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CATARINA DE ÁUSTRIA
(1507-1578)
INFANTA DE TORDESILHAS
RAINHA DE PORTUGAL
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Capa: Compañia
Imagem da capa: Catarina de Áustria de Antonio Moro,
Museu do Prado, Madrid
© Oronoz / Cover
GENEALOGIAS . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 437
CRONOLOGIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 443
FONTES IMPRESSAS E BIBLIOGRAFIA . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 457
ÍNDICE ONOMÁSTICO . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 481
INFANTA DE TORDESILHAS
(1507-1525)
1
ANTT, Corpo Cronológico (CC), I, maço 5, n.o 120.
Pedro de Meneses, Oração proferida no Estudo Geral de Lisboa…, [1504], 1964,
p. 113.
Sobre o projecto imperial manuelino, v., por todos, Thomaz, 1990, 1991 e 2000.
Lopes, 1997.
As Gavetas da Torre do Tombo, vol. i, 1960, gav. ii, 6-28, p. 816.
que fora já visitado «com muita afeição» por figuras como o condestável
de Castela, D. Bernardino de Velasco, o marquês de Villena, D. Diego
López Pacheco, o bispo de Mondoñedo, o embaixador do Rei Católico
«e outras pessoas mais baixas»; mas a nenhum havia retribuído porque
não conseguira ainda ser recebido pela rainha D. Joana. E este aparen-
temente simples facto revelava-se talvez impossível, como constatava o
embaixador do rei, devido à condição em que se encontrava a rainha
de Castela: oculta e retirada nos seus modestos aposentos, a ninguém
queria ouvir ou receber, «nem grande nem pequeno, nem homem nem
mulher salvo uma escrava que se chama Anastasia». Ao embaixador do
rei seu pai, Fernando de Aragão, que assomara à porta da sua câmara
rogando-lhe que recebesse o enviado de D. Manuel, respondera a voz
de D. Joana «eu o ouvirei». E acrescentava frei Henrique: «Carta,
Senhor, que lhe venha, lança-a em um canto da casa e não dá por cousa
nenhuma nem, Senhor, rege nem manda nem desmanda nem assina nem
faz cousa alguma.» Concluía, desassombrado e contrito: «a rainha é de
todo enferma.»
A rainha, cujo estado de prostração e de retraimento era assim des-
crito por frei Henrique, facto bem conhecido, aliás, de D. Manuel, tinha
dado à luz a sua última filha em 14 de Janeiro. A infanta, nascida de um
parto feliz, como haviam sido sempre os partos da fisicamente robusta
D. Joana, em breve foi baptizada. No derradeiro dia do mês de Janeiro,
saindo o cortejo das modestas casas em que se alojava a rainha, a infanta
foi levada nos braços pelo marquês de Villena e baptizada pelo arcebispo
de Toledo, Francisco Jiménez de Cisneros, sendo padrinhos o condestá-
vel de Castela e o bispo de Málaga, seu capelão-mor, e madrinhas duas
damas da rainha, uma das quais a sua fiel camareira, Maria de Ulloa.
À cerimónia assistiram ainda muitos grandes de Castela, embaixadores,
entre os quais frei Henrique, bispos e o núncio do Papa. Na igreja de
Torquemada, onde a infanta recém-nascida recebeu o sacramento do
baptismo e o nome de Catarina, repousava, momento transitório de
uma mais longa jornada, por ordem de D. Joana, o corpo insepulto do
rei seu pai.
A missiva de frei Henrique de Coimbra a D. Manuel deixava trans-
parecer, através das referências, concisas mas certeiras, a situação de
As Gavetas…, vol. i, gav. ii, 6-28, pp. 816-818.
ANTT, CC, doc. cit.
12
O imperador Maximiliano (1459-1519) era filho do imperador Frederico III († 1493) e
de Leonor († 1467) de Portugal. Casou em 1477 com Maria († 1482), única filha de Carlos,
o Temerário († 1477), duque de Borgonha. O imperador Maximiliano e Maria de Borgonha
eram ambos bisnetos de D. João I († 1433) e de Filipa de Lencastre († 1415), que em Portugal
inauguraram a dinastia de Avis.
Rodríguez Villa, op. cit., pp. 65-66. Esta primeira viagem é descrita por António de
25
Rodríguez Villa, 1892, pp. 132-135; «Segundo Viaje de Felipe el “Hermoso” a España
35
en 1506» (anónimo), publicado por Garcia Mercadal, Viajes de Extranjeros…, pp. 559-571.
36
Fernández Álvarez, 2002, pp. 123.
37
Filha de Henrique IV de Castela (r. 1454-1474) e de Joana de Portugal (1440‑75), irmã
de Afonso V. Joana de Castela (1462-1530), que nunca reinou, veio a ser pejorativamente
cognominada em Castela a «Beltraneja», por se dizer que era filha não do rei mas do seu
favorito, Beltrán de La Cueva. Em Portugal, onde veio a morrer em 1530, ficou conhecida
como a «Excelente Senhora».
