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Quando se fala sobre a Semiótica, sabe-se muito bem que dizer de uma vez que ela
não possui sentido ou que não obedece a qualquer lógica é dar prova de apatia
intelectual. Por um lado, isto me proíbe de tomar qualquer tipo de neutralidade
que seja nesta série de questões que apresentei a Jacques Fontanille; por outro
lado, isto me obriga prontamente a tornar mais claro o projeto inicial destas
conversações: Neste diálogo tive por fim clarificar algumas zonas sombrias no
passado recente da Semiótica, interrogando o percurso daquele que é sem dúvida
alguma um dos adeptos mais combativos deste verdadeiro projeto ético (para
utilizar uma expressão que lhe é muito cara).
Durante quinze dias trocamos mensagens que mostam o gosto da pesquisa pela
disciplina à qual está engajado após 35 anos. Fontanille mostra nesta entrevista
que para um semiólogo não existe questão hostli, e sobretudo, não há absolutamete
questionamentos hostis. Last but not least, possuído por um reconhecimento que
não é de todo retórico, gostaria de agradecer a Jacques Fontanille por ter
gentilmente aceito esta série de conversas e ter freqüente e discretamente
corrigido meu texto. Limoges, Junho-Agosto 2006.
Os Anos de Formação
Neste momento, se não for incômodo, gostaria que o Sr. falasse sobre as origens
de sua formação junto à Universidade. O Sr. é natural de Limoges, aliás um dos
raros que conheço …
Já te disse o essencial sobre minha formação. Quando escolhi o caminho das letras,
decepcionei e contrariei todos meus profesores de física e matemática. Não sei
porquê fiz esta escolha, mas assim o fiz. Neste período universitário, retive duas
coisas que me marcaram. Entrei no ensino superior em 1968-69, no belo meio das
revoltas estudantis, em um momento histórico onde se criaram novas universidades,
e isto deixa seus traços: Acredito que nesta época todos juntos aprendemos sobre
reflexão política, contestação das disciplinas tradicionais, necessidade de uma
pesquisa de ponta para uma renovação no ensino e o gosto pela provocação, e também
a qualidade de não permanecer em silêncio. A seguir aprendi não só a ler, mas a me
desgostar definitivamente da retórica vã dos exercícios acadêmicos: Eu mesmo
realizei experiências com meus professores sem eles saberem: Com cada um deles eu
fazia a «a dissertação do bom aluno», com a boa retórica padrão, e na vez seguinte
fazia um estudo estrutural, ou toda sorte de coisas que não respeitavam a retórica
acadêmica. A diferença entre minhas notas era estupefante: De 5 a 18 sobre vinte,
mas sempre sobre o mesmo sentido, segundo os professores; evidentemente, era sua
própria concepção de análise literária que eles levavam em consideração ! Mas
parei com os testes para poder passar nos exames e concursos sem risco !
O Sr. Não tinha mais que 19 anos em Maio de 68... Entrei no ensino superior !
Passei muito tempo nas manifestações de rua. E quando cheguei a passar nos
exames... De sua análises, sabe-se bem que o Sr. Tem predileção por Aragão,
Apolinério, Eluard, Gide e Proust... O Sr. Ama os modernos, é sabido, mas me
parece que o Sr. não aprecia muito o experimentalismo de seus contemporâneos, como
Quinceau ou Perec, por exemplo. Penso que minha formação não é para qualquer
coisa, e quando alguém se esforça em possuir uma distância crítica sobre sua
própria formação, não se pode ter tal exigência sob todos os planos, senão
corremos o risco de nos marginalizarmos. Em efeito, minha formação estava
orientada para os programas de formação ao ensino, e «os meus» autores são aqueles
que também são propostos aos alunos nos liceus. Mas acha-se que me prendi também a
este prazer, e que existe entre estes autores a busca pela análise. Vim a
descobrir Queneau e Perec mais tarde, mas sem entusiasmo. E seu amor por Proust ?
Ele data do início de seus estudos universitários ?
Proust já é uma outra história: Comecei a ler Em Busca do Tempo Perdido nos anos
1970 e não o parei de fazê-lo durante vinte anos. Devo dizer que jamais cheguei a
ler o conjunto da obra em seqüência, e se já li e reli a obra na íntegra várias
vezes, é porque tenho-na tratado como um hipertexto: Ao navegar para frente e para
trás, saltando passagens e retomando-as à saciedade. Proust é para mim como a
resistencia do texto, um texto que me escapa sem cessar. Este é o princípio da
Semiótica, que é para mim a princípio um método que deveria funcionar mais e
melhor que a leitura intuitiva, e Proust resistia à leitura intuitiva. Perec, por
exemplo, não mais resiste, e a mecânica não é mais mesmo dissimulada sobre o capô
do motor. Proust, para mim, é um multiforme laboratório permanente. É uma
banalidade falar assim, mas não conheço uma obra que seja assim tão próxima de um
laboratório semiótico. E um ponto onde a ficção parece um ensaio filosófico,
psicológico e semiótico.
