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Distúrbios da hemostasia:
doenças hemorrágicas
Disorders of homeostasis: bleeding disorders
Suely Meireles Rezende1
RESUMO
1
Médica hematologista. Professora Adjunta da Faculdade As doenças hemorrágicas abrangem diversas condições clínicas, sendo caracteriza-
de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais
UFMG. Belo Horizonte, MG – Brasil.
das por hemorragias de gravidade variável em diferentes locais do corpo. Podem ser
de causa hereditária ou adquirida, relacionadas a doenças hematológicas ou a outras
condições sistêmicas. Para o diagnóstico e tratamento adequados dessas doenças é
fundamental a realização de anamnese detalhada e de testes laboratoriais, que podem
ser complexos. Neste artigo serão abordadas as principais condições hemorrágicas,
classificadas em doenças vasculares/doenças plaquetárias, coagulopatias e doenças
hemorrágicas secundárias a doenças sistêmicas e uso de anticoagulantes.
Palavras-chave: Transtornos Hemorrágicos; Transtornos Hemostáticos; Hemostasia;
Coagulação Sanguínea; Hemorragia.
ABSTRACT
The bleeding disorders include several clinical conditions, being characterized by bleed-
ing of varying severity in different body sites. They can be either inherited or acquired
disease - related to hematological diseases or other systemic conditions. For the diagnosis
and treatment of these diseases, it is essential to conduct a detailed clinical history and
laboratory tests, which may be complex. This article deals with the major hemorrhagic
conditions, classified as vascular diseases/platelet diseases, coagulopathy and bleeding
disorders secondary to systemic diseases and use of anticoagulants.
Key words: Hemorrhagic Disorders; Hemostatic Disorders; Hemostasis; Blood Coagula-
tion; Hemorrhage.
introdução
Recebido em: 20/07/2010
Aprovado em: 20/08/2010
A hemostasia é um processo fisiológico que tem como objetivo manter o san-
Instituição:
gue em estado fluido dentro dos vasos sanguíneos, sem que haja hemorragia ou
Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas trombose. Em condições fisiológicas, as células endoteliais, que revestem os vasos
Gerais – UFMG
Belo Horizonte, MG – Brasil sanguíneos, expressam substâncias com propriedades anticoagulantes. Quando
Endereço para correspondência: ocorre dano vascular, o fator tissular (proteína transmembrana presente nas células
Departamento de Clínica Médica
Faculdade de Medicina da UFMG
do subendotélio) é exposto, liga-se ao fator (F) VII e F VIIa, iniciando o processo de
Universidade Federal de Minas Gerais
Avenida Alfredo Balena, 190 - 2o andar - sala 243
coagulação.1 O complexo fator tissular (FT) – F VIIa – F Xa engatilha uma série de
Belo Horizonte, MG – Brasil reações bioquímicas de ativação e inativação da qual participam proteínas plas-
CEP: 30130-110
E-mail: srezende@medicina.ufmg.br máticas (zimogênios de serinoproteases e cofatores), células (plaquetas e células
endoteliais) e íons (principalmente o cálcio). Este de vista fisiológico, essa separação é conveniente do
processo resulta na formação de coágulo constituído ponto de vista didático e para efeitos de interpreta-
por plaquetas e fibrina.2 ção de testes laboratoriais de coagulação (Figura 1).
Para que se verifique a coagulação, é fundamen- Evidências recentes demonstram que o processo de
tal que haja ativação plaquetária (fase celular da coagulação in vivo se inicia pela via extrínseca.4,5 A
coagulação), que acontece como resposta ao dano iniciação da coagulação pela via intrínseca (ou alter-
vascular e/ou estímulo químico (pela trombina, ADP, nativa) representa um mecanismo pelo qual a coagu-
tromboxane A2 ou epinefrina). A adesão plaquetária lação pode ser iniciada in vitro, embora o seu papel
resulta da ligação do complexo de superfície glico- fisiológico ainda não seja compreendido.
proteína (Gp) Ib/Gp IX (GpIb/IX) (presente nas pla- Ao contrário do processo da coagulação, conhe-
quetas) ao fator von Willebrand (FVW), presente no cido há bastante tempo, os mecanismos de controle
subendotélio vascular. O passo seguinte, a agregação da coagulação são de entendimento mais recente4,5.
plaquetária, é resultante da liberação de grânulos pe- A regulação da coagulação ocorre em diferentes eta-
las plaquetas, tais como ADP e tromboxane A2, que pas e envolvem basicamente quatro vias: a) a via do
ativam e recrutam outras plaquetas para o sítio de inibidor do FT (da sigla em inglês, TFPI), que inibe o
lesão. As plaquetas ativadas expressam, em sua su- F Xa e F VIIa nos estágios iniciais do processo da coa-
perfície, o complexo plaquetário IIb/IIIa (GPIIb/IIIa), gulação (Figura 1); b) a via da antitrombina (AT), que
que se liga ao fibrinogênio circulante, mediando a é o inibidor primário da trombina, assim como de ou-
formação do tampão plaquetário.3 tras proteases ativadas (fatores Xa, IXa, XIa, XIIa e ca-
A “fase plasmática” da coagulação culmina com licreína). A AT é fraco inibidor da maioria das protea-
a geração de trombina e a formação da fibrina, pro- ses, mas sua ação é acelerada em mais de 1.000 vezes
teína que ancora o tampão plaquetário. A formação pela heparina ou substâncias similares, presentes na
da trombina se dá a partir de reações bioquímicas de superfície das células endoteliais; c) a via da proteína
ativação de proteínas inativas (zimogênios) circulan- C (PC), que regula a inativação dos cofatores Va e
tes no plasma, que são convertidas para suas formas VIIIa. A PC é um zimogênio dependente da vitamina
ativas (proteases) por proteólise parcial. Essas rea- K, que tem como receptor uma proteína transmem-
ções de conversão podem ser aceleradas centenas a brana, a trombomodulina (TM), que também intera-
milhares de vezes a partir da existência de cofatores, ge com a trombina. O complexo trombina-TM ativa a
tais como os fatores Va e VIIIa, essenciais para a for- PC, transformando-a em PC ativada (PCA) que, ao ser
mação dos complexos tenase e protrombinase (Figu- liberada do complexo, inativa os cofatores Va e VIIIa,
ra 1). Esses complexos protease-cofator são formados regulando a coagulação. A proteína S (PS), proteína
nas superfícies celulares (em geral, nas plaquetas e dependente da vitamina K, age como cofator dessa
endotélio) que, na presença de íons cálcio, desenca- reação, acelerando a inativação desses cofatores6;
deiam uma cascata de reações, culminando na ge- d) a via dependente da proteína Z (PZ). A PZ, cuja
ração de trombina e formação de fibrina (Figura 1). função foi recentemente descoberta, atua como um
Esta é formada a partir do fibrinogênio pela ação da cofator para o inibidor de protease dependente da PZ
trombina (Figura 1). Quando formado, o coágulo de (IPZ), sendo um inibidor específico do F Xa (Figura
fibrina é frágil e friável, devendo, então, ser estabili- 1). A inibição do F Xa pela IPZ é incrementada em
zado pela ação do F XIII (fator estabilizante da fibri- cerca de 1.000 vezes pela PZ.
