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Opinião

‘FT’: mérito de Lula é continuar FHC


“Nunca antes na história construiu mais casas do que os méritos: a economia cresceu
Suely deste país”, continuou Lula de- ele, mas omite e não reconhece e milhares de empregos foram
Caldas* poisquevirou presidente.Arro- um fato bem mais recente vivi- criados, a área social ganhou
gante, esquece que apenas deu do na democracia: é o sistema impulso, surpreendentemente
continuidade àquilo que her- de câmbio flutuante e metas de o País saiu da crise antes do es-
dou. Ele costuma glorificar os inflação,criado na gestãoArmí- perado e a última pesquisa do
avanços de seu governo na nio Fraga no Banco Central, e IBGE sobre o Produto Interno
área social. Realmente o Bolsa- com sabedoria mantido por ele Bruto (PIB) trouxe a boa notí-
cotação do presi- Família é um programa social e Henrique Meirelles, que man- cia: o investimento produtivo

A dente Lula está em


alta na Europa. Es-
colhido o “Homem
do Ano” pelos jor-
nais Le Monde (francês) e El
País (espanhol), o inglês Finan-
cial Times (FT) listou-o entre as
bem-sucedido, elogiado por ou-
tros governantes, pelo Banco
Mundial e pelo Fundo Monetá-
rio Internacional (FMI). Mas
Lula omite que o programa foi
criado no governo anterior e
que a sua mais genial inventivi-
tém a inflação baixinha e garan-
te sua popularidade.
É justo constatar que o País
progrediu no governo Lula. Ele
e sua equipe de petistas demo-
raram a aprender, tropeçaram
nas Parcerias Público-Priva-
voltou e tudo indica que de for-
ma sustentada. O futuro, por-
tanto, é promissor e Lula aju-
dou a construí-lo. Mas não só
ele.Ninguém é onipotente, mui-
tomenosquem temresponsabi-
lidade de governar e preservar
50 personalidades que molda- dade – a estrutura de um cadas- das, tomaram decisões erra- o que foi feito antes. O Brasil
ram a primeira década do sécu- tro das famílias de alcance na- perdeu a década de 1980 intei-
lo 21. Ao justificar a sua esco- cional e o cartão bancário que ra, sofrendo com uma inflação
lha, o jornal britânico tratou de eliminou a secular e corrupta O Plano Real foi absurda que emperrava o pro-
dividir o sucesso de Lula com
seu antecessor, Fernando Hen-
intermediação dos políticos –
foi concebida por uma equipe o primeiro passo gresso, impedia investimen-
tos, concentrava a renda. Der-
rique Cardoso. Sobresua popu- de economistas, entre eles Ri- para construir rubar a inflação foi o primeiro
laridade, destaca: “O que faz os
brasileirosamaremLula éa bai-
cardo Paes de Barros, que os
petistas rotulavam de tucanos
um novo Brasil passo para reverter esse qua-
dro e começar a construir um
xa inflação” – herança do Plano neoliberais. Na época,o Institu- novo País. E isso ocorreu com o
Real da era FHC. E lembra que, to da Cidadania, ligado ao PT, das quando tentavam inventar Plano Real, em 1994, em pleno
quando oposição, Lula criticou apresentava ao País um es- – caso do programa Meu Pri- ano eleitoral e apesar da oposi-
duramente as ações da política drúxuloplanoparaeliminar a fo- meiro Emprego. E levaram o ção de Lula e do PT, que decre-
econômica do antecessor, me, com um fundo alimentado País ao retrocesso político ao tavam vida curta a “este plano
“masfoi esperto o suficiente pa- poruma taxa cobrada emgorje- tolerarem, não punirem e até eleitoreiro”.
ra mantê-las”. tas de restaurantes. Lula podia incentivarem a corrupção, ao
Faltou ao FT dizer que no criticar a quantia de apenas R$ lotearem cargos técnicos com Argentina – Ao contrário do
Congresso, nos comícios, nas 15 que FHC dispensava às famí- apadrinhados despreparados Brasil, superar a crise não está
campanhas eleitorais, nos sin- lias por filho na escola e lem- emal-intencionados, ao interfe- fácil para a Argentina. É certo
dicatose nas ruasLula eo Parti- brar, com justiça, que sua ges- rirem politicamente em fun- que foi afastado o fantasma da
do dos Trabalhadores (PT) tra- tão elevou o valor e ampliou o ções do Estado que existem pa- moratória (e todas as suas ma-
balhavam para derrubar, uma cadastro de famílias, mas não é ra servir ao cidadão, e não aos zelas), que rondou o governo de
a uma, as ações de política eco- éticotomar a si a autoria do pro- interessesdogoverno.Não fize- Cristina Kirchner até meados
nômica que eles trataram de grama, que não lhe pertence. ram as reformas, na política de 2009, mas o acesso ao crédi-
preservar quando chegaram Ainda na série “nunca antes diplomática não chegaram a tointernacionalcontinua fecha-
ao governo. Quem viu Lula e o na história deste país”, sua úni- contarvitórias e continuamer- do e ajudando a alongar os efei-
PT em campanha contra as pri- ca concessão foi dirigida ao di- randono plano político-institu- tos da crise. Com a economia
vatizações, com xingamentos tador João Baptista Figueire- cional. em recessão e a receita tributá-
agressivos, não o imaginava do, ao afirmar que só o general Mas é legítimo reconhecer ria em queda, o governo am-
dois anos depois desautorizan- pliou sua intervenção em negó-
do o ex-presidente do BNDES, cios privados para buscar di-
Carlos Lessa, a tentar reestati- nheiro e atenuar seu déficit fis-
zar a Vale. “Não quero que meu cal,mas criou ambiente de inse-
governo passe a imagem de gurançaeriscojurídicoquecau-
que somos contra e vamos des- sa fuga dos investimentos e im-
fazer as privatizações”, adver- pede a economia de decolar.
tiu Lula em 2003. Sob intervenção há três
Mas o FT está certo em cutu- anos,ninguémacreditanosindi-
car Lula naquilo que ele jamais cadores econômicos do Institu-
admitiu e, pior, nega quando fa- to Nacional de Estatísticas e
la a respeito. Por mais oposição Censo(Indec).Aprevisãodogo-
que tenha praticado antes, ne- verno de inflação entre 6% e 7%
nhum líder político começa a em 2010 é ignorada pelo merca-
governar seu país com atitudes do, que espera repetir os 15% de
de ruptura com o que encon- 2009. Fazer recuar a inflação a
trou. “Vamos mudar tudo que menos de dois dígitos, conse-
está aí”, prometiam Lula e com- guir abrir as portas do crédito
panheiros. A expressão não diz internacional e atrair investi-
nada, é oca, vazia, não especifi- mentos são desafios que Cristi-
ca o que vai mudar, mas é boa na Kirchner vai enfrentar com
de marketing popular e péssi- dificuldades em 2010. ●
ma como mensagem de gover-
no. Deu no que deu em 2002, *Suely Caldas é jornalista
com o dólar beirando R$ 4 e o e professora de
risco País chegando a 3 mil pon- Comunicação da PUC-Rio
tos. E-mail: sucaldas@terra.com.br)

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