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TEATRO DE BONECOS
Luciano Oliveira — Mestrando em Teatro pela UDESC; Especialista em História da Cultura e da Arte
pela FAFICH/UFMG e Bacharel em Direção Teatral pela UFOP.
INTRODUÇÃO
Este artigo busca identificar as múltiplas vozes artísticas e discursos presentes no espetáculo
de formas animadas Pinocchio, do grupo belo-horizontino Giramundo Teatro de Bonecos, montagem
de 2005 dirigida a três vozes: por Beatriz Apocalypse, por Marcos Malafaia e por Ulisses Tavares.
O exame pressupõe que a categoria vozes artísticas refere-se às sombras, aos objetos, às
projeções de vídeos e de imagens, e, ademais, ao cinema de animação. Assim, o sentido do termo
vozes vai mais além de um conjunto de sons emitidos pelo aparelho fonador humano.
Em outra perspectiva, a categoria discursos ― ou “instâncias discursivas” (MALETTA,
2005, p. 25) ―, aludiria, neste artigo, às distintas técnicas de manipulação utilizadas pelo grupo em
Pinocchio, a saber: luva, fio, balcão, tringlei, vara, pantinsii, sombra e boneco gigante. Obviamente,
poderiam ser examinados outros discursos, como a iluminação, a cenografia e os pontos de vista da
direção. Não constituem, porém, objeto de estudo deste trabalho. Em suma, pretende-se, como foi
mencionado, identificar as vozes e discursos presentes em Pinocchio, observando-se como se dão as
interconexões entre estes e aqueles. Além disso, apontaremos em que pontos tais interconexões
aparecem de forma mais objetiva.
Para concluir, objetivando-se tornar mais clara a utilização das categorias referidas, traremos o
conceito de polifonia conforme Bakhtin (2002, p. 04): uma multiplicidade de vozes e discursos e
consciências eqüipolentesiii, plenivalentesiv, independentes e imiscíveis. É importante salientar ainda
que esse conceito extrapola o discurso verbal, podendo ser aplicado às diversas linguagens, como ao
Teatro de Animação ― gênero teatral que inclui bonecos, máscaras, objetos, formas e sombras.
colagem, ocorre uma grande profusão de imagens e de sons (como a voz de uma mulher e os latidos de
um cão), os quais parecem representar a confusão mental, o vazio e a solidão de um boneco, preso por
uma corda num grande carvalho. Paralelamente vão surgindo sombras e projeções que se conectam
explicitamente à cena, como, por exemplo, a imagem de um relógio que, indelével, marca o devir do
tempo e o esvair da vida. Outras imagens também vão nascendo: o último piscar de um olho; o menino
que continua balançando, como um pêndulo, numa árvore; a lua cheia, gorda e clara iluminando a
noite; uma ave solitária que passa; nuvens escuras que entram e saem sem nenhuma pressa; e, por fim,
o céu avermelhado pelo terror. Saliente-se, para concluir, outro momento que utiliza sombras: é o da
fugax de Pinóquio, a cena de abertura do espetáculo. Logo após seu nascimento, repleto de energia e de
vontade de conhecer o mundo, o serelepe boneco foge a toda força de Gepeto, o seu velho e cansado
pai. Nesta cena ocorre também uma justaposição de imagens projetadas, como portas e geringonças,
com as sombras de Gepeto correndo atrás do filho.
Das vozes enumeradas até aqui, pode-se elucidar ainda o teatro de objetos: Gepeto é
construído a partir de peças de mobília; uma árvore é feita de cabideiros; a Sombra do Grilo Falante é
dada por uma lata de sardinha com uma vela acesa dentro; um blusão num cabide representa a
personagem que vende os burros Pinóquio e Pavio para o circo; etc.
Mais uma voz artística seria o teatro de mãos, no qual, pelas patas da Raposa e do Gato,
nosso herói é capturado e enforcado. Aqui, as mãos de dois atores são maquiadas para que se criem
imagens de patas de felinos famintos que perseguem e capturam a sua presa.
