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Abstract In the Brazilian society’s context of mea- Resumo As expressivas desigualdades da socie-
ger financial resources for health care, associated dade brasileira e o contexto de escassez de recur-
with structural features of fiscal federalism and sos financeiros para o setor da saúde, associados
with the current model of funding transfers for the às características estruturais do federalismo fiscal
Unified Health System’s (SUS), important inequi- e ao modelo predominante das transferências do
ties directly impact political negotiations and the SUS, influenciam a negociação política e implan-
deployment of federal financing alternatives which tação de alternativas de financiamento federal não
are not directly linked to the supply and produc- atreladas diretamente à oferta e produção de ações
tion of health care activities and services by states e serviços de saúde nos estados e municípios. Ob-
and municipalities. We observed that health poli- serva-se que a política de saúde, a partir da se-
cies, since the second half of the nineties, have de- gunda metade da década de 1990, vem desenvol-
veloped their own mechanisms that, in the above vendo mecanismos próprios que, neste contexto
mentioned context, tend to accommodate differ- específico, tendem a acomodar interesses diversos
ent interests and federative conflicts generated by e conflitos federativos gerados por fatores estrutu-
structural factors and by institutional rules. How- rais e pelas regras institucionais. Porém, a falta
ever, the absence of an integrated planning pro- de um planejamento integrado entre os critérios
gram between the criteria to establish resource re- que regem a redistribuição dos recursos para o fi-
distribution for financing the Unified Health Sys- nanciamento do Sistema Único de Saúde e o sis-
tem and the Brazilian Federation’s fiscal sharing tema de partilha tributário da federação brasilei-
system, end up reinforcing certain asymmetric ra acaba por reforçar determinados padrões de
patterns and generating new imbalances, making assimetria encontrados e gerar novos desequilí-
the compensation of inequities difficult in public brios, dificultando a compensação das desigual-
health spending at the sub-national domain. dades na capacidade de gasto público em saúde
Key words Fiscal federalism, Health financing, das esferas subnacionais.
1
Departamento de Health policy Palavras-chave Federalismo fiscal, Financia-
Administração e Planeja-
mento em Saúde, Escola mento da saúde, Política de saúde
Nacional de Saúde Pública
Sérgio Arouca, Fundação
Oswaldo Cruz. Rua
Leopoldo Bulhões 1480,
Manguinhos. 21041-210
Rio de Janeiro RJ.
luciana@ensp.fiocruz.br
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Lima, L. D.
mos de devolução dos impostos únicos arreca- O efeito esperado com a medida, de restrição
dados pela União -, que cuidava da cooperação à multiplicação municipal devido às regras de
intergovernamental no tocante à implementação rateio do FPM, se contrapõe à importante atua-
das políticas prioritárias para o desenvolvimen- ção destes fundos enquanto mecanismo para re-
to, não atendia ao preceito de maior autonomia, distribuição de recursos que reflita a evolução no
pois direcionava os recursos para determinados tempo das necessidades sociais e demandas por
setores da economia e restringia-se a despesas de políticas e serviços públicos. Como os critérios
capital. passam a ser estáticos, o mecanismo de correção
Em decorrência, cresce a parcela da receita dos desequilíbrios horizontais a favor de patama-
federal do Imposto de Renda (IR) e do IPI que res mais homogêneos de receitas e capacidades
compõem os Fundos de Participação. O cresci- de gasto entre estados e regiões fica comprometi-
mento é de tal monta que passa a absorver, a par- do. Apenas no que se refere à distribuição de re-
tir de 1993, quase a metade da arrecadação dos cursos nos municípios do interior do estado o sis-
principais tributos de competência da União: tema mantém alguma dinamicidade.
