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A Bela Fugitiva

Barbara Cartland

A fuga desesperada de lady Alvita levou-a direto


para os braços de um grande amor…

Fuga da Rússia para a Inglaterra, 1896.

Alvita Gorchev e seu irmão, Ivor, fogem dos perigos da Revolução Russa em um
navio, rumo à Inglaterra. Como disfarce, ela adota o título de “princesa russa”, sem
imaginar os perigos que os aguardam durante a ousada aventura. Alvita só não
contava se deparar com o marquês de Harrington, nobre inglês charmoso e decidido
que conquistou seu coração desde o primeiro instante, comprometendo-se a fazê-la
conhecer um grande amor…
Coleção Barbara Cartland nº 432
Título original: From danger of Rússia to love
Copyright: © 1997 by Barbara Cartland
Tradução: Alberto Cabral Fusaro
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA.
Rua Paes Leme, 524 - 10Q andar
CEP 05424-010 - São Paulo - SP - Brasil
EDITORA NOVA CULTURAL LTDA. Copyright para língua portuguesa: 1997
Fotocomposição: Editora Nova Cultural Ltda. Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

NOTA DA AUTORA

Os primeiros sinais da Revolução Russa começaram em 1894.


O czar Nicolau II era muito fraco e não tinha controle sobre seu país.
A situação foi piorando ano após ano, conforme a realeza foi decaindo
e deixando de ouvir as necessidades do povo.
Em 1905, um pequena revolução teve início em uma fábrica,
irradiando-se para os funcionários de outras indústrias.
Um abaixo-assinado foi levado ao czar em uma caminhada pacífica,
com as assinaturas de cento e trinta e cinco mil trabalhadores. Porém, nem
Nicolau nem seus ministros se preocuparam em atendê-los, deixando a
questão nas mãos da polícia e do exército.
Conforme a grande multidão se encaminhava em direção ao palácio,
carregando imagens e faixas com dizeres religiosos, as tropas abriram fogo.
Houve aproximadamente de duas a quatro mil pessoas mortas ou feridas.
Tal evento passou a ser conhecido como “domingo sangrento”, e
provocou uma onda de ódio e assombro em todo o país.
Naquele período o tio de Nicolau, o odiado grão-duque Serge, foi
assassinado e, conforme os meses se passaram, a violência se proliferou por
todo o império.
Nicolau escreveu a seu irmão:
“Sofro ao ler as notícias: ataques em escolas e fábricas, assassinatos de
policiais e cossacos, tumultos por toda parte. Mas os ministros, em vez de
agir com decisões rápidas, ficam o tempo todo agrupados em conselhos,
como um bando de galinhas assustadas, murmurando algo sobre ação
ministerial unificada”.
Em meados de outubro, a situação piorara tanto que o país foi tomado
por uma crise generalizada.
2
CAPÍTULO I

