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Capítulo nono

Gigantes
A manhã era calma, mas com aquela visão tudo em
que eu acreditava morreu. Uma conversa? Que tipo de
conversa teria uma rapariga "cor de bronze" e um rapaz
super agressivo, que se fazia passar por coitadinho só para
ter a atenção de toda a gente?
Já me tinha vindo à ideia que Kelvin e o tal grandalhão
estavam combinados acerca daquela cena de pancadaria
inesperada no bar. Mas... seria verdade?
- Daniel – Interrompeu Jennifer.
Desviei o olhar da agora rua vazia, já que ambos
tinham desaparecido há algum tempo, e fitei o seu olhar.
Mostrava estar a franzir as sobrancelhas mas mostrava
uma distância considerável.
- Diz.
- Pareces mais pálido que um fantasma. Porque não te
acalmas e deixas de pensar no que viste?
Fiz uma respiração, a princípio acelerada, e depois
quase deixei de respirar. Ela esboçou um sorriso.
- Vem. Vou levar-te a um lugar que quando estou
assim, ajuda-me a relaxar.
Assim posso contas-te o que tanto queres saber sobre
o porquê de estar assim. E também podemos conversar à
vontade, sem aquela tua amiga, a de aparelho.
Referia-se claramente a Anna.
- Espera – adverti com ela já à frente – Deixa-me só
avisar a Anna de que me vou embora. É que ela não ficou lá
muito satisfeita com a nossa mini-conversa lá dentro.
Pisquei-lhe o olho e entrei de rompante na porta
grande. Depois abanei-me antes de ir falar com ela, e ela
estava mesmo ali, sentada num banco, cabisbaixa.
- Dá-me um momento para te poder explicar, sem que
facas algum tipo de drama.
Anna fez-me uma careta demorada e olhou de novo o
chão.
- Por favor, isso não!
- Se não me deixas sequer aproximar de ti, falar, como
queres que possamos ser amigos?
Eu senti-me na obrigação de compreender tal
desabafo, que acabara com a minha desistência para a
podes ouvir.
- Tudo bem.
Anna retirou o olhar furtivo que me lançava, com o
olhar ainda sombrio.
- Já não estou zangada.
- Pois, já deu para eu perceber.
Ela comprimiu os lábios por um momento. A seguir riu-
se.
- Eu estava a ser ciumenta. Mas sabes que és especial.
Abanei a cabeça de forma afirmativa aclarando as
ideias.
- É um pouco complicado falarmos agora. Fica para
mais tarde.
Levantei-me.
Depois pus-lhe a mão na cabeça enquanto Anna se
mantinha a sorrir. Isto fez desaparecer o mau estar entre
nós. Sabia-o.
Quando o momento chegou ao fim, ela observou-me a
sair e acenou-me. Rapidamente pus-me ao lado de Jennifer.
- Foste rápido.
- Nós aqui andamos sempre um pouco à pressa. Tenho
a certeza de que descobrirás isso.
- Oh – Exclamou tentando expressar um sorriso, onde
apenas o horror a atrapalhava. - Não é verdade, é?
Fiz um pouco de suspense e de seguida fiz um gesto
de quem lava as mãos de culpa.
- A partir daqui terás de saber isso por ti.
Suspirou.
- Como é ter duas raparigas atrás de ti?
Aquela pergunta apanhou-me quando menos
esperava. Ri-me para não mostrar nervosismo. A verdade é
que nunca pensara na situação daquela maneira, tão...
positiva.
- De que falas? - Desviei eu a carga da questão.
- A sério. Quando elas olham para ti – Tornou mais
claro – A Sally e a Anna, não é bom?
Esboçou um ligeiro sorriso, com a sua cara graciosa.
- Talvez Jennifer – Disse, agarrando os dedos e pondo-
me às voltas com eles.
Antes de responder, pusemo-nos a caminho por uma
rua que não conhecia.
- Desculpa – Disse num tom envergonhado. - O sítio de
que falas-te fica muito longe daqui?
Parecia um bebé a precisar da mãe para não se perder.
- Estás a pensar que te vou raptar ou coisa assim?
Podes estar descansado que não sou nenhuma psicopata
que te quer tirar os órgãos nem nada parecido.
- Espero bem que não – Afirmei em tom de brincadeira.
No fundo estava mesmo apavorado com o lugar para
onde nos guiava, porque tínhamos acabado de entrar num
sítio muito estranho.
Era parecido a um túnel mas que, apenas dava para
ver bastantes arcos de longe a longe, e 2o fundo, uma luz
tremeluzia. Quase jurava ser um aqueduto por onde
estávamos a passar, pois além das luzes e arcos, poucas e
muito pequenas, eu tinha água a entrar-me nas sapatilhas.
Por mais que andássemos a água nunca desaparecia e a
escuridão também não, ao que, me comecei a inquietar um
pouco.