21,5% da receita líquida do IR e do IPI constitu-
em o FPE e 22,5% o FPM6. A “amputação da per- Efeitos do modelo de federalismo fiscal
na” da cooperação, atrelada à hipertrofia das sobre o financiamento do Sistema Único
transferências redistributivas e à atrofia de ou- de Saúde na década de 1990
tros incentivos fiscais ao desenvolvimento regio-
nal, comprometeram o equilíbrio do modelo de Muitas são as críticas formuladas pelos especia-
partilhas previsto em 19673. listas do federalismo fiscal sobre o sistema tribu-
Por outro lado, os critérios utilizados como tário vigente no Brasil. Enfatizaremos aqui as que
base para redistribuição dos recursos do FPE e julgamos fundamentais para compreensão das
FPM permanecem basicamente os mesmos de repercussões sobre o financiamento da política
1967. Em relação ao FPE, vigoram o tamanho da de saúde até o início dos anos 2000.
população e o inverso da renda per capita. Para o A primeira delas diz respeito aos conflitos ge-
FPM, o mecanismo de repartição dá direito a 10% rados entre o poder central e as instâncias sub-
dos recursos às capitais e, para os demais muni- nacionais de governo pela forma como se condu-
cípios, leva em consideração o porte populacio- ziu o processo de descentralização do sistema tri-
nal, privilegiando os menores com dotações que butário. Podemos afirmar que o sistema tributá-
se reduzem à medida que cresce o tamanho da rio brasileiro, pelas regras atuais, está entre um
população. dos mais descentralizados do mundo, tanto no
Em 1981, os critérios de distribuição do FPM que se refere ao poder de tributação como de gas-
são parcialmente remodelados. Do valor líquido to auferidos às instâncias subnacionais. Segundo
do FPM, 10% são distribuídos entre as capitais, dados produzidos em estudo sobre a partilha de
86,4% entre os demais municípios do interior e o recursos tributários no Brasil, o governo federal
restante de forma adicional para os municípios arrecadava em 2000 cerca de 67% do total das
do interior com mais de 156.216 habitantes. Se- receitas tributárias (Gráfico 1), transferindo cer-
gundo Prado4, esta mudança representa uma tí- ca de 35% de suas receitas para estados e, princi-
mida tentativa de lidar com o viés criado pelas palmente para os municípios, na forma de trans-
regras originais que favoreciam os pequenos ferências redistributivas livres ou setorialmente
municípios e colocavam em desvantagem locali- orientadas7.
dades com problemas metropolitanos. Embora a função de redistribuição de recur-
Outras modificações são estabelecidas pela sos seja um importante mecanismo para corre-
Lei Complementar (LC) 62/89 que define que ção dos desequilíbrios fiscais pelo poder central
85% dos recursos do FPE devem ir para os esta- em países heterogêneos como o Brasil, ressalta-
dos das regiões Norte (25,37%), Nordeste se que o processo de descentralização operado a
(52,46%) e Centro-Oeste (7,17%) e 15% para partir dos anos 80 não contou com uma descen-
os demais estados das regiões Sul (6,52%) e Su- tralização planejada de encargos. Por sua vez, o
deste (8,48%). No que se refere ao FPM, este modelo de Seguridade Social preconizado para o
passa a ser distribuído para os municípios do Brasil exige a coordenação do nível federal na
interior por um coeficiente fixo diferenciado por implementação de políticas que promovam o
estado. Para as capitais, um coeficiente indivi- desenvolvimento econômico e compensem as
dual orienta a distribuição dos 10% do FPM in- carências e dificuldades institucionais próprias
dependente de sua localização. das esferas subnacionais.
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submetidas às elevadas taxas de juros da política sistema; o sistema cota-parte estadual que inclui
econômica do governo; 3) contingenciamento os 25% do ICMS distribuídos segundo critérios
dos recursos da Seguridade Social e recentraliza- definidos em lei estadual e os 25% do FPEX e da
ção dos recursos disponíveis para as instâncias LC 87/96. Este subsistema corresponde à 9,4% do
subnacionais, através dos atrasos na liberação e total das transferências redistributivas.
