despreocupasse», é que a universidade não é, não pode, nem deve ser um
departamento de polícia. — Pois não, daí a necessidade de se munir de cautelas
supletivas.
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O ponto por onde iniciei estas considerações foi: o processo conducente a um
parecer sobre “equivalência” terá um carácter «científico» ou será um acto de gestão
«administrativa»? Pessoalmente, ser-me-á indiferente qualquer dos modelos por que se
opte, desde que provadamente eficaz.
O que sei é que entre os dois existem lógicas diferentes, pressupostos distintos e
metodologias diversas. A sua natureza nem é complementar, é oposta. Mas, até agora,
não temos sabido destrinçar com exactidão esta realidade e, por isso, temo-nos
movimentado no limbo de uma espécie de sistema híbrido, com todos os inconvenientes,
riscos e constrangimentos daí decorrentes.
A matéria é enquadrada juridicamente pelos dec.-lei 118/70, dec.-lei 514/74, dec.-
lei 555/74 e, actualmente, pela vigência do dec.-lei 283/83. Este último obriga, sem
margem para dúvidas, no seu artº 1º, alínea 2) -II), ao “princípio de reciprocidade” de
idêntico tratamento e prerrogativas dos portugueses nesses países, algo que está muito
longe de se verificar. Por outro lado, o mesmo diploma determina no art.º 13, alínea 6),
que «das deliberações do conselho científico não caberá recurso, excepto se fundado
na preterição de formalidades legais». Ora, estas duas disposições caucionam (latu
senso) tanto a hipótese de uma apreciação «administrativa», como «científica».
No primeiro caso, estaremos perante situações balizadas por acordos culturais,
com a descrição precisa do objecto acordado ou, então, por protocolos bilaterais entre
as instituições de ensino superior. Se assim fôr, as matrizes científico-pedagógicas deverão
ser prévia e exaustivamente analisadas, trabalhadas e posteriormente reconhecidas
como equivalentes. Neste cenário bastaria tão só e por listagem, a conferência de todos
os elementos constantes do processo do histórico escolar, para verificar da sua
conformidade. Se tal se confirmasse, a equivalência seria concedida, num simples acto
administrativo, por qualquer funcionário da repartição académica da faculdade.
Na segunda hipótese, com a constituição de júris emanados do conselho
científico, cujos pareceres carecem de ratificação do plenário do órgão (art.º 11º, alínea
2), do dec.-lei 283/83), e actuando de acordo com normas ou regras internas (art.º 11º,
alínea 4) do mesmo d.-l.), da análise científica fundamentada não cabe recurso – com a
única excepção do incumprimento grosseiro de formalidades legais. A circunstância do
órgão Conselho Científico responder colectiva e solidariamente na atribuição de títulos e
equivalências tenho-a como da maior importância, no sentido de não minimizar nem
desguarnecer o trabalho dos júris, mas pelo contrário, de sustentá-lo e credibilizá-lo
perante o exterior.
Ora, o que eu assisti até muito recentemente, foi a algumas atitudes de temor
reverencial por entidades terceiras e que ditaram que após o indeferimento de alguns
requerimentos de “pedidos de equivalência”, bastava uma réplica sobranceira assinada
por um qualquer jovem advogado em trabalho de estágio, discorrendo sobre matéria
«científica» da qual era manifestamente ignorante, para serem solicitadas de pronto,
reapreciações e reavaliações dos processos. Uma tal demonstração de fragilidade
institucional não tem, a meu ver, dignificado a F.A., naquilo que suponho como
minimamente exigível.
Todas as reclamações de que tomei conhecimento – aquelas que me passaram
pelas mãos – baseavam-se na contestação de aspectos de natureza científica das
licenciaturas e não por ilegalidades na apreciação do processo. É isto que tenho como
inaceitável. Seria bom que os júris que trabalham justamente sobre matérias nobres da
Academia, pudessem sentir-se livres para decidir e acompanhados nas suas decisões
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pelos pares do órgão científico. Isto, enquanto não decretarem liminarmente o processo,
como sendo administrativo.
Quanto ao segundo ponto que enunciei para introduzir estas reflexões, prende-se
com aquilo que consideraria imperativo ser afirmado por escrito no documento a
requerer a equivalência: a que se destina tal pretensão?