1896

Alvita atravessou o jardim, observando as belas flores prestes a


desabrocharem, e pensou no longo inverno que chegara ao fim.
Estava ansiosa para que elas aparecessem, exibindo suas lindas cores
sob o brilho do sol. Flores eram a marca mais romântica que ela conhecia da
natureza, e a época da primavera sempre a deixava muito feliz.
Amava aquelas plantas tanto quanto sua mãe as amara um dia.
Mesmo durante o tempo em que ficaria sozinha, durante a primavera,
manteria a casa sempre cheia de flores, desde o sótão até o porão.
Seria um alento poder ver todos os cômodos enfeitados pelas cores e
preenchidos pelos diversos perfumes das flores do jardim, despertando a
admiração das pessoas.
— Você é a princesa das flores, querida — dissera, certa vez, uma das
vizinhas mais próximas.
— Bem que eu gostaria de ser… — respondera Alvita, com sua
costumeira modéstia.
Achava que mais importante do que as opiniões das pessoas era o fato
de aquelas flores lhe despertarem um sentimento de felicidade. A casa florida
dava-lhe a sensação de viver em um lugar encantado, um verdadeiro mundo
de fadas, onde era possível se distanciar da tragédia que assolara sua família.
Sua mãe, de nacionalidade inglesa, morrera havia seis meses. Seu pai,
que era russo, seguira a esposa na jornada final três meses depois, como que
não suportando viver sem ela.
Seu irmão, que vivia a maior parte do tempo divertindo-se com belas
mulheres em São Petersburgo, mal voltara para vê-la depois disso.
Segundo comentários de pessoas conhecidas, ele freqüentava festas
regularmente. Tratava-se de um dos jovens mais galantes e charmosos da
corte, e suas aventuras estavam se tornando notórias. De fato, as histórias que
não paravam de chegar de São Petersburgo não eram realmente nada
agradáveis.
Alvita havia até deixado de assinar jornais, uma vez que seu pai não
estava mais em casa para lê-los. Aquele grande volume de informação, em
geral de origem catastrófica, só servia para deixá-la mais estressada, e ela não
queria se submeter a mais esse sofrimento.
Para que se preocupar com fatos que estavam ocorrendo em lugares
tão distantes? perguntava-se.
Admirou os pinheiros gigantes que cercavam a propriedade. Parecia
viver em um mundo isolado daquelas crises narradas pelos jornais, e sentia-
se no direito de não se envolver com mais problemas do que os que já tinha.
Ao observar as flores que plantara no jardim, constatou que o inverno
havia destruído algumas mudas. Ainda assim, felizmente a maioria
começava a desabrochar, com toda a glória que a natureza oferecia.
— Adoro todas vocês, minhas queridas — sussurrou, sentindo uma
onda de intimidade por aquelas plantas delicadas. — Quero vê-las florescer
ainda mais belas do que no ano passado!
Depois da morte de seus pais, mais precisamente no final do inverno,
as pessoas que iam visitá-la sempre se encantavam com o desabrochar das
primeiras flores e com o tom verdejante que se fazia presente por toda a casa.
Todos ficavam tomados por tanta admiração que nem se atinham às
condolências e aos pesares.
Ao chegar ao extremo mais distante do jardim, Alvita notou alguém se
dirigindo à entrada principal da casa. Não tinha idéia de quem poderia ser.
Recebera muitas visitas nos dias anteriores e a movimentação fora intensa na
casa. Por isso desejara ficar algum tempo sozinha com suas flores. A presença
constante de pessoas, sempre perguntando sobre a morte de seus pais, só
fazia aumentar sua saudade, levando-a a pensar na tristeza que seria jamais
tê-los perto de si outra vez.
Amara e admirara muito sua mãe, uma mulher lindíssima e adorável.
Por ser inglesa, lady Gorchev conhecia muitas histórias sobre o reino
britânico, e sempre dispusera de tempo e de vontade para entreter a jovem
Alvita com seus conhecimentos. Por isso, ensinara à filha quais eram as
diferenças sociais e culturais básicas entre o povo da Rússia e o da Inglaterra.
Ao mesmo tempo, ela fora uma mulher que amara e respeitara muito o
marido, lorde Gorchev. Sempre comentara com a filha que em nenhum lugar
do mundo havia homens tão românticos e inteligentes quanto na Rússia.
Alvita, sempre atenta, ouvia os ensinamentos da mãe com muito
respeito. Crescera sentindo orgulho da beleza de lady Gorchev e da
inteligência de seu pai. Em suas preces, rogava para haver herdado tais
características de ambos.
Embora duvidasse de que isso houvesse sido possível com ela mesma,
sempre tivera certeza de que seu irmão recebera tal bênção. Aos vinte e sete
anos, Ivor era um dos homens mais charmosos que ela vira até então.
Era fácil compreender por que alguém tão interessante como ele
acharia a vida muito sem graça naquela parte distante e subdesenvolvida da
Rússia. Principalmente se comparada à vida agitada que se podia levar ao
norte.
Na verdade, fazia pouco tempo que Alvita percebera que algo
importante deveria estar acontecendo na corte, pois recebera notícias sobre a
região norte como jamais tivera até então. Todavia, os jornais que ela recebera
antes de terminar as assinaturas descreviam tudo de uma forma muito
indireta.
“Não faço a menor questão de entender sobre esta tão falada crise”
repetia para si mesma, em pensamento.
Só achava que Ivor deveria voltar para casa e se afastar daquele lugar
que parecia ser o centro do problema, antes que acabasse se envolvendo em
alguma confusão.
Ao começar a seguir o curso do riacho que delimitava o final do
jardim, ouviu alguém chamar seu nome. Era uma voz masculina, mas estava
muito distante para que fosse possível identificar de quem era.
Curiosa, Alvita começou a voltar para casa. Para seu espanto, o
inesperado visitante a chamara pelo primeiro nome, denotando tratar-se de
alguém próximo.
Foi então que avistou quem se aproximava, caminhando depressa, na
outra extremidade do jardim. Era seu irmão, Ivor!
— Você voltou para casa! — exclamou, acelerando os passos em
direção a ele. — Por que não avisou que estava vindo? Oh, Ivor, como é bom
revê-lo!
— Quis fazer uma surpresa, irmãzinha — respondeu ele, abraçando-a
com carinho. — Além disso, eu não tinha certeza de que viria, até o último
instante. Deixei São Petersburgo e vim mais rápido do que qualquer
mensageiro seria capaz.
— Oh, é maravilhoso tê-lo em casa novamente. Agora ficará comigo,
não é?
— Achei mesmo que a encontraria sentindo-se solitária. Esta casa é
muito grande para abrigar uma única pessoa.
— Sim, é verdade. O problema não é apenas a solidão — salientou
Alvita. — Ainda não consigo acreditar que papai não surgirá a qualquer
momento na passagem do jardim, chamando-nos para dentro de casa… Mas
agora que você voltou, não ficarei mais sozinha.
— Querida… Voltei aqui porque preciso lhe dizer algumas coisas e
colocá-la a par de certos eventos. Mas primeiro acho mais saudável nos
sentarmos. A viagem foi bastante cansativa, e estou cansado e com sede.
Alvita sorriu para o irmão.
— Imagino que sim. Como bem se lembra, mamãe sempre dizia:
“Nunca viaje no meio do dia!”
— Seria perda de tempo parar todos os dias para aguardar a boa
vontade do sol — respondeu Ivor, sorrindo. — Era de extrema importância
que eu chegasse aqui o mais depressa possível. Tenho muito o que dizer, mas
preciso beber algo primeiro.
— Como quiser — concordou ela, caminhando ao lado dele para
dentro da casa.
Não demorou muito para chegarem ao cômodo que era chamado de
“recepção” por lady Gorchev. Tratava-se de uma sala com uma linda vista
para o jardim. Confortavelmente mobiliado e bastante arejado, o aposento era
um dos locais mais belos e confortáveis da casa.
A decoração fora comprada aos poucos por seus pais, em suas viagens
pela Europa, quando eles ainda eram jovens. Os quadros eram raras obras de
arte, colecionadas ao longo de toda a vida de lady Gorchev.
Alvita olhava as pinturas com respeito e admiração, principalmente
depois que ela e o irmão as haviam herdado. Sentia-se com a
responsabilidade de cuidar daquelas preciosidades, não apenas em nome da
memória da família, mas também pelo que elas representavam, do ponto de
vista sentimental.
Depois de ser reconhecida como a única guardiã daqueles tesouros,
Alvita sofrerá a pressão de alguns admiradores de arte, que haviam tentado
pressioná-la a vender os quadros. Porém, eles sempre receberam respostas
negativas. Entretanto, ela ficara com certo temor,pois alguns daqueles
pretensos compradores poderiam muito bem acabar contratando mercenários
para roubarem as obras.
Mas tais preocupações se encontravam distantes no momento. Ivor era
o centro de suas atenções.
Ao vê-lo acomodar-se em sua poltrona preferida, Alvita sorriu com
satisfação e disse:
— Vou pedir que lhe tragam uma bebida. O que deseja beber, Ivor?
— Não precisa se preocupar — respondeu ele. — Quando cheguei,
instruí Boris para me servir vinho depois que eu a encontrasse. Ele ficou
surpreso em me ver tanto quanto você — acrescentou.
— Posso imaginar.
— Mas, como eu disse antes, tive de vir encontrá-la o mais rápido que
pude. Assim que me refrescar um pouco, explicarei o motivo de minha vinda
apressada.
No mesmo instante, a porta da sala se abriu e Boris, o fiel e antigo
empregado da família, entrou carregando uma bandeja com uma garrafa de
vinho e uma taça. Colocando-a ao lado de Ivor, ele disse:
— É muito bom vê-lo em casa, sir. Tenho certeza de que milady não se
sentirá mais sozinha.
— Espero que não, Boris — respondeu Ivor. — Mas estou certo de que
você tem feito o possível para mantê-la feliz e confortável.
— Tenho feito o melhor que posso, sir — respondeu o empregado —,
mas nada se compara à sua presença.
O empregado se despediu com uma leve inclinação de cabeça e
retirou-se sem proferir mais nenhuma palavra, fechando a porta atrás de si.
— O que aconteceu? — perguntou Alvita, aproximando-se do irmão e
sentando-se perto dele. — Já percebi que há algo grave em andamento. Foi
isso que o trouxe até aqui, e não apenas saudade.
— O homem que me fez voltar tão depressa logo estará aqui —
explicou Ivor. — E um amigo que veio comigo de São Petersburgo. Ele tem
uma casa ao pé da montanha, e quis passar por lá para pegar as coisas que
vai levar consigo, quando partirmos. Incluindo você.
— O quê? — indagou Alvita, com um sobressalto. — Vamos partir?
Por quê? Para onde?
— E sobre isso que vim lhe falar. Mesmo que a idéia pareça
assustadora, é o que teremos de fazer.
— Não estou entendendo, Ivor. O que aconteceu? Qual é o problema,
afinal?
Ivor olhou por sobre o ombro, verificando se não havia algum ouvinte
indesejado nas proximidades. Ao se certificar de que a conversa não seria
ouvida, respondeu:
— O príncipe Nicolau foi longe demais! Desta vez, todo o país está se
voltando contra ele. Para ser mais direto, posso afirmar que a revolução está
eclodindo daqui até as terras do norte ao mesmo tempo. Como não pretendo
que sejamos pegos em meio a esta crise, devemos partir imediatamente.
— Isso não pode ser verdade! — exclamou Alvita, aturdida com o que
acabara de ouvir. — Como pode haver uma revolução contra a família real?
E, caso haja, em que isso poderia nos afetar?
Com um suspiro, Ivor a encarou. Em seguida, falou em um tom de voz
mais baixo:
— O problema vem se desenvolvendo há algum tempo. A situação
piorou muito, e agora todos se voltaram contra o príncipe. Não será seguro
para você, nem para nenhum de nós, permanecer aqui. Nossa casa poderá ser
invadida e tomada a qualquer momento. Como sou relativamente conhecido
e importante na corte, com certeza também corro risco de vida.
— Mas tudo isso é inacreditável! Como a situação pôde mudar assim,
tão de repente?
— Não foi nada repentino — observou Ivor. — Começou em 1894,
quando houve um pequeno levante que acabou sendo ignorado pelas
autoridades. Agora terão de encarar as conseqüências de tamanha estupidez
e da falta de compreensão para com o povo ao qual governam.
— Mas… — Alvita hesitou um momento. — Nunca fizemos mal a
ninguém!
— Sei disso, mas, infelizmente, estamos na mesma categoria daqueles
que prejudicaram o povo. A família real vinha agindo de forma indevida nos
últimos dez ou vinte anos. Até que chegamos a um ponto em que a situação
ficou insuportável.
— Meu Deus…
— Creio que todos que tenham uma posição de destaque, devido a
algum tipo de contato direto com a corte, serão perseguidos e mortos, mesmo
que não sejam nobres. Pessoas como nós, que se encontram em tal posição,
devem sair da Rússia quanto antes, para não serem presas ou assassinadas.
— Você está me assustando… Mas lembro-me de ouvir papai dizer
eventualmente que os governantes haviam se tornado indiferentes às
necessidades do povo, e que nunca ouviam àqueles que os advertiam sobre
as conseqüências, que poderiam ser muito sérias.
— Pois foi exatamente isso o que aconteceu — respondeu Ivor. —
Agora a crise foi longe demais, e está além da possibilidade de reversão. Por
isso devemos deixar a Rússia e encontrar outro lugar para viver.
— Mas como conseguiremos dinheiro para tanto? Pelo que me disse
há pouco, ninguém comprará nossa casa nem as terras, por mais produtivas
que sejam. Além disso, papai nunca teve muitas economias guardadas no
banco.
— E eu já gastei o pouco que havia lá…
— O que faremos então? — perguntou Alvita, começando a sentir-se
aflita.
Foi então que a porta se abriu e uma voz masculina se fez ouvir logo
em seguida.
— Imaginei que o encontraria aqui, Ivor. Deve admitir que fui bastante
rápido em providenciar tudo o que me cabia, não é? — falou o recém-
chegado.
— Certamente, eu não o esperava tão cedo — respondeu Ivor,
levantando-se do local onde estava sentado.
Alvita não se moveu. Apenas permaneceu parada, com olhar surpreso,
observando o aparente intruso.
Tratava-se de um homem de meia-idade, mas de ótima aparência.
Usava a barba curta e bem aparada, e trajava uma roupa elegante.
Ao entrar na sala, o olhar do desconhecido voltou-se imediatamente
para Alvita. Pareceu admirado com a beleza do rosto angelical da irmã de
Ivor. De fato, os cabelos muito loiros, levemente cacheados, e os olhos
incrivelmente azuis de Alvita atribuíam-lhe um aspecto de anjo em forma de
mulher.
Ao se aproximar, ele estendeu a mão, dizendo:
— Ouvi muitos elogios a seu respeito, mas sua beleza supera qualquer
comentário que Ivor tenha feito previamente.
— Obrigada — respondeu Alvita, corando ante o inesperado elogio. —
Meu irmão pode haver falado a meu respeito, mas nada me disse sobre você.
— Mas que displicência a dele, não é mesmo? — respondeu o recém-
chegado, lançando um breve olhar de repreensão a Ivor. — Ele deveria havê-
la informado de que sou o conde Nicholas Fulton, e que moro em uma casa
ao pé da montanha. Infelizmente, não tive o prazer de conhecer sua mãe.
— Estou certa de que ela se sentiria honrada em conhecê-lo — disse
Alvita. — Mas, pelo que Ivor me falou, veio com ele porque a crise no norte
está séria?
— Antes que conte a Alvita o que pretendemos fazer — interrompeu
Ivor —, quero saber se está com fome ou com sede, Nicholas. Aceita uma
bebida?
— Não, obrigado. Não agora. Fartei-me antes de sair de casa, e espero
que a comida que foi deixada para trás proporcione algum prazer para
aqueles que a roubarem.
O comentário final do conde soara amargurado e sarcástico.
— E mesmo verdade o que meu irmão acabou de me contar? A
situação está tão grave que teremos de partir?
— Posso garantir-lhe que já deve ter piorado muito desde que
deixamos São Petersburgo — respondeu Nicholas. — Mas, no momento,
devemos tomar providências rápidas. É essencial que fique tudo claro e bem
combinado desde já.
— Sou todo ouvidos, e tenho certeza de que minha irmã também
colaborará — declarou Ivor. — Ela sempre foi muito perspicaz, e deve ter
percebido que eu jamais concordaria com o que estamos prestes a fazer se
esta não fosse a última saída.
— Isso é bem verdade, meu caro Ivor. Não temos mais escolha.
— Não acham que estão exagerando? — questionou Alvita. — Por que
todo esse receio?
— “Cautela” é a palavra mais correta, milady. O problema é que onde
quer que comece uma revolução, por maior que seja a amabilidade do povo,
o resultado é sempre morte e sofrimento.
— Não há mesmo outra alternativa? — indagou ela, olhando para
Ivor. Ao perceber que nada mais poderia ser feito, disse: — Sendo assim,
contem qual é o plano.
— Deverão fazer exatamente o que eu disser — afirmou Nicholas. —
Por serem meio ingleses, será melhor irmos para a Inglaterra. Seremos
recebidos de braços abertos, e acredito até que poderemos tirar certa
vantagem da situação, para nos poupar despesas.
— Fico aliviada em ouvir isso — confessou Alvita. — Como meu
irmão deve ter dito, estamos com muito pouco dinheiro no momento. Nosso
pai sempre investiu muito na propriedade, contando com o valor da terra, da
casa e do patrimônio dentro dela. Depois da morte de nossa mãe, ele vendeu
algumas jóias e quadros, para cobrir o débito que fizera com o banco para
financiar o tratamento médico de que ela necessitava. O restante está aqui,
deixado como herança para mim e para Ivor.
— Infelizmente, creio que vocês não poderão desfrutar muito dessa
herança — observou Nicholas. — Por isso iremos para a Inglaterra e nos
declararemos refugiados políticos. Quando lá chegarmos, toda a Europa já
estará a par da revolução que se encontra em andamento. Com certeza, a
Inglaterra estará esperando que as pessoas da corte peçam abrigo político,
para salvarem as próprias vidas.
— Por Deus, conde! — exclamou Alvita, com ar indignado. — Acha
mesmo que os revolucionários começarão a matar qualquer um que tenha
mantido contato com a família real?
— Posso garantir que irão tomar sua casa e suas posses em primeiro
lugar. Depois, se tiver sorte, a pessoa será mantida como prisioneira até o fim
da vida. Por isso devemos ser muito rápidos.
Para ela, parecia impossível acreditar em tudo o que o conde estava
dizendo. Mas a expressão séria e compenetrada de Ivor confirmava que nada
daquilo era fruto da imaginação de Nicholas.
— Neste caso, como faremos para fugir?
— Seu irmão e eu já elaboramos um plano. Iremos para a Inglaterra,
mas ao chegarmos lá, como refugiados, não procuraremos os parentes e os
amigos de sua mãe, uma vez que, pelo que Ivor falou, são poucos e
provavelmente não os receberiam bem.
Alvita estava prestes a protestar quando se lembrou do que sempre
ouvira sua mãe dizer. Os conhecidos pelos quais ela tinha estima já haviam
falecido, e os outros jamais aprovaram o fato de ela haver deixado o país para
se casar com um russo.
Lady Gorchev jamais retornara à Inglaterra depois de partir. Portanto,
não havia laços familiares aos quais recorrer. Após um momento de silêncio,
Alvita falou:
— Explique-me qual é seu plano para que obtenhamos ajuda de
alguém por lá.
— Como não adianta procurar seus familiares — explicou Nicholas —,
será melhor trocarem seus títulos e se apresentarem como aristocratas
fugindo de revolucionários que pretendem massacrá-los.
— Mas… — murmurou Alvita, achando a idéia absurda.
— Ao serem considerados como pessoas de alta importância social,
vocês acabarão descobrindo que os ingleses, apesar de individualistas, irão
recebê-los de braços abertos. Não pelo que vocês realmente são, mas por seus
títulos.
— Mas qualquer um que conheça os russos, ou que seja russo, saberá
que nossos títulos são de “conde” e de “condessa”, como os de nossos pais —
alegou ela. — Por outro lado, quando ia a São Petersburgo, papai era
chamado de “general” sem jamais ter assumido tal posto ao servir o exército.
— Isso mesmo — confirmou Ivor.
— Certa vez, quando estavam de férias em outra região do país, papai
adotou o título de conde e mamãe o de condessa, porque ela sabia que aquilo
era o mínimo que seus amigos esperariam dele por ter uma esposa inglesa.
— Pelo visto, seu pai era um homem muito astuto — disse o conde. —
Deve ter sido admirado entre os membros da nobreza dos países vizinhos.
Portanto, é bem provável que vocês também passem a ser admirados pela
corte britânica.
— Será uma experiência diferente — opinou Ivor.
O conde sorriu, antes de prosseguir com a explicação.
— Em vez de ficar pedindo ajuda, como pobres fugitivos, vocês
receberão ofertas para se hospedarem nas mais requintadas mansões da
coroa, e serão apresentados ao alto círculo social inglês.
Mesmo achando tudo aquilo arriscado, Alvita achou melhor
perguntar:
— E milorde já pensou nos títulos e sobrenomes que usaremos? Será
perigoso usarmos também o mesmo sobrenome, pois poderemos nos deparar
com algum conhecido ou familiar de nossa mãe.
— Pensei em tudo isso — respondeu Nicholas. — De qualquer
maneira, acho que consegui deixar claro que vocês deverão se passar por
outros nobres diante dos ingleses, para receberem ajuda.
— Sim, claro — concordou Ivor. — Sei que minha irmã também já
percebeu que não há outra forma de nos salvarmos, não é, Alvita?
— Farei o que você me disser que deve ser feito, mas isso tudo me
parece arriscado demais.
— Será arriscado para todos nós, milady — salientou o conde. — Por
isso mesmo é que deveremos ser muito cuidadosos. Mas trataremos de
providenciar um futuro confortável a vocês. Algo que seus pais aprovariam.
E só há uma forma de garantir isso.
— O que pretende que façamos? — perguntou Alvita, apreensiva.
— Bem… Eu e Ivor já definimos que vocês serão o príncipe e a
princesa Golbachov.
— Príncipe e princesa Golbachov?! — repetiu Alvita, surpresa. — Não
acham que são títulos altos demais?
— Será o único jeito de sermos respeitados, Alvita, já que chegaremos
como refugiados — falou Ivor, antes que Nicholas pudesse dizer algo. — Só
assim seremos aceitos pela alta sociedade londrina, onde mamãe gostaria que
estivéssemos. Caso contrário, não passaremos de pobres refugiados, a quem
eles apenas atirarão migalhas.
— Mas com certeza acabarão descobrindo que não somos príncipes!
— Milady sabe quantos príncipes e princesas há na Rússia? —
interveio Nicholas. — Pelo que rege nossas normas, uma criança herda o
título do pai assim que nasce. Dessa forma, temos alguns milhares de nobres
com esses títulos. Isso sem falar dos condes e das condessas.
— Mesmo assim, e se pesquisarem? — argumentou Alvita.
— Duvido muito que exista uma lista, completa e atualizada, de toda a
nobreza russa. E se houvesse, com certeza não estaria em poder dos ingleses.
Não existe um relatório que possa definir quem é quem na nossa aristocracia.
— Mas por que teremos de assumir títulos tão exacerbados? —
questionou ela.
— Porque será melhor estarmos em meio aos mais ricos e poderosos
da Inglaterra — explicou o conde, com um sorriso paciente. — Precisaremos
de toda ajuda e generosidade que os nobres ingleses estarão dispostos a nos
oferecer, graças a esses títulos principescos. Pode ter certeza de que esses
mesmos homens afortunados contariam cada centavo, antes de oferecer ajuda
a um desconhecido.
Ivor balançou a cabeça afirmativamente.
— Isso é verdade. Pois bem, iremos como príncipe e princesa, e você,
Nicholas, continuará sendo um conde. Não há mais o que discutir a esse
respeito. Tenho a sensação de que o futuro nos reserva muitos momentos
agradáveis, mas isso dependerá de sairmos ilesos deste país, que se tornou
um verdadeiro barril de pólvora.
Alvita gostaria de poder argumentar, pois sempre amara a Rússia e
tivera uma vida feliz ali. Seu pai, um russo típico, pertencera a uma família
respeitada e conhecida no Cáucaso. Ela se lembrava vagamente de um tio
dele que era um nobre legítimo, mas não conseguia se recordar nem do nome
nem do título do parente distante.
De qualquer maneira, ficara mais do que evidente que seria inútil
argumentar com Ivor, uma vez que ele já estava mais do que decidido a
deixar a Rússia.
Talvez seu irmão e o conde estivessem exagerando na análise das
conseqüências da revolução, mas não restava dúvidas de que seria algo
violento e perigoso. Nos dias que se seguiriam, seria mais seguro estar na
Inglaterra do que ali.
— Então está bem — concordou, por fim. — Quando pretendem
partir? Tenho de arrumar minhas roupas e tudo o mais que pudermos levar
conosco.
Olhando em torno de si ao falar, pensou no choque que sua mãe
sentiria se visse o que estava prestes a fazer. A casa sempre estivera tão
ornamentada e impecável… Parecia cruel ter de privar a bela propriedade de
seus tesouros.
Lembrou-se de que havia peças de prataria belas e valiosas guardadas
no cofre. Haviam sido compradas na França, logo após o casamento de seus
pais. Naquela época, os dois ainda tinham muito dinheiro disponível.
Os tesouros, presentes de um marido dedicado a uma esposa
carinhosa, não poderiam ser deixados para trás, e acabarem sendo
transformados em mero produto de roubo para saqueadores revolucionários.
Como que lendo os pensamentos da irmã, Ivor disse:
— Vou ajudá-la a embalar tudo que você decidir levar. Acho mesmo
conveniente que cheguemos à Inglaterra com algumas posses, e não apenas
com as roupas do corpo.
Nicholas, que observava tudo com aparente satisfação, falou:
— Como estarão se passando por pessoas de grande importância,
precisaremos arrumar empregados que levem a bagagem para o navio. Mas,
por enquanto, ninguém deve saber que estamos de partida. Eu e Ivor
cuidaremos da bagagem, quando chegar a hora.
— Só não podemos deixar para trás tudo o que era importante para
mamãe — declarou Alvita, olhando para o irmão.
— Claro — concordou ele. — Levaremos tudo o que for possível
carregar. Por outro lado, tenha em mente que se não sairmos rápido daqui,
poderemos ser impedidos de fazê-lo.
— Então vou embrulhar a prataria imediatamente. Também não
podemos esquecer as jóias de mamãe. Pelo menos elas terão valor em
qualquer lugar. Se nada mais nos restar, conseguiremos vendê-las e não
passaremos fome.
— Jamais passará fome na Inglaterra, sendo uma princesa, milady —
afirmou o conde. — Sei que a nobreza britânica trata com toda pompa
aqueles que têm títulos importantes.
— Espero que esteja mesmo certo — falou Ivor. — Pelo que conheço
dos ingleses, eles costumam ser bastante reservados com estranhos.
— É verdade — concordou Nicholas. — Mas posso garantir que eles
recebem muito bem aqueles que têm grande notoriedade social. Se for
perspicaz o bastante, terá o que quiser deles.
— Bem… Estou convencido, e creio que minha irmã também. Vamos
logo pôr esse plano em prática.
— Agora está falando com bom senso! — festejou o conde. — Sugiro
que comecemos a retirar as pinturas das molduras, enquanto sua irmã faz as
malas e arruma as coisas que ela considere importante para assegurar sua
imagem de princesa.
— Não concordo em fazer parte dessa farsa — declarou Alvita, ficando
de pé. — Mas como sempre obedeci a meu irmão, farei o que estão me
pedindo. Só não sei se conseguirei participar deste ardil até o fim.
Ao ver Alvita fitá-lo de forma tão desafiadora, Nicholas sorriu, com ar
de deboche. Ao vê-la caminhar na direção da porta, disse:
— Estaremos partindo ao pôr-do-sol, antes que alguém possa perceber
o que está se passando. Tomaremos um dos navios que zarpam
continuamente do mar de Mármara. Só espero que o capitão que conheço
ainda esteja por lá, porque isso facilitará muito o andamento do plano
Quanto mais rápido chegarmos, mais cedo estaremos em segurança.
Alvita ouviu as palavras do conde quando já passava pela porta.
Cabisbaixa, saiu da sala com ar de tristeza, incerta sobre o futuro que a
aguardava.
CAPÍTULO II

