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Berlusconi faz-nos pensar
francisco providência

Paquete de Oliveira, Sociólogo e professor do ISCTE

Entretidos como estamos com as nossas quezílias de


uma política de caserna e também preocupados pelos
problemas sociais do desemprego, da saúde, da
educação, da corrupção e outros, normalmente damos
pouca atenção àquilo que acontece por esse mundo
fora. Seja na Europa, seja no Afeganistão, no
Zimbabwe ou no Ruanda. E não só é pena. Pode até
ser perigoso. Num mundo globalizado, para o bem e
para o mal, deveríamos estar mais abertos à realidade
dos outros, nem que fosse para tirarmos ilações de
cenas e acontecimentos muito próximos das nossas
realidades. Num mundo tão centrífugo, estamos cada
vez mais centrípetos.

A terceira vitória, embora intercalada, de Sílvio


Berlusconi nas eleições italianas, nos resultados
concretos do sistema democrático, não sofre
contestação. Mas ridiculariza a democracia. É preciso
que se o diga e escreva com todas as letras.
Berlusconi ganhou. Mas a Itália continua a perder. O
sistema democrático está a ser gozado. Pode mesmo
estar a manifestar sintomas de estertores de morte.
Berlusconi pelo seu passado como homem público e
personagem político, pelo curriculum das suas
práticas e dos seus ideais, não pode ser entronizado
como o governante-mor ou o chefe de um povo. Mas,
se o povo italiano o elege, com larga maioria e de
preferência a todos os outros candidatos ou partidos,
isso significa um terrível anátema para os outros.
Significa que o povo ainda considera os outros piores.
Significa um veredicto condenatório sobre os outros
que governaram o país nos intervalos que Sílvio
Berlusconi lhes concedeu desde 1994. O problema
não é o de Berlusconi ser de Direita e contar até com
aliados da Extrema-Direita. O problema é ser
Berlusconi. Tudo o que representa. Tudo o que evoca.
A Direita em democracia tem todo o direito de chegar
ao Poder e até tem demonstrado saber governar bem.
Aliás, a Itália terá sido dos países europeus que nos
últimos 50 anos teve uma Esquerda forte, pujante,
criativa, com novos propósitos. Mas essa Esquerda no

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terreno esfrangalhou-se, suicidou-se. Os diversos


pequenos partidos "mataram-se" uns aos outros. De
tal modo que, agora, nem unidos à velha
social-democracia conseguiram sobrepor-se a
Berlusconi.

Comovedor, mas não menos simbólico, e por isso


com uma interpretação de grande significado, o
episódio de Berlusconi, na noite da vitória nas
eleições, nem se deslocar à sede do partido, nem a
um dos seus muitos canais de televisão. Falou aos
jornalistas e disse ao "seu povo" o que tinha a dizer,
ao telefone, a partir da sua casa. O respeito pelo povo
que o elege não o demoveu da sua mansão.

Os resultados nem podem configurar um alheamento


dos italianos. É verdade que os analistas dizem que o
povo italiano está cada vez mais descrente da política
ou dos políticos que os governam, sentimento comum
ao comportamento dos eleitores de muitos outros
países. Porém, o sentido deste voto, em meu
entender, tem um significado mais profundo os
italianos, em política, já estão por tudo. Pensam ter
atingido o auge de se "borrifarem" para o Poder
Político. E a Itália, país rico, pátria das artes e dos
artistas, da inovação e criatividade, das
cidades-museu, anda, vive, quase sem ser
capazmente governada. Mas é esta crise que se
agrava. É este divórcio e desprezo para com os
poderes constituídos que um dia podem fazer o povo
italiano acordar num caos. O montão de lixo que cobre
a bela cidade napolitana pode prefigurar essa
imagem. Não é possível um povo subsistir sem
Governo, sem poder constituído.

Por um conjunto de circunstâncias, tenho a Itália como


a minha segunda pátria. Amo aquele país. Ali vivi dias
inesquecíveis da minha vida. Acho o povo italiano
humanamente e culturalmente rico. Para perceber a
"riqueza" da Itália e dos italianos é preciso ter vivido ali
algum tempo. Entre eles. Custa-me ver este povo com
um líder político como Berlusconi. E não creio que
este meu desabafo represente alguma intromissão,
aliás ineficiente, nos "negócios" que dizem respeito ao
povo italiano. Manifesto-o, sobretudo, por sentir que
as democracias estão a ser impregnadas de perigosos
e ameaçadores "vírus". E não vejo que os males e os
defeitos que estão a "tocar" outros estejam a ser
devidamente considerados e debelados, por aqueles
que, responsáveis, no plano da política e da discussão
da política, do poder ou dos poderes. Muito menos
pela generalidade dos cidadãos.

E seria bom que o que se está a passar em Itália não


passasse tão desapercebido nas outras democracias
do Mundo.

Paquete de Oliveira escreve no JN, semanalmente, às


quintas-feiras

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