É que este não é assunto despiciendo, já que encobre um potencial conflito de
competências entre instituições nacionais, no caso a Ordem dos Arquitectos e a
Faculdade de Arquitectura. Se o conflito não tem assumido carácter público, é porque a
O.A. se tem servido do trabalho da F.A., demitindo-se de fazer o seu. É bem sabido que os
arquitectos docentes universitários são também associados da respectiva Ordem
profissional e por isso se considera por lá que o trabalho, seja ele feito onde fôr, «...fica em
casa». É imperativo clarificar de uma vez esta antiga, mas muito conveniente,
ambiguidade. Um pedido de equivalência de licenciatura, para o prosseguimento de
estudos superiores (pós-graduações, mestrados e doutoramentos), é um fundamento
muito diferente de um pedido que se destine ao exercício da profissão em Portugal e na
Europa. O primeiro compete à F.A., o segundo à O.A.
A omissão desta informação tem criado, inclusivamente, situações de embaraço
para júris e requerentes.
Sem poder provar o que afirmo, é minha profunda convicção que a esmagadora
maioria dos candidatos a uma equivalência, o que pretende real e muito legitimamente,
é poder trabalhar como arquitecto; algo que deveria ser requerido directamente à
Ordem, assumindo esta enquanto tutela, plena responsabilidade por tal certificação.
Para conceder uma autorização de trabalho que será válida em toda a U.E., a
O.A. não tem mais do que estabelecer uma política institucional de relações
internacionais, de convénios e protocolos com as instituições similares de fora da Europa,
com base no que bem entender, e agir em conformidade. Essa política, certamente
articulada e coordenada com as suas congéneres europeias, ditaria para os arquitectos
estrangeiros, não uma equivalência de licenciatura (como agora se lhes exige), mas uma
equiparação ou um reconhecimento de diploma, quando acompanhado da prova de
inscrição no organismo profissional de origem do candidato, e comprovada a
reciprocidade de tratamento.
De resto, a situação começa a merecer alguma abertura com a aprovação no
passado recente do “Regulamento de Inscrição na Ordem”, que no capítulo 1.3
entreabre as portas à apreciação destas candidaturas.
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Eles foram transformados em autêntica jurisprudência, sem cuidar que as
circunstâncias se alteraram muitíssimo, nem atentar para o facto que as nossas
responsabilidades deixaram de se confinar ao espaço nacional, antes se alargaram (para
o melhor e para o pior), ao europeu. Se não conseguirmos gerir internamente esta
questão de forma satisfatória, então, as soluções ser-nos-ão impostas de fora, criando
uma situação desconfortável para todos os intervenientes.
Os diplomas obtidos na América do Sul, quando genuínos e legais, atestam uma
formação para a prática da profissão de arquitecto, muito diferente da nossa. A
formação recebida lá, não será melhor nem pior do que a ministrada aqui. É apenas
diferente. Ao modelo anglo-saxónico que adoptaram, com forte pendor nas áreas das
estruturas (super e infra), das instalações, das tecnologias construtivas, da acentuação da
prática e do pragmatismo, propomos nós uma maior integração das áreas humanísticas
e especulativas, da história, da crítica, da sociologia. Acentuamos a reflexão sobre o
porvir da arte, ao invés da imediata aplicação da ciência. É a diferença entre a
preocupação com o «local», e a ambição do «universal». Não se pode estabelecer entre
estes modelos, um padrão indiscutível de hierarquia valorativa. Bastará reconhecê-los
como distintos.
Ao registar este facto, estou também a antecipar alguns problemas inevitáveis no
curto prazo. Os novos programas de intercâmbio estudantil com os países sul americanos,
fará com que muitos dos alunos que nos visitam por um ou dois semestres, se considerem
habilitados a requerer a «equivalência», no final das licenciaturas concluídas nas
respectivas escolas de origem. Não se entende este intercâmbio senão como a vivência
de situações e realidades diversas, tendentes ao enriquecimento da formação
académica individual, justamente pelo contacto com o que é diferente. Como se fosse
possível exercer arquitectura em Portugal, tendo como bagagem sociológica a realidade
brasileira ou argentina. Como se fosse possível formalizar soluções de adequação e
controlo do conforto ambiental num projecto para os trópicos, tendo como base a
experiência e padrões das zonas temperadas.