Alvita começou a arrumar as roupas na mala. Em sua mente, restava


apenas uma certeza: estariam sem dinheiro quando chegassem à Inglaterra.
Pelo visto, Nicholas os faria vender tudo que fosse possível, se achasse
necessário.
Após cuidar das próprias roupas, tratou de embalar as jóias de sua
mãe. Em seguida, retirou das paredes os quadros que seus pais tanto
adoravam, mantidos no salão principal da casa.
Aos poucos, todas as pinturas foram sendo retiradas de suas
molduras. Havia obras de arte espalhadas não apenas no salão principal, mas
por toda a mansão. Tudo muito valioso e especial para Alvita.
Além das pinturas, existiam também outros tipos de arte, como
esculturas e ornamentos em ouro e prata, alguns deles encrustados com
pedras preciosas. Haviam sido presentes dados e recebidos com muito amor
e carinho, em ocasiões comemorativas das vidas de seus pais.
Um sorriso se insinuou em seus lábios, ao se lembrar de quando
guardava os trocados de sua mesada para comprar um presente especial para
sua mãe ou para seu pai. Assim que alcançara um mínimo de compreensão,
Alvita fora ensinada a compreender o real valor de tudo, inclusive o do
dinheiro. Aprendera que o poder monetário deveria ser usado também para
ajudar os mais necessitados, além de proporcionar os pequenos prazeres da
vida.
Todavia, era doloroso pensar que tudo o que aquela casa representava
em suas lembranças nada significaria para os saqueadores, que se
aproveitariam da revolução como desculpa para sua bandidagem. Por isso
era tão importante levar tudo o que pudesse consigo.
Ao terminar de arrumar a bagagem do andar de cima, Alvita deu por
falta da criadagem. Foi até a biblioteca e ficou surpresa ao descobrir que,
naquele meio tempo, Ivor e Nicholas haviam recolhido todos os quadros das
paredes e desmontado suas molduras, enrolando as pinturas
cuidadosamente.
Os adornos e peças de valor que enfeitavam mesas e estantes haviam
desaparecido. Estranho como aquilo tudo parecia estar acontecendo depressa
demais.
Ao mesmo tempo em que achava triste ver a beleza da casa ser
desfeita de uma forma tão abrupta, Alvita também considerava inaceitável
que estranhos desfrutassem daqueles tesouros.
Seria tudo aquilo realidade ou um mero pesadelo, do qual despertaria
de um momento para outro?, perguntava-se de vez em quando, aflita.
Ao chegar à sala de jantar, encontrou Ivor e Nicholas embalando a
prataria comum, de uso cotidiano. O cofre estava aberto, vazio, e os
ornamentos haviam desaparecido, como que por encanto.
— Já terminou de arrumar suas coisas? — perguntou Ivor, ao vê-la. —
Foi bastante rápida. Bem, empacotamos tudo o que havia no cofre, aqui na
sala de jantar, na biblioteca, nos corredores, no hall e na recepção.
— Percebi — respondeu Alvita. — A casa parece vazia e inóspita.
Talvez assim os saqueadores não a considerem interessante.
— Tenho certeza de que nossa casa será um dos primeiros lugares que
os saqueadores locais invadirão, assim que os revolucionários chegarem à
nossa região — disse Ivor, com pesar. — Pois espero que tenham uma grande
decepção aqui, que é o que merecem!
— Claro que merecem — concordou Nicholas. — Mas não se esqueça
de que não vale a pena tentar enfrentá-los. Quanto antes sairmos daqui,
melhor. Está pronta para partir, Alvita?
— Sim, estou. Mas sinto-me tão triste… Este foi o lugar onde passei
todos os bons momentos de minha vida. Foi onde aprendi a ser feliz.
Nicholas sorriu.
— Entendo. Mas temos de ser práticos, milady. Não podemos evitar o
que está para eclodir. Quanto antes eu os tirar daqui, maiores serão nossas
chances de salvar seus pertences e evitar que sejam levados a uma situação
comprometedora. Por isso ninguém deve saber que estamos de partida.
— Mas os serviçais poderão falar sobre o que estamos fazendo. E se
nos denunciarem? Se bem que não vi nenhum deles, desde que Ivor foi
servido por Boris… O que aconteceu? — indagou ela.
— Fui bastante prevenido — explicou-lhe o irmão. — Ao chegar no
vilarejo, ouvi falar de um espetáculo circense que acabara de chegar à região.
Havia uma multidão de crianças e de adultos reunida em um dos parques,
esperando para ver o desfile dos palhaços e, é claro, a apresentação dos
animais, a atração principal do circo.
Ao ouvir aquilo, Alvita deduziu o que acontecera.
— E você dispensou os empregados, sugerindo que eles fossem até lá?
— Na verdade, estavam todos ansiosos por uma licença — explicou
Ivor, terminando de fechar uma caixa. — Mas quando retornarem, já
deveremos estar longe daqui, a caminho do mar Negro.
Perceber que estava prestes a passar por uma mudança tão radical fez
Alvita se sentir um pouco desorientada. Não estava sendo fácil conciliar em
sua mente tudo o que ocorrera nas últimas poucas horas. Em um instante,
estava pensando na próxima florada de suas plantas e,no instante seguinte,
via-se fugindo de uma louca revolução e de saqueadores oportunistas.
Havia ainda muitos outros pertences que desejaria levar consigo. Entre
eles, os livros de seu pai, que abarrotavam a biblioteca. Isso sem contar as
armas e os equipamentos de pesca da sala de jogos, que deveriam pesar um
bocado. Por fim, viu-se obrigada a admitir que seria um resgate impraticável.
Como não seria de interesse de Ivor, tudo aquilo teria de ficar para trás. Além
disso, tinha noção de que seria inútil e desgastante tentar discutir sobre
aquilo.
Os dois homens estavam organizando a bagagem do lado de fora, para
os três poderem partir antes do retorno dos empregados.
Alvita voltou ao quarto, a fim de se vestir com a roupa que deixara
preparada sobre a cama. Separara um vestido elegante e o mais caro casaco
de pele que pertencera à sua mãe. O seu não era tão valioso e raro quanto
aquele, que lady Gorchev ganhara como um presente especial, em um dos
aniversários de casamento.
A lembrança daquele momento ainda permanecia viva em sua mente.
— Querido! — exclamara sua mãe. — Esta pele é digna de uma rainha!
— Mas você é a minha rainha, meu amor — respondera seu pai. — A
dona de meu coração e da admiração de todos que a cercam.
Ao observar seus pais se beijarem, esquecidos da presença da filha
pequena, que os olhava com ar surpreso e curioso, Alvita ficara boquiaberta.
— Eu te amo — murmurara ele.
— Este é o presente mais adorável que você já me deu, querido. Vou
cuidar muito bem dele.
— Tudo que espero é que o vista e sinta-se como uma rainha.
E era justamente assim que Alvita se lembrava de sua mãe. Uma
verdadeira rainha, em elegância, beleza e sabedoria.
Alvita sorriu, ao colocar o casaco sobre os ombros. Por certo, ele
também a deixaria com aparência de alguém da nobreza, talvez até a de uma
princesa de verdade.
No momento, não tinha muito tempo para se preocupar com a
aparência, mas era necessário ficar o mais apresentável possível.
Por isso, também tivera o cuidado de usar o mais caro e belo vestido
que tinha no guarda-roupa. Para completar, colocou o melhor chapéu que
pertencera à sua mãe. Reconheceu que não estava frio o suficiente para vestir
o casaco, mas seria a forma mais segura de levá-lo consigo.
Além do mais, o casaco poderia vir a ser útil quando estivessem em
alto-mar, pensou. Se o navio se encontrasse cheio demais, talvez não fosse
possível conseguirem cabinas individuais.
Após se aprontar, guardou todo o dinheiro que havia em casa na
melhor bolsa que possuía. Olhou ao redor, certificando-se de que nada fora
esquecido, e sentiu uma onda de tristeza. Seria como deixar para trás uma
parte de si mesma. Passando a mão delicadamente sobre o delicado lençol de
seda sobre a cama, lembrou-se de uma cena de um passado não muito
distante.
— Acho que a senhora deveria guardar estes lençóis para quando
estivéssemos hospedando alguém muito importante, mamãe — dissera, certa
vez.
— Ora, minha querida… Ninguém é mais importante para mim do
que seu pai. Ele é um homem maravilhoso, e quero que tenha tudo o que há
de melhor. Sempre.
— Tenho certeza de que é isso o que ele sente pela senhora também —
respondera, comovida.
— Oh, sei disso, querida. Nós nos amamos muito. Quando se ama
verdadeiramente, tentamos trazer até o brilho das estrelas para oferecer em
forma de presente à pessoa amada. No caso de seu pai, posso dizer que só o
fato de sentir o perfume dele já me traz felicidade.
— Sente isso porque o ama?
— Sim, e porque ele também me ama — respondera sua mãe, com seu
costumeiro tom suave de voz. — Sei que se ele pudesse, faria de mim uma
rainha de verdade. Por isso tento dar a ele tudo o que há de melhor. Se seu
pai fica feliz, fico também.
— E quanto a mim, mamãe?
— Nós nos sentimos muito felizes em tê-la conosco, querida. Muito
felizes. Sempre agradecemos a Deus por tê-la enviado a nós, como um
anjinho…
Daquele momento em diante, Alvita passara a pensar em si mesma
como um anjo encarregado de trazer a felicidade às pessoas.
Quando seus pais faleceram, sentiu-se na obrigação de cuidar de seu
irmão e de deixá-lo feliz, como sua mãe fizera em vida.
Por isso, sabia que deveria acompanhar Ivor, mesmo não
compreendendo por que ele estava tão preocupado com os revolucionários, já
que eles não pertenciam à realeza, mas à plebe. Contudo, se aquele perigo
fosse mesmo verdadeiro, o melhor que poderia fazer seria segui-lo e obedece-
lo.
Com os olhos marejados de lágrimas, ajoelhou-se por um instante e fez
uma prece em silêncio, ao pé da cama que outrora pertencera a seus pais.
Pedir a ajuda deles pareceu-lhe a atitude mais sensata naquele momento.
Sabendo que não adiantaria adiar mais a partida, tomou a decisão de
sair dali e de descer a escada, de volta para o local onde Ivor e Nicholas a
aguardavam.
Eles já haviam acabado de empacotar a mudança e estavam colocando
a bagagem na carruagem que trouxera Nicholas.
Quando acabaram, a falta de espaço tornou impossível sentarem-se
dentro do veículo. Foram obrigados a ocupar o assento do condutor, que, por
sua vez, sentou-se no alto de uma pilha de caixas, logo acima dos
passageiros.
Ainda não havia o menor sinal dos empregados quando a carruagem
partiu em direção ao porto. Diante do comentário de Alvita sobre a demora
dos empregados, Ivor respondeu com certa amargura.
— Devem estar ouvindo algum revolucionário discursar sobre como
se livrar dos patrões, ao final do espetáculo do circo. Pretendem fazer o país
pertencer ao povo, e não à realeza, alegando que esta levou os russos a
perderem sua força e seu prestígio. Dizem que os nobres não têm direito
sobre ninguém!
— Acha que todos pensam assim? — perguntou Alvita.
— A maioria deles. Como disse Nicholas, precisamos nos salvar
enquanto podemos. Senão seremos presos ou até mortos.
— Que coisa horrível… — lamentou ela.
— Sim, minha irmã. Nossos pais ficariam horrorizados com essa idéia.
Por isso é que devo levá-la para um local seguro.
Os cavalos andavam depressa, e as palavras de Ivor eram
acompanhadas pelo som estridente e cadenciado das patas dos animais sobre
o chão frio e árido. Aproveitando-se do ruído, ele baixou o tom de voz e
continuou falando ao ouvido da irmã, de forma que Nicholas não pudesse
ouvi-lo.
— Teremos de fazer tudo o que o conde pedir. Não fique chocada ao
ouvir as sugestões dele.
Alvita perguntou-se o que Ivor estaria querendo dizer com aquilo, mas
limitou-se a concordar com um breve gesto de cabeça.
— Estamos em meio a uma mudança necessária, e por mais que ela
possa parecer difícil em certos momentos, deve guardar seus sentimentos
para si mesma, até que estejamos sozinhos. Só então poderemos falar
abertamente, sem que ele nos ouça.
Alvita achou o pedido do irmão um tanto estranho, mas concordava
que não seria aconselhável tratar de assuntos particulares na frente de
Nicholas, ou de qualquer outro estranho.
Para disfarçar, falou em um tom de voz mais audível:
— Estou tão feliz que estejamos reunidos de novo! Ficaria apavorada
se a revolução viesse e eu estivesse sozinha.
Por favor, não me abandone quando chegarmos a nosso destino,
mesmo que estejamos a salvo dos revolucionários.
— Não vou abandoná-la. Sei que papai gostaria que eu tomasse conta
de você. Mas não creio que venhamos a correr algum perigo, se fizermos tudo
o que Nicholas mandar. Ele nos instruirá mais detalhadamente a bordo do
navio.
— Oh — murmurou Alvita, vendo o irmão suspirar.
— Isto é, se chegarmos ao navio — salientou ele. — Afinal, não
seremos os únicos a tentar abandonar a Rússia, agora que a revolução
começou. Como nós, todos pensaram que não passava de mais uma ameaça
vazia, como as que houveram no passado. Mas o processo foi deflagrado e
seremos obrigados a reconstruir nossas vidas em outro lugar. Teremos sorte
se conseguirmos levar nossos pertences conosco.
— Começarei a considerá-los como nosso tesouro — disse ela,
sorrindo para o irmão, na tentativa de acalmá-lo.
Passou-se mais de uma hora e meia até que alcançassem o porto do
mar Negro, onde os navios atracavam antes de seguirem para o mar de
Mármara. Era um lugar sempre cheio de gente, pois não havia outro modo de
os russos chegarem ao Mediterrâneo.
Na verdade, pelo que Alvita sabia, essa era uma das principais razões
de, sempre que podiam, os russos tentarem conquistar um dos pequenos
principados da região balcânica. Pensavam que, se conseguissem terras o
suficiente, poderiam ter um acesso próprio ao Mediterrâneo.
Mas nunca obtiveram sucesso na tal empreitada. Para o czar, a maior
tortura era saber que não podia chegar ao mar nem pelo norte nem pelo sul.
Diante de tais circunstâncias, parecia improvável que os