Sim, nós éramos dois «cadetes» no grupo, chegados no mesmo ano no seminário de
Greimas, Denis Bertrand e eu. Ouso dizer que nunca mais nos separamos. Levou-nos
um pouco de tempo para nos fazermos aceitar pelos mais antigos, justamente o tempo
de aprender um pouco de semiótica. Explico a todos meus alunos que se amedrontam
com a dificuldade quando chegam ao seminário de Greimas que fui sacudido por
quatro coisas de desigual importância: (i) a densidade da fumaça de cigarro que
nos levava à apnéia após duas horas; (ii) a voz de Greimas hesitante e tão
estranha de Greimas ao falar em público; (iii) o tamanho da turma, que
transbordava os limites da sala até o meio das escadas; (iv) o fato de que a
metade dos participantes do seminário não compreeendiam mais que 30% daquilo que
se dizia. Precisei de seis meses de leituras obstinadas para começar a compreender
o que se falava em tais seminários. Mas o esforço valeu a pena.
O Sr. era um cadete, mas, por conta, estava engajado ao projeto Greimassiano como
poucos entre eles...
No final dos anos 80 a semiótica estava a ponto de conhecer uma revolução. Quais
são suas lembranças desta época ?
O fim dos anos 80, uma vez posta a teoria das modalidades, que fazia a transição
entre a semiótica histórica e a do discurso, é então o momento do seminário sobre
as paixões, a curva «sensível» das pesquisas semióticas, a ascenção poderosa das
abordagens fenomelógicas; é o momento onde nasceu a semiótica que se faz hoje em
dia. Mas é também a época da «guerra dos paradigmas» e do «combate pela sucessão»,
os dois andando em pares: A teoria das catátrofes (Petitot), a semiótica
subjacente (Fabbri, Landowsky)... E um monte de pretendentes à sucessão de
Greimas. De fato, Greimas ensaiou preparar esta sucessão, organizando melhor o
grupo de pesquisadores que reuniu, se esforçando em criar uma solidariedade e
novos hábitos de trabalho, e suscitando trabalhos e projetos que deveriam se
desenvolver sem sua presença. Mas como todo grande mestre a pensar, ele não chegou
a concluir sua sucessão, e ela se regrou de maneira totalmente solitária, uma vez
que ele cessou de se ocupar com ela; ousaria dizer que pela força das
circunstâncias, e infelizmente após sua morte. Ela se realizou de maneira
completamente solitária, no ponto em que aqueles que o queriam suceder para
desenvolver seus próprios projetos pessoais continuaram a desenvolvê-los se
marginalizando mais e mais, ou deixando o domínio semiótico, e aqueles que tinham
por sua vez a energia e a obsessão pelo interesse coletivo da disciplina geraram a
«sucessão» sem tê-la sido pedida.
Ao longo dos últimos anos da vida de Greimas, fiquei um pouco afastado das
querelas e das agitações, por vez que já estava a ponto de me instalar junto à
Universidade de Limoges, cujo curso tinha completado, e também porque não me
sentia envolvido no «embate dos chefs».
Foi neste momento que Greimas me propôs fazer com ele (ou melhor, «para ele»
certas insinuações «contra ele»), o livro sobre as paixões, e foi neste momento
que as coisas mudaram de dimensão para mim. Mas deve-se precisar que ao fazer o
livro sobre as paixões, da maneira como você o conhece, eu mesmo estava a ponto de
crer, sem o ver claramente, e paralelamente a Claude Zilberberg, um «paradigma»,
aquilo que se tornará a «semiótica tensiva» (da qual não tinha a mínima
perspectiva na época). Aquilo terá alguma conseqüência sobre a vida do grupo
fundado por Greimas.
Greimas faleceu em Fevereiro de 1992... Naquele momento, qual era o papel dele no
Seminário, era sempre presente até falecer ? Quem entre seus colaboradores pegou a
direção do Seminário ?
Nos últimos anos Greimas ensaiava preparar sua sucessão: De um lado havia os que
evocavam a batalha pelos paradigmas do futuro e de outro o seminário, um artefato
coletivo insubstituível, um dos únicos seminários criados na época do
estruturalismo que ainda estava ativo (e que sempre estava em funcionamento !).
Ele repartiu as tarefas, e fiquei encarregado de organizar este seminário,
realizar os convites, calendário, e ele vinha e dirigia os encontros; depois vinha
de maneira irregular, e mais ainda, quando sua doença se agravou.