38
«Vitupereulx», no original. Cit. por Rodríguez Villa, 1892, p. 131.
39
Fernández Álvarez, 2002, p. 136.
festejos preparados para tão solene e feliz ocasião como era sempre o
juramento de um rei. Sob o pálio, montada numa mula branca guarnecida
de veludo negro, D. Joana seguia, vestida de negro, com o rosto oculto.
O juramento de D. Joana como legítima rainha de Castela teve lugar no
dia 12 de Julho. Antes de partir para o seu reino de Aragão, Fernando
quis ver a filha, segundo Mexía sem sucesso, pois Filipe não o permitiu, e
«por alguns foi atribuído este facto a desamor e secura»40. Em Agosto, a
rainha e o rei consorte partiram para Segóvia. No lugar de Cogeces, novo
episódio trazia à luz o drama de D. Joana: temerosa de que o marido e os
seus conselheiros quisessem encarcerá-la – como em certo sentido já havia
sucedido na Flandres –, a rainha de Castela recusou terminantemente
entrar na vila com o séquito real; passou a noite deambulando montada a
cavalo, insensível a rogos e ameaças com que procuraram dissuadi-la da
sua excêntrica decisão41.
No início do mês de Setembro, no dia 4, Fernando de Aragão embar-
cava com a rainha Germana numa poderosa armada em direcção ao seu
amado reino de Nápoles, num momento que era de profunda solidão
política para o Rei Católico, numa Castela em que muitos se arrimavam
a outro senhor – só o duque de Alba permaneceu sempre fiel ao rei Fer-
nando. Deixava este como seu embaixador junto de Filipe I o mosén42
Luís Ferrer, que havia de ser carcereiro de D. Joana em Tordesilhas. Três
dias depois, os reis de Castela entravam em Burgos, cidade escolhida por
Filipe para sede da sua corte. No dia 25, a morte arrebatava de forma
inesperada e fulminante Filipe de Castela, morto de umas febres e indis-
posições que se terão seguido à prática do jogo da péla com o seu privado,
Juan Manuel, ou talvez de peste, que então matava um pouco por toda
a cidade; correram também rumores de envenenamento. Filipe, o Belo,
amante dos prazeres da mesa e da carne, morria na força da juventude,
com vinte e oito anos de idade. Deixava viúva Joana, com vinte e seis
anos43 e grávida do seu sexto filho, e o reino de Castela mergulhado
numa dramática crise política, agravada pelos ares de peste e pela fome.
Durante a breve doença do marido, D. Joana, apesar da gravidez,
nunca deixou a sua cabeceira, dando-lhe de comer e de beber, adminis-
42
Título dos clérigos da antiga coroa de Aragão.
43
Cumpriria os vinte e sete anos no dia 6 do mês de Novembro (alguns autores indicam
ainda o dia 5 e outros o dia 7 como data de nascimento de D. Joana).
44
Anónimo, «Segundo Viaje de Felipe el “Hermoso” a España en 1506», publicado em
tradução castelhana por Garcia Mercadal, op. cit., vol. i, p. 588.
45
O cronista anónimo dá conta do afã de muitos em se apoderarem de jóias, tapeçarias,
roupas e outras alfaias para as levarem de regresso à Flandres. Op. cit., pp. 583-584.
46
Isabel de Portugal (c. 1428-1496) era neta de D. João I, filha do infante D. João († 1442),
mestre da Ordem de Santiago.
47
Anónimo, «Segundo Viaje…», p. 589.
Não nos cabe aqui discutir a loucura de D. Joana, as suas causas e os seus contornos,
49
mas da porta que saía para a ponte sobre o rio. Aí nasceu, entre as cinco e
as seis da manhã de 14 de Janeiro de 1507, o sexto filho de Filipe, o Belo
e de D. Joana, reis de Castela. Era uma rapariga, depois de dois filhos
varões e de três raparigas. A infanta recém-nascida foi baptizada com o
nome de Catarina, frágil e simbólico laço de afecto de D. Joana pela sua
jovem irmã viúva na longínqua Inglaterra, no último dia de Janeiro de
1507, como informava frei Henrique a D. Manuel, na igreja principal de
Torquemada, onde se encontrava depositado o corpo insepulto de seu pai.
Na comoção dos acontecimentos que então agitavam o reino de
Castela, o nascimento daquela criança, filha póstuma de um rei efé-
mero e estrangeiro e de uma rainha perturbada, quase parecia passar
despercebido. Era esta a criança que a roda da fortuna fizera nascer em
Torquemada, e que havia de partilhar o destino da mãe em Tordesilhas,
para depois partir para ser rainha, rainha de um reino tão próximo e ao
mesmo tempo tão distante como era o reino de Portugal.