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Direitos

humanos
DenisLerrerRosenfield

O atual governo, em íntima co- rida, de preferência infeccioná- O agronegócio, em particu-


laboração com os ditos movi- la, para que o projeto socialista/ lar, vira vilão no documento.
mentos sociais e as alas mais comunista possa tornar-se mais Não faltam críticas às monocul-
à esquerda do PT, está produ- palatável. Afinal, os militares se- turas de eucaliptos, cana-de-açú-
zindo uma completa deforma- riam, nessa perspectiva, os “re- car e soja, que, nessa exótica
ção dos direitos humanos. De pressores”, enquanto os que pe- perspectiva, seriam culturas
perspectiva universal, eles es- garam em armas por uma socie- atentatórias aos direitos huma-
mento nuclear (artigo VI). tão se tornando, nas mãos dos dade comunista seriam as “víti- nos. A falta de qualquer cultura
que teimam em instaurar no mas”, os “democratas”. nos assentamentos seria, essa,
Brasil uma sociedade socialis- Maior falsificação da Histó- sim, expressão de uma nova for-
ta/comunista, um instrumen- ria é impossível. Os que luta- ma de agricultura. Os despropó-
to particular de conquista do ram contra o regime militar, sitos, porém, não param por aí.
poder. Acontece que essa con- em armas, fizeram-no, por livre Os setores de habitação e de
quista do poder é agora mais escolha, em nome da instalação construção civil são, também,
uma opção muito realista. insidiosa, passando por uma do comunismo no Brasil. A novos alvos. Há propostas sobre
ampla campanha de forma- guerrilha do Araguaia era novas abordagens do Estatuto
ção da opinião pública. maoista, totalitária. Não o fize- das Cidades, que deveriam cor-
De fato, se perguntarmos ram pela democracia. São, nes- responder a essa nova doutrina.
a qualquer um se é favorável se aspecto, responsáveis por E até uma expressão algo enig-
ou não aos “direitos huma- suas escolhas e não deveriam mática de identificação de “ter-
nos”, a resposta será certa- ter sido agraciados com a “bol- ras produtivas” nas cidades, se-
mente “sim”. Se fizermos a sa-ditadura”. Se optaram pelo ja lá o que se queira dizer com is-
mesma pergunta por uma so- comunismo, deveriam ser res- so. Em todo caso, o esquema é o
ciedade socialista/comunista, ponsáveis por sua opção e não mesmo. A invasão de um prédio
a resposta será majoritaria- deveriam colocar-se como víti- em construção não seria suscetí-
mente “não”. Eis por que a mas. Lamarca, Marighella e o vel de sentença judicial de rein-
forma de influenciar a opi- próprio secretário Vannuchi tegração de posse sem antes
nião pública pressupõe essa pretendiam instalar o totalita- passar por uma “mediação” dos
armadilha das palavras, que rismo no Brasil. O primeiro, ditos movimentos sociais. Os
corresponde a um plano ideo- aliás, era um assassino confes- mesmos que invadem são os
lógico predefinido. so, tendo matado covardemen- que fariam a tal mediação.
Eis uma das razões de por te um refém, um tenente da Polí- Não pensem os industriais
que o dito programa insistiu cia Militar de São Paulo, a coro- que essas medidas não os afe-
em abrir uma crise com os mi- nhadas. Eis os heróis dos “direi-
litares, com o intuito claro de tos humanos”.
indispor a sociedade brasilei- Todo o documento está escri- Um instrumento de
ra com a instituição militar. O to na linguagem própria dos di-
uso de expressões como “re- tos movimentos sociais, que são conquista do poder
pressão política”, agora altera- organizações políticas com o para instaurar o
da para “violação dos direitos mesmo propósito socialista/co- comunismo no País
humanos”, tem precisamente munista. Em seus documentos
o propósito de reabrir uma fe- não escondem isso, embora, pa-
ra efeitos públicos, utilizem a tam. Também há no cardápio
linguagem mais palatável dos medidas dirigidas a esse setor.
“direitos humanos”. O “neolibe- A expansão de uma usina de eta-
nol, de uma siderurgia, de uma
PARTICULARES ralismo” e o “direito de proprie-
dade” se tornam os vilões dessa empresa de mineração deveria
LEO MARTINS nova versão deturpada dos di- passar pela aprovação de um co-
reitos humanos. mitê de fábrica, por razões ditas
Reintegrações de posse não ambientais. Não bastariam as li-
seriam mais cumpridas sem cenças ambientais, já suficiente-
que antes uma comissão de “di- mente rigorosas, mas, se esse
reitos humanos” fizesse a me- plano for levado adiante, seria,
diação entre as partes. Ou seja, então, necessário passar por es-
uma decisão judicial perderia ses novos “sovietes”, porque é
simplesmente o valor. Na verda- disso, na verdade, que se trata.
de, esses comitês seriam erigi- Para que as medidas sejam
dos em instância judiciária fi- totais é imprescindível que a opi-
nal, que decidiria pelo cumpri- nião pública seja controlada. Se
mento ou não de uma decisão ju- elas forem mostradas em seu au-
dicial. O MST julgaria a ação do toritarismo, certamente não
MST. No Pará, onde esse mode- passarão. Eis por que as empre-
lo já foi aplicado, por recomen- sas de comunicação deveriam
dação da Ouvidoria Agrária Na- estar subordinadas a um “conse-
cional, o caos é total. Até inter- lho de direitos humanos”, de fa-
venção federal, encaminhada to, à autoridade dos novos “co-
pela Confederação da Agricultu- missários da mídia”, cujo poder
ra e Pecuária do Brasil (CNA), poderia chegar a revogar uma
foi pedida ao Supremo. A Justi- concessão. Por exemplo, a filma-
ça lá não era mais respeitada. gem divulgada pela Rede Globo
Qual é, então, o objetivo des- de destruição dos laranjais da
sa diretriz de impedir o cumpri- Cutrale seria, nessa nova ótica,
mento de decisões judiciais? Le- atentatória aos “direitos huma-
gitimar, se não legalizar, as inva- nos”, por “criminalizar os movi-
sões dos ditos movimentos so- mentos sociais”. Os novos comis-
ciais, que teriam completa liber- sários, que têm a ousadia de se
dade de ação. Sequestros, des- apresentar como representan-
truição de maquinário, corte de tes dos direitos humanos, sola-
tendões do gado, incêndio de pariam as próprias bases da de-
galpões, destruição de alojamen- mocracia. Eis o que está em
tos de empregados e sedes de questão. O resto é palavreado! ●
empresas não seriam mais cri-
mes, mas expressões de ações Denis Lerrer Rosenfield é profes-
presidente do Haiti baseadas nessa muito peculiar sor de Filosofia na UFRGS. E-mail:
doutrina dos direitos humanos. denisrosenfield@terra.com.br

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