Escolar Documentos
Profissional Documentos
Cultura Documentos
1 Departamento de Ciências Abstract This paper analyzes responses by welfare states to globalization in some OECD coun-
Sociais, Escola Nacional
tries in the 1980s and 90s, demonstrating that the hypothesis concerning the dismantling of so-
de Saúde Pública,
Fundação Oswaldo Cruz. cial welfare systems cannot be proven due to lack of evidence of substantial changes in the fund-
Rua Leopoldo Bulhões 1480, ing and selection of beneficiaries. The paper also focuses on the effects of internationalization of
Rio de Janeiro, RJ
the Brazilian economy on the country’s social protection system. The conclusion is that restric-
21041-210, Brasil.
nilson@ensp.fiocruz.br tions imposed on public expenditures severely limited the capacity to promote broad coverage in
social policies. During the decade the option was made for targeted, selective social policies
based on the adoption of a diagnosis of low effectiveness in the Brazilian social protection sys-
tem. The case of health policy was an exception, due to capacity for interest mediation in the so-
cial arena.
Key words Public Policy; Health Policy; Globalization
Resumo O objetivo do texto é fazer um balanço das respostas dos Estados de bem-estar social às
mudanças provocadas pelo globalização nas décadas de 1980-1990. O texto mostra que a hipóte-
se sobre o desmantelamento dos sistemas de bem-estar social não pode ser comprovada por falta
de evidências de mudanças substanciais nos mecanismos de financiamento e eleição de benefi-
ciários. O texto focaliza também os efeitos do processo de internacionalização da economia bra-
sileira sobre o sistema de proteção social do país. Conclui que as restrições impostas aos gastos
públicos limitou severamente a capacidade em promover políticas sociais abrangentes. Verifi-
cou-se na década, a opção por políticas sociais focalizadas e seletivas pela adoção do diagnósti-
co da baixa efetividade do sistema de proteção social brasileiro. O caso da política de saúde foi
uma exceção em razão da capacidade de intermediação de interesses na arena setorial.
Palavras-chave Política Social; Política de Saúde; Globalização
público não financeiro, exclusivamente asse- nova pauta de política macroeconômica. Essa
gurado por superávit primário do conjunto do reorientação da política de desenvolvimento
setor público. Com isso, o país obteve entre aumentou a vulnerabilidade externa da econo-
1994 e 2002, um expressivo êxito na estabiliza- mia nacional, como mostra a evolução expres-
ção dos gastos públicos para efeito de legitima- siva da dívida pública líquida do país entre
ção da economia brasileira no contexto da glo- 1994 e 2002 ( Tabela 5), mesmo considerando
balização financeira (Tabela 4). as receitas extraordinárias advindas do aumen-
Esse novo contrato estabeleceria os limites to da carga fiscal e das privatizações.
para as despesas sociais na década, e afetou Ao longo da década de 1990, essa agenda
duramente a capacidade de interferência dos será hegemônica na formulação das políticas
arranjos institucionais da década de 1980 na nacionais e na decisão governamental para as
dinâmica dos programas sociais. O caso da po- áreas sociais de menor poder de mobilização
lítica de saneamento pode ser tomado como de interesses e formulação de política, como o
um caso exemplar das conseqüências práticas saneamento, a habitação e a educação.
desse constrangimento (Costa, 1995). Como o modelo de desenvolvimento orien-
Os grandes temas que dominaram a agen- tado para dentro não conseguiu oferecer as res-
da da política pública a partir de então, seriam postas imediatas para o alívio da dívida social,
o incentivo à centralização e insulamento das como prometido no contexto da abertura de-
políticas macroeconômicas, em especial da po- mocrática de meados de 1980, a nova agenda
lítica monetária, pela autonomia do Banco Cen- de política pública introduzirá um vasto núme-
tral em relação ao Executivo e ao Legislativo; o ro de inovações organizacionais no setor social.
controle das despesas não financeiras do go- Pode-se afirmar que esse novo cenário não
verno federal; a reforma administrativa do go- permitiu encaminhamento de soluções abran-
verno federal e governos subnacionais; a priva- gentes para as políticas sociais, em razão dos
tização das atividades de prestação de serviços pressupostos aceitos para a integração da eco-
públicos; a liberação do comércio externo e ou- nomia brasileira na globalização. Esses pressu-
tras reformas orientadas para a abertura do postos levaram negação da agenda universalis-
mercado interno; e a adoção de políticas foca- ta em determinadas áreas sociais, a focalização
lizadas e de proteção seletiva aos grupos mais de programas e o constrangimento ao financia-
vulneráveis aos processos de ajuste no modelo mento social.
de desenvolvimento. O documento do governo federal para a
A agenda de integração intencional à dinâ- área social Uma Estratégia para o Desenvolvi-
mica da globalização será extremamente bem mento Social (Presidência da República, 1996),
sucedida na criação de coalizões majoritárias ao enunciar que “o padrão de crescimento de
cosmopolitas para a implementação de uma industrialização protegida, conduzido pelo Es-
Tabela 4 Tabela 5
Desempenho primário (evolução das receitas e despesas Evolução da dívida pública líquida em relação
não-financeiras do setor público brasileiro – federal, ao PIB. Brasil, 1994-2002.
estadual e municipal – em % do PIB). Brasil, 1994-2003.