na). É importante ressaltar que a ativação plaquetária
(fase celular da coagulação) e a formação de fibrina
(fase plasmática da coagulação) acontecem simulta- Avaliação do paciente
neamente e de forma interdependente.3 com doença hemorrágica
Uma vez formado, o coágulo de fibrina é rapida-
mente digerido pela plasmina, proteína ativa do siste- Avaliação clínica
ma fibrinolítico endógeno. A ação da plasmina sobre
o fibrinogênio e a fibrina origina os produtos de de- Uma história clínica bem documentada é essencial
gradação da fibrina (PDF) e os dímeros D. na abordagem ao paciente com suspeita de doença
Embora a divisão das vias da coagulação em in- hemorrágica. Na anamnese, deve-se investigar fenô-
trínseca, extrínseca e comum seja incorreta do ponto menos hemorrágicos espontâneos ou induzidos por
trauma, como, por exemplo, acidentes, cirurgia, pro- uso rotineiro, tais como derivados do ácido acetilsa-
cedimentos dentários, vacinação, injeção e escovação licílico (AAS) e anti-inflamatórios não esteroides (AI-
dentária. Em mulheres, é de fundamental importância NES), podem se associar a hemorragias. A pesquisa
investigar hemorragia pós-parto, assim como menstru- de comorbidades e a história familiar devem receber
ações de volume exagerado, frequentemente de difí- atenção especial, uma vez que várias doenças hemor-
cil mensuração. A história de uso de medicamentos é rágicas podem associar-se a outras manifestações sis-
também importante, uma vez que medicamentos de têmicas ou podem ter herança genética.
precalicreína
Proteína Z
FIX FIX
FIXa
FL Ca2+ ZPI
FVIIIa
FVIII FXIIIi
FT - FVIIa
FX FXa FX
FL Ca2+
FVa
FV FVi PS
trombomodulina EPCR
antitrombina
TAFla FXIII
FXIIIa
tPA
plasminogênio plasmina Coágulo estável
Na vigência de história hemorrágica, é importan- da coagulação, isto é, dos fatores V, VIII, IX, X, XI, XII,
te esclarecer se o sangramento é de origem sistêmi- protrombina, fibrinogênio, pré-calicreína e cininogê-
ca ou local ou se devido a problema anatômico ou nio de alto peso molecular.8
mecânico, tal como se verifica em pacientes com O TP mede o tempo de ocorrência da coagulação,
sangramento pós-operatório. A ausência de história após a adição de tromboplastina tecidual e cálcio ao
hemorrágica prévia não invalida a possibilidade de plasma. Seu valor de referência pode ser expresso
doença hemorrágica, uma vez que, não raramente, em tempo (em torno de 14 segundos) ou em percen-
o diagnóstico de algumas deficiências é realizado na tual (70-100%). Devido à ampla variabilidade na po-
vigência de sangramento no per ou pós-operatório. tência das tromboplastinas utilizadas, o TP deve ser
Sangramento oriundo de mais de um local sugere, expresso em RNI (da sigla em inglês, international
em geral, doença sistêmica. normalized ratio), quando utilizado para o controle
O exame clínico pode sugerir o diagnóstico, uma de anticoagulação oral. O TP presta-se a avaliar a in-
vez que diferentes padrões de sangramento podem tegridade das vias extrínseca e comum, isto é, dos
ser característicos de algumas doenças. Em geral, fatores V, VII, X, protrombina e fibrinogênio.
pacientes com doença plaquetária quantitativa (pla- O prolongamento do TTPA ou TP indica: a) defici-
quetopenia) ou qualitativa (plaquetopatia), assim ência de um ou mais fatores da coagulação; b) anti-
como aqueles com doenças que acometem a pare- corpo circulante (inibidor), que pode ser direcionado
de dos vasos (vasculite, púrpura alérgica), apresen- a um dos fatores da coagulação; c) lúpus anticoagu-
tam sangramento em pele e mucosas. Na pele, esses lante. Um teste fácil e rápido, denominado teste de
sangramentos se apresentam sob forma de máculas mistura, é capaz de diferenciar entre essas duas con-
avermelhadas ou arroxeadas, conhecidas como pe- dições. Neste caso, o TP e TTPA são realizados com
téquias, púrpuras ou equimoses, conforme o tama- 50% do plasma do paciente e 50% do plasma normal.
nho da lesão, isto é, de até 1 mm, de 1 mm a 1 cm e A normalização do teste sugere deficiência e não nor-
maior que 1 cm, respectivamente. Em mucosas, os malização de inibidor. Esse teste deve ser realizado
sangramentos podem se apresentar como epistaxes, pelo laboratório sempre que houver prolongamento
hemoptise, sangramento gastrointestinal, urinário ou do TTPA ou TP. Mediante a suspeita de inibidor, o tes-
menometrorragia. Por outro lado, pacientes com de- te deve também ser realizado após incubação a 37ºC
ficiência de fatores da coagulação de origem heredi- por duas horas, uma vez que alguns inibidores (em
tária ou adquirida, assim como aqueles sob terapia especial os inibidores direcionados contra o F VIII)
anticoagulante, tendem a apresentar sangramento são tempo e temperatura dependentes.8
interno, tais como hematomas musculares, hemartro- O TS mede a integridade da função plaquetária
ses (sangramento intra-articular), hemorragias intra- e da parede vascular. A técnica recomendada é a de
-abdominais, hemorragia intracraniana, entre outras. Ivy (valor de referência entre 1-9 minutos), que mede
o tempo de cessação do sangramento após pequena
incisão realizada na face anterior do antebraço. Para
Avaliação laboratorial tal, deve-se empregar um dispositivo próprio, descar-
tável, que produz uma incisão de comprimento, lar-
Pelo menos cinco testes laboratoriais devem ser gura e profundidade padronizados. O TS pela técnica
inicialmente realizados em pacientes com suspeita de Duke, que mede o tempo de sangramento após
de doenças hemorrágicas: tempo de tromboplastina punção da ponta do dedo ou lóbulo de orelha por
parcial ativada (TTPA), tempo de protrombina (TP), agulha, não é de valor clínico e não deve ser utiliza-
tempo de sangria (TS), tempo de trombina (TT) e do. O TS encontra-se prolongado em doenças plaque-
contagem de plaquetas. Os dois primeiros testes ava- tárias qualitativas, quantitativas (plaquetopenias),
liam a fase plasmática da coagulação e os dois últi- doenças vasculares primárias (p. ex., vasculites) e
mos a fase celular (plaquetária).7 doenças resultantes de defeitos de interação entre
O TTPA mede o tempo de ocorrência da coagu- plaquetas e a parede dos vasos que alteram a adesão
lação após a adição de fosfolipídios e cálcio ao plas- plaquetária (p. ex. doença von Willebrand, DVW). O
ma, sendo seu valor de referência de cerca de 30 se- TS pode prolongar-se após o uso de AAS e AINES,
gundos (ou relação inferior a 1.2). O TTPA presta-se devendo-se adiar a realização do exame por pelo
a avaliar a integridade das vias intrínseca e comum menos duas semanas após o uso desses medicamen-
tos. O TS não se encontra prolongado em pacientes velado em exame pré-operatório ou periódico, sem
com deficiências dos fatores da coagulação. Recen- história prévia de hemorragia.
temente, o TS pela técnica de Ivy vem sendo substi-
tuído pelo equipamento PFA (da sigla em inglês, pla- DOENÇAS HEMORRÁGICAS
telet function analyser). Esse equipamento vem sendo POR DEFICIÊNCIA DE FATORES
cada dia mais utilizado para auxiliar os diagnósticos DA COAGULAÇÃO
de doenças plaquetárias e DVW.8
O TT avalia o tempo de coagulação do plasma ci-
tratado na presença de trombina, permitindo testar a As doenças hemorrágicas por deficiência de fa-
conversão de fibrinogênio a fibrina. Esse teste avalia tores da coagulação (coagulopatias) caracterizam-se
diretamente o fibrinogênio funcional, sendo utilizado pela deficiência de um ou mais desses fatores. Clini-
para investigar defeitos na molécula do fibrinogênio. camente, as coagulopatias manifestam-se pela ocor-
Está prolongado na existência de heparina, em altas rência de eventos hemorrágicos espontâneos ou pre-
concentrações de imunoglobulinas (por exemplo, na cipitados por trauma. As coagulopatias podem ser de
macroglobulinemia de Waldenstrom), nas disfibrino- etiologia hereditária ou adquirida.