revolucionários tivessem sucesso onde as famílias reais haviam falhado.
Contudo, a intuição lhe dizia que continuariam insistindo até conseguirem
tomar os pequenos e centenários principados.
Assim que avistaram os navios, Ivor se animou.
— Lá estão eles! Conseguimos! Nicholas, você é um gênio! Agora
poderemos partir sem que nos detenham.
— Reze para que isso seja mesmo verdade, e para que a sorte nos
sorria, meu caro — respondeu o conde, parecendo tenso. — Temos de
conseguir um navio que nos leve embora, mas tenho receio de que os
revolucionários deduzam que, como nós, um grande número de pessoas
tenha percebido que a única saída para quem está no sul é através do mar
Negro.
Conforme se aproximaram mais do porto, o silêncio foi dominando a
carruagem. Alvita se inclinou para Ivor e sussurrou-lhe ao ouvido:
— Estou fazendo preces. Sinto que papai nos ajudará, se pedirmos.
— Então peça ajuda a ele, minha irmã, pois precisaremos… Como que
em resposta às preces de Alvita, logo viram que, dos dois navios ancorados,
um deles ostentava a bandeira britânica.
Assim que percebeu a procedência da embarcação, Nicholas pediu ao
condutor que parasse próximo à rampa de acesso. Assim que a carruagem foi
estacionada, ele desceu da carruagem e disse:
— Já viajei em dezenas de navios provenientes da Inglaterra. Espero
que o capitão deste seja um de meus conhecidos, pois fiz amizade com vários
deles e os deixei de sobreaviso, caso precisasse deixar a Rússia.
— Então vá lá, homem! — falou Ivor, quase desesperado. — Se for
necessário, iremos até junto com a carga. Tudo o que precisamos no momento
é de um navio inglês!
— Claro que é isso o que mais queremos agora, mas lembre-se de que
você e Alvita deverão se comportar como príncipe e princesa. Nada de
implorar! Também não se esqueçam de seus novos sobrenomes e títulos.
Assim que Nicholas subiu a bordo, Alvita continuou orando. Seu olhar
e o de Ivor se mantiveram atentos à bandeira inglesa, hasteada de forma
imponente no mastro principal. Notaram apenas de relance um navio menor,
ancorado ao lado, exibindo a bandeira egípcia.
“Oh, Deus, é perigoso ficar aqui no porto, com toda essa bagagem na
carruagem”, pensou Alvita. “Se não conseguirmos lugar neste navio inglês,
acho que acabaremos indo para o Egito. Mas duvido que seja possível ser
feliz lá como eu poderia ser na Inglaterra.”
Tal sentimento era fruto de todas as histórias que sua mãe contara, e
que lhe despertara um profundo desejo de conhecer aquele país. Parecia uma
espécie de atração natural, despertada em seu ser por meio de sua mãe.
Mesmo não mantendo laços fortes com as pessoas que deixara na
Inglaterra, lady Gorchev lhe contara muitas histórias sobre a casa, os parentes
e os amigos que tivera por lá. Mas, no final da vida, ela já não tinha nenhum
contato com seu país de origem.
— E quase impossível manter contato, devido a toda a distância que
nos separa da Inglaterra, ainda mais depois de todos esses anos — explicara
ela, certa vez, quando Alvita a questionara sobre os parentes que moravam
na Europa. — Sempre esperei que seu pai decidisse voltar à Inglaterra, e que
me levasse para visitar a família. Mas tudo foi ficando cada vez mais difícil e
dispendioso.
— E seu amigos? — indagara Alvita.
— Perdi contato com todos. Se formos à Inglaterra um dia, ninguém
estará esperando por nós.
As palavras de sua mãe ecoaram em sua memória como uma triste
profecia, que viria a se realizar da pior forma possível: uma fuga repentina e
uma troca de títulos e de sobrenomes.
O plano de Nicholas, para impressionar a aristocracia inglesa, parecia
absurdo.
Se o conde merecia receber crédito ou não, apenas o tempo diria. Mas
tudo parecia tão irreal que era difícil manter a esperança. Da mesma forma,
parecia inacreditável que, no dia anterior, ela estivera na varanda,naquele
mesmo horário, fazendo planos para a primavera, que deixaria a casa ainda
mais bela.
Se alguém lhe falasse que, em menos de vinte e quatro horas, ela
estaria saindo do país para nunca mais voltar, com certeza teria conseguido
fazê-la rir.
De súbito, Ivor disse algo, fazendo-a despertar para o presente.
— Precisamos agir exatamente como Nicholas recomendou — dizia
ele. — Serei eternamente grato a ele, pelo que está fazendo por nós, salvando-
nos de um destino cruel.
— Sim, ele nos salvou — respondeu Alvita, segurando a mão do irmão
entre as suas. — Também estou muito agradecida. Só espero que consigamos
ir mesmo para a Inglaterra, e não para outro país qualquer, cujo idioma nos
seja estranho. Temos sorte por mamãe haver nos ensinado seu idioma.
— Não se preocupe. Tenho certeza de que Nicholas conseguirá nos
levar para a Inglaterra.
Ivor mal acabara de falar e o conde já estava retornando na direção
deles.
Contendo o fôlego inconscientemente, ela fechou os olhos e começou a
orar, pedindo ajuda aos céus. Foi então que ouviu a pergunta apreensiva de
seu irmão.
— E então? Temos boas ou más notícias?
— Ótimas! — respondeu o conde. — O capitão tem espaço para nós e
para a bagagem, e está partindo daqui com destino a Southampton, com
poucas paradas.
— Conseguimos! — festejou Ivor. — Conseguimos mesmo!
— O primeiro passo foi dado, e estamos um pouco à frente dos
acontecimentos — respondeu Nicholas. — Mas a parte mais importante
caberá ao resultado do que você e Alvita fizerem… Agora temos de nos
apressar! O capitão teme que os revolucionários possam começar a parar os
navios estrangeiros que estão deixando a Rússia, para retirar os russos em
fuga e tomar seus pertences.
— Isso não pode acontecer! — protestou Ivor.
— Ele ouviu dizer que a violência eclodiu em São Petersburgo, e agora
quer partir o mais depressa possível.
O condutor segurou os cavalos, e um grupo de homens se aproximou
da carruagem. Ivor arregalou os olhos e Alvita ficou apreensiva. Felizmente,
porém, o conde passou a dar ordens:
— Carregadores, peguem essa bagagem com todo cuidado. Ela
pertence a pessoas muito importantes.
Após receber ajuda para descer da carruagem, Alvita observou que
aqueles homens haviam sido incumbidos de carregar o peso. Sem ter como
ajudar, começou a caminhar pela rampa que levava a bordo do navio.
Embalada pelo leve balanço da rampa, sentiu como se estivesse
entrando em um novo mundo. Um lugar desconhecido e diferente de tudo o
que vira até então. A sensação era ao mesmo tempo excitante e assustadora.
Estava deixando para trás a pessoa que fora, e começava a tornar uma nova
mulher.
Ao chegar no topo da rampa, deparou-se comum homem de uniforme
impecável, que parecia ser o capitão. Mesmo sabendo que Ivor, o conde e os
carregadores estavam atrás dela, pisou no convés e subiu a bordo.
No mesmo instante, o capitão estendeu-lhe a mão.
— Bem vinda a bordo, alteza — disse ele. — Estou honrado em poder
levá-la à Inglaterra, e espero poder tornar sua viagem confortável. Creio que
gostará muito da vida em minha terra natal.
— Muito obrigada, capitão. É muita cortesia de sua parte — respondeu
Alvita, com um sorriso.
Ele se virou para Ivor e disse:
— Sua Alteza está agindo com muita inteligência, deixando a Rússia o
mais rápido possível. Ouvi coisas terríveis sobre o levante que se iniciou no
norte. Quanto mais cedo eu levá-los em segurança para a Inglaterra, melhor.
— E nós lhe seremos muito gratos — disse Ivor, do lado de fora do
navio. — Aliás, já somos, por aceitar nos ajudar em um momento de tanta
necessidade — respondeu Ivor.
— Farei o possível para tornar a jornada agradável
— prometeu o capitão.
— Oh, olá novamente, capitão — falou o conde, ao se aproximar, no
final da fila de carregadores.
— Nicholas! Fico feliz que tenha conseguido chegar aqui a tempo, com
seus distintos amigos da nobreza. Pretendo içar âncora agora mesmo, para
que possamos ir logo a alto-mar. Fiquem tranqüilos de agora em diante, pois
ninguém poderá impedi-los de deixar a Rússia.
Alvita ainda sentia-se tensa. Ao sair da rampa, ficara chocada ao ser
chamada pelo título de nobreza. Havia se esquecido completamente de que
deveria desempenhar aquele papel. Em sua mente, imaginou milhares de
maneiras de pôr tudo a perder com uma distração como aquela. No mesmo
instante, assumiu o compromisso de ser mais atenciosa no futuro.
Ao mesmo tempo, sentia-se culpada por ter de mentir, temendo jamais
receber o perdão de seus pais por isso.
Impressionado por pensar que eles eram realmente membros da
realeza, o capitão levou-os às melhores cabinas do navio.
Alvita ficou impressionada ao ver que sua cabina, além de ampla, era
também uma suíte, cujo banheiro possuía banheira com água quente. Os
armários tinham espaço suficiente para guardar todas suas roupas, caso
pretendesse desfazer as malas.
Ivor ficara instalado na cabina ao lado, e Nicholas em uma ao lado da
dele.
— Providenciarei para que tenham serviço de quarto. Se precisarem de
algo, é só solicitar — disse o capitão.
— Somos muito gratos ao senhor — respondeu Alvita.
— Só espero que possamos zarpar sem maiores complicações, e o mais
depressa possível.
— Providenciarei isso agora mesmo — assegurou o capitão. — Mas
não se preocupe. Ninguém aqui tem o direito de tentar me ditar ordens, pois
sou um cidadão inglês, dentro de meu próprio navio. Não podem opinar
sobre quem eu posso ou não posso levar para alto-mar. Agora que estão a
bordo, garanto que poderei levá-los em segurança para a Inglaterra.
— Isso me tranqüiliza bastante — afirmou Alvita.
— Na verdade, o navio já está cheio e tenho a intenção de zarpar
quanto antes. Faremos uma parada em Atenas e outra em Marselha. Mesmo
assim, chegaremos na Inglaterra muito mais rápido do que Sua Alteza possa
imaginar.
— Tudo o que posso dizer é que sou extremamente grata por sua
cortesia — respondeu Alvita —, e por nos deixar viajar em seu navio.
— Mas poder transportá-la é uma honra para toda a frota inglesa!
Vendo que o capitão sentira-se orgulhoso com os elogios, Alvita
continuou:
— Enquanto estivermos a bordo, espero que possa me mostrar como
esta embarcação funciona. Isto é, se não for causar incômodo. Tenho certeza
de que meu irmão também gostaria de ver suas explicações.
— Sinto-me honrado com o interesse de Sua Alteza pelo navio. Meu
pessoal ficará encantado em lhes dar todas as explicações que quiserem.
— Será interessante observar como tudo acontece — completou ela,
sorrindo.
— É um privilégio tê-los a bordo — disse ele a todos. Quando o
capitão se retirou, Alvita entrou na cabina e sentou-se na cama. Tudo estava
ocorrendo conforme os planos de Nicholas.
De súbito, viu-se tomada por uma sensação de alívio. Estar a salvo de
um grande perigo, mesmo que por meio de uma fuga arriscada, transmitia
uma sensação de tranqüilidade e de conquista.
Por outro lado, saber que estava se passando por outra pessoa era algo
muito incômodo.
“Não posso me dar ao luxo de cometer erros”, pensou.
Seria o cúmulo da humilhação ser desmascarada em público, por falsa
identidade.
Depois de passar alguns minutos sozinha, ouviu uma batida à porta.
Era Ivor, seguido de perto por Nicholas.
— Conseguimos! — exclamou seu irmão. — Acho que nunca
imaginaríamos estar a bordo do H.M.W. Victorious, a caminho da Inglaterra.
— Mesmo assim, não consigo deixar de me sentir assustada —
observou Alvita. — E se eu me esquecer de que tenho de me comportar como
uma princesa?
Porém, antes que Ivor pudesse responder, Nicholas tomou a palavra.
— Mas milady parece uma princesa! Fala e age como uma! Garanto
que será impossível questionar sua origem nobre, agora que está usando o
título.
— Só espero que isso seja mesmo verdade — falou ela. — Será terrível
se formos desmascarados.
Nicholas riu.
— A Rússia é muito grande, e há uma infinidade de nobres neste
país… Só o número de condes e de condessas deve chegar perto de um
milhão!
Mesmo achando que se tratava de um argumento fraco e exagerado,
Alvita preferiu não contrariá-lo, como recomendara-lhe o irmão.
— Ora… — interrompeu Ivor, antes que sua irmã respondesse. —
Tudo o que posso dizer é que, depois de tudo o que fez para nos salvar,
merece toda nossa gratidão, Nicholas. Estou certo de que Alvita está tão grata
quanto eu, e fará o que você pedir, não é mesmo, minha querida?
— O que precisarei fazer exatamente? — perguntou ela, mesmo
notando o tom preocupado na voz do irmão.
— No momento, não há pressa em conversarmos sobre isso —
respondeu o conde, evasivo. — Falarei com milady mais tarde e estou certo
de que ela entenderá a gravidade da situação, dispondo-se a ajudar no que
for preciso.
Ela olhou para Nicholas e então para Ivor. Ao fitar o conde outra vez,
notou que ele franzira o cenho na direção de seu irmão. Obviamente, aquele
olhar era uma instrução para que Ivor não falasse mais nada.
“O que estará acontecendo?”, perguntou-se ela. “O que estarão
escondendo de mim? Haverá ainda mais alguma surpresa em toda essa
trama?”
Nesse instante, o navio começou a se mover. Ivor e Nicholas saíram
depressa da cabina, dispostos a admirar a cena da partida, quando a
embarcação deixa o porto e se dirige para o mar aberto.
Sozinha, sentada em sua cama, Alvita pôs-se a pensar na revolução e
em tudo o que estava acontecendo.
“Estamos a salvo e saindo da Rússia”, refletiu, tentando se
tranqüilizar. “Ninguém mais poderá nos deter e, em breve, chegaremos à
Inglaterra.”
Contudo, a intuição lhe dizia que ainda não chegara o momento de
ficar tranqüila. Havia algo em andamento que escapava de sua compreensão,
e seria impossível sentir tranqüilidade enquanto não estivesse tudo
esclarecido.
CAPÍTULO III

