Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
Para todos do meio teatral ela era a Madame Morineau. Henriette Roulleau
(1908-1990), nascida na pequena Niort, distante 400 quilômetros de Paris,
tornou-se Morineau no instante em que sua vida deu uma guinada
definitiva. Brasil, 1931. Ao desembarcar no porto do Rio de Janeiro, onde a
esperava o noivo francês que aqui vivia, encontrou-o com um buquê de
flores na mão e a promessa de um casamento feliz. Henriette narra a cena
com ironia e amargura. Em depoimento concedido ao Serviço Nacional de
Teatro, em 1976, que contou com as participações de Paulo Autran, Oscar
Felipe, Adriano Reis e Ilka Marinho Zanotto, a grande atriz e diretora
franco-brasileira dramatiza as passagens mais importantes de sua trajetória
pessoal e profissional. A exemplo das heroínas trágicas que encarnaria nos
palcos, o destino, acredita, não é algo de que se possa escapar.
Henriette descobriu o teatro clássico ainda nos tempos de escola, decorando
com avidez trechos de tragédias que nunca tinha visto montadas.
Rememorando a censura que recebeu de uma professora, que considerava
excessiva sua empolgação ao declamar as imprecações de Camille
em Horace, de Corneille, conta: “Não, minha senhora, mas eu acho que
não pode ser calmamente, nessa situação eu tenho que dizer, eu tenho que
representar!”
Graças ao amor precoce pelo teatro, que a levava a devorar textos de
Molière e Racine, e a uma força de vontade desmesurada, superou
obstáculos como a resistência familiar e a solidão na cidade grande. Com o
objetivo de ingressar no templo sagrado do teatro francês, a Comédie
Française, rumou para Paris antes mesmo de atingir a maioridade, mas com
a cabeça já feita pelo repertório clássico. Em uma das etapas do concurso
de admissão no conservatório, enfrentou a oposição de outra aspirante a
atriz, que queria derrubá-la: “Já no segundo concurso, eu encontrei o que se
encontra muitas vezes no meio teatral: inveja!”, lembra Morineau, com
uma entonação carregada de sarcasmo que diverte seus interlocutores.
A carreira iniciada na companhia liderada por Henry Mayer, quando
Henriette era ainda estudante, e interrompida após sua chegada ao Brasil,
seria retomada aos poucos a partir de 1939, ao organizar um curso de
interpretação da Academia Brasileira de Imprensa, em francês.
Livro:
KHOURY, Simon. Bastidores/Série Teatro Brasileiro. Depoimentos de Henriette
Morineau, Edwin Luisi, Nicete Bruno e Jorge Dória. Rio de Janeiro, Montenegro e
Raman, 2001.