genemias, na hipofibrinogenemia, sendo incoagulá- As coagulopatias hereditárias são doenças he-
vel na afibrinogenemia. O TT é um bom teste para morrágicas resultantes da deficiência de um ou mais
triagem de PDF, presente na CIVD e na fibrinólise. dos fatores da coagulação, devido à(s) mutação(ões)
Nesse caso, um teste da mistura para TT sem corre- nos genes que codificam esses fatores. As coagulo-
ção possivelmente decorre da presença de PDF. patias adquiridas decorrem, em geral, de processos
Há vários anos a contagem de plaquetas vem sendo autoimunes primários, ou seja, sem associação com
realizada rotineiramente por equipamento de contagem outras doenças; ou secundários, isto é, associados a
eletrônica de células. Porém, na vigência de plaquetope- outras condições, tais como doenças do tecido con-
nia (plaquetas < 150.000/ mm3), deve-se sempre proce- juntivo, câncer, gravidez, entre outras. Os pacientes
der à contagem manual de plaquetas, preferencialmente com coagulopatias adquiridas podem desenvolver
pela contagem na câmara de Newbauer. Adicionalmen- autoanticorpos (inibidores) contra qualquer um dos
te, a realização de hematoscopia é importante, uma vez fatores da coagulação. Ao contrário das coagulopa-
que permite a visibilização do esfregaço de sangue por tias hereditárias, cuja manifestação clínica, em geral,
intermédio do microscópio, auxiliando o diagnóstico acontece ao longo da vida, as coagulopatias adqui-
de várias condições, tais como pseudoplaquetopenia, ridas acometem indivíduos previamente assintomáti-
doenças plaquetárias qualitativas, púrpura trombocito- cos, sem história familiar de doença hemorrágica e
pênica trombótica (PTT), entre outras. tendem a ser de mais gravidade.9
Algumas doenças da hemostasia, tais como defi-
ciência de F XIII, DVW, deficiências leves de fatores
da coagulação e deficiências de fatores da via da fi- Coagulopatias hereditárias
brinólise, podem não apresentar qualquer anormali-
dade dos quatro testes de triagem descritos. Nesses Pacientes acometidos por coagulopatias hereditá-
casos, o paciente deve ser submetido a outros tipos rias podem apresentar sangramento de gravidade va-
de exames e/ou ser encaminhado para avaliação riável, espontâneos ou pós-traumáticos, presentes ao
especializada. Outras vezes, pode haver alteração nascimento ou diagnosticados ocasionalmente (em
importante dos testes de coagulação, sem haver, con- pré-operatório ou exame periódico). As coagulopatias
tudo, história hemorrágica. Este é o caso das defici- hereditárias apresentam herança genética, quadro clí-
ências de pré-calicreína, F XII e cininogênio de alto nico e laboratorial distintos entre si, sendo classifica-
peso molecular, que podem cursar com prolonga- das de acordo com o fator deficiente (Tabela 1).
mento significativo do TTPA sem, contudo, manifes- Entre as coagulopatias hereditárias, a DVW é a
tação clínica de sangramento. Pacientes com lúpus mais comum, seguida pelas hemofilias. São considera-
anticoagulante, apesar de terem TTPA prolongado, das coagulopatias raras as deficiências de fatores I, II,
não exibem hemorragias, mas tendência à trombose V, VII, X, XI e XIII. O diagnóstico preciso das coagulo-
venosa e/ou arterial. Pacientes com deficiência de F patias a partir da história clínica e testes laboratoriais
VII e F XI podem possuir TP prolongado, somente re- é indispensável para o tratamento correto da doença.10
Tabela 1 - Lista das coagulopatias hereditárias, diagnóstico, tratamento e meia-vida dos fatores da coagulação
Fator deficiente/ Tratamento* Meia-vida do
Exames alterados
diagnóstico Dose inicial Dose de manutenção fator infundido
Fibrinogênio (fator I) TTPA e TP CP 1,5 U para cada 10 kg ou concen- Variável 4-6 dias
trado de fibrinogênioA
Protrombina (fator II) TTPA e TP PFC 15 ml/kg ou CCP 20 UI/kg PFC 10 ml/kg 1x/dia ou CCP 2-3 dias
10 UI/kg 1x/dia
Fator V TTPA e TP PFC 20 ml/kg PFC 10 ml/kg a cada 12 horas 12 horas
Fator VII TP CCP 10 UI/kg ou FVIIar 20 mcg/kg CCP 10 UI/kg 1 x/dia FVIIar a 2-6 horas
cada 3-8 horas
Fator VIII/Hemofilia A TTPA DesmopressinaB 0.3 mcg/kg EV Desmopressina, 1 x/dia, 3-5 8-12 horas
ou CFVIII 15 a 50 UI/kg conforme dias CFVIII a cada 12 a 24
gravidade horas
Fator IX/Hemofilia B TTPA CFIX 30 a 100 UI/kg conforme A cada 12 a 24 horas 18-24 horas
gravidade
Fator X TTPA e TP PFC 15 ml/kg ou CCP 15 UI/kg PFC 10 ml/kg 1 x/dia ou CCP 2 dias
10 UI/kg 1 x/dia
Fator XI TTPA PFC 10-15 ml/kg ou CFXI A PFC 5 ml/kg 1 x/dia 3 dias
Fator estabilizador da TTPA e TP normais; teste de CP 1U/cada 10 Kg ou CFXIII, CP, a cada 2-3 semanas 6-10 dias
fibrina (fator XIII) retração do coágulo e ureia 5M 20 UI/kg CFXIII, a cada 4 semanas
anormais.
FVW/DVW** TTPA e TS podem estar prolon- DesmopressinaB 0.3 mcg/kg EV DDAVP 1 x ao dia, 3-5 dias CFVIII 8-12 horas
gados, TP normal; FVW:RCo e/ou ou CFVIII com FVW 20 a 50 UI/kg com FVW a cada 12-24 horas
VWF:Ag alterados conforme gravidade
* De acordo com produtos disponibilizados pelo Ministério da Saúde em 2010. **Outros testes diagnósticos para a doença von Willebrand incluem a
agregação plaquetária com ristocetina (RIPA), o teste da ligação ao colágeno e a análise multimérica para FVW. A Concentrados de fator I e XI derivados
do plasma ainda não disponibilizados pelo Ministério da Saúde. Bindicado para pacientes responsivos à desmopressina e para tratamento de hemorra-
gias de leve a moderada intensidade (vide texto).
CP: crioprecipitado; U: unidades; TTPA: tempo de tromboplastina parcial ativado; TP: tempo de protrombina; TS: tempo de sangramento pelo método
de Ivy; FVW:RCo: cofator ristocetina; VWF: Ag: fator (antígeno) de von Willebrand; FVW: fator von Willebrand; DVW: doença de von Willebrand;
CFVIII: concentrado de fator VIII; CFIX: concentrado de fator IX; mcg; microgramas.