Nesta época eu era o único de seus antigos alunos que estava «neutro» na guerra
dos paradigmas, e integrado de maneira durável na universidade com um posto de
mestre de conferências e depois de Professor. Ele me pediu para realizar a
publicação de Atos Semióticos em Limoges, o que fiz, e de «gerar o acidental» (o
seminário, a vida coletiva do grupo, etc). Enquanto estava morto, eu agi como se
ele estivesse sempre lá, salvo que neste momento era eu quem escolhia os temas do
seminário, definia os futuros da disciplina,
pensava a estratégia e trabalhava pela institucionalização da semiótica. E a
«petite bande» dos fiéis estava lá, e depois desta época nos encontramos, após
quinze anos: Denis Bertrand, Claude Zilberberg, e mais tarde Jean-Francois
Bordron. Eric Landowsky percorreu distâncias (milhares de quilômetros !). Jean-
Marie Floch participaria, e sem dúvida também se sentiu tentado em encobrir as
distâncias, mas era muito ocupado com seu trabalho. Anne Hénault residia no
Canadá, e também participou à distância. Joseph Courtés estava «em retiro nas
suas terras» em Toulouse, infelizmente por razões pessoais preocupantes, e que
afetou muito toda a comunidade semióloga. Jean Petitot e Jean-Claude Coquet tinham
seu próprio seminário, e sobretudo suas perspectivas teóricas próprias:
Frequentemente participavam do seminário intersemiótico, mas como conferencistas
convidados. Devo também lembrar que logo após a morte de Greimas, foi graças a
Jean Petitot que o seminário intersemiótico pôde ser inscrito na EHESS. Em seguida
tornou-se meu seminário no Instituto Universitário da França, e ainda permanece em
seus programas. Para muitos dos antigos alunos de Greimas, conviver com a tristeza
era difícil. A própria idéia de que o seminário e a pesquisa coletiva deviam
continuar não era compartilhada por todos; para alguns, a mínima responsabilidade
assumida por um de nós já era um prêmio de poder ameaçador; para outros, a mínima
publicação ou republicação das obras de Greimas tornava-se uma dissertação de
mestrado ou do ego, dependendo do caso. De minha parte, não me coloquei qualquer
questão supérflua: Greimas não me confiou sua sucessão, mas a tarefa de me ocupar
do seminário, das publicações e do vir-a-ser de uma parte de seus membros que não
tinham formação universitária, e o fiz.
Para escrever em conjunto com alguém, não basta apenas compartilhar uma mesma
visão do que quer que seja, mas deve-se também, sobretudo, realizar os remendos,
as pequenas concessões ...
Sim, bem mais que «pequenas concessões», pois se compartilhamos o mesmo objetivo,
Greimas e eu, temos também a evidência das diferentes concepções sobre o modo de
abordagem. Este mesmo objetivo é o de explorar o embasamento teórico de vários
anos de trabalho coletivo sobre as paixões. Mas a concepção de Greimas consistia
em afirmar a
«continuidade»; minha concepção sustentava a «ruptura», ponto de onde surge a
idéia de “tensão” neste livro: Entre a evocação do «acidental» e a promoção da
perspectiva tensiva. Devo precisar que, paralelamente, Greimas escrevia Da
Imperfeição [1987], em um diálogo permanente com Tereza Keane-Greimas, e que sua
«ruptura» pessoal era mais estética que tensiva. Ele me confiou um dia,
comentando o sub-título de Semiótica das Paixões, em «Dos Estados da Coisas aos
Estados da Alma», que neste livro, tínhamos «deixado faltar os estados da alma». E
assumo isso com prazer, mas os «Estados da Alma» era seu projeto, não meu.
Seus « autores prediletos » estão lá, todos ao longo da Semiótica das Paixões...
Um homem se define também pelos textos aos quais retorna sempre. Esta é uma das
virtudes da pesquisa semiótica: Pode-se retornar durante dez anos sobre os mesmos
textos, e encontrar a cada nova vez coisas diferentes. Esta é a razão pela qual
eu decidi alguns anos mais tarde conceber Semiótica e Literatura [1999]: A maioria
dos textos que estudei neste livro me serviram durante uma dezena de anos. E
publicar o livro foi uma maneira de parar um processo infinito: Terminar, para
poder passar para outra coisa.
O Sr. Poderia falar um pouco sobre O Saber Compartilhado (1987) e de sua saída
«natural» e, Os Espaços Intersubjetivos (1989). São duas obras de fôlego
publicadas apenas dois anos uma após a outra...