- Estás com medo? - Perguntou ela a andar muito
direita à minha frente.
Assustei-me quando vi algo a passar à nossa frente,
que fez barulho e água a salpicar um pouco. De resto não
se ouvia alma viva, além dos nossos passos molhados.
Seria quase de certeza um rato.
- Não propriamente medo – Menti - Mas este lugar é
estranho.
- Tens razão, mas não será mesmo aqui que ficaremos.
Nem eu gosto deste lugar, mas para se ir para um sítio
melhor, por vezes nós temos de longe a longe passar por
coisas que não gostamos, nem de ver. A palavra "nós" não
me caiu muito bem no estômago da forma como ela o
dissera.
Estava mais confuso que antes. Afinal, ia com uma
estranha para um lugar que nem conhecia, e não era
propriamente possível, para uma pessoa no mínimo,
chamada normal.
Finalmente a luz negra parecia desaparecer de
repente. Era como se um outro lado da cidade aparecesse.
Era algo belo, com um lago no meio, árvores em redor,
verdes e frescas, e ao longe uma rocha enorme, com
marcas e fendas absorvidas pelo tempo, em que, uma
queda enorme de água aparecia.
- Onde estamos? - Entusiasmei-me ao olhar para uma
realidade tão mágica.
Jennifer deixou o cabelo cair-lhe pelos ombros e ficou
com ele quase tão belo quanto Sally. Parecia-se quase
gémea desta, na face e no cabelo, mas a cor da sua pele
era normal. A seguir ela foi até junto de uma rocha, que
parecia ter algo escrito, e encostou-se a ela suavemente.
- Greentree... é o nome que lhe dou. Este é o único
sítio onde posso relaxar, em unidade com a natureza e em
conjunto com o meu estado de equilíbrio, que aliás, preciso.
De certeza que seria como ela contava. Tudo ali estava
em contacto com o verde e o mais puro que existia.
Se não tivesse a certeza de que estava acordado, por
causa de uma ligeira dor de cabeça, diria que aquele lugar
com certeza fazia parte de um sonho que estava a ter.
Mas... onde poderia eu encaixar ali?
- Agora tenho de te contar algo muito importante. É
acerca daquele rapaz que estava com a Sally.
- Como sabes quem eles são? Como sabes os seus
nomes? Quem és tu?
- Os gigantes... já ouvis-te falar deles certamente... –
Presumiu com um olhar sério enquanto eu lentamente me
sentei ao seu lado, lembrando o que Kelvin me dissera no
bar: "Os gigantes não são nada de especial" - Tinha dito em
tom de brincadeira e ironia.
- Sim, lembro-me de algo assim. O Kelvin falou-me
disso, mas apenas disse algo em tom de troça e
brincadeira. Porque sabes tanto sobre ele?
- Se me ouvires vais perceber logo tudo...
- Mas tu só agora vieste para cá. Como os conheces?
Não entendo... – Interrompi ainda com as ideias meias
trocadas sobre ela.
- Com licença..? Tu não podes estar um pouco calado
para eu falar? - Gritou enervada.
Cai em mim para ver que o momento estava mesmo a
cair-lhe mal. A minha confusão tornava tudo aquilo uma
confusão e estragava a curiosidade sobre aquele assunto,
que, Anna começara e Kelvin também.
- Em 1910, aqui mesmo em Sutterfrin, e aqui perto,
numa parte da floresta, houve um conflito entre duas
famílias rivais. Rivais e não normais...
Fez uma pausa para passar com os dedos a areia
grossa que inundava o chão pedregoso. - Viviam quase
juntos uns aos outros. Apesar de serem amigos, os Ridell
tinha um estilo de vida muito diferente dos seus rivais
Blanchett, e assim, passavam o tempo a ver quem
conseguia ser melhor, até que... uma noite, quando a noite
atingiu o seu ponto mais sombrio, algo apareceu a invadir
aquele lugar, e logo souberam que não se tratava de um
elemento da tribo a vaguear pela floresta...
Olhou-me com os olhos a quase reflectirem o que
contava.
As feições da cara estavam vincadas de modo a
fazerem uma forma facial intimidadora, com os dentes
quase a saírem dos maxilares, tal era o modo como os tinha
arreganhados.
Fiquei assustado, mas ao mesmo tempo estava curioso
para saber como tudo acabava e para saber quem é que
andava nas redondezas da história intrigante de Jennifer, e
por isso não interrompi para qualquer tipo de questão que a
pudesse desviar da sua concentração para contar
semelhante ao que sabia.
- A besta estava solta - Continuou com nervos a
transmitirem-se pelos seus olhos inquietos e furiosos
- Andava rápido e era quase invisível.
Depois uma das crianças, de uma das famílias, penso
ter sido dos Ridell, foi levada por ela e então, com o medo a
pairar, e o medo instalado, aceitaram ajudar-se uns aos
outros, e fizeram tréguas para acabarem com a tal coisa.