-femoral (Figura 2). As hemartroses de repetição na sam a manifestar sangramentos mais frequentes, em
mesma articulação leva a sinovite crônica, anquilose, geral, com resposta diminuída ou ausente à infusão do
deformidade articular e alto índice de invalidez per- concentrado do fator deficiente (Figura 3). Isto requer o
manente nesses pacientes. (Figura 3) uso de outros produtos, em geral mais onerosos e nem
sempre com resultados satisfatórios. A erradicação do
inibidor é possível em até 80% dos casos por meio da
imunotolerância, tratamento que requer a infusão fre-
quente do fator deficiente com objetivo de tolerização.12
Doença de von Willebrand contendo FVW para os pacientes com DVW tipos 1
e 2A não responsivos à desmopressina, para aqueles
A DVW é uma doença hemorrágica resultante de que apresentam tipos 2B, 2N e 3 ou qualquer subtipo
defeito quantitativo e/ou qualitativo do FVW. Das doen- mediante hemorragias graves.18,19 (Tabela 2.1) Antifi-
ças hemorrágicas hereditárias, a DVW é a mais comum, brinolíticos podem ser utilizados, conforme descrito
com prevalência de até 1% da população de acordo no próximo subitem.
com estatísticas internacionais14. No Brasil, não se co-
nhece a prevalência dessa doença, embora ela pareça
ser subdiagnosticada, uma vez que o número de casos Coagulopatias raras
de DVW registrados é bastante inferior ao de pacientes
com hemofilia. Na maioria dos casos, a DVW é herda- A deficiência de fator XI, anteriormente deno-
da como caráter autossômico dominante, resultante de minada hemofilia C, é doença de herança autossô-
mutações no gene que codifica o FVW, localizado no mica recessiva, prevalente em indivíduos de origem
cromossomo 12.14 A classificação da DVW consiste em judaica. Apresenta quadro clínico heterogêneo, com
sete subtipos da doença: 1, 2A, 2B, 2M, 2N, 3 e tipo pla- sangramento de gravidade moderada, frequentemen-
quetário.15 Os subtipos 1 e 3 são defeitos quantitativos e te após trauma ou procedimentos cirúrgicos. Apesar
o subtipo 2 (2A, 2B, 2M e 2N) é qualitativo.15 de incomuns, pode haver sangramentos espontâne-
Os pacientes com DVW de leve intensidade são, os. Pacientes homozigotos e heterozigotos compos-
em geral, assintomáticos, sendo, não raro, diagnos- tos têm deficiência mais grave e quadro clínico mais
ticados após trauma ou cirurgia. Indivíduos sinto- exuberante do que os heterozigotos.20
máticos apresentam frequentemente sangramentos As alterações hereditárias do fibrinogênio são
cutâneo-mucosos, tais como equimoses, epistaxe, devidas a afibrinogenemia, hipofibrinogenemia ou
menorragia, hemorragia gengival e digestiva.16 O uso disfibrinogenemia. A afibrinogenemia é herdada
de derivados do AAS e AINES pode precipitar eventos como caráter autossômico recessivo. Sua sintoma-
hemorrágicos. Em mulheres, história de sangramento tologia clínica varia e as hemorragias podem ser de
no pós-parto e menorragia sem causa aparente, em intensidade leve a grave. Os episódios hemorrágicos,
especial desde a menarca, deve levantar suspeita de embora precoces, são geralmente pós-traumáticos,
DVW. Sangramentos profundos, como hemartroses, podendo os indivíduos acometidos permanecer as-
hematomas e hemorragia intracraniana, são raros, sintomáticos por longos períodos. As hemorragias
podendo ocorrer no subtipo 3. mais frequentes são menorragia, sangramentos gen-
O diagnóstico da DVW pode ser difícil, sendo, givais e epistaxes. O sangramento de cordão umbili-
muitas vezes, necessárias várias repetições dos tes- cal pode ser uma das primeiras manifestações e deve
tes16. Os principais testes diagnósticos são o cofator chamar a atenção para o diagnóstico da doença.21
ristocetina e a dosagem do FVW, sendo que o TPPA Neste caso, o diagnóstico diferencial deve incluir a
normal não exclui o diagnóstico da doença (Tabela deficiência de F XIII, na qual o sangramento de cor-
1).16,17 A plaquetopenia pode estar presente no sub- dão umbilical é também sinal altamente sugestivo
tipo 2B. Como o F VIII e FVW são proteínas de fase da doença. As hipofibrinogenemias (fibrinogênio <
aguda, eles se elevam em processos inflamatórios, 100 mg/dl) geralmente apresentam manifestação clí-
gravidez, uso de anticoncepcionais orais, exercí- nica quando associadas a trauma ou quando a con-
cio físico, estresse e doença hepática.17 Assim, sua centração de fibrinogênio é inferior a 50 mg/dl. As
dosagem, nessas situações, pode mascarar o diag- disfibrinogenemias são caracterizadas pela síntese
nóstico. Ao contrário, essas dosagens encontram-se de moléculas com estrutura anômala com função al-
reduzidas no hipotireoidismo e em indivíduos do terada (defeito qualitativo). A maioria dos pacientes é
grupo sanguíneo O. assintomática, podendo, entretanto, haver história de
O tratamento da DVW consiste na correção do hemorragia ou trombose.
FVW para além de 50% de atividade coagulante na vi- A deficiência de protrombina (Fator II) é her-
gência de hemorragia.18,19 Essa medida pode ser atin- dada como caráter autossômico recessivo. Possui
gida com o uso de desmopressina (para pacientes quadro clínico heterogêneo, com sangramentos de
responsivos e com hemorragias de leve a moderada leve a moderada intensidade, dependendo do nível
intensidade) ou infusão de concentrado de fator VIII funcional do fator. Em geral, os sangramentos ocor-
rem após trauma, mas níveis funcionais inferiores a Apesar de raras, as deficiências combinadas são
1% associam-se a sangramento espontâneo.20 de herança autossômica recessiva, tendo sido descri-
A deficiência de fator V é herdada como caráter tas associações tais como: FV e FVIII, FVII e FIX, FVII
autossômico recessivo, podendo acontecer por defici- e FVIII, entre outras. O quadro clínico depende da
ência de síntese (defeito quantitativo) ou por alteração magnitude da deficiência de cada um dos fatores.
funcional (defeito qualitativo) da molécula. As mani-
festações hemorrágicas são, em geral, moderadas e Coagulopatias adquiridas
incluem equimoses, menorragia e epistaxes. Hemato-
mas musculares extensos e hemartroses são raros.20,21 As coagulopatias adquiridas resultam de autoan-
A deficiência de fator VII exibe quadro clínico ticorpos (inibidores) que podem ser dirigidos contra
variável e nem sempre tem relação com os níveis de quaisquer fatores da coagulação. Em cerca de 50% dos
fator VII circulante. Quadro clínico com apresentação casos, essa condição está associada a doenças autoi-
exuberante, caracterizado por menorragia, epistaxes munes, doenças linfoproliferativas, gravidez e uso de
e, raramente, hematomas, hemartroses e hemorragia medicamentos. Embora mais raras do que as coagulo-
intracraniana pode ser visto quando os níveis de fator patias hereditárias, o quadro de sangramento é grave,
VII são inferiores a 1.0 U/dl.10 podendo ter evolução dramática. O tratamento das he-
A deficiência de fator X é doença de herança au- morragias deve ser feito com infusão do fator deficiente.
tossômica recessiva, caracterizada por hemorragias Para supressão do inibidor devem ser usados corticos-
de intensidade moderada a grave, de acordo com o teroides e agentes citotóxicos, tais como ciclofosfami-
nível funcional do fator circulante. As manifestações da. Recentemente, casos de sucesso têm sido relatados
hemorrágicas tendem a ser graves nos pacientes que após tratamento com a droga rituximab, que é um an-
apresentam fator X inferior a 1,0 U/dl e leve naqueles ticorpo monoclonal contra linfócitos B CD20 positivo.
com fator X acima de 1,0 U/dl. As hemorragias mais
comuns são nas articulações e mucosas e incluem
menorragia, sangramento mucoso e, mais raramen- DOENÇAS HEMORRÁGICAS DEVIDO A
te, hemartroses. DEFEITOS PLAQUETÁRIOS E VASCULARES
A deficiência do fator XII (moléstia de Hage-
man), da pré-calicreína e do cininogênio de alto Os defeitos plaquetários que levam a doenças he-
peso molecular são herdadas como caráter autos- morrágicas podem ser classificados em quantitativos
sômico recessivo. Em geral, evoluem sem sintomas, (plaquetopenias), qualitativos (plaquetopatias) ou
sendo seu diagnóstico, na maioria das vezes, um ambos. Podem ser classificados também conforme a
achado de laboratório devido ao prolongamento do origem, se hereditária ou adquirida. Os defeitos vas-
TTPA. Tem sido relatada a associação da deficiência culares decorrem de anormalidades nos vasos (arté-
de fator XII com trombose, cujo mecanismo ainda rias, veias ou capilares), em geral não relacionados a
permanece obscuro. anormalidades da coagulação ou plaquetas.