Já te expliquei que Greimas me fez parar na redação de minha tese, pois tinha
chegado a oitocentas páginas bem concentradas. Aceitável, certamente, mas não
publicável, e por várias razões: Pra já em razão do tamanho, em seguida pela
dificuldade técnica do material exposto, e também pelo fato de ter me prendido a
certas passagns de risco excessivas e inúteis, e enfin porquê elas comportavam
várias problemáticas encadeadas que mereceriam ser extraídas e publicadas
separadamente. Então recompuz todo o texto novamente, suprimi as partes mais
fracas e dividi em dois conjuntos o que restou, e tudo reescrito em um ano, para
produzir dois livros sistemáticos, coerentes e utilizáveis. E o fiz muito bem,
pois o devir de um e de outro diferem em tudo: O Saber Compartilhado, que era meu
jardin secreto (por causa de Proust, da teoria do saber e da dimensão cognitiva)
foi muito pouco lido, pouco citado e rápidamente esquecido (o material da edição
não é grande coisa, mas isso não explica tudo); Os Espaços Subjetivos, que era
mais metodológico, mais aplicado, mais «comercial» porém menos essencial a meus
olhos, foi lido frequentemente, citado milhares de vezes, utilizado em dezenas de
teses e ainda hoje funciona. Devo reconhecer contudo que a primeiro foi menos bem
recebida que o segunda, e que isso testemunha uma maneira de fazer da semiótica
que não seria mais esta em nossos dias, e que isso explica sem dúvida tudo aquilo.
Suas obras nop âmbito da dimensão cognitiva serviram para «firmar o ponto» sobre a
questão do sujeito conhecedor em semiótica: Ao postular a importância da percepção
e da «Sensibilidade» do sujeito – Muito bem, o Sr. não foi o único a faze-lo – O
Sr. finalmente chegou a construir um sujeito de múltiplas facetas. Na época, a
empreitada de «Semiótica da Paixões» é um ponto culminante, um elogio ao sujeito,
de alguma forma ?
Não estou certo de ter feito um elogio sobre o «sujeito». Pra já porquê a
semiótica das paixões foca seu interesse no «atuante», e não necessáriamente no
«sujeito»; em seguida, porque Coquet mostrou muito bem, sobretudo, que o atuante
não pode ser um «sujeito» se não sob certas condições meta-modais, e também que o
estado passional do atuante não é a melhor situação para se fazer um «sujeito».
Além disso eu sempre me vi interessado no atuante; até para além disso, ou seja: A
semiótica do observador até alcançando o corpo; e neste percurso a «subjetividade»
(bem mais que o «sujeito») tornou-se para mim um dos «efeitos» possiveis, um
efeito da estrutura do actante. A este respeito, sempre fui fascinado por suas
conversões e sua reversibilidade: O jogo das facetas e combinações modais e
passionais permite passar em efeito do «objeto» ao «sujeito», entre outros, com
vários estados intermediários. Ao se reportar por exemplo à maneira como a teoria
das catátrofes trata de relações actantes, graças à modificação das energias nas
«fontes de potencial», percebe-se que a distinção entre sujeito e objeto é
estritamente relativa ao estado destes potenciais, e não a uma pré-determinação
independente.
A multiplicação dos patamares, dos níveis de pertinência, nos mostrou bem quanto
que o sujeito pode ser «esquizofrênico», separado, fragmentado, apesar da ordem
essencial que possui... Apesar de seus corpos ?
Ao se reportar a Da Imperfeição, constata-se que a desexteriorização (déhiscence),
a separação, o dissecamento, etc., são as condições elementares da emergência de
senso. Em Semiótica das Paixões é a «flutuação» que representa este papel, com sua
parte de negação, que pára o fluxo, provoca uma delimitação e uma extração, etc.
Então, a fortiori, se o acuante possui um corpo, este corpo não se torna
significante se ele também não for conhecedor de tais desexteriorizações, de tais
recuos. Não sei se se trata de esquizofrenia; acredito que a «separação»
esquizofrenica é justamente aquela em que jamais se chega a reparar-se. Ou que a
separação semiótica elementar como demanda de senso é bem exatamente o que vem
reparar a negação original. Então um atuante separado e «reparado» é simplesmente
um atuante carregado de sentido !
O Sr. sempre cultivou o gosto pela transdisciplinaridade. Depois de sua tese
d’Etat – onde o espírito transdisciplinar foi bem reparado por J.-L. Excousseau
(1984) – em Soma et Séma (2004), o Sr. não parou de fazer alusões mais ou menos
explícitas ao cognitivismo, à psicanálise...