criação dos Fundos Social de Emergência e de Podemos ainda agregar as transferências re-
Estabilização Fiscal e da Desvinculação de Recur- distributivas setoriais da União, ou seja, aquelas
sos da União (DRU). que se restringem a funções específicas e não atu-
Em que pese as considerações acima, os mu- am diretamente sobre a capacidade geral de gas-
nicípios foram beneficiados pelas mudanças ope- to do orçamento receptor, pois interferem ape-
radas. Sua capacidade de gasto foi ampliada nas nas na alocação de recursos públicos destinados
duas últimas décadas, enquanto os estados per- a dois dos principais setores de atuação do setor
manecem hoje com a mesma disponibilidade lí- público: a educação (as transferências do Fundo
quida de recursos que tinham há 20 anos. Nacional de Desenvolvimento do Ensino Funda-
Prado4 relata que os estados desempenham mental e Valorização do Magistério – Fundef) e a
uma importante função na arrecadação tributá- saúde (as transferências SUS). Enquanto o Fun-
ria nacional. A importância da arrecadação na def representa cerca de 30% dos recursos redis-
receita final dos estados também é significativa tributivos totais transferidos, o SUS representa
(cerca de 90% de sua receita final). No entanto, cerca de 20%.
os estados, assim como a União, arrecadam mais O sistema de partilha redistributivo no Brasil
do que ao fim do processo lhes resta como recei- reforça a função da União em detrimento dos es-
ta fiscal, já que transferem aos municípios uma tados na realocação dos recursos que tenham
grande parte da receita do ICMS. Das transferên- potencial para equalização fiscal. Mas a pergunta
cias totais cedidas pela União, a maior parte vai fundamental a ser feita é se ele, tal como está es-
para os municípios na forma do FPM. Neste ce- truturado, possibilita a equalização horizontal da
nário, não é de se surpreender que os estados te- capacidade orçamentária de gasto entre as esfe-
nham lançado mão de seu poder de gestão sobre ras subnacionais.
as principais variáveis do ICMS para atrair no- A primeira conclusão que tiramos do estudo
vos investimentos na tentativa malfadada de au- conduzido por Prado4 é que existem determina-
mentar suas receitas. das regras que limitam a transferência de recur-
Apesar da importância do ICMS, a dependên- sos redistributivos aos estados. É o que o autor
cia dos municípios em relação ao governo federal denomina de “redistribuições internas”. Neste
é maior. De sua receita final, 80% dos recursos são subtipo, enquadram-se o sistema cota-parte es-
derivados de transferências e, dessas, 50% se ori- tadual e uma parte dos recursos do Fundef (Fun-
ginam da União4. Isso leva a uma grande fragili- def estadual interno). Estes recursos têm possibi-
dade das conexões administrativas e orçamentá- lidades de cumprir funções realocativas apenas
rias existentes entre os municípios e os estados. O entre os municípios que compõem um dado es-
padrão que predomina privilegia as articulações tado, não podendo atuar na redução das desigual-
entre o governo central e cada um dos governos dades interestaduais ou interregionais.
municipais, o que dificulta a integração de políti- As evidências indicam que o FPE tende a ser
cas e a formação de redes de serviços. mais redistributivo que o FPM no plano interre-
Por último, cabe refletir sobre os resultados gional, proporcionando ganhos substantivos de
atrelados às transferências redistributivas. Estes receita nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste
fluxos não guardam relação com a base econô- em detrimento das regiões Sudeste e Sul do país.
mica local e permitem reduzir desigualdades na Entretanto, a redistribuição do FPE não é sufici-
capacidade de gasto através da realocação de re- ente para homogeneizar a capacidade de gasto re-
cursos entre as esferas subnacionais. Segundo lativa entre estados situados na mesma região do
Prado4, cerca de 68% do volume total de transfe- país. Observam-se importantes disparidades na
rências intergovernamentais verificados no siste- receita final per capita (resultado da arrecadação
ma brasileiro se encaixam nesta categoria. Entre e do sistema de partilha como um todo) que não
eles, temos aqueles considerados fluxos redistri- se justifica facilmente por variações na renda ou
butivos clássicos, que podem ser utilizados na no nível de desenvolvimento entre os estados.