A deficiência de fator XIII é herdada como ca-
ráter autossômico recessivo. Tipicamente, os coá-
gulos formados são friáveis e mais susceptíveis à Defeitos plaquetários: plaquetopenias
degradação pela plasmina. É característico o san-
gramento em cordão umbilical que acontece nos As plaquetopenias decorrem de diferentes proces-
primeiros dias de vida. Os pacientes com deficiên- sos fisiopatológicos, relacionados à produção, destrui-
cia de fator XIII apresentam hemorragia intracrania- ção ou distribuição de plaquetas. Desde que a função
na com mais frequência que aqueles com outras plaquetária esteja normal, pacientes com contagem
coagulopatias. A hemorragia pode ser recidivante, plaquetária acima de 100.000/mm3 não manifestam he-
estando indicado o tratamento de reposição profi- morragias, nem mesmo se submetidos a grandes cirur-
lático com crioprecipitado ou concentrado de FXIII gias. Com contagem plaquetária entre 50.000 e 100.000/
para todos os indivíduos com deficiência modera- mm3 pode haver sangramento mais prolongado após
da a grave (Tabela 1). Abortos de repetição e difi- trauma. Com contagem entre 20.000 e 50.000/mm3, os
culdade de cicatrização de feridas podem se asso- sangramentos se verificam após pequenos traumas, po-
ciar à doença.10,20,21 rém sangramentos espontâneos são raros. Estes passam
a acontecer quando a contagem de plaquetas é menor é uma doença hemorrágica autoimune, caracterizada
que 20.000/mm3, havendo risco de sangramento grave por anticorpos contra as plaquetas do próprio pacien-
quando as plaquetas estão abaixo de 10.000/mm3. te, que são, então, destruídas por fagocitose principal-
A plaquetopenia é a causa mais comum de san- mente no baço. Em crianças, a doença é aguda e, em
gramento anormal. Aproximadamente 15% das pla- geral, acompanha infecção viral. Em adultos, é mais
quetopenias são devidos a pseudoplaquetopenia ou comum em mulheres (3 a 4:1), antes dos 40 anos em
plaquetopenia factícia. Esta decorre da formação de cerca de 90% dos casos. Em adultos, o quadro é mais
grumos de plaquetas induzido pelo anticoagulante insidioso, sem doença precedente e tem curso crô-
EDTA. Devido à alta frequencia dessa condição, dian- nico. O quadro clínico é caracterizado por epistaxe,
te de qualquer plaquetopenia deve-se repetir o teste petéquias, púrpuras e equimoses no corpo, além de
utilizando heparina ou citrato como anticoagulante menorragia em mulheres. Hemorragia intracraniana
ou sangue recentemente coletado em EDTA. pode ocorrer em 1% dos casos, podendo ser fatal.22
A investigação de plaquetopenia verdadeira deve Fatores de mau prognóstico incluem contagem de
incluir realização de hemograma, contagem de reti- plaquetas menor que 15.000/mm3, idade avançada e
culócitos e hematoscopia. Frequentemente, a causa doença hemorrágica concomitante. O diagnóstico
da plaquetopenia pode ser sugerida com esses exa- da PTI requer exclusão de outras causas de plaqueto-
mes, como no caso das mielodisplasias, leucemias, penia. Em adultos, não há esplenomegalia e o hemo-
anemia megaloblástica, anemia aplástica, entre ou- grama é normal, exceto por plaquetopenia. Pode-se
tras. O mielograma é essencial para avaliar a existên- detectar anemia, em caso de perda sanguínea, devi-
cia ou não de diminuição da produção plaquetária, do à hemorragia. O valor da pesquisa de anticorpos
além de subsidiar outros diagnósticos. antiplaquetários é questionável devido à sua baixa
A Tabela 2 lista as principais doenças associadas sensibilidade e reprodutibilidade interlaboratorial. O
às plaquetopenias de acordo com sua fisiopatologia. mielograma é indicado em pacientes com idade aci-
ma de 60 anos (para diagnóstico diferencial com mie-
lodisplasia e outras doenças), em pacientes que não
Púrpura trombocitopênica idiopática apresentam boa resposta ao tratamento e antes da
esplenectomia.22 Alguns autores recomendam a reali-
A púrpura trombocitopênica idiopática (PTI) é zação de mielograma antes de se iniciar corticosteroi-
uma das causas mais comuns de plaquetopenia. A PTI des. Recomenda-se realizar testes para infecção pelo
Tabela 2 - Classificação das doenças associadas à plaquetopenia de acordo com mecanismo fisiopatológico
Mecanismo Doenças
1. Diminuição da produção
1.1. Hipoplasia de células precursoras Anemia aplástica, síndrome de Wiskott-Aldrich, anomalia de May-Heglin, síndrome de plaquetopenia
com ausência de rádio, dano medular por drogas (cloranfenicol, cotrimoxazol, fenilbutazona, penicilami-
na), radiação, álcool, infecção, produtos químicos (benzeno)
1.2. Substituição do tecido mieloide Leucemias, mieloma múltiplo, tumores metastáticos (próstata, mama, linfoma)
2. Aumento de destruição
2.1. Doenças imunes Causas primárias: PTI, PTT (alguns casos)
Causas secundárias: câncer (leucemia linfática crônica, linfoma, doenças autoimunes), drogas (fenace-
tina, sais de ouro, rifampicina, derivados da sulfa, penicilina, trimetroprin, diazepan, valproato de sódio,
acetazolamida, tiazídicos, furosemida, clorpropramida, tolbutamida, digitoxina, metildopa, heparina,
quinina/quinidina), infecções (mononucleose infecciosa, citomegalovirose, infecção pelo HIV)
2.2. Doenças não imunes Doenças caracterizadas por anemia hemolítica microangiopática e plaquetopenia (PTT, SHU, malária,
CIVD, hemagioma cavernoso), septicemia, hemoglobinúria paroxística noturna
3. Trombopoiese ineficaz Deficiência de folato ou vitamina B12
mielodisplasias
4. Problema de distribuição Hiperesplenismo
5. Problema dilucional Transfusão maciça
PTI: púrpura trombocitopênica idiopática; PTT: púrpura trombocitopênica trombótica; CIVD: coagulação intravascular disseminada;
SHU: síndrome hemolítico urêmica
vírus da hepatite C e HIV. Na PTI, a medula é normal, cialmente ocluídos induz ao dano das hemácias,
podendo haver aumento do número de megacarióci- originando células fragmentadas (anemia microan-
tos, assim como megacariócitos imaturos em núme- giopática). Até muito recentemente, a fisiopatologia
ro variável. O tratamento da PTI em adultos depende dessa doença era desconhecida. Porém, trabalhos
da gravidade da plaquetopenia e do sangramento. recentes demonstram defeito no processamento
Pacientes assintomáticos com contagem plaquetária dos multímeros de alto peso molecular do FVW.