O navio se moveu lentamente para longe do porto, seguindo em


direção ao mar aberto.
Alvita foi até o convés, ver as ilhas que haviam recebido nomes de
deuses gregos, e das quais ela tanto ouvira falar e lera a respeito nos livros.
Estava particularmente ansiosa para conhecer aquela que era dedicada
a Apoio, o deus da música e da poesia. Também ouvira dizer que ninguém
tinha permissão de morrer na ilha de Delos.
Como muitas pessoas iam até lá com o objetivo de encontrar o amor,
cultuando o deus da música e da poesia, achava que a atmosfera da ilha
devia ser muito agradável.
Nem era necessário perguntar a Ivor, e muito menos a Nicholas, se
eles gostariam de parar para conhecer o lugar. Ambos queriam apenas chegar
o mais depressa possível na Inglaterra, ou se afastar ao máximo da Rússia e
dos Bálcãs. De qualquer maneira, não chegariam à Grécia antes da manhã
seguinte.
Para sua surpresa, o navio não parou à noite, como era de se esperar.
Continuou navegando, mesmo na escuridão. Ao acordar, Alvita descobriu
que estavam próximos a Atenas. A sensação de alívio aumentou ainda mais.
Aquela distância, os três estavam realmente a salvo da rebelião que ficara
para trás, na Rússia.
Estavam indo em direção ao mar de Mármara. Segundo o capitão, até
o horário do jantar ainda estariam na região do mar Negro, pertencente ao
domínio russo. Tanto Ivor quanto o conde estavam temerosos de que
pudessem ser parados e ter a fuga interrompida.
Alvita, por sua vez, considerava todo aquele medo insano. Não
deveriam estar tão preocupados, já que não eram verdadeiramente da
nobreza. Os revolucionários não se dariam ao trabalho de perseguir um navio
através do mar Negro, para impedi-los de partir.
Ainda assim, Nicholas parecia aterrorizado diante da possibilidade de
ser levado de volta.
Alvita aprendera, talvez devido à herança da sensibilidade de sua mãe
combinada à astúcia de seu pai, que era fácil perceber a verdade em meio à
encenação no comportamento de uma pessoa. Ninguém poderia mudar a
certeza que ela sentia sobre o modo do conde agir. Era possível ver o medo
estampado em seu olhar.
Alvita teve um sono agitado durante a madrugada, com ondas de
preocupação permeando seus sonhos e mantendo-a acordada por horas a fio.
Mesmo assim, só o que pôde fazer com relação ao curso dos eventos foi tentar
dormir, para estar pronta e atenta no dia seguinte.
Quando a embarcação parou de se mover, ela estava acordada. Foi até
a escotilha de seu quarto e, ao espiar para fora, viu que estavam em um
porto.
Pelo que escutara da conversa entre o conde e Ivor, na noite anterior,
esse seria o sinal de que estariam a salvo, pois indicaria que haviam deixado
o mar de Mármara.
Contudo, Alvita nem se importou em se vestir e sair da cabina. Tinha
certeza de que seria privada da oportunidade de desembarcar e de conhecer
as ilhas gregas, mesmo que insistisse na idéia.
Lamentava não haver podido ver mais detalhes das ilhas ao passarem
por lá. Mas a noite estava tão escura que seria impossível enxergar qualquer
coisa, a menos que a lua estivesse cheia.
Entretanto, seria maravilhoso poder desembarcar na praia de qualquer
uma daquelas ilhas, mesmo que fosse no escuro. Ao menos teria satisfeito
parte de seu antigo desejo de conhecer as ilhas gregas.
A agitação da viagem, unida ao fato de haver passado boa parte da
noite acordada, pensando na fuga, deixou-a meio atordoada.
Com o navio bastante tranqüilo e ancorado, ela aproveitou para
dormir por mais duas horas. O silêncio e a calma daquele porto distante
pareceram induzi-la a um nível de relaxamento mais profundo do que
conseguira durante toda a noite.
Quando despertou, foi com Ivor entrando de repente em sua cabina.
— Está acordada? — indagou ele. — Fiquei preocupado quando não a
vi sair da cabina. Pensei que você iria gostar de saber que agora estamos
seguros. O que acha de desembarcarmos um pouco, já que estamos em
Atenas?
— Achei que você só se sentiria seguro para desembarcar quando
chegássemos aqui. Por que estava tão amedrontado?
— Porque poderíamos haver sido barrados antes de estarmos a salvo
— respondeu Ivor. — Como sabe, os saqueadores não hesitariam em alegar
que nossos bens pertencem à pátria, e não a nós.
— Como isso seria possível? Tudo o que trouxemos, e até o que
deixamos para trás, foi comprado por nossos pais! — protestou Alvita.
Ivor aproximou-se da escotilha e olhou a paisagem por alguns
segundos. Depois de permanecer em silêncio durante algum tempo, virou-se
e disse:
— Não há sentido em ficarmos olhando para o passado, imaginando o
que poderia ou não haver acontecido, Alvita. Esqueça a Rússia! Graças a
Nicholas, estamos livres, e agora poderemos começar uma nova vida muito
melhor.
— Mas como posso fazer isso? Por mais que você queira criticar nossa
pátria, ela é a terra onde nossos pais se casaram e aprenderam a ser felizes.
Mamãe não se cansava de afirmar que havia se tornado uma russa.
— Pois esqueça tudo isso! — bradou Ivor. — De agora em diante, você
é uma princesa que fugiu de revolucionários assassinos que queriam matá-la.
— Quanto exagero… Acha mesmo que alguém acreditaria nisso?
— Com certeza o capitão acreditou. E agora já passamos do ponto de
nos arrependermos. Estamos vivos e livres, e isso é o que importa. Não
podemos sequer cogitar o absurdo de voltarmos à Rússia algum dia.
— Não diga isso, Ivor. Por favor.
Ao perceber a angústia da irmã, ele sorriu com brandura.
Aproximando-se dela, sentou-se na cama.
— De agora em diante, refira-se a nosso país com um ar de tristeza. E
quando ouvir falar sobre um membro da família real que tenha sido morto ou
aprisionado, esforce-se para chorar, se for possível, a fim de convencer a
todos de que está realmente consternada.
Ao encará-lo, Alvita deduziu que Ivor só poderia estar brincando.
Porém, o modo como a olhou deixou claro que ele falava sério. Muito sério.
Com um suspiro profundo, balançou a cabeça afirmativamente.
— Está bem. Farei exatamente o que você acabou de dizer. Porém,
continuo intrigada com todo este jogo.
— Sei que deve estar, mas isso não importa. Se não houvéssemos sido
rápidos, não estaríamos com todos nossos pertences. Afinal, trouxemos
conosco os bens de real valor que possuímos.
— Sim, eu sei. E sou muitíssimo grata a Nicholas.
— É exatamente isso o que espero de você — afirmou Ivor. — Lembre-
se de que ele já nos salvou, e de que devemos continuar a fazer tudo
conforme suas orientações.
— E qual o tipo de exigência nos será feita agora? — questionou ela,
sentindo-se pouco confortável.
— O conde nos dirá o que deseja quando chegar o momento certo —
respondeu Ivor. — Não precisamos nos preocupar com isso por enquanto.
— Se é o que você acha, então está bem — anuiu Alvita.
— Agora, troque de roupa. Vou levá-la a um passeio pela costa. Quero
que veja um pouco da Grécia enquanto ainda estamos aqui. Se bem me
lembro, este é o país com o qual você vivia sonhando, não é?
— Sim — concordou ela. — Li tanto sobre a Grécia que gostaria de
poder ficar algum tempo aqui. Seria incrível poder ver a terra de origem dos
deuses e das deusas, e conhecer de perto o que faz parte das lendas.
— Não sei se vamos ficar ou partir. A decisão cabe inteiramente a
Nicholas. Mas é melhor se apressar, ou o navio zarpará antes mesmo que
possamos dar uma olhada na terra dos deuses.
Ivor a deixou só, sem aguardar resposta. Seguindo o conselho do
irmão, Alvita se vestiu bem depressa, enquanto pensava na condição
inesperada que a levara até aquele país.
Quando dirigiu-se à sala de refeições, para tomar o desjejum, o conde
e Ivor já a esperavam no deque principal.
A ansiedade a fez comer pouco e depressa. Estava ansiosa para
retornar ao convés e encontrar os dois.
Enquanto se aproximava deles, ouviu as palavras que Nicholas dirigia
a seu irmão.
— Teremos de ser muito cuidadosos! Você, meu caro, deverá
desempenhar seu papel de modo perfeito, a fim de que ninguém possa
sequer suspeitar da verdade.
— Não vou falhar — afirmou Ivor, só então percebendo a aproximação
da irmã. — Oh, aí está você, Alvita! Estávamos esperando sua chegada para
começarmos a explorar a costa.
— Bom dia — falou o conde. — Comecei a pensar que estávamos com
a bela adormecida a bordo, e que jamais a veria acordar novamente —
brincou.
— Não dormi muito bem à noite — explicou ela. — Para ser sincera,
não consegui descansar direito antes de o navio parar, ao lançar âncora.
— Desculpe-me, mas isso não me ocorreu — confessou Nicholas. — É
claro que deveríamos tê-la alertado que, com a pressa para nos levar até uma
distância segura da Rússia, a embarcação iria navegar durante toda a noite.
O olhar de advertência que ele lançou na direção de Ivor deixou Alvita
intrigada. Era como se o conde estivesse avisando seu irmão para não fazer
nenhuma pergunta ou comentário.
Mesmo estando desconfiada, ela achou mais prudente não parecer
curiosa demais, pois sua atitude poderia colocar seu irmão em uma posição
delicada. Em vez disso, ateve-se à proposta daquela manhã pouco comum:
pisar nas terras gregas.
Nicholas foi falar com o capitão e voltou em seguida.
— Acho que o passeio que seria mais agradável para vocês dois seria
uma visita a Delfos — anunciou ele.
— Oh, eu adoraria! — exclamou Alvita, antes que seu irmão pudesse
responder.
— Eu sabia que isso a agradaria muito, milady — disse Nicholas. —
Conhece a lenda de Apoio, em que é contada a aventura na qual o jovem
deus deixa a ilha de Delos e parte para a Grécia, com um golfinho orientando
o barco até a cidade de Crisa?
— Claro que sim. Lembro-me muitíssimo bem dela — afirmou Alvita,
antes de continuar a narração. — Apoio saiu voando da embarcação, como se
fosse uma estrela brilhante, soltando chamas tão luminosas que clarearam o
próprio céu. Até que a estrela desvaneceu, restando apenas o jovem, armado
com um arco e flechas.
— Sim. E o lugar que serviu de cenário para esse e para outros eventos
da mitologia é também um dos mais belos do mundo.
— Espero poder comprovar isso por conta própria. Será muito
excitante ir até lá.
— Pois então partamos já — sugeriu o conde. — E não se esqueçam de
serem gentis com o capitão, pois ele alterou toda a programação da viagem
apenas para nos agradar.
— Puxa, quanta gentileza — disse Alvita.
— Demonstre sua gratidão agindo com cortesia ao se encontrar com
ele — aconselhou Nicholas. — E lembre-se de agir como uma princesa que,
apesar de toda empolgação, deve se mostrar ansiosa para se afastar da
Rússia.
Ao encará-lo, Alvita confirmou que Nicholas estava mesmo falando
sério. Estranho, mas ele parecia mais amedrontado do que o normal com o
fato de poder haver algum problema durante o processo de fuga.
Novamente, questões inevitáveis vieram à mente de Alvita. Se
estavam fugindo com tanta pressa, deveria existir algum motivo oculto, pois
eles não eram tão importantes a ponto de chamarem a atenção dos
revolucionários. Quanto mais refletia sobre o assunto, mais se convencia de
que algo estava muito estranho naquilo tudo.
Se estavam fugindo para não serem molestados, por que se passarem
por membros da família real, se eram justamente essas pessoas que corriam
risco de vida? As perguntas eram muitas, mas nenhuma delas parecia ter
uma resposta clara ou óbvia.
Conforme a embarcação se movia lentamente para o norte da Grécia,
ela permaneceu no convés, observando atentamente cada trecho de terra por
onde passavam.
Todavia, o que mais a animaria seria a perspectiva de poder
desembarcar e permanecer pelo menos duas semanas naquele país. Seria
maravilhoso conhecer todos os locais históricos e míticos da região.
Entretanto, nem adiantaria verbalizar seus desejos. Os homens não
veriam a menor utilidade em atrasar a fuga para satisfazer a um capricho
como aquele.
Durante o almoço, depois do passeio pelas ilhas, Alvita se limitou
apenas a agradecer a Nicholas por ele haver providenciado aquele passeio
pela costa. Chegaram a Delfos no final da tarde, de onde se podia ver as mais
belas paisagens possíveis de serem imaginadas.
Mesmo querendo passear mais pela região, Alvita nem tivera coragem
de dizê-lo. Estava ciente de que apesar de o conde haver concordado em
manter o navio ancorado em um porto discreto durante aquela noite, ele
continuava ansioso para chegar à Inglaterra o mais depressa possível.
Estranho, mas ele não esclarecera o motivo de serem os únicos
passageiros a bordo, além da tripulação. Além disso, aquela pressa de
retomar a viagem parecia injustificada. Ninguém parecia estar sendo
prejudicado pela mudança de programação do barco, e se demorassem um
pouco mais, não deveria fazer muita diferença.
Também não parecia provável que aquele navio, embora de bom
tamanho, fosse assim tão necessário à Inglaterra, para estar com ordens de
retornar com tamanha urgência. Ainda mais com tão poucos passageiros a
bordo.
Toda aquela trama já estava saindo de suas perspectivas de bom
senso, pensou ela. Quanto mais refletia e analisava os detalhes, mais tinha
certeza de não estar sendo informada sobre tudo o que estava acontecendo.
E o pior era ter certeza de que não obteria respostas satisfatórias de
seu irmão, por mais que insistisse. Além disso, ficara claro que Nicholas
estava se esforçando para não dar oportunidade de Ivor ficar sozinho com
ela. Era como se ele temesse que alguma informação sigilosa pudesse ser
divulgada por Ivor e atrapalhasse seus planos, quaisquer que fossem.
Além do mais, o conde parecia estar evitando sua presença. Ao vê-la
no convés, ele sempre dava um jeito de se retirar por algum motivo, tentando
se manter o mais distante possível.
Só se encontravam à hora das refeições, quando a conversação
adquiria um tom bastante corriqueiro.
— Poderemos parar em Marselha? — indagou Alvita, antes de se
recolher, naquela mesma noite. — Mesmo admitindo que eu adoraria ver
Roma, confesso que, se ao menos pudéssemos passar pela costa da França eu
já ficaria muito feliz. Na verdade, poucas coisas me fariam mais feliz do que
isso.
— Quero chegar à Inglaterra o mais rápido possível — respondeu
Nicholas. — Só então estaremos em segurança e entre amigos. Porém, o mais
importante é que você se torne a pessoa mais bela e requisitada de toda a
corte, na próxima estação. Mas isso não me preocupa, pois estou certo de que
não terá dificuldade para conseguir isso, milady.
Já esquecida do papel que representava, Alvita julgou que ele estivesse
se referindo a pessoas do círculo de amizades de sua mãe.