Ano Dívida pública líquida
Ano Desempenho primário em % do PIB
Tabela 6
Tabela 7
PIB total (em R$ milhões correntes) 14.097 349.205 646.192 778.820 868.159 901.898
Gasto social federal (em R$ 1.698 42.530 80.259 92.290 105.681 114.533
milhões correntes)
Participações relativas (%) gasto 12,0 12,2 12,4 11,8 12,2 12,7
social federal/PIB
absolutos dos gastos sociais em áreas críticas, Em resumo, a primeira parte do texto apre-
como assistência social e educação (Tabela 8); senta os argumentos que negam a hipótese do
(iii) pela oscilação na disponibilidade financei- desmantelamento dos sistemas de bem-estar
ra líquida em áreas estratégicas para o bem-es- social das economias centrais por falta de evi-
tar social, como no caso da saúde, mostrado dências de mudanças substanciais nos meca-
por Piola & Biasoto (2001). nismos de financiamento e eleição de benefi-
As políticas públicas sociais foram conside- ciários.
radas na década de 1990, um obstáculo à aber- Na segunda parte, o texto problematiza so-
tura comercial e financeira do país a ser rees- bre os efeitos do processo de internacionaliza-
truturado por meio de políticas focalizadas e ção da economia brasileira no sistema de pro-
seletivas. Os constrangimentos financeiros que teção social do país. Conclui que as restrições
estabilizaram os gastos em patamar crítico, em impostas aos gastos públicos podem ter limita-
alguns setores chaves, decorreram da aceitação do severamente a capacidade de promover po-
equivocada da atuação regressiva e da baixa efe- líticas sociais abrangentes. Verificou-se na dé-
tividade do sistema de proteção social construí- cada, a opção por políticas sociais focalizadas
do nas décadas passadas. Em decorrência des- e seletivas pela adoção do diagnóstico da baixa
se diagnóstico, a estabilização macroeconômi- efetividade do sistema de proteção social bra-
ca afetaria severamente alguns setores, como o sileiro. O caso da política de saúde foi uma ex-
saneamento e a habitação, onde é verificável ceção em razão da capacidade de intermedia-
evidências de focalização dos programas so- ção de interesses na arena setorial.
ciais na experiência brasileira dos anos 1990. Nas economias centrais, uma coalizão de
Nos setores de política social, onde coali- partidos social-democratas, burocracia públi-
zões de interesses tiveram capacidade de mo- ca e beneficiários enfrentou com sucesso as
bilização e de acomodação de interesses, como mudanças brutais na economia globalizada e
foi o caso da saúde, lembrado por Draibe (2002), na capacidade política do “trabalho organiza-
a governança setorial teve sucesso na estabili- do”, neutralizando os ataques conservadores às
zação dos gastos públicos federais, sem alterar políticas públicas de natureza redistributiva e
os fundamentos da proposta da universaliza- às funções do Estado nacional.
ção pela descentralização. Nesse caso, a uni- A grande interrogação para o caso brasilei-
versalização parecer ter sido mais efetiva em ro é saber quais são as possibilidades de fazer
assegurar o acesso dos grupos mais pobres aos esse mesmo caminho, considerando o elevado
benefícios da política de saúde, ainda que man- grau de vulnerabilidade da economia brasilei-
tendo padrões muito elevados de desigualdade ra, aprofundada na década de 1990 pela aceita-
entre os estratos renda (IBGE, 2000). ção do diagnóstico da crise do Estado nacional,
Tabela 8
Gasto social federal per capita por área de atuação (valores em Reais de dezembro/1999).
Referências
CLAYTON, R. & PONTUSSON, J., 2000. Welfare state IBGE (Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Es-
retrenchment revisited. In: The Welfare State: A tatística), 2000. Acesso e Utilização de Serviços de
Reader (C. Pierson & F. G. Castles, ed.), pp. 320- Saúde 1998. Rio de Janeiro: IBGE.
336, Cambridge: Blackwell Publishers. PIERSON, P., 1995. Dismantling the Welfare State?
COSTA, N. R., 1998. Políticas Públicas, Justiça Distrib- Reagan, Thatcher and the Politics of Retrench-
utiva e Inovação: Saúde e Saneamento na Agenda ment. Cambridge: Cambridge University Press.
Social. São Paulo: Editora Hucitec. PIERSON, P., 2000. The new politics of welfare state.
DRAIBE, S., 2002. Brasil – A proteção social após vinte In: The Welfare State: A Reader (C. Pierson & F. G.
anos de experimentação reformista. In: Taller In- Castles, ed.), pp. 300-319, Cambridge: Blackwell
ter-Regional Protección Social en una Era Insegu- Publishers.
ra: Un Intercambio Sur-Sur sobre Políticas So- PIOLA, S. F. & BIASOTO. G., 2001. Financiamento do
ciales Alternativas en Respuesta a la Globaliza- SUS nos anos 90. In: Brasil – Radiografia da Saú-
ción. Santiago: Programa de las Naciones Unidas de (B. Negri & G. Giovanni, org.), pp. 219-232, São
para el Desarrollo. Paulo: Editora Unicamp.
ESPING-ANDERSEN, G., 1997. Welfare States in Tran- PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA, 1996. Uma Estratégia
sition – National Adaptations in Global Economies. de Desenvolvimento Social. Brasília: Governo Fe-
London: Sage Publications. deral.
HAGGARD, S. & KAUFMAN, R. R., 1992. The Politics of
Economic Adjustment. New Jersey: Princeton Uni- Recebido em 15 de maio de 2002
versity Press. Versão final reapresentada em 16 de outubro de 2002
Aprovado em 21 de outubro de 2002