O gosto pela transdisciplinaridade é sem dúvida já aquele representado pelo risco
intelectual. Mas também é o signo de uma impaciência: Afirma-se de um lado que as
hipóteses e os modelos da semiótica têm uma pertinência transversal, na medida em
que a significação é uma propriedade comum ao conjunto dos fatos humanos, e dizem
também que as exigências da cientificidade impõem a cada pesquisa particular de
fundarem-se em um campo estritamente definido; espera-se então um crescimento dos
resultados disciplinares, que não vêm nunca. Então, quando se é suficientemente
impaciente e imprudente, sentimo-nos tentados a tentar operar tal travessia
sózinho. Mas a empreitada é de envergadura, pois a semiótica não é apenas uma
disciplina entre as outras: Ela não poderia existir atualmente sem as outras
disciplinas, que tratam da «substância» do conteúdo e/ou da expressão; em seguida,
ela trata da «forma», o que significa dizer o que se passa quando temos reunidos
os dois planos de uma semiótica-objeto. Há então as regras ou regularidades a
estudar, que são não sómente transversais par rapport aos resultados de outras
disciplinas, mas por outro lado, afirmam a aplicação ulterior par rapport a seus
resultados. Já escrevi que a semiótica era uma «trans-disciplina de aval»: Os
fenômenos são heterogêneos; várias disciplinas devem se equiparar, mas a resolução
desta heterogeneidade, graças à semiosis, não se separa destas disciplinas, mas
rebusca à semiótica, que constrói a «signicação» de tais fenômenos.
No que concerne à psicanálise, um de seus primeiros artigos científicos tratava
justamente sobre um texto de Freud2 e agora vejo o velho Freud Retornar em Soma
et Séma.Trata-se de uma afinidade de longa data ?
Afinidade não é a palavra. Existe a evidência de numerosas zonas de cumplicidde
entre a semiótica e a psicanálise, e Ivan Darrault, por exemplo, o mostrou de
forma bem clara. Mas não as explorei, uma vez pela prudência e por falta de
competência: Esta zona de recuperação se encontra entre todas as ciências humanas
e sociais, cada vez que elas fornecem os modelos de interpretação dos «efeitos dos
sentidos» que elas manipulam. E é bem o caso da psicanálise: Independentemente da
meta-psicologia e de sua base teórica própria, e ainda mais sobre seus objetivos
clínicos, os psicanalistas adotam frequentemente um nível de modelização que é
própriamente semiótico. Este é o caso freqüentemente observado em Freud, mas é
também o caso em Anzieu, de quem já explorei muito a teoria da «minha pele». A
diferença é que Freud fez da semiótica uma pele pela mesma razão que Proust:
Construiu os procedimentos de interpretação mais ou menos formalizados, ao passo
que Anzieu fez uso da semiótica a fim de modelizar um processo significante
construindo de um lado um plano de expressão e do outro um plano do que foi
retido; Anzieu se refere mais tarde frequentemente à semiótica, ou então a
qualquer um de seus conceitos.
Ainda sobre este gosto pela transdisciplinaridade, gostaria que o Sr. comentasse
sobre a quantidade e a diversidade de objetos que o Sr. já analisou em seus
trabalhos: Prá já, as artes verbais de todos os gêneros (o romance, a novela, a
exposição etno-literária, o ensaio, o poema, a carta), as artes «plásticas» (a
fotografia, pintura, cinema, moda), as mídias (reportagem jornalística, televisão,
publicidade)... e ainda os temas relacionados à saúde, à asma, o luxo, à cozinha,
a conversa de mesa, as práticas amorosas, etc. Nem preciso dizer que é pura
pesquisa da exaustividade conduzida ao nome da adequação... Que «voracidade» !
É sobretudo uma lista que revela minha era canônica e que denuncia minha
produtividade compulsiva ! Se ainda se contar vinte e cinco anos de pesquisas e
de publicações, com metade de uma dezena por ano, como você quer ficar vivo e
criativo fazendo sempre a mesma coisa sobre os mesmos assuntos ? Eu tenho um
prazer profundo em fazer semiótica, escrever sobre semiótica e para satisfazer a
este prazer sem que ele se enfraqueça, é necessário um pouco de variedade !
Contudo, minhas razões não são de todo egoístas: Sou sempre esforçado em ficar
ouvindo sobre as tendências, mas não por gosto da vogas e das modas, mas porquê é
indispensável possuir esta escuta (diz-se hoje em dia «esta vigília científica»)
para propôr aos estudantes objetos de pesquisa que estejam en rapport com as
expectativas do momento. O alargamento progressivo de meus campos de estudo seguem
em soma os resultados deste «trabalho estratégico».
Nossos amigos lingüistas, os «verdadeiros» lingüistas, eu diria, para se
satisfazerem, nos criticam justamente por sermos muito «gulosos» com respeito às
linguagens...