— Acho pouco provável que encontremos esses tais amigos — disse a
ele. — Meus pais já foram até esquecidos pelos conhecidos que tinham na
Inglaterra. E os parentes que poderiam se lembrar deles, e saber sobre minha
existência e a de Ivor, já faleceram. Na verdade, com toda a pressa da fuga,
tenho receio de haver esquecido o caderno de notas de minha mãe, onde
constava todos os nomes e endereços das pessoas da família, vivos ou não.
— Esqueça-os! — exclamou Nicholas.
— Oh… Eu só pensei… que seria útil termos a quem recorrer, em caso
de extrema necessidade. Afinal, essas pessoas são parte da história de
mamãe, e jamais nos dariam as costas em algum momento difícil.
— Acho que está se esquecendo de algo verdadeiramente importante,
lady Alvita — disse Nicholas.
— O quê?
— Vocês não usam mais o mesmo sobrenome, e não têm mais dupla
cidadania. Para assumirem uma nova identidade, terão de esquecer
completamente os laços familiares que ficaram para trás. Lembre-se de que é
uma nobre russa refugiada.
— Ainda acho isso uma verdadeira loucura.
— Não, não é. Além disso, duvido que haja algum conhecido de sua
mãe que saiba da existência de Ivor e muito menos da sua. Se tiverem
parentes vivos, por certo eles nem devem se lembrar da inglesa que partiu
para se casar com um russo.
— Pode ser… — murmurou ela.
— Estou certo, acredite-me. Considere-se uma pessoa com puro
sangue russo, vinda da mais alta estirpe da nobreza do sul da Rússia, uma
área pouco atraente para políticos e visitantes. Isso justificará o fato de
nenhum diplomata conhecê-los.
— O que mais me incomoda é ter de mentir sobre minha mãe. Negar
ser filha dela será mais doloroso do que qualquer outra coisa.
— Mas é o que terá de fazer, milady, para seu próprio bem — insistiu
o conde, com firmeza. Após uma breve pausa, acrescentou: — Talvez eu
devesse haver esclarecido isso antes, com mais objetividade, mas julguei
imprudente falar sobre esse assunto em alto-mar, com toda a tripulação a
bordo. Mas agora que estamos praticamente sozinhos, não há perigo de
alguém nos ouvir. Lembre-se: estamos fugindo dos revolucionários porque
somos da realeza. É fundamental que ninguém desconfie de sua ascendência
mestiça, e muito menos de que sua mãe era inglesa.
Alvita não respondeu. Pensando em tudo o que ocorrera, ficava cada
vez mais evidente que era uma conseqüência inevitável que outras pessoas,
além do capitão, oferecessem privilégios a eles, por pensarem estar na
presença de nobres verdadeiros. Sabia que o que Nicholas estava exigindo
deles era muito perigoso. Se fossem desmascarados, a situação poderia se
tornar desastrosa.
— Com certeza — disse, por fim —, as pessoas acharão estranho que
eu e meu irmão falemos inglês com tanta perfeição.
— É verdade, mas se trata de um problema de fácil solução. Ao
capitão, por exemplo, expliquei que o pai de vocês atuava como diplomata, e
que viajara na companhia dos filhos a diversos países de língua inglesa. Seu
irmão, inclusive, poderá dizer que estudou na Inglaterra.
Ao menos o último detalhe era verdadeiro, pensou Alvita, lembrando-
se de que Ivor estudara algum tempo em Oxford. No entanto, achava que
tantas mentiras só aumentariam as chances de que tudo viesse a dar errado.
Como não pretendia contrariá-lo mais do que já havia feito, Alvita
limitou-se a dizer:
— Quero apenas confirmar nossa história. Você cuidou de nossa fuga,
salvando-nos dos revolucionários por sermos da família real. Ao chegarmos à
Inglaterra, quer que continuemos esta farsa… Desculpe-me pelo termo, mas
não vejo melhor palavra para definir o que estamos fazendo.
— Eu preferiria dizer “arranjo conveniente”, milady — corrigiu o
conde. — Também tenho outros planos para o futuro próximo, mas pretendo
revelá-los apenas mais adiante. Por enquanto, lembre-se de que não será
possível procurar seus parentes maternos, e muito menos pessoas que
possam reconhecê-los.
Alvita olhou para Ivor, que se mantivera calado durante todo o tempo,
e perguntou-lhe:
— Por que não me falou nada disso antes de partirmos?
— Achei que não havia motivos para entrar em detalhes. Era mais
importante que saíssemos logo de casa, e quanto mais falássemos, mais
tempo perderíamos.
— Concordo com você, e também volto a afirmar que estou grata a
Nicholas por nos ajudar. Mas, por outro lado, não vejo razão para nos
passarmos por membros da família real ao chegarmos à Inglaterra.
— Mas, milady, estou certo de que essa será a parte que lhe dará maior
prazer! — afirmou o conde. — Terá a oportunidade de ser recebida e
admirada pelos ingleses da alta sociedade. Por outro lado, se não quiser
seguir meus conselhos, será recebida como uma mera fugitiva, tendo de
enfrentar dificuldades em meio à pobreza britânica. Talvez acabe até indo
parar em alguma colônia para refugiados russos.
Houve um momento de tensão, enquanto os olhares dos dois homens
permaneceram voltados para ela.
— Estou ficando nervosa com a possibilidade de cometer algum erro
que possa colocar o plano em risco. — Dirigindo-se a Nicholas, prosseguiu:
— Se minha atuação é tão fundamental assim, quero que me dê as devidas
coordenadas sobre o que posso fazer ou não. Caso contrário, poderemos ter
problemas.
— Nem pense em cometer algum erro! — avisou Ivor, exaltado.
Nicholas interveio, estendendo as mãos na direção do rapaz, para
fazê-lo se conter.
— Calma, Ivor. E não precisa ficar preocupada, milady. É tudo muito
simples. Até o momento, tudo está transcorrendo conforme o planejado, e
continuará a ser assim. Mantenha esse charme angelical em seu sorriso que
tudo dará certo. E uma dama linda e inteligente. Saberá perceber quando
estiver em perigo, e virá até um de nós, em busca de apoio. Pense que se
houvesse ficado na Rússia não correria o risco de cometer erros, mas poderia
perder sua vida.
— Reconheço isso.
— Pois a melhor forma de demonstrar que reconhece essa verdade
será seguindo minhas instruções — disse o conde. — Quando chegarmos à
Inglaterra, verá que não será difícil agir como uma princesa. Mas esqueça-se
da educação ensinada por sua mãe, e concentre-se nos ensinamentos e no
modo de agir que eram típicos de seu pai. Ele era o que os ingleses
consideram um verdadeiro cavalheiro.
— É exatamente isso que venho fazendo — salientou Ivor.
— Gostaria de poder falar com o pai de vocês agora… Ele me
agradeceria por afastá-los do sofrimento que lhes estava reservado pelo
destino.
— Você sabe quanto lhe somos gratos, Nicholas — afirmou Ivor. — Já
conversei com Alvita, e sabemos que só salvamos nossas vidas e a parte mais
valiosa de nossos bens graças à sua intervenção.
— Segundo o capitão e alguns tripulantes, parece que está havendo
um grande surto de violência também em outros locais da Rússia — explicou
o conde. — Todos que possuem alguma terra e casas suntuosas estão sendo
roubados, aprisionados e até mortos.
Alvita olhou para Ivor, pensando na casa enorme que possuíam e em
quanto ela serviria de chamariz. Ao ver a expressão do irmão, sentiu-se
angustiada. Nunca vira Ivor tão triste e preocupado. Pelo visto, as
informações de Nicholas eram mesmo sérias.
— Jamais pensei que a situação fosse chegar a tal extremo — disse a
eles. — Mas fiquem tranqüilos. Se depender de seguir suas instruções,
milorde, tudo dará certo. Farei o que for preciso.
— Era isso o que eu precisava ouvir para me tranqüilizar — respondeu
o conde. — Não pretendo permanecer mais do que o estritamente necessário
na Europa continental. Como já devem ter deduzido, não somos apenas nós
que estamos deixando a Rússia.
— Sim, claro — confirmou Ivor.
— Pelo que ouvi — continuou Nicholas —, estão prevendo que uma
grande quantidade de refugiados estará chegando aqui na Grécia e em outros
países próximos. Mas, sem dinheiro, não terão como se manter, a não ser pela
caridade dos povos que os acolherão. Compreende por que deve agir como
princesa? Além disso, precisam tomar cuidado com pessoas que possam
querer apenas compartilhar dos bens que são de vocês.
— Oh, Deus, eu não havia pensado nisso. Alvita pareceu preocupada
com o detalhe.
— Vocês têm sorte de falar bem o inglês — continuou Nicholas —,
mas o fato de serem filhos de uma inglesa poderia levá-los a uma situação
ainda mais difícil. Os dois lados se recusariam a ajudar um jovem casal de
mestiços.
Ao ver que sua irmã parecia aflita com tudo aquilo, Ivor resolveu
intervir.
— Acho que já falamos o suficiente sobre isso, Nicholas. Está
assustando minha irmã. Ela já passou por mais pressão do que está
acostumada, e mesmo assim está disposta a colaborar. Além disso,
reconheceu sua ajuda em nossa fuga.
— Sim, é verdade — anuiu o conde, com frieza. — Mas, mesmo assim,
lady Alvita não deve se esquecer de que ninguém pode desconfiar de que ela
não é inteiramente russa. Deve agir como uma verdadeira nobre, de forma a
convencer toda a corte inglesa, e também a família real.
O modo como Nicholas falava causava arrepios em Alvita. Não sabia
explicar o motivo, mas tinha a impressão de que algumas informações não
estavam sendo ditas. Porém, acreditava que o tal segredo, se é que existia,
acabaria sendo revelado quando fosse conveniente.
Parecia que a base do plano girava em torno de algum benefício
escuso, do próprio interesse do conde.
— Fique certo de que entendemos seu plano, Nicholas — disse Ivor,
interrompendo o silêncio.
No dia seguinte, visitaram os locais mais importantes de Delfos. Alvita
lamentou ter de partir sem poder conhecer mais daquela terra maravilhosa.
— Acho que esta visita ficará viva para sempre na minha lembrança —
disse, enquanto o navio se afastava.
— Sua frase serve para a maior parte das pessoas que por aqui
passaram, milady — afirmou o conde. — Embora alguns achem que tais
prazeres são fundamentais, eu particularmente considero que segurança e
conforto vêm antes do turismo. Por isso, devemos chegar logo à Inglaterra.
Alvita teve de reconhecer que ele tinha razão. Mas, tentando ignorar o
sarcasmo com que ele falara, achou melhor mudar de assunto.
— Estive pensando… Por que não se apresenta como um príncipe,
como eu e meu irmão, quando chegarmos à Inglaterra?
— Melhor não. Continuarei sendo o que sempre fui: conde Fulton.
Alvita se perguntou o que teria acontecido à família e ao condado
daquele estranho homem, mas preferiu se dirigir a Ivor.
— Pelo que me lembro, estamos indo para Southamptom. Quando
chegaremos?
— Deveremos desembarcar por lá amanhã à noite — respondeu-lhe o
irmão. — Depois viajaremos para Londres, com toda nossa bagagem.
— E quando chegaremos a Londres?
— Bem, isso será surpresa — interveio Nicholas. — Milady saberá
quando acontecer. Precisarão demonstrar verdadeira surpresa para garantir o
sucesso do plano.
Embora o conde falasse de forma animada e bem-humorada, Alvita
teve um mau pressentimento.
Não parecia tão fácil conseguirem convencer os ingleses daquilo que
Nicholas queria, mas Ivor estava depositando toda sua confiança nele.
“Os russos que encontrarmos na Inglaterra poderão nos denunciar
como farsantes!”, pensou, aflita. Como era possível que Ivor não houvesse
pensado nisso?
A dúvida sobre o que teria acontecido se houvessem ficado em casa
ainda a incomodava. Talvez pudessem apoiar a causa dos revolucionários e
terem seus bens poupados, bem como suas vidas.
Mas como seu pai se passara por conde durante algum tempo, havia a
possibilidade de serem mesmo considerados nobres e acabarem sendo presos
ou executados. A idéia que parecera tão brilhante no passado quase se
tornara motivo de uma tragédia. Se houvessem considerado a possibilidade
de uma revolução, seus pais jamais teriam começado aquela brincadeira
diante dos amigos, durante uma viagem. Desde aquela época, seu pai ficara
conhecido como “conde” no norte da Rússia.
Ao menos isso dava respaldo ao plano inventado por Nicholas,
pensou. As pessoas eram acostumadas a acreditar de boa-fé em quem se
apresentasse como membro da nobreza e tivesse bons modos, além de bens
valiosos. Com o que tinham na bagagem, poderiam facilmente ser aceitos
como príncipes pela realeza inglesa. Contudo, mesmo as perspectivas mais
positivas pareciam tenebrosas ante um desmascaramento.
Se tal fato acontecesse, teriam de fugir para outro lugar e criar novas
oportunidades. Ivor poderia arrumar um emprego honesto, lidando com
papéis e escrituras, trabalho que sempre o agradou.
Ela própria falava razoavelmente francês e alemão, além de inglês e
russo. Poderia conseguir emprego como professora de línguas estrangeiras,
se fosse preciso. Em último caso, poderia recorrer a um parente vivo de sua
mãe, se conseguisse encontrar algum, claro.
De uma forma ou de outra, cada vez mais a Inglaterra começava a lhe
parecer mais segura do que a Rússia, em muitos aspectos.
Só um pensamento incômodo não deixava de lhe assaltar a mente,
mesmo à noite, quando deitava para dormir: onde Nicholas se encaixava em
tudo aquilo?
O dia seguinte foi perturbado por tempestades, e o mar tornou-se
agitado. Porém, quando tudo se acalmou, eles já se encontravam no mar
inglês.
A noite, durante o jantar, o conde voltou a dar instruções aos dois.
— No momento em que desembarcarmos, vocês passarão a ser a
realeza. Vou me dirigir a vocês como altezas reais, e os outros deverão fazer o
mesmo. Faremos contato com o secretário de assuntos estrangeiros, o
marquês de Salisbury, e ele cuidará de apresentá-los a todos, e talvez até a
rainha, já que serão tão importantes.
— Espero que esteja certo — retrucou Ivor —, caso contrário, teremos
de pedir ajuda como meros plebeus, sem lar e sem destino.
— Nem pense nisso, meu caro. A Inglaterra terá todo o interesse em
manter a família real russa em segurança, para tê-los como aliados, em caso
de uma eventual retomada de poder. Além disso, deverão garantir que
pagarão todas as despesas que o marquês tiver, assim que puderem
recuperar o dinheiro que alegarão ter, e que supostamente estaria na Rússia.
O que mais preocupava Alvita era o fato de o conde estar planejando
fazê-los importantes demais, pois isso tornaria o desmascaramento muito
mais fácil e grave. Durante todo o tempo em que permaneceram na
companhia dele, ela teve a impressão de que o maior interessado, e talvez
maior beneficiado, em toda aquela farsa seria o próprio Nicholas.
Podia até parecer um pensamento ingrato, mas era o que lhe ocorria.
Algo não estava claro, mas, pelo bem de Ivor, e pelo respeito à promessa de
obediência ao irmão, feita no leito de morte de sua mãe, faria o que lhe fosse
pedido.
CAPÍTULO IV