forma livre de gasto pelas esferas subnacionais: No plano dos municípios, a referida pesquisa
os Fundos de Participação, que representam cer- também demonstra que as disparidades encon-
ca de 41% do total de recursos redistributivos do tradas na receita final per capita entre as capitais
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as transferências para os municípios nesta mo- de Saúde e Fundo de Saúde - e nas portarias mi-
dalidade são estabelecidas através da Programa- nisteriais específicas – habilitação nas condições
ção Pactuada e Integrada (PPI), que permite a de gestão previstas nas NO, certificação nos pro-
explicitação da parcela de recursos recebida para gramas de atenção básica, cumprimento dos re-
fins de atendimento de pacientes provenientes de quisitos para o recebimento dos recursos, infor-
outros municípios do estado. mação da produção. Apesar dos dispositivos le-
3. critérios diversos: a) relativos ao financia- gais e normativos do SUS darem uma certa ga-
mento do conjunto de ações e serviços de especi- rantia aos fluxos financeiros, admite-se que to-
alizados e de alta complexidade nos estados ha- das as formas descritas podem ser interrompidas
bilitados na condição de gestão mais avançada na e seus montantes substantivamente alterados, na
NO vigente; b) destinados ao financiamento dos medida que estão sujeitas a uma série de variá-
programas específicos da atenção básica (Piso de veis tais como as revisões periódicas dos tetos fi-
Atenção Básica variável – PAB variável) como, por nanceiros e as alterações freqüentes das portarias
exemplo, o programa de saúde da família, o pro- ministeriais.
grama de agentes comunitários de saúde, a far- É por isso que alguns estudiosos do financia-
mácia básica e os incentivos para implantação de mento da política de saúde no Brasil, mesmo re-
ações de epidemiologia e controle de doenças e conhecendo avanços na automaticidade do siste-
combate à carência nutricional; c) destinados ao ma com os mecanismos de transferência “fundo a
financiamento de ações de média e alta comple- fundo” não sujeitos à informação prévia da pro-
xidade em vigilância sanitária (associação de cri- dução, denunciam seu caráter voluntário, depen-
térios per capita, conjugados a incentivos propor- dente e “tutelado” à esfera federal12,13. Pesquisas
cionais ao volume de arrecadação de taxas de fis- conduzidas sobre as finanças públicas municipais
calização); d) relacionados ao Fundo de Ações também classificam as transferências SUS como
Estratégicas e Compensação (FAEC) e voltados “transferências negociadas”, em conseqüência da
para grupos prioritários e ampliação do acesso a especificidade do processo decisório e da regula-
determinadas ações e serviços; e) associados a mentação que informa o repasse desses recursos14.
formas de remuneração específica de determina- Ressalta-se que o repasse de recursos da União
dos tipos de prestadores (entre eles o mecanismo por contra-prestação de serviços na rede pública
de remuneração diferenciada de hospitais univer- e privada credenciada ao SUS até o limite fixado
sitários – o Fator de Incentivo ao Desenvolvimen- nos tetos financeiros municipais e estaduais vi-
to de Ensino e Pesquisa (FIDEPS)- que serve gorou como forma predominante até o final de
como um instrumento de compensação financei- 1998. Somente em 1999, a remuneração direta ao
ra a unidades que atuam com custos hospitalares prestador passa a representar menos de 50% do
diferenciados); f) relacionados a outros progra- total de recursos da União direcionados para o
mas específicos, entre eles, o programa para aqui- custeio da assistência, passando a 3,9% no pri-
sição de medicamentos excepcionais e medica- meiro semestre de 2004, devido à habilitação pro-
mentos para saúde mental. gressiva de municípios e estados nas condições
Os diferentes tipos de transferência federal de gestão previstas nas NO e aos mecanismos de
estão sujeitos às regras previstas na legislação da transferência “fundo a fundo” a elas atrelados
saúde – existência de Conselho de Saúde, Plano (Tabela 1).
Tabela 1
Participação percentual dos recursos federais do SUS para as ações e serviços de saúde segundo grupos de
despesa, Brasil - 1998 a junho de 2004.
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