Se eles fossem lúcidos e bem-vindos, deveriam ao contrário nos reconhecer pelo
fato de explorarmos permanentemente as margens e extensões de seus próprios
campos, evitar fazer e de tomar os riscos em seu lugar ! Mas não sómente eles não
são capazes de reconhecer isso, como por outro lado ainda ficam incomodados quando
nos encontramos no campo, em seu próprio terreno. Que ingratidão !
Presença de Zilberberg
O Sr. já comentou sobre o momento em que a semiótica começou a mudar de maneira
irreversível. O Sr. não crê que a origem desta mudança seencontra, no fundo, em
Ensaio sobre as Modalidades Tensivas (1981) de Claude Zilberberg ?
O acredito em efeito. Se desejei fazer um livro com Claude Zilberberg, é
justamente porque quis trabalhar com ele a interseção entre sua obra pessoal e as
seqüências para Semiótica das Paixões. No momento do lançamento de Ensaio sobre as
Modalidades Tensivas, Herman Parret disse públicamente que este livro era genial.
E depois todo o mundo passou à outra coisa. Zilberberg pensa e escreve de maneira
muito complicada, mas isto não é uma razão para se afastar do esforço de ir com
ele ao fundo das coisas.
Acredito que seu primeiro trabalho conjunto com Claude Zilberberg foi um número da
Nouveaux Actes Sémiotiques, Valence/Valeur (1996). Após estas primeiras
proposições teóricas tão desconcertantes para o advir da semiótica, surgiu Tensão
e Significação (1998), um tipo de Dicionário III da semiótica. Fale-me a propósito
desta experiência que o Sr. já qualificou como «uma das mais belas aventuras
intelectuais, e uma das mais difíceis» que o Sr. já provou.
O projeto estava em efeito muito ambicioso, e dividido em várias etapas. De
pronto, rejuntar o fio entre as hipóteses de Claude, que datam de quase vinte
anos, e os resultados da semiotica das paixões. Em seguida, capitalizar sobre esta
semiótica, e sobre seus desenvolvimentos «tensivos» ulteriores, para propor um
«corpus» teórico coerente. Afinal e efetivamente, propor um tipo de segmento ao
Dicionário de Greimas e Courtés. Trabalhanos de maneira muito sistemática,
estabelecendo a lista dos conceitos que queríamos tratar, definindo um modelo
comum para a concepção e redação de todos os capítulos, e repartimos os capítulos
entre nós em seguida. Neste momento as maiores dificuldades se tornam aparentes,
pois a diferença entre nossos estilos de pensar e de escrita semiótica tinha então
se revelado. Retrabalhamos reciprocamente então nosssos capítulos respectivos,
longa e dolorosamente, até que o conjunto do texto estivesse homogêneo de ponta a
ponta. Um leitor experimentado ainda pode reconhecer os capítulos que foram
redigidos originalmente por Zilberberg ou Fontanille, mais isto não afeta a
coerência do conjunto. A experiência é apaixonante, pois assim se percebe o
penetrar no pensamento do outro intimamente, o restituir, filtrar e sobretudo
fazer reconhecer e aceitar o apuramento pelo outro. Isso resulta numa cumplicidade
intelectual que acidente algum da vida pode apagar. Mas a confrontação mais
difícil ainda nos espera: O editor nos pediu para reduzir 40% do volume: Alguns
capítulos foram retirados, e em cada capítulo uma série regular de
desenvolvimentos paralelos também foi suprimida. Cada um de seu lado, o Precis de
Gramática Tensiva [2002] tanto quanto a mim em Semiótica do Discurso [1998], não
pudemos utilizar estas partes sacrificadas.
Qual importância o Sr.confere ao esquema tensivo no seio da semiótica dita tensiva
?
Os esquemas tensivos são, nos limites da semiótica tensiva, a mesma coisa que a
plataforma semiótica nos limites da semiótica categorial e da semântica
estrutural. Dito de outra forma, a estrutura tensiva é a articulação elementar da
semiótica tensiva, o modelo mínimo que permite em seguida saber do que se fala
quendo se descreve as tensões semânticas. Mas a relação entre os dois domínios é
também importante: A saber que o esquema tensivo explica já a maneira pela qual os
valores se formam a partir das percepções (em intensidade e amplitude), e em
seguida os valores em questão podem ser organizados em um «sistema de valores»
pela categoria semiótica, graças às operações de negação e afirmação.
A carreira semiótica já nasceu «integrada» ao percurso gerador – pelo menos como
se entende no Dicionário I (1979. Pode-se «pôr» (ou superpôr), embaralhando seus
quatro lados, os elementos extraídos de vários níveis de construção da
significação e, aparentemente (ou inocentemente ?; não se encontra grandes
problemas de integração entre os diferentes níveis. Ao fazer operar uma lógica
«esquemática», «topológica», ao contrário da lógica binária exclusiva, o esquema
tensivo impôs novas exigências à teoria... O Sr. acredita realemente que hoje em
dia nós já somos capazes de extrair do “esquema” todo seu poder heurístico ?