maior que 30.000-40.000/mm3 podem ser acompanha- Em condições fisiológicas, esses multímeros são cli-
dos clinicamente com contagem periódica de plaque- vados por uma proteína conhecida como protease
tas (semanal ou quinzenal). Em caso de sangramento clivadora do FVW ou ADAMTS13.25 As mutações no
e/ou contagem plaquetária menor que 20.000/mm3, gene codificador dessa protease (PTT familiar) ou
deve-se iniciar prednisona, 1 mg/kg/dia por 3-4 sema- a presença de anticorpos no plasma direcionados
nas até resposta ou aparecimento de efeitos colate- contra a mesma (PTT adquirida) reduzem essa pro-
rais, devendo a dose ser reduzida lentamente até sua teína no plasma e constituem a base fisiopatológica
retirada. Cerca de 80% dos pacientes apresentam res- dessa doença. Os multímeros do FVW de alto peso
posta após duas a três semanas de tratamento, embo- molecular não clivados, presentes na superfície das
ra a maioria dos pacientes apresentem recidiva com células endoteliais e levam à hiperagregação plaque-
redução da dose.22 O uso de imunoglobulina venosa tária, trombose e oclusão vascular.25
(IGV, 1 g/kg/dia durante 2-3 dias) é indicado nos casos Anemia microangiopática e plaquetopenia sem
de sangramento ativo ou pré-operatório, uma vez que outra causa clínica aparente devem levantar a suspei-
a elevação das plaquetas é rápida, entre três e cinco ta de PTT.26 A plaquetopenia é o sinal mais comum,
dias. Entretanto, o tratamento com imunoglobulina é sendo, em geral, sua contagem menor que 20.000/
oneroso e a resposta é transitória. A esplenectomia mm3. Apesar de numericamente grave, a plaquetope-
leva a remissão a cerca de 60% dos casos.23 Outros nia não se associa a sangramento na maioria das ve-
tratamentos podem ser utilizados em caso de não res- zes. A hematoscopia demonstra hemácias fragmen-
posta à esplenectomia, tais como, danazol, dexame- tadas de tamanhos e formas variadas, pontilhado
tasona, vincristina, azatioprina e ciclofosfamida. Infu- basófilo e eritroblastos. A anemia, em geral, é de in-
são de IGV antiD em altas doses para pacientes Rh tensidade leve a moderada. Outros achados laborato-
positivo com PTI tem sido utilizada, embora estudos riais característicos de anemia hemolítica, tais como
recentes tenham demonstrado ocorrência de CIVD e aumento de desidrogenase lática, bilirrubina indireta
hemólise aguda como complicações raras, mas po- e contagem de reticulócitos e redução de haptoglobi-
tencialmente graves. na, podem ser encontrados, variando de intensidade
conforme a gravidade do processo hemolítico. Pode
Doenças caracterizadas por anemia haver leucocitose moderada com desvio para a es-
microangiopática e plaquetopenia querda. O teste de Coombs é negativo, pois a anemia
é de origem mecânica e não autoimune. Em geral,
Púrpura trombocitopênica trombótica os testes de hemostasia, tais como TP, TTPA e fibri-
nogênio são normais, ao contrário da coagulação
A púrpura trombocitopênica trombótica (PTT) é intravascular disseminada (CIVD), na qual esses tes-
uma síndrome hemorrágica grave caracterizada por tes apresentam-se alterados. Febre é comum, assim
cinco sinais clássicos: anemia hemolítica microangio- como sintomas gripais, dores abdominais, articulares
pática, plaquetopenia, alterações neurológicas, febre e musculares. O quadro neurológico é marcante, po-
e disfunção renal. É doença rara, mais comum em mu- dendo se manifestar com confusão mental, cefaleia,
lheres (relação de 3:2), porém sem diferença racial. A alterações visuais, convulsões, sinais focais de ori-
doença acomete indivíduos em todas as idades, sen- gem motora-sensorial e coma. O comprometimento
do, porém, mais frequente na quarta década de vida.24 renal ocorre em 80-90% dos casos, manifestando
A PTT é uma doença microvascular que poupa principalmente com hematúria macroscópica asso-
as vênulas, mas acomete arteríolas e capilares. As ciada ou não à proteinúria, podendo chegar à insufi-
lesões vasculares são caracterizadas por semioclu- ciência renal aguda.26
sões por microtrombos constituídos por plaquetas O principal diagnóstico diferencial da PTT é com
e fibrina. A passagem do sangue pelos vasos par- a síndrome hemolítico urêmica, mas deve incluir tam-
bém CIVD, septicemia, síndrome HELLP (doença da possam também estar relacionadas. Em adultos, a
gravidez caracterizada por hemólise, elevação de en- maioria dos casos é idiopática, embora a forma here-
zimas hepáticas e plaquetopenia), síndrome antifos- ditária, assim como os casos esporádicos, esteja rela-
folípide, síndrome de Evans (plaquetopenia e anemia cionada à deficiência de fator H. Em mulheres, a SHU
autoimunes), plaquetopenia da gravidez, púrpura trom- ocorre em associação com o uso de anticoncepcionais
bocitopênica idiopática, LES e outras colagenoses.27 orais e no período pós-parto. O uso de famotidina, qui-
A mortalidade relacionada ao TPP teve extraordiná- nina, ticlopidina, mitomicina-C e cisplatina pode levar
rio declínio, de aproximadamente 95 para 20% ou me- a quadro semelhante ao de SHU. O principal diagnós-
nos com a introdução da plasmaférese.28 Essa terapia tico diferencial é com a PTT. Nesta, o quadro neuroló-
deve ser realizada o mais rapidamente possível após o gico e a plaquetopenia são proeminentes, com menos
diagnóstico, uma vez que a demora na instituição do comprometimento renal e hipertensão, característicos
tratamento relaciona-se a um prognóstico pior. A plas- da SHU. A plasmaférese é indicada para os casos não
maférese deve ser realizada diariamente a partir da relacionados à infecção, embora a resposta seja pior
troca de 40 ml/kg de plasma até a resolução da plaque- que para PTT, com recaída em 30-80% dos casos.26,27
topenia, complicações neurológicas, normalização da
LDH e da hemoglobina. Após a melhora dos parâme-
tros citados, a plasmaférese deve ser estendida por 1-2 Coagulação intravascular disseminada
semanas adicionais. As complicações da plasmaférese
podem relacionar-se a toxicidade pelo citrato (pares- A síndrome de CIVD, também conhecida como co-
tesia, vômito, câimbras ou tetania) ou a reposição de agulopatia de consumo, decorre da deposição intravas-
plasma (febre, hipotensão, broncoespasmo, arritmias, cular disseminada de fibrina com consumo dos fatores
entre outras). Caso o acesso à plasmaférese seja restrito da coagulação e plaquetas. É consequência de condi-
ou haja atraso na instituição da mesma, deve-se proce- ções clínicas associadas à liberação de material pró-
der à infusão de plasma fresco congelado, que por si -coagulante na circulação e/ou que provoque o dano
só pode trazer algum benefício. É importante ressaltar endotelial ou agregação plaquetária29 (Tabela 3).
que até 1/3 dos pacientes submetidos à plasmaférese
apresenta recaída após o tratamento inicial.26 Tabela 3 - Condições clínicas associadas à coagula-
Apesar da plaquetopenia, a transfusão de pla- ção intravascular disseminada
quetas é contraindicada na PTT, uma vez que leva à Classificação Condição clínica
deterioração do quadro clínico. Da mesma forma, o Infecções Septicemia por bactérias gram-negativas, gram-
-positivas (mais raro) ou meningococo
uso de desmopressina está também contraindicado.