Afirmo, em síntese, que em todos os casos em que participei como membro de júris
de equivalência “não reconhecida”, jamais o título académico de «arquitecto(a)» foi
questionado. Ele foi sempre assumido como legítimo. Se a documentação que o atestava
era ou não verdadeira, isso seria matéria de investigação e análise para outras entidades.
O facto é que o título foi sempre dado como bom e a capacidade para o exercício
profissional da prática da arquitectura, geralmente aceite.
Menos ainda se questionou a qualidade e o prestígio de algumas das escolas de
onde são oriundos. Várias instituições académicas sul americanas (públicas e privadas),
ombreiam, em termos de corpo docente e estrutura curricular, com as melhores a nível
internacional. Não obstante, tal não invalida que no entender de alguns júris, a formação
ministrada não seja, objectivamente, «equivalente» à que é desenvolvida na F.A.
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Poderá deduzir-se, do que atrás deixei escrito, que considero as decisões dos júris,
com pareceres de indeferimento aos pedidos de equivalências, inapeláveis? Claro que
não. É pacífico o aceitar que de um qualquer acto de julgamento, haverá sempre a
possibilidade de recurso. Mas esse recurso, se considerado procedente, deverá ser
encaminhado para uma «instância superior». Ora, a carreira académica e a despeito de
todas as aparências, está clara e rigidamente hierarquizada, ainda que a afirmação
dessa hierarquia se possa manifestar de forma rude ou subtilmente, consoante a
personalidade de cada personagem. Se o parecer de três professores universitários fôr
contestado, o problema deverá ser analisada por um outro grupo de professores de
hierarquia superior, e assim sucessivamente. O que não deve, nem pode, é ser pedido (e
ainda menos imposto) aos intervenientes da primeira fase, que «dêem o dito pelo não
dito», só porque se cultiva por aqui um receio excessivo por essa nova tropa de choque,
que é falange dos causídicos.
Fica claro que, como em qualquer outra situação da vida, haverá um momento
em que não será possível novo recurso. Mas isso é do senso comum... mesmo para os mais
militantes dos religiosos.
Deixei apontado atrás, que o maior entrave à salubridade desta questão eram os
«precedentes». Estava enganado. Escapou-me um outro factor que interfere na situação:
os custos deste requerimento. Não sendo um absurdo – eles correspondem sensivelmente
às propinas pagas por um estudante de licenciatura num semestre – também não é
desprezável o valor que entra directamente nos cofres da faculdade ****. Acontece que
ao pagar antecipadamente os emolumentos da instrução e apreciação do processo, os
interessados presumem-se pré-adquirentes do «direito» à equivalência; como já vi
sugerido numa reclamação hierárquica dirigida ao ministro e à qual tive de responder.
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que inevitável débacle: preparamo-nos para queimar nos motores das nossas máquinas
topo-de-gama, toda e qualquer oleaginosa que possa ser esmagada, espremida,
centrifugada, transmutada em combustível.
Viva a ciência e tecnologia em roda livre; fora da realidade e fora da
humanidade. — Avé, biotecnocracia. Que as boas consciências fiquem em sossego.
As grandes fomes estão pré-anunciadas, mas por aqui descansa-se. Afinal a
História é sempre escrita pelos vencedores. — Será?
p.s.(1) – se algum leitor, com disposição para aqui ter chegado, entender que nada disto
tem a ver com «arquitectura», pode bem estar enganado.
p.s.(2) – parte do conteúdo deste artigo é composto por opiniões que tive oportunidade de
enviar por escrito, em tempos, ao conselho científico da faculdade de arquitectura.
* - o seu resultado mais imediato foi a promulgação do novo “Regime Jurídico das Instituições Superiores –
RJIES”, dec.-lei 62/2007 de 10 de Setembro. Uma pérola jurídica, ao nível do que melhor se faz naquele
Parlamento, em termos de produção legislativa qualificada. Só encontra equivalente à altura, no novo
regulamento das “acessibilidades” – dec.-lei 163/2006 de 8 de Agosto. Mas sobre tudo isto, o silêncio dos
arquitectos e dos seus representantes é sepulcral.
** - note-se que não trouxe aqui à colação os nossos académicos.
*** - petit nom com que o baptizei... à laia de modalidade desportiva.
**** - este é um nicho de mercado muito apetecível para as instituições privadas que se conseguirem
credibilizar.