É uma hipotese de trabalho. Como toda hipótese, ela deve ser validada pelos
estudos concretos e questionamentos epistemológicos. Atualmente, pode-se dizer que
as tentativas de validação pela análise dão resultados interessantes, em termos de
adequação. Mas não se deve jamais esquecer que além de serem validações
necessárias, em nome da coerência e não mais da adequação, resta a possibilidade
de uma conversão ulterior em «estrutura elementar da significação». A seguir, a
estrutura tensiva permite articular explícitamente várias etapas de categorização,
pelo menos duas as duas. Ela forneceu então uma solução prática e teórica por sua
vez a «homologações selvagens» que se traduzem junto a certos semiólogos pelo
empilhamento nos quatro cantos da carreira carré.
Mais uma vez é visto que a semiótica, como na engenharia civil, começa-se sempre a
construção a partir de suas fundações, quando, de fato, em ser tratando de idéias,
seria muito menos arriscado fazer o inverso... Somos nós sempre os idealistas ?
« Táticas Didáticas »
Pela boca de Bruno Latour, esta metáfora é divertida, pois se há alguém capaz de
sustentar um discurso epistemológico de alto nível, este alguém bem que é ele. Mas
ele tem razão: Trata-se de fazer proliferar o discurso epistemológico freqüente e
inversamente proporcional ao poder metodológico e operatório. Os inimigos mais bem
intencionados das ciências humans acham que eles manipulam muitas generalidades,
revestidas de uma terminologia complicada; se eles são menos bem intencionados,
dizem que tais generalidades são banalidaes ou clichês milenares ! Nos programs de
pesquisa nacionais, o domínio das ciências humanas e sociais é o único ambiente
onde se acha normal criar um lugar à parte significativo para as questões
epistemlógicas. É de todo estranho ! A semiótica concebida por Greimas (esta toda
especialmente), estava concebida justamente, em efeito, para evitar esta
derivação, e para construir modelos de análise, para explicitar os métodos, e se
nutrir com o estudo dos corpus. É a razão que justifica o nível epistemológico em
Greimas, aquele onde ele trata os conceitos indefiníveis, e também o mais
limitado: A noção de «mínimo epistemológico», que já evoquei, e que a isto se
destina: Reduzir ao menor número possível os indefiníveis, e desenvolver ao máximo
o nível inferior, aquele da teoria, onde todos os conceitos devem ser indefinidos.
Ainda lá atrás, para rebuscar a formula «doutrinal» que Greimas introduziu: «Além
das práticas, ponto de salut»
Não de todo ! As práticas não mais que um dos conjuntos significantes dos quais
nos devemos valer, à custa dos textos, dos objetos, das formas de vida,
notadamente. Se têm-se aqui princípio de imanência, e eu o tenho por razões
heurísticas (e não doutrinárias), então deveria dizer «Além dos objetos
semióticos, point de salut !»
O segundo ano de seu seminário sobre as práticas chegou ao fim. O Sr. considera
que o tema foi bem explotrado ? Quais seriam os desenvolvimentos «naturais» ?
Nós exploramos uma grande diversidade de práticas. Aprendemos a sair do texto sem
sair da semiótica, e também sobre como articular o texto com as práticas que foram
utilizadas. Trabalhamos sobre as práticas sem fazer um horizonte doutrinal, o que
nos difere por exemplo da «praxia». Retiramos algumas regras da construção dos
valores nas práticas, notadamente através da análise de diversas formas
sintagmáticas. Também validamos algumas hipóteses sobre os elementos compositivos
e sobre procedimentos de identificação das práticas. Os desenvolvimentos
«naturais» seriam de dois tipos: (i) um estudo sistemático dos valores práticos,
que nos conduziria sem dúvida a dar mais lugar à ética e as deontologias ne
semiótica; (ii) uma abertura mais voluntária sobre o conjunto de práticas sociais
tocantes às mídias, pois elas utilizam os «textos» que nós conhecemos bem por aí
(texto verbal, tesxto publicitário, visual etc), bem mais que numa perspectiva
midiática, pois ela mesma já possui natureza prática e estratégica; (iii) uma
teoria completa e explícita das práticas, o que ainda não existe.
Em sua conferência de encerramento no último seminário, o Sr. afirmou que a
emergência do estudo da ética e das práticas em semiótica diz respeito, entre
outras coisas, aos trabalhos mais e mais numerosos nas mídias. Ou mesmo, os
objetos mais «estéticos» destacam-se também de um campo de práticas, de um campo
ético. O que existe nas mídias que não se pode encontrar nos outros objetos já
analisados desde o início do desenvolvimento da semiótica ?