Aborto séptico e septicemia por Clostridium welchii
O uso de outras medidas terapêuticas tais como corti- Malária grave por Plasmodium falciparum
coides, imunoglobulina intravenosa, vincristina, ciclo- Infecção viral (“purpura fulminans”)
fosfamida, anticorpo monoclonal antiCD20 e esple- Doenças malignas Adenocarcinomas secretores de mucina do trato
gastrointestinal
nectomia é reservado para os casos refratários e/ou Carcinoma pancreático
não responsivos à plasmaférese. O tratamento especí- Leucemia promielocítica aguda
fico das complicações torna-se necessário, tais como Reações de Anafilaxia
hipersensibilidade Transfusão de sangue incompatível
transfusão de hemácias caso haja anemia sintomática
Complicações Eclâmpsia
e/ou grave, diálise para tratamento da insuficiência obstétricas Placenta retida
renal aguda e anticonvulsivante para as convulsões.27 Embolia por líquido amniótico
Feto morto retido
Dano tissular Pós-operatório
Trauma
Síndrome hemolítico-urêmica
Outras causas Insuficiência hepática
Pancreatite aguda
A SHU é caracterizada por quadro de anemia he- Envenenamento por cobras e outros invertebrados
Grandes queimados
molítica microangiopática, insuficiência renal aguda, Hipóxia aguda
hipertensão e plaquetopenia leve a moderada.26,27 É Hipotermia
Malformações vasculares (síndrome de
mais comum em crianças, sendo rara em adultos. Em Kasabach-Merritt)
crianças, a principal causa relaciona-se à infecção por Síndrome da angústia respiratória do adulto
Embolia gordurosa
E.coli produtora de toxinas, embora outras bactérias
heparina e regride alguns dias após a suspensão da drome de Bernard-Soulier (SBS) – ou a defeito de
mesma. O tratamento inclui a suspensão imediata da transdução ou secreção de grânulos.
heparina e a substituição da anticoagulação pelos A TG é uma doença hemorrágica, em geral gra-
inibidores diretos da trombina, lepirudina e argatro- ve, de caráter autossômico recessivo. Rara em nosso
ban ou fondaparinux ou danaparoide. meio, mas comum em populações com alta taxa de
A púrpura pós-transfusional (PPT) é caracteriza- casamentos consanguíneos, a TG decorre de muta-
da pelo desenvolvimento de plaquetopenia entre qua- ções nos genes que codificam as GPIIb ou GPIIIa. A
tro e 11 dias após transfusão de sangue. A PPT decorre falta da GPIIb/IIIa nas plaquetas impede a sua liga-
de aloimunização a aloantígenos plaquetários (HPA) ção ao fibrinogênio, principal proteína responsável
presentes nas plaquetas transfundidas e ausentes nas pela agregação plaquetária.30 Os sangramentos são
plaquetas do receptor. A púrpura pode ser grave e registrados somente em pacientes homozigotos, sen-
as plaquetas podem atingir níveis tão baixos quanto do os heterozigotos assintomáticos. As hemorragias
10.000/mm3. Mais frequentemente, a doença é autoli- mais comuns são cutâneo-mucosas, principalmente
mitada e a contagem plaquetária retorna ao normal púrpuras, epistaxe, gengivorragia e menorragia, po-
espontaneamente. As manifestações mais comuns dendo ser de gravidade variável. Situações de risco
são sangramentos cutâneos, melena e hematúria com potencial incluem sangramento excessivo na menar-
duração média de 4-12 dias. O tratamento envolve uso ca e no parto. Na TG, a adesão plaquetária é normal,
de corticosteroide, imunoglobulina e plasmaférese. mas a agregação plaquetária é tipicamente ausente
O hipersesplenismo é uma causa comum de pla- em resposta a quase todos os agonistas, incluindo
quetopenia, decorrente da sequestração de plaquetas ADP, adrenalina, colágeno e trombina. A resposta à
no baço, que se encontra aumentado. A plaquetope- ristocetina é normal. A prova de retração do coágulo
nia, neste caso, é resultante de condições clínicas que pode estar reduzida ou ausente e o TS aumentado. A
podem levar a esplenomegalias volumosas, tais como contagem de plaquetas é normal. A agregação pla-
esquistossomose e cirrose hepática com hipertensão quetária, ausente em resposta a todos os agonistas, é
portal, doença de Gaucher, linfoma e calazar. Em ge- patognomônico de TG e a retração do coágulo redu-
ral, outros achados laboratoriais, tais como leucope- zida ou ausente é raramente observada em outras do-
nia, anemia ou pancitopenia podem estar presentes. enças.8 A citometria de glicoproteínas plaquetárias é
A plaquetopenia dilucional acontece quando útil para confirmação do diagnóstico. Sangramentos
grande quantidade de sangue total e/ou concentra- locais, tais como epistaxe e gengivorragia, devem ser
do de hemácias é transfundido. Alguns autores reco- inicialmente tratados com medidas locais. Menorra-
mendam transfusão de plaquetas para cada 10 uni- gia pode ser um problema constante, sendo necessá-
dades de sangue total ou concentrado de hemácias rio uso de contraceptivos por tempo indeterminado.
transfundido. A transfusão de plaquetas deve ser realizada antes de
qualquer cirurgia até a cicatrização completa, inde-
pendentemente da história hemorrágica do paciente,
Defeitos plaquetários: plaquetopatias assim como durante o parto e por pelo menos uma
semana no pós-parto. Recentemente, o concentrado
Doenças hemorrágicas podem advir de plaqueto- de fator VII ativado recombinante foi licenciado para
patias, devido a defeito na sua função. As plaqueto- o tratamento de hemorragias na TG, com resultados
patias podem ser de origem hereditária ou adquiri- satisfatórios.31
da, sendo esta bem mais comum. As plaquetopatias A SBS é uma doença hemorrágica rara, de cará-
podem fazer parte do quadro de diversas entidades ter autossômico recessivo, caracterizada por sangra-
clínicas, sendo seu mecanismo fisiopatológico, em mentos cutâneo-mucosos de gravidade variável. A
geral, malcompreendido nessas situações. A Tabela 4 doença decorre de defeito genético em qualquer um
lista as causas mais comuns de plaquetopatia adqui- dos três genes (GPIbα, β ou GPIX) que codificam a
rida, mecanismo fisiopatológico, manifestações clíni- proteína GPIb-IX. Na SBS, a adesão plaquetária é re-
cas e tratamento. duzida, assim como sua ligação ao FVW. A existência
As plaquetopatias hereditárias são mais raras, po- de plaquetas gigantes é achado característico da do-
dendo ser devidas a defeitos plaquetários de mem- ença, acompanhado por plaquetopenia de gravidade
brana – trombastenia de Glanzmann (TG) e sín- variável, entre 20.000/mm3 e contagem próxima do
normal. O TS é prolongado, mas a agregação diante ça rara, também conhecida como síndrome da pla-
de ADP, colágeno e adrenalina é normal. O tratamen- queta cinza, pois a falta desses grânulos confere às
to é semelhante ao da TG.30 plaquetas uma coloração acinzentada.30 Os grânulos
Os distúrbios de armazenamento plaquetário α armazenam fibrinogênio, FVW, β-tromboglobulina,
são doenças de herança autossômica dominante, fator plaquetário 4 e outros fatores da coagulação.
oriundas de provável formação anormal de grânu- É doença caracterizada por sangramentos durante
los nos megacariócitos. Os grânulos - α ou densos – a infância, macroplaquetas, baixa resposta à trom-
encontram-se reduzidos em número e conteúdo nas bina e, às vezes, plaquetopenia leve. A deficiência
plaquetas. A deficiência de grânulos α é uma doen- de grânulos densos (δ) é doença mais comum que
quetárias tornam-se deficientes. Pode também haver plexos imunes das bactérias às plaquetas, podendo
plaquetopenia, que tende a ser leve. O TP e TTPA são ocasionar plaquetopenia grave.
normais e o TS aumentado. O sangramento é carac-
teristicamente mucocutâneo e de leve intensidade.