Quando o navio alcançou o canal inglês, o capitão se aproximou de


onde eles estavam, sentados no deque, e chamou Nicholas de lado.
Após alguns minutos de conversa, Nicholas finalmente voltou para
junto de Alvita e de Ivor e lhes disse:
— Parece que temos um pequeno problema.
— O que aconteceu? — indagou Ivor, adquirindo um ar de
preocupação.
— Há algo de errado com os motores e também estamos com pouco
combustível — explicou Nicholas. — Por esse motivo, estamos a caminho de
Portsmouth, para que os problemas sejam resolvidos e assim possamos
seguir viagem.
Alvita sentiu-se aliviada por não se tratar de algo mais grave. Ao ver o
capitão, minutos antes, ficara apreensiva, imaginando que devia haver
ocorrido algum problema sério e que teriam de voltar, ou então embarcar em
outro navio.
Quase como se tivesse ouvido seus pensamentos, Nicholas falou:
— Não se preocupe! Trata-se apenas de um problema corriqueiro, que
será resolvido dentro de poucas horas. — Após uma breve pausa, prosseguiu:
— Se partirmos com uma boa reserva de combustível, não correremos o risco
de ficarmos em alto-mar, sem condições de ir em frente ou de voltar.
Alvita deu um sorriso nervoso.
— Eu ficaria bastante assustada se acontecesse algo assim — declarou.
— Todos ficaríamos — anuiu Nicholas. — Mas claro que isso não vai
acontecer. Além do mais, já não estamos tão desesperados assim para chegar
a nosso destino.
— Não, claro que não — disse Ivor. — Do jeito que gosto de apreciar o
mar, não me importo nem um pouco em viajar durante dias.
Alvita sorriu para ele. Sabia quanto seu irmão adorava o mar, desde
que era menino. No entanto, não podia deixar de pensar que quando
chegassem à Inglaterra teriam de enfrentar uma série de problemas, por mais
otimista que Ivor e Nicholas tentassem parecer.
O fato de o navio ter de se locomover mais lentamente fez com que
eles só conseguissem chegar a Portsmouth quando já estava anoitecendo.
Durante o jantar, Ivor foi avisado de que o conserto já estava sendo
realizado, e de que poderiam continuar a viagem no dia seguinte logo cedo.
A certa altura, Nicholas foi chamado à cabina do capitão e retirou-se
com um pedido de desculpa. Quando os dois ficaram sozinhos à mesa, Ivor
disse:
— Aqui entre nós, Alvita, não estou com a mínima pressa de chegar a
Londres. E justamente lá que nossos maiores problemas terão início. Você
sabe, tão bem quanto eu, que temos muito pouco dinheiro. Acho melhor
avisá-la de que não teremos condições de nos acomodar com o conforto que
tínhamos na Rússia.
Após um momento de silêncio, Alvita respondeu:
— Bem, pelo menos temos algumas peças que poderemos vender, se
for necessário.
— Sei disso, mas será melhor tentarmos ficar com a herança completa
durante o máximo de tempo possível, por mais que Nicholas tente nos
convencer do contrário. De qualquer modo, não alimento a ilusão de que essa
mudança será fácil.
— Sim, eu sei. Mas será melhor do que esperarmos para sermos
mortos ou tomados como prisioneiros — salientou ela. — Além do mais,
mamãe era inglesa, e acho que a Inglaterra nos acolherá bem. Ivor sorriu.
— Fico feliz por você também estar tentando se manter otimista,
irmãzinha. Mas, por enquanto, temos de nos preocupar apenas em seguir as
indicações de Nicholas. Só espero que ele seja mesmo tão competente quanto
parece ser.
Esse era um detalhe com o qual Alvita também estava preocupada.
Todavia, não quis falar nada para não deixar Ivor ainda mais apreensivo.
— Não se preocupe — disse a ele. — O mais importante é que
escapamos são e salvos, trazendo a parte mais importante da herança
conosco. — Respirando fundo, continuou: — Graças à idéia de Nicholas,
seremos bem recebidos e respeitados pelos ingleses.
— Espero que tenha razão — falou Ivor.
— Só não podemos deixar que descubram nossa verdadeira
identidade.
— Esse é outro detalhe que me preocupa — admitiu Ivor, diminuindo
o tom de voz. — De qualquer maneira, Nicholas saberá o que fazer, se ocorrer
algum imprevisto.
Alvita assentiu, embora a idéia de apresentar outra identidade
continuasse a não agradá-la. Por outro lado, tinha consciência de que já era
tarde demais para voltar atrás.
— Vamos descansar um pouco — sugeriu. — Tenho certeza de que
pela manhã nossas preocupações desaparecerão, quando estivermos com os
pensamentos mais claros.
— Tem razão, minha querida — anuiu Ivor. — Estou orgulhoso de ter
uma irmã tão corajosa. — Sorriu para ela. — Para ser sincero, pensei que você
iria fazer um escândalo, recusando-se a sair de casa por qualquer que fosse o
motivo. No entanto, aqui está você me confortando, em vez do contrário.
Alvita o abraçou com carinho.
— Temos de unir nossas forças, Ivor. Se o plano der certo, festejaremos
nossa sorte, mas se não conseguirmos atingir o objetivo, teremos de reunir
coragem suficiente para admitir isso e tentarmos outra saída. Ivor sorriu mais
uma vez.
— Você é maravilhosa, como mamãe foi um dia. Quando estávamos
em uma situação difícil, ela sempre tinha uma palavra carinhosa de incentivo
que nos fazia seguir em frente de cabeça erguida.
— É verdade — concordou Alvita, com um ar saudosista. — Ser
sempre otimista foi uma das principais lições que ela nos deixou. Detesto
quando as pessoas vivem ressaltando o pior e não se surpreendem quando
ele acontecesse.
— Um de nossos governantes costumava ser exatamente assim —
ressaltou Ivor, com um sorriso irônico.
— Bem, pois faremos exatamente o contrário — afirmou Alvita. —
Exaltaremos o lado bom de tudo que fizermos. Se algo não der certo,
tentaremos outra solução, mas sem pessimismo! Acho que o fato de sabermos
falar alguns idiomas será útil de alguma maneira.
— Claro que será — confirmou Ivor. Beijando-a no rosto, acrescentou:
— Agora, vamos dormir. Quero que esteja linda quando chegarmos à
Inglaterra, afinal, terá de se comportar como uma verdadeira princesa.
Alvita forçou um sorriso.
— Como quiser, Ivor.
Após se despedir do irmão com um beijo afetuoso, ela foi para a
cabina. Arrumou a cama com cuidado e deitou-se.
Antes de adormecer, fez um pedido silencioso para que o plano desse
certo. Segundos antes de cair no sono, teve a impressão de ouvir a voz
amorosa de sua mãe lhe dizer que tudo acabaria bem.
Alvita teve um sono tranqüilo. Quando acordou, ainda era muito
cedo. O navio continuava atracado no porto e ela achou que seria interessante
olhar Portsmouth ao alvorecer, afinal, nunca mais voltaria àquele lugar.
Tomada a decisão, trocou de roupa e subiu ao deque. Notando que
não havia ninguém por perto, passou a observar os outros navios atracados
no porto. Em meio às grandes embarcações, avistou um belo iate balançando
sobre as águas tranqüilas.
Sempre gostara de barcos. Curiosa, ficou observando cada detalhe da
embarcação. Talvez algum dia Ivor pudesse comprar um barco como aquele,
pensou. Seu pai nunca quisera ter um porque não se interessava por assuntos
ligados ao mar.
Devia ser maravilhoso ter um barco como aquele e poder viajar de um
lado para outro do Mediterrâneo, sem nenhuma dificuldade. Isso era algo
que ela sempre sonhara fazer.
Havia acabado de notar que o nome do iate era Sereia, quando um
jovem veio caminhando pelo cais em direção ao barco, carregando uma pilha
de jornais.
Alvita deduziu que ele deveria ter ido comprá-los na cidade do porto,
antes de seguir viagem. Quando o desconhecido se aproximou mais, ela viu
que ele estava sendo seguido por um lindo cão pastor.
Alvita sorriu, ao ver a elegância do animal. Sempre quisera ter um,
mas seu pai nunca permitira. O atraente desconhecido entrou no barco e o
cão estava prestes a segui-lo quando parou de repente, ao avistar outro cão a
certa distância. Parecia uma cadela da raça galga, segundo Alvita pôde
observar.
Enquanto o pastor permaneceu no porto, observando a cadela, seu
dono entrou no iate e entregou a pilha de jornais a outra pessoa. Em seguida,
o desconhecido desapareceu no interior do barco. Pelo visto, ele não notou
que o cão havia ficado para fora.
Foi então que ela percebeu que o barco começara a se mover. Com um
sobressalto, saiu do navio pela parte lateral do deque e correu o mais rápido
que pôde em direção ao iate. O desconhecido não pareceu notar sua
aproximação, pois não saiu da cabina do barco. A essa altura, a embarcação já
estava se afastando com mais rapidez, em direção ao mar.
Pegando a coleira do pastor, um cão manso e dócil, Alvita gritou:
— Pare! Pare!
Entretanto, o iate já se encontrava fora do alcance de sua voz. Deus, o
que faria?Perguntou-se, aflita. O dono do iate não percebera que deixara seu
animal de estimação para trás.
Para evitar que o cão pastor fugisse, continuou segurando-o pela
coleira e caminhou até um banco, localizado diante de um dos edifícios do
porto.
Chegando lá, sentou-se e disse ao cão que fizesse o mesmo. Para sua
surpresa, ele obedeceu. Não querendo que o animal fugisse, continuou
falando alto, censurando-se por não haver chegado a tempo de avisar ao
dono dele sobre o que acontecera. Qual seria o destino daquele lindo cão dali
em diante?Pensou ela, olhando para o animal calmo, sentado a seus pés. Ele
não parecia ter a mínima intenção de fugir. E, para espanto de Alvita, até
lambeu sua mão, quando ela parou de falar.
Com um sorriso, ela afagou-lhe a cabeça, sem desviar a vista do iate
distante. Conteve o fôlego, ao perceber que o barco diminuíra a velocidade
quase ao ponto de parar. Minutos depois, a embarcação estava chegando de
volta ao porto.
Alvita não se moveu, a fim de não assustar o cão. Esperariam ali
mesmo pelo dono dele.
Quando o desconhecido saiu do barco e veio em sua direção, Alvita
viu que se tratava de um homem alto e elegante. Tinha um rosto másculo,
marcado por sobrancelhas espessas e olhos incrivelmente azuis. Os cabelos
eram negros e lisos, com alguns fios caídos sobre a testa. Devia ter mais ou
menos a idade de Ivor, embora tivesse o físico um pouco mais forte.
— Não percebi que Willie não havia entrado no barco — disse ele, ao
se aproximar. — Agradeço por havê-lo mantido aqui. Aposto que se ele
houvesse se dado conta do que aconteceu, teria pulado no mar para ir atrás
de mim.
— Na verdade, acho que ele ficou mais interessado em olhar uma
atraente cadelinha galga que passou pelo porto — explicou Alvita, com um
sorriso.
O desconhecido se inclinou e afagou a cabeça do cão, antes de dizer:
— Oh, Willie, você não tem jeito mesmo. — Olhando para Alvita,
completou: — Obrigado, milady. Seria muito difícil ficar sem Willie, embora
ele seja meio desobediente de vez em quando.
— Entendo o que quer dizer — asseverou ela. — Eu sempre quis ter
um cão pastor. — Olhou para Willie. — E esse é o mais bonito que já vi.
O atraente estranho olhou para o iate, atracado a alguns metros de
distância. Em seguida, sentou-se ao lado dela.
— Willie é muito fiel, como todo cão pastor — afirmou ele. — Já tive
cães de outras raças, mas os pastores são meus preferidos.
— Tem muita sorte — afirmou ela. — Eu sempre quis ter um, mas
nunca pude.
— Por quê? — perguntou ele.
Alvita estava prestes a responder quando avistou Ivor vindo em sua
direção.
— Oh, aí vem meu irmão! — exclamou ela. — Quero muito que ele
veja seu cão antes que o leve embora.
O desconhecido não respondeu nada. Quando Ivor se aproximou, ele
ficou de pé, visivelmente surpreso.
— Ei, é você mesmo, Ivor? Eu não sabia que estava na Inglaterra!
— Charles, que surpresa! Praticamente acabamos de chegar, mas não
consigo pensar em ninguém melhor do que você para encontrarmos primeiro
por aqui! — declarou Ivor.
— O que está fazendo na Inglaterra? — perguntou Charles. — Li nos
jornais que está havendo muitos conflitos políticos em seu país.
— Detesto ter de confirmar isso, mas é verdade — respondeu Ivor. —
Alvita e eu tivemos de fugir porque a situação estava ficando cada vez mais
difícil e perigosa.
— Então fizeram bem em sair da Rússia enquanto ainda havia tempo
— afirmou Charles. — Se sou a primeira pessoa a recebê-lo no país, tudo que
posso dizer é que me perguntei muito onde você estaria e o que andaria
fazendo. Afinal, faz muito tempo que estudamos juntos em Oxford.
— É verdade — confirmou Ivor, com um sorriso. — Mas como
conheceu minha irmã? — indagou, curioso.
— Meu cachorro, Willie, foi o intermediário — explicou Charles,
rindo. — Ele estava me seguindo até o barco e acabou se perdendo. Sua irmã
foi quem o encontrou para mim.
— Willie se encantou por… digamos… uma “dama da raça canina” —
brincou Alvita.
— Oh, ele vive fazendo isso — disse Charles. — Apaixona-se por toda
cadelinha bonita que passa por ele.
Ivor também riu.
— É mesmo muita sorte encontrar justo você, Charles, depois de seis
ou sete anos que não venho à Inglaterra.
— Voltando-se para a irmã, continuou: — Alvita, esse é Charles, o
melhor amigo que tive em Oxford. Ele é o marquês de Harrington.
Alvita estendeu a mão para ele, com um sorriso polido.
— É um prazer conhecê-lo, milorde.
— Meu prazer é bem maior, pode acreditar — galanteou ele. Olhou
para Ivor. — Ainda não descreveu todos os detalhes que os fizeram vir para a
Inglaterra.
— É uma longa história, mas vou lhe contar — prometeu Ivor. —
Porém, acho melhor colocar seu cão no iate primeiro. Em seguida, por que
não vem tomar um drinque conosco, no navio em que estamos viajando?
— Nada disso — refutou Charles. — Insisto que você e sua irmã
aceitem minha hospitalidade.
Ivor hesitou um momento.
— Estamos com um amigo que nos ajudou a sair da Rússia
— explicou. — Espero que compreenda que preciso dizer a ele onde
estamos. Há algum problema se ele vier conosco?
— Claro que não! — respondeu Charles, prestativo.
— Você tem razão. É melhor eu não dar mesmo nenhuma chance para
Willie, senão ele sairá por aí, atrás das cadelinhas. Vou colocá-lo no iate,
enquanto você chama seu amigo. Bem, acho que o horário não é muito
apropriado para comemorarmos nosso reencontro com champanhe…
— Para mim, um café estará ótimo — salientou Ivor.
— E sei que Alvita concorda comigo — acrescentou, olhando para a
irmã.
— Oh, um café será perfeito — anuiu Alvita.
Charles assentiu com um gesto de cabeça e pegou Willie pela coleira,
levando-o em direção ao iate. Assim que Ivor e Alvita se afastaram o
suficiente para não serem ouvidos, ela se voltou para o irmão.
— Como o conheceu? — perguntou, num sussurro.
— Ora, estudei na Universidade de Oxford durante um ano, por
insistência de mamãe, lembra? Mas papai não quis que eu ficasse longe por
muito tempo, por isso voltei logo.
— E foi lá que conheceu lorde Charles — disse Alvita.
— Ele tem um iate maravilhoso, você viu?
— Sim, e também muitos outros bens valiosos. Charles pertence a uma
família muito abastada e nos tornamos grandes amigos na universidade. Só
que nunca mais ouvi falar dele, depois que saí de lá.
— Bem, é um alívio saber que pelo menos podemos contar com um
amigo na Inglaterra. — Diminuindo o tom de voz, Alvita acrescentou: — Terá
de explicar a ele como se tornou um “príncipe”, desde que saiu de Oxford.
Nesse momento, chegaram ao navio. Ivor pediu a ela que o esperasse,
enquanto ele ia chamar Nicholas, que talvez ainda estivesse na cama.
Alvita assentiu e ficou no mesmo lugar, admirando o iate do marquês
a distância. Pensou em quanto se sentiria feliz se ela e Ivor pudessem ter um.
Em vez de ficarem na Inglaterra, poderiam dar a volta ao mundo,
esquecendo todos os problemas que estavam acontecendo na Rússia. Seria
bem melhor ter liberdade para serem eles mesmos, sem precisar fingir serem
pessoas mais importantes do que eram na realidade.
Estava pensando nos inúmeros países sobre os quais ouvira falar e que
sempre quisera visitar, quando Ivor apareceu com Nicholas.
— Ele já estava de pé e pronto para vir nos procurar — explicou Ivor,
enquanto os dois desciam do navio. — Quero que ele conheça Charles
Harrington porque tenho certeza de que o marquês tem influência suficiente
para nos ajudar quando chegarmos a Londres.
— Oh, isso parece música aos meus ouvidos — disse Nicholas.
— Tenha cuidado — avisou Ivor, abaixando o tom de voz — quando
explicar a ele como e por que adquiri um título superior ao que tinha quando
estive em Oxford.
— Pode deixar comigo — Nicholas o tranqüilizou. — Não cometerei
nenhum erro, e é melhor que deixe outras pessoas falarem a seu respeito, em
vez de falar sobre si mesmo.
— Concordo com você — disse Ivor.
Os três caminharam em direção ao iate. Antes mesmo de alcançarem a
embarcação, Charles apareceu para recebê-los. Trocou um aperto de mãos
com Nicholas e pediu que subissem a bordo de seu iate.
— Acabei de chegar de uma viagem ao Egito — falou ele. — A
experiência foi ainda mais incrível do que imaginei que seria. Gostaria que
estivesse lá comigo, Ivor. Iria gostar muito daquela terra.
— Com certeza, Charles — anuiu Ivor. — Mas, no momento, tenho de
me preocupar mais é em nos manter seguros, em vez de pensar em viagens.
— A situação está tão ruim assim? — inquiriu Charles.
— Está pior do que pode imaginar, meu caro. Nicholas tem condições
de contar os detalhes melhor do que eu.
Charles olhou para Nicholas, que disse:
— Durante o período em que esteve fora, imagino que milorde não
tenha ficado sabendo da crise que foi se gravando cada vez mais na Rússia,
até o ponto de se torrnar insuportável para a nobreza. Tivemos dificuldade
para sair de lá, mas contamos com uma boa dose de sorte.
— Comprei jornais pela manhã — afirmou Charles —, porque ouvi
falar sobre o que estava acontecendo na Rússia, quando cheguei logo cedo.
De fato, as notícias não são nada boas.
— Pois isso é apenas uma parte do que está acontecendo realmente
por lá — acrescentou Nicholas. — Como faz tempo que não vê seu amigo,
imagino que não saiba que ele e a irmã estão em perigo por haverem herdado
os títulos de príncipe e de princesa que pertenceram a seus pais, falecidos há
pouco tempo.
Charles lançou um olhar surpreso para Ivor.
— Eu não sabia que você tinha um título tão importante quando
estivemos em Oxford.
— Na verdade, não era algo que eu desejava — falou Ivor. — Mas já
que herdei o título, tive de me preocupar com minha segurança e a de minha
irmã. — Após uma breve pausa, continuou: — Meu amigo, Nicholas, foi
gentil e corajoso o bastante para se propor a nos ajudar. Por meio dele,
conseguimos viajar em uma embarcação inglesa enviada aos Bálcãs por Sua
Majestade, a rainha.
Charles pareceu surpreso, mas não fez nenhum comentário. Pediu o
desjejum, e o empregado que viajava com ele no iate começou a arrumar a
mesa. Enquanto aguardavam, Charles e Ivor riram ao recordar a época em
que haviam estudado em Oxford.
— Nós nos divertíamos muito — disse Charles. — Mesmo com o
passar do tempo nunca me esqueci de nossa amizade. De vez em quando me
perguntava o que teria acontecido a você e se voltaríamos a nos ver um dia.
— Bem, pois aqui estamos nós — afirmou Ivor. — Como nos
encontramos próximos das terras inglesas, onde conhecemos muito poucas
pessoas e onde teremos de encontrar algum lugar para ficar até que eu
encontre algum trabalho, seus conselhos serão muito bem-vindos, Charles.
— Sim, é verdade — anuiu Nicholas, antes que o marquês pudesse
dizer algo. Olhando para Ivor, prosseguiu: — A primeira coisa que
precisaremos fazer será encontrar uma casa onde vocês possam ficar e colocar
toda a mobília e os quadros que conseguiram tirar de casa antes da invasão
dos saqueadores.
— Não precisam se preocupar com isso — Charles os tranqüilizou.
Alvita olhou para ele, surpresa. O marquês sorriu para ela, ao
continuar:
— Há anos que procuro seu irmão, alteza. De todos os amigos que tive
em Oxford, ele era o que mais me fazia rir. Vivíamos nos metendo em
problemas, mas nos divertíamos muito.
Ivor riu.
— É bom poder rir assim de novo — disse. — Quando eu estava em
casa, confesso que já tinha até esquecido como era dar uma boa risada.
— Pois estou disposto a lembrá-lo o que é divertimento, meu amigo —
falou Charles, dando-lhe tapinhas nas costas.
Alvita percebeu que Nicholas estava prestando atenção em cada
palavra.
— Pode mesmo providenciar um lugar para eles ficarem? —
perguntou ele a Charles. — Passei toda a viagem preocupado com esse
detalhe. O fato de terem títulos importantes me deixou receoso a respeito do
lugar onde poderiam ficar seguros. Não queria que eles sofressem insultos ou
algum tipo de preconceito por serem russos.
— Cuidarei para que nada disso aconteça — asseverou Charles. — A
casa que tenho em Eton Square está vazia no momento, porque eu a deixei
fechada antes de embarcar nessa viagem.
Ivor lançou um sorriso esperançoso para a irmã.
— Pedi aos parentes que ficavam hospedados nela quando vinham
para a cidade, que procurassem outro local para ficar quando dei férias aos
empregados, antes de viajar.