Não bem entendidas por todos, as mídias não são os únicos objetos de análise que
vão nos permitir avançar. Mas ao traçar uma comparação com o conto e os mitos
populares, me farei melhor compreender. Greimas construiu sua semiótica a partir
de teorias antropológicas do conto e do mito, aquelas de Propp, Lévi-Strauss, que
estavam exclusivamente textuais. Ou seja, todo mundo sabia que os contos e os
mitos entraram no uso social, nas práticas que lhe conferem seu senso pragmático,
o que significa dizer que mesmo de um ponto de vista textual, lhe conferem uma
orientação tática ou estratégica que não pode influir na sintaxe discursiva dela
mesma. E estas práticas são na maioria das vezes perdidas, inacessíveis; eis a
razão pela qual devemos nos contentar com uma semiótica textual ! Dá-se o mesmo
com a retórica: A retórica geral declinou, reduziu-se à retórica estreita, na
medida em que perdeu-se o senso de pertinência das práticas argumentativas ou
práticas sociais, ou faz-se uso de figuras e de táticas argumentativas. A vantagem
com as mídias é que as práticas são vivas e presentes, ou evanescentes, ao ponto
de mesmo sufocar os textos. Mas não são os únicos objetos de análise que
compreendem uma prática, evidentemente.
Nós, semiólogos, possuímos diversos tipos. Nosso projeto é desde sua origem posto
em causa pelas outras disciplinas das ciências humanas. Eu acho que não é por
acaso que nós praticamos à vontade a síndrome da voz que clama no deserto... O Sr.
acha que os estamos em fase de extinção ?
Vamos brincar um pouco: É melhor, visto minha idade, que me considerem como «pós
Greimassiano» ao invés de «ante-Greimassiano». Sou Greimassiano porque encontrei
na teoria de Greimas a armadura de um projeto semiótico de longa duração; não
tenho nenhuma preocupação com respeito à ortodoxia ou fidelidade (não mais que
heterodoxia ou infidelidade): Por mais tempo também que esta teoria me pareca
fundada pelo trabalho que desejo completar, ela permanecerá a mesma. Mas eu
desenvolvi, com alguns de meus amigos mais antigos (Bertrand, Zilberberg,
Bordron), um método e um espaço de discussão (o seminário de Paris) que me
conduziu a traçar meus próprios meios para responder à questões que se apresentam,
no prolongamento de diversos trabalhos realizados com Greimas: A tensividade, o
corpo, etc. Alguns podem sempre se divertir dizendo que é «pós»; para mim, são
meus próprios meios, isto é tudo. Os prefixos usados após vinte anos (sobretudo
«pós») não tem mais muito sentido, do ponto de vista da história de uma
disciplina: É mesmo uma maneira de não fazer a história de uma discipllina senão
de se contentar em dizer, mesmo com os prefixos, «isto é ante», «isso é pós».
Em revanche, o que tem muito sentido para mim é assumir de Greimas aquilo que ele
me legou, e como ele não está mais lá para receber o que quer que seja, não pode
representar aquilo que deixou, quero dizer, representar seu pensamento e sua
teoria. Então, eu me esforço em «fazer viver» o pensamento de Greimas; e «fazer
vivo um pensamento» não é repetir até a saciedade ou leva-la ao infinito; fazer
vivo um pensamento é trabalhar, explorar seus impensados, estimular seus
retalhamentos, experimentar as vias transversais, confrontar seus próprios
silêncios, etc. É em soma pensar por si próprio através do outro, ainda que
ausente. Então, globalmente, seria aquilo que não dá impressão de uma repetição
fiel e ortodoxa, e para quem não sabe o que é fazer «viver um pensamento», isso é
«pós».
Uma última pergunta. Ao assinar no ano de 2006 as Nouveaux Actes Sémiotique (NAS),
fiquei sabendo que seria o último ano da publicação. Faz bastante tempo que o Sr.
é responsável pelas NAS, desde suas criação, de fato... Quais são seus novos
projetos a este propósito ?
Decidi passar a vez. Anne Beyaert pegou a tocha, à sua maneira, com seus
objetivos, e um outro conceito de publicação. Após vários anos, eu sabia que ela
deveria mudar de conceito, para alcançar os novos públicos, mas não queria fazer
isso eu mesmo; além disso esperava encontrar alguém que fosse motivado por esta
nova aventura. Está feito. Anne Beyaert-Geslin, Mestre de conferências na
Universidade de Limoges. Jacques Fontanille é Reitor da Universidade após 2005.
Quanto a meus projetos pessoais, logo os realizarei ! No momento estou muito
ocupado com a Universidde de Limoges, e meus projetos são mesmos de minha
universidade.
SOBRE O TRADUTOR