Contudo, hemorragias mais graves em pacientes com COAGULOPATIAS DEVIDO À
uremia devem levantar a possibilidade de outras cau- ANTICOAGULAÇÃO
sas. Quando o sangramento é consequente à uremia,
ele tende a melhorar após a diálise. Caso não haja me- As coagulopatias devido à anticoagulação são
lhora e o TS continue aumentado, pode-se tentar do- atribuídas ao uso dos anticoagulantes tais como war-
ses baixas de estrógeno, cloridrato de desmopressina farina e heparina.35 A hemorragia é uma das maio-
(0,3 microgramas/kg uma vez ao dia por 2-3 dias) ou res complicações do uso da warfarina, quase 3% por
crioprecipitado (uma bolsa para cada 5 kg de peso). ano. O risco de sangramento é geralmente mais alto
Transfusão de plaquetas, em geral, não é eficaz. em idosos acima de 65 anos, em indivíduos que fa-
zem uso concomitante de medicação antiplaquetá-
ria ou anti-inflamatória e naqueles que apresentam
Deficiência de vitamina K doenças coexistentes (principalmente câncer, in-
suficiência renal, diabetes, úlcera péptica e doença
A vitamina K atua como cofator na reação de cérebro-vascular). O risco de sangramento é inversa-
gama-carboxilação dos resíduos de ácido glutâmico mente proporcional ao tempo de uso da anticoagu-
presentes no domínio GLA dos fatores pró-coagulan- lação oral, sendo mais alto quando o RNI ultrapassa
tes II, VII, IX e X, e anticoagulantes, proteínas C e S. O 5. É importante ressaltar que várias drogas interagem
processo de gama-carboxilação é fundamental para com a warfarina e que qualquer alteração na dosa-
que essas proteínas sejam funcionalmente ativas. As gem daquelas deve ser acompanhada por determina-
principais fontes de vitamina K são a dieta e síntese da ção laboratorial do RNI. Para listagem completa das
vitamina pela flora bacteriana do intestino. A vitami- diversas drogas que interagem com a warfarina.36 A
na K é absorvida principalmente no íleo e requer sais gravidade do sangramento é variável. Em casos de
biliares. A deficiência de vitamina K pode ser devida à sangramento agudo grave devido ao uso da warfari-
má-absorção de vitaminas lipossolúveis secundária a na com qualquer nível de RNI deve-se administrar 10
processo de icterícia obstrutiva ou doenças do intesti- mg de vitamina K1 por via endovenosa lentamente
no, tais como síndrome do intestino curto, doença de juntamente com 15 ml/kg de plasma fresco congela-
Crohn, retocolite ulcerativa e doença celíaca. Defici- do ou 20-50 UI/kg de complexo protrombínico. No
ências nutricionais isoladas raramente causam defici- caso de sangramento menos grave, devem ser admi-
ência de vitamina K, a não ser que haja coexistência nistrados 2 mg de vitamina K1 por via endovenosa
de má-absorção e/ou esterilização da flora intestinal. lentamente e suspensão da warfarina por um a dois
Essa situação pode ocorrer em pacientes graves, man- dias. No caso de elevação do RNI < 5 sem sangramen-
tidos em unidades de terapia intensiva em uso de anti- to, a warfarina deve ser suspensa por um a dois dias.
bióticos de amplo espectro. A deficiência pode ainda Caso ocorra elevação do RNI > 5 sem sangramento, a
ocorrer em pacientes em uso de nutrição parenteral warfarina deve ser suspensa por um a dois dias asso-
sem suplementação com vitamina K. A correção da ciado ou não à administração de 2-5 mg de vitamina
deficiência de vitamina K pode ser realizada com re- K por via oral.36
posição oral ou parenteral (2-10 mg, subcutâneo ou O efeito anticoagulante da heparina não fraciona-
endovenosa) em caso de má-absorção. da (HNF) pode ser rapidamente neutralizado pelo uso
do sulfato de protamina, estando este indicado para
pacientes com sangramento de mais gravidade. A dose
Septicemia adequada de sulfato de protamina depende da dose da
HNF, via administrada e o tempo decorrido desde a
A septicemia, principalmente por bactérias gram- última dose. A dose máxima neutralizante, que é de
-negativas, leva à destruição de plaquetas. O meca- 1 mg de sulfato de protamina para cada 100 U de HNF
nismo deve-se, provavelmente, à ligação dos com- residual, deve ser administrada caso a injeção de HNF
tenha acontecido há minutos antes. O sulfato de prota- um único doador a cada vez a partir de coleta por pla-
mina deve ser injetado lentamente para minimizar os quetaférese, para redução do risco de aloimunização.
efeitos de bradicardia e hipotensão. Dose superior a 50
mg é raramente necessária. A superdosagem do sul-
fato de protamina também pode causar hemorragia. Referências
A determinação seriada do TTPA é necessária para
acompanhar a resposta ao tratamento.35 1. Furie B, Furie BC. The molecular basis of blood coagulation.
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ding%20disorders.pdf
ças funcionais das plaquetas, tais como TG, SBS, etc.
10. Antunes SV, Thomas S, Fujimoto DE, Vasconcelos RA, Oliveira M
Nestes casos, a transfusão deve ser indicada mediante
H C F, Daldegan MB, et al. Manual de tratamento das coagulopa-
hemorragias graves ou no preparo para cirurgias, uma tias hereditárias. Brasília: Ministério da Saúde; 2005.
vez que transfusões de repetição predispõem ao desen- 11. Mannucci PM. Hemophilia: treatment options in the twenty-first
volvimento de aloanticorpos. Previamente a cirurgias, a century. J Thromb Haemost. 2003;1:1349-50.
contagem de plaquetas deve ser superior a 50.000/mm3 12. Veiga MTA, Montalvão S, Rezende SM. Hemofilia Congênita e Ini-
na maioria dos casos e superior a 100.000/mm3 em caso bidor: manual de diagnóstico e tratamento de eventos hemorrá-
de neurocirurgia, cirurgia oftalmológica e cirurgias com gicos. Brasília: Ministério da Saúde; 2008.
alto risco de sangramento como, por exemplo, cirurgia 13. Villar A, Jimenez-Yuste V, Quintana M, Hernandez-Navarro F. The
de próstata. A transfusão é menos eficaz quando vem use of haemostatic drugs in haemophilia: desmopressin and an-
tifibrinolytic agents. Haemophilia. 2002; 8:189-93.
de sangramento secundário a uremia, insuficiência he-
pática e devido a drogas ainda presentes na circulação. 14. Castaman G, Federici AB, Rodeghiero F, Mannucci PM. von
Willebrand’s disease in the year 2003: towards the complete
Nos casos de produção diminuída (anemia aplástica,
identification of gene defects for correct diagnosis and treat-
leucemias, etc.), a contagem deve ser mantida acima de ment. Haematologica. 2003;88:94-108.
10.000-20.000 plaquetas/mm3. Para o paciente adulto de
15. Sadler JE. A Revised Classification of von Willebrand Disease.
70 kg, uma unidade de plaquetas eleva a contagem em Thromb Haemost. 1994; 71: 520-5.
cerca de 10.000/mm3. Em geral, transfunde-se 1 unidade 16. Federici AB, Castaman G, Mannucci PM. For The Italian Associa-
de plaqueta para cada 10 kg de peso (ou uma unidade tion of Hemophilia Centers. Guidelines for the diagnosis and
se as plaquetas forem coletadas por aférese). As plaque- management of von Willebrand disease In Italy. Haemophilia.
tas transfundidas sobrevivem 24-48 horas, na depen- 2002; 8:607-621.
dência da doença de base. Recomenda-se que se faça 17. Mazurier C, Rodeghiero F. Recommended abbreviations for von
a contagem de plaquetas 1-2 horas após transfusão para Willebrand factor and its activities: On behalf of the von Wille-
brand Factor Subcommittee of the Scientific and Standardiza-
verificar resposta. Para pacientes que demandam trans-
tion Committee of the International Society on Thrombosis and
fusão crônica, é ideal que se transfundam plaquetas de Haemostasis, 2001.
18. D’amico EA, Villaça PR, Rezende SM. Manual de Diagnóstico e 28. Torok TJ, Holman RC, Chorba TL. Increasing mortality from
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