- Ah.
- Diziam ser " A águia da noite". Saíram para se
dividirem num raio de dois quilómetros, mas não
encontraram nada.
- E onde é que o Kelvin encaixa nisto tudo?
- Se nunca ouvis-te o nome inteiro desse tal Kelvin,
devias ouvir. Ridell, ele chama-se Kelvin Ridell. Isso explica
algumas coisas de que te estou a falar. Os "gigantes" não
são apenas uma determinação que ele ou alguém deu à
gente grande.
- E então?
- Se o Kelvin andou à luta com um rapaz grande, isso
será uma péssima notícia. Foi isso que aconteceu? -
Perguntou timidamente, pondo-se numa posição mais recta
enquanto me olhava.
- Sim, ele deixou o rapaz enorme no chão para me
defender. Que mal pode isso trazer?
- Então, a conversa que ao bocado viste, já me
preocupa...
- A quem o dizes. Mas porquê?
- Daniel, a Sally e o Kelvin não são bem o que julgas
que eles são. Não que eu me importe com... a Sally, mas o
caso do teu amigo já é muito mais grave. Poderá estar a
passar um mau bocado.
Fiquei apavorado com o que dissera sobre o que Sally
poderia ser, o que não sabia que era, mas se não era, então
o que era? O que quisesse.
Desejei poder saber o que ela sabia a respeito dos
"conhecidos" amigos que tinha.
- Continuando; Vieram a encontrar, dias depois, a
família dos Blanchett, o corpo da criança desaparecida,
quase a mais de cinco quilômetros daquilo que tinha
estipulado, e quando o rapaz a encontrou, viu também a
besta mesmo atrás dela, para o levar também. No entanto
isso não foi possível porque uma armadilha foi montada e o
membro da família veio acompanhado para se poder
proteger. Juraram matar a besta e, em conjunto as duas
famílias concordaram em queima-la à luz do sol, pois
sabiam que era demasiado para ela.
Percebi de imediato de que falara criatura idêntica ou
mesmo sendo, um vampiro.
- Vampiro? Como é que aqui há vampiros?
Jennifer riu-se abafadamente. - Ninguém aqui falou
nisso. Os gigantes não são vampiros.
Relaxei um pouco.
- Então o que é essa besta de que falas?
- Gargulas
- O que é isso?
Levantou-se para explicar.
- Tens algo que pertença à tua amiga?
- Penso que tenha - Disse retirando da minha pasta e
remexendo uma pulseira de que Sally se esquecera, e dei-
lha. Jennifer tinha o cabelo tão grande que até para ela se
mover, tinha de o afastar porque lhe fazia os movimentos
mais lentos.
Era esculturalmente branca e quase não usava
maquilhagem. Nos olhos parecia ter impresso um diamante
verde, muito vivo e claro, que me hipnotizava e me deixava
tonto.
Mesmo assim, concentrei-me para a sua explicação.
Ela mexeu-se com suavidade pela areia e pôs-se de frente
para mim, atraindo-me a olhar fixamente e a não fazer
qualquer pergunta pelo meio. Eu acenei e jurei para mim
que não iria estragar aquela explicação.
Assustava-me que ela me mandasse embora e que me
perdesse naquele "segundo mundo".
E ela começou.
- Em tempos remotos foram humanos, mas tinham um
grande inimigo, os morcegos ou vampiros. Vampiros, são
morcegos grandes e não os sugadores de sangue dos
filmes, se é que me entendes. Depois de um ser mordido,
não se transforma em vampiro humano, mas em metade
humano, metade morcego. Isto dizendo por outras
palavras: o tronco, as pernas, os abraços e a cabeça são
humanos, mas com asas e cauda de morcego.
- A Sally é assim?
- Não. A tua amiga é diferente. A Gargula que é, não
descende das mesmas que existiam. Não foi mordida por
um morcego, mas sim por um vampiro-morcego. - Sorriu
timidamente a olhar para os dedos das mãos. Senti-a
tremer.
Fiquei confuso com o nome dito e levantei as
sobrancelhas em sinal de dúvida.
- Não percebes. Pois está certo, já devia prevê-lo.
- Tu prevês coisas? - Parecia uma pergunta totalmente
de tempo inapropriado.
- Não. É uma maneira de dizer.
- Continua.
- Obrigado. Bem, sendo mordida por um destes,
tomam formas diferentes, douradas, azuladas ou até
cinzentas!
Agora já sabes o que os gigantes são.
- Gargulas! Estou metido num mundo à parte –
Brinquei, tentando achar um pouco de piada naquele
pesadelo.
Ela foi mesmo junto à água, onde passou os dedos e
fez pequenas ondas que se dispersaram à medida que
perdiam força.
No fim olhou-me com responsabilidade acrescida.
- Estás metido num monte de sarilhos.

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