Por último, é importante ressaltar ainda a força dramática conseguida no espetáculo pela
conexão entre o cinema de animação, a projeção de vídeos e os diferentes discursos do Teatro de
Animação. Destacam-se as cenas da morte da Fadinha; a viagem de Pinóquio sobre uma ave em busca
do pai; a saga de Pavio e de seu amigo narigudo até o País dos Brinquedos; o mergulho do menino de
pau até o fundo do mar, onde é engolido por um tubarão; e, finalmente, a já citada cena de
enforcamento.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Dizer que o teatro é uma arte que dialoga com outras artes não é afirmação nova. Entretanto,
perceber, mesmo que sucintamente, de que forma Pinocchio se conecta com outras vozes e discursos
artísticos, e com eles se comunica, é o que nos entusiasma. No entanto, o perigo da empreitada reside
numa análise superficial do objeto apresentado. O risco de omissões é enorme. Sendo assim, que
sejam perdoadas ao autor as vozes e os discursos esquecidos.
Em suma, Pinocchio pode ser caracterizada como uma obra polifônica, “onde dialogam os
múltiplos discursos provenientes das muitas vozes criadoras do espetáculo” (MALETTA, ibid.,
loc.cit.). Percebemos melhor essa polifonia quando explícita na encenação. Não deixemos, porém, de
notar as vozes e os discursos subjetivos, deixados num canto da sala (de teatro) ou escondidos atrás
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dos bonecos, como são os pontos de vista e as impressões trazidas pelos diretores, pelos atores-
manipuladores, pelo cenógrafo, pelos dubladores, pelo iluminador, pelos editores de vídeo, pelos
músicos e por aí afora.
Logo, essa polifonia em Pinocchio em muito contribui para que Cupido, poeta alado que se
julga um Adônis — tornando-se ridiculamente amado —, atinja com suas flechas radiantes os
barulhentos e palpitantes corações dos espectadores que viram, sentiram e ouviram as vozes e os
discursos que vibraram no interior de tão belo espetáculo.
NOTAS
i
Do francês tringle: vara. Boneco que tem o corpo sustentado por uma haste metálica fixada na cabeça.
(GIRAMUNDO, [198-?], p. 66).
ii
Do francês pantin: fantoche ou marionete. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/escolar/frances/index.php?
lingua=frances-portugues&palavra=pantin>. Acesso em 24 jun. de 2009. Entretanto, essa tradução não é satisfatória,
porque, assim, é fácil confundir essa técnica com a de luva (ou fantoche) e com a de fios (marionetes).
iii
“Eqüipolentes são consciências e vozes que participam do diálogo com as outras vozes em pé de absoluta igualdade;
não se objetificam, isto é, não perdem o seu SER [sic] enquanto vozes e consciências autônomas” (BAKHTIN, 2002, p.
04. Nota do tradutor.).
iv
“Isto é, plenas de valor, que mantêm com as outras vozes do discurso uma relação de absoluta igualdade como
participantes do grande diálogo” (Id., loc. cit. Nota do tradutor).
v
V. a ficha técnica do espetáculo no site: www.giramundo.org/teatro/pinocchio.htm.
vi
Os bonecos de luva são os que se encaixam como uma luva na mão do manipulador.
vii
Bonecos presos em fios e manipulados através de uma cruz ou cruzeta.
viii
O Pavio à tringle possui uma haste metálica presa à cabeça que propicia um giro de 360º e fios presos ao corpo que
possibilitam movimentos laterais do tronco e das pernas. Já o Pavio Burro à tringle possui a haste presa em seu dorso,
que ajuda a sustentá-lo.
ix
V. um vídeo da cena no site mencionado.
x
Idem.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BAKHTIN, Mikhail. Problemas da poética de Dostoiévski. Tradução de Paulo Bezerra. 3. ed. Rio de
Janeiro: Forense Universitária, 2002.
MALETTA, Ernani de Castro. A Formação do Ator para uma Atuação Polifônica: Princípios e Práticas.
2005. 367 p. Tese (Doutorado em Educação) – Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte, 2005.
Sites pesquisados:
www.giramundo.org/teatro/pinocchio.htm
www.michaelis.uol.com.br/escolar/frances/index.php?lingua=frances-portugues&palavra=pantin
Vídeo pesquisado: Pinocchio (2005). Giramundo Teatro de Bonecos. Direção de Ulisses Tavares. Belo
Horizonte: Departamento de Artes Gráficas do Museu Giramundo.