— Quer dizer que Ivor e a irmã poderão ficar lá? — indagou Nicholas.
— Claro que sim! — respondeu Charles. — Quero ser o anfitrião de
meu amigo Ivor e de sua irmã, em Londres. Será um prazer providenciar
para que a sociedade londrina os receba de braços abertos.
— Não sabe o alívio que isso me dá — declarou Nicholas. — Acho que
eles não poderiam ficar em mãos melhores do que as suas milorde. Assim, os
dois serão tratados com o respeito que merecem e que tinham antes desse
terrível incidente.
— Meu Deus, a situação na Rússia não deve estar mesmo nada fácil —
disse Charles, em voz baixa.
Nicholas assentiu.
— E está piorando a cada dia — afirmou. — Apesar de eu não haver
lido os jornais de hoje, tenho certeza de que milorde encontrará detalhes que
lhe darão uma idéia do horror do qual consegui livrá-los.
— Nicholas tem sido um grande amigo — salientou Ivor, de imediato,
como que sentindo-se na obrigação de mencionar aquilo. — Acho que pode
entender quanto eu estava preocupado com minha irmã. Se tudo estivesse
normal, Alvita estaria sendo apresentada à sociedade, freqüentando as festas
e outros eventos sociais.
— Mas é exatamente o que ela fará, aqui na Inglaterra!
— exclamou Charles. — Não esqueci quanto foi atencioso comigo
durante o período em que estivemos em Oxford.
— Ora, aquilo não foi nada, Charles… — contestou Ivor.
— Minha casa, em Eton Square, é muito confortável
— continuou ele, entusiasmado. — Se trouxeram muita bagagem e
móveis, poderão deixar tudo no salão de baile. Pelo menos até termos de
esvaziá-lo para o baile de apresentação de sua irmã — falou, olhando para
Alvita.
Ela tocou o braço dele com delicadeza.
— É muito gentil, milorde. E pensar que tudo isso está acontecendo
porque Willie se sentiu atraído por uma cadelinha… — Sorriu.

Os homens também riram.


— Nem sei como lhe agradecer pelo que está se propondo a fazer por
nós, Charles — disse Ivor. — Só espero que não lhe causemos muitos
transtornos.
— Não será nenhum transtorno, Ivor. O que poderia ser um desastre
acabará se transformando em algo divertido, vocês vão ver. Com a beleza e a
elegância de sua irmã, tenho certeza de que um baile de apresentação será a
ocasião perfeita para que Londres a receba de braços abertos.
— Era exatamente isso que eu estava pensando — interveio Nicholas.
— Sua ajuda realmente veio no momento certo, milorde.
— Fico contente em poder ajudar.
O desjejum foi bastante agradável e todos conversaram animadamente
sobre o que aconteceria dali em diante.
Charles avisou que iria na frente para providenciar os aposentos para
Ivor e Alvita e para preparar o salão que abrigaria os móveis. Porém, após
pensar melhor, achou que seria mais prático guardarem os móveis em uma
área do estábulo, na parte de trás da propriedade.
— Algumas peças ficarão mais seguras no interior da casa, milorde —
salientou Nicholas.
— Não se preocupe — disse Charles. — As peças mais valiosas serão
guardadas na casa. — Voltando-se para Ivor, continuou: — Quero dar boas
risadas, meu amigo, como fazíamos nos tempos de universidade.
— Oh, agora que estamos mais velhos, aposto que não conseguiremos
ficar acordados até tarde, contando piadas, como costumávamos fazer.
— Ei, não estou tão velho assim! — protestou o marquês, com ar de
brincadeira. — A presença adorável e jovial de sua irmã nos ajudará a
lembrar de que ainda somos muito jovens. Quero me sentir como se ainda
tivesse dezoito anos.
— Oh, já passamos dessa época há dez anos, Charles — salientou Ivor.
— Muitos fatos aconteceram desde então.

— E outros tantos ainda ocorrerão no futuro, meus caros — completou


Nicholas.
Todos se voltaram para ele, que se mantivera calado nos últimos
minutos.
— Como assim? — inquiriu Ivor.
Seguiu-se um silêncio embaraçoso, antes que Nicholas respondesse:
— Devemos nos manter otimistas e esperar o melhor. Entretanto,
também devemos nos lembrar de que esse plano envolve riscos, e um grande
número deles. Precisamos tomar muito cuidado para não cometermos erros.
— Não consigo imaginar Ivor cometendo um erro — brincou Charles.
— Se for se tornar pessimista, não iremos lhe dar ouvidos, não é, Ivor?
— Exatamente — concordou ele.
Alvita percebeu o olhar que seu irmão lançou para Nicholas, como que
advertindo-o para não falar demais. Aquela situação não a agradava nem um
pouco. Charles parecia ser um cavalheiro muito bom e íntegro, que não
merecia ser enganado.
Já não tinha tanta certeza se ela e Ivor haviam agido certo ao fugir da
Rússia. Mas Nicholas fora tão persistente que acabara convencendo-os a
deixar o país, mesmo não parecendo uma atitude muito certa.
Alvita respirou fundo, dizendo a si mesma que era tolice ficar se
preocupando com isso. O mais importante era salvarem suas vidas e, para
tanto, não havia outra saída a não ser fugirem da Rússia.
Pelo menos haviam levado uma parte valiosa da herança. Se fosse
preciso arranjar dinheiro, a venda das peças levantaria uma boa soma.
Poderiam viver com relativo conforto durante muito tempo.
As jóias de sua mãe eram valiosíssimas, além de muito bonitas. Seu
único receio era que fossem roubadas antes mesmo que pudessem ser
vendidas ou utilizadas de alguma maneira. Afinal, do mesmo modo que
havia ladrões na Rússia também havia em Londres. Deviam tomar cuidado
para não revelar a ninguém que possuíam jóias e peças valiosas.
Por outro lado, o fato de se apresentarem como príncipes levaria as
pessoas a acreditar que tinham muitos bens valiosos, principalmente jóias.
Lembrou-se de que no passado ouvira conselhos de pessoas mais
velhas, incluindo seus pais, de que aquele que saísse da Rússia, por receio do
que o futuro reservaria, deveria ser astuto o suficiente para levar o máximo
de bens que pudesse consigo.
Fazia muito tempo que Alvita não via as jóias da mãe. Seu pai
costumava presenteá-la com elas em todas as ocasiões especiais. Se eram
mesmo tão valiosas quanto todos diziam, melhor seria guardá-las em algum
cofre ou coisa parecida quando chegassem à casa do marquês de Harrington.
Não soube dizer o motivo, mas a intuição lhe avisou para não confiar
totalmente em Nicholas. Afinal, o que sabiam a respeito dele? Muito pouco.
Ele praticamente os tirara de casa, prometendo que teriam tudo que
quisessem na Inglaterra. Ainda bem que o amigo de Ivor aparecera no
momento certo. Charles parecia ser uma pessoa bem mais confiável.
De qualquer maneira, ao ver os homens rindo enquanto tomavam o
desjejum, disse a si mesma que deveria agradecer aos céus pela ajuda que ela
e Ivor estavam tendo. Haviam chegado à Inglaterra e o país já os recebera
bem, na forma de Charles. E por que motivo esperaria algo diferente?,
perguntou-se.
Fazia algum tempo que haviam terminado o desjejum e Ivor ainda
estava conversando com Charles a respeito das aventuras de Oxford. A certa
altura, Alvita notou que Nicholas estava começando a ficar impaciente. Por
fim, ele interrompeu a conversa com polidez e disse:
— A menos que queiramos causar complicações, acho melhor irmos
andando, Ivor. Depois do favor que consegui com o capitão, não quero ser
motivo de atraso para a chegada do navio.
— Claro Nicholas — anuiu Ivor. — Tem toda razão.
— Pelo que o capitão me disse ontem, o navio terá de passar por
Windsor, onde ele receberá novas instruções. Por isso quer deixar a bagagem
de vocês em algum lugar de fácil acesso, de onde ela possa ser facilmente
removida para o local onde ficarão hospedados.
Alvita se adiantou e tocou o braço de Nicholas.
— Peço desculpa por mim e por Ivor. Tem sido tão gentil conosco e só
estamos dificultando as coisas.
— O fato não é tão grave assim — salientou Nicholas. — Mas é melhor
nos apressarmos.
— Então vamos partir imediatamente — disse ela. Olhou para Charles.
— Se milorde disser onde será melhor deixarmos a bagagem para que ela seja
transportada depois, ficaremos muito agradecidos.
— Sim, claro — respondeu ele. — Desculpem-me pela empolgação de
reencontrar um velho amigo. Acabei me esquecendo de que estamos em meio
a uma viagem.
Diante do silêncio de todos, ele completou:
— Bem, irei na frente, já que meu iate é mais rápido. Providenciarei
para que deixem a bagagem em um local que eu mesmo costumo usar para
esse fim. Trata-se de um depósito próprio para desembarque de cargas,
localizado um pouco antes da torre de Londres.
— Ah, sei onde fica — afirmou Ivor.
— Achei que saberia. — Charles sorriu.
— Se tivermos sorte, não terá de esperar muito por nossa chegada —
continuou Ivor. — Mas, para ser sincero não gosto da idéia de eu e Alvita
viajarmos sem nossos pertences.
— Não se preocupe Ivor — Charles o tranqüilizou. — Tudo dará certo
no final. Vou partir agora mesmo para providenciar o recebimento da
bagagem de vocês no depósito em Londres.
— Muito obrigada, milorde — Alvita agradeceu.
Ele sorriu para ela e disse:
— Não há o que agradecer. Também me ajudou com Willie, lembra?
Eu teria ficado muito aborrecido se o houvesse perdido e descobrisse isso
quando já estivesse em alto-mar.
— Acho que ele também ficaria muito triste — falou ela. Durante todo
o desjejum, Alvita observara quanto o cão pastor era apegado ao dono.
Estava quase sempre ao lado de Charles, à procura de atenção ou de um
afago.
Willie era exatamente o tipo de cão que ela gostaria de ter. Fiel, amigo
e protetor. Porém, no momento tinha assuntos mais importantes para se
preocupar. Para possuir um cão, teria de esperar até que estivessem bem
estabelecidos em Londres. Embora houvessem tido a sorte de conseguir
hospedagem temporariamente, não poderiam ficar na casa de Charles para
sempre.
Suspirou, pensativa. Ivor teria de encontrar um meio de arranjar
dinheiro. Talvez até ela mesma tivesse de trabalhar para ajudar nas despesas.
Por outro lado, não podia descartar a possibilidade de um casamento.
Algo lhe dizia que até mesmo Ivor e Nicholas já haviam pensado nessa
possibilidade.
Tinha consciência de que todos viviam elogiando sua beleza. E com o
título que apresentaria, por certo surgiriam muitos pretendentes dispostos a
se casar, mesmo que não fosse por amor.
“Nunca me casarei se não for por amor”, prometeu a si mesma, em
pensamento.
Não queria ser amada por causa de um título ou de sua pretensa
riqueza, mas por quem ela era de verdade. Essa era uma decisão que trazia
consigo desde muito tempo.
No entanto, vendo-se ali, em pleno mar da Inglaterra e com uma
tremenda mudança prestes a acontecer em sua vida, sentia como se tudo não
passasse do enredo de um livro que não tinha nada a ver com a realidade.
Se tivesse mesmo de encontrar o amor, queria que fosse algo
verdadeiro, que marcasse sua alma para sempre e preenchesse seu coração.
Não queria o amor de um homem preocupado apenas com dinheiro e posses,
como era comum. Teria de ser muito cuidadosa em sua escolha, para não se
arrepender depois, quando já fosse tarde demais.
Porém, em meio a tudo aquilo, algo a intrigava: Nicholas os estava
ajudando por algum motivo que ela ainda não conseguira descobrir.
Sentia como se alguém estivesse tentando alertá-la para tomar cuidado
e não confiar em ninguém que não merecesse tal sentimento.
Os homens riram alto de alguma coisa que fora dita e o som a trouxe
de volta à realidade. Embora quisesse parecer tão feliz quanto eles, não
conseguiu deixar a preocupação de lado.
“Mas qual é exatamente o motivo de toda essa apreensão?”,
perguntou-se, sem obter nenhuma resposta.
CAPÍTULO V

— Tivemos realmente muita sorte — disse Nicholas, durante o jantar,


enquanto o navio atravessava o canal inglês.
— Nunca imaginei que reencontraria Charles em circunstâncias tão
inusitadas — afirmou Ivor.
— Ele é muito simpático e galante — elogiou Alvita. — Não estou
surpresa que tenham ficado amigos na universidade.
— Charles sempre foi muito prestativo comigo. Costumava me
convidar para as festas que oferecia e, certa vez, cheguei a ficar hospedado na
casa dele. Uma mansão magnífica, cheia de preciosidades reunidas ao longo
de várias gerações.
— Interessante — disse Nicholas. — O que exatamente ele tem na
mansão?
— Oh, tudo que você pode esperar de alguém pertencente a uma
família muito antiga — respondeu Ivor. — Quadros de pintores famosos,
móveis da época do reinado de Luís XIV… Porém, o que mais me
impressionou foram os cavalos que ele estava criando.
— Eram bonitos? — indagou Alvita.
— Magníficos. Sei que alguns ganharam várias corridas que deixaram
Charles mais famoso ainda em toda a Inglaterra.
Alvita percebeu que Nicholas estava ouvindo atentamente cada
palavra que Ivor dizia. O brilho em seus olhos denunciava um interesse mais
do que normal nos bens de Charles, e isso a deixou apreensiva.
O marquês já havia sido gentil demais com eles. Não seria certo
abusarem da boa vontade dele. Sua mãe costumava dizer que incomodar as
pessoas era algo muito errado. Apenas os inconvenientes faziam isso ou as
“pessoas sem cultura”, como seu pai costumava dizer.
Se o marquês os convidasse para ficar durante o tempo que fosse
necessário, não seria educado aceitar a idéia, pensou. Entretanto, tinha
certeza de que Nicholas tentaria se aproveitar ao máximo da gentileza de
Charles. Embora não tivesse o direito de pensar isso a respeito dele,
simplesmente não conseguia evitar.
Nicholas estava ali para se aproveitar de alguma maneira da situação
e, por enquanto, ninguém poderia convencê-la do contrário. Por outro lado,
viu-se obrigada a admitir que ele tinha muita influência. Que outra pessoa
conseguiria ajudá-los a fugir da Rússia embarcando-os em um navio enviado
pela rainha?
Entretanto, a ajuda de Charles estava se revelando bem mais confiável
no momento.
— O marquês é realmente muito prestativo — disse aos dois —, mas
não devemos atrapalhar a vida dele de maneira alguma.
Não teve receio de dizer aquilo porque sabia que sua mãe diria
exatamente o mesmo, se estivesse em circunstâncias semelhantes. E lady
Gorchev sempre fora uma mulher sábia.
Chegaram ao rio Tâmisa por volta das três da tarde. Alvita ficou um
longo tempo no deque, ansiosa para ver aquela parte tão famosa da
Inglaterra. Esperava que Charles já houvesse chegado e providenciado o local
para o desembarque da mobília.
Como que lendo seus pensamentos, Ivor, de pé a seu lado, disse:
— Charles já deve ter cuidado de tudo. Ele tem muita influência por
aqui e não precisamos nos preocupar, tendo-o como nosso anfitrião. Será uma
bênção se os veículos de transporte já estiverem prontos. Assim não terei de
passar a noite inteira acordado, vigiando a mobília. Alvita se virou para ele,
preocupada.
— Oh, Ivor, precisamos tomar cuidado para que nada seja roubado.
Qualquer peça que desaparecer nos fará muita falta depois.
— Não se aflija, querida. — Ele sorriu para ela. — Nada será roubado.
E depois, quando tivermos de vender alguma jóia, iremos direto aos
joalheiros de confiança de Charles, para que não tenhamos de ficar exibindo
as jóias por aí.
— Sim, será bem mais seguro — concordou ela.
— Além disso, seria humilhante ficar oferecendo as jóias de porta em
porta, como se fôssemos vendedores ambulantes — acrescentou Ivor.
— Tem razão. — Alvita sorriu, imaginando como a cena seria hilária.
Seu irmão não tinha a mínima vocação para vendedor. — Conseguiremos ter
dinheiro de uma maneira ou de outra. Mas não podemos abusar da
hospitalidade de Charles. Você sabe que mamãe ficaria chocada com tal idéia.
— Sim.— concordou ele, — Causaremos o mínimo possível de
transtorno. Aliás, teremos de retribuir esse grande favor algum dia. Isto é, se
ficarmos ricos de repente e conseguirmos dar a Charles algo que se equipare
a todo esse esforço que está fazendo por nós.
Alvita sorriu.
— Ivor, eu o conheço muito bem. Esse brilho no seu olhar indica que
está pensando em um casamento milionário para um de nós, ou mesmo para
os dois.
Ele também sorriu.
— Astuta como sempre.
— Posso até concordar em que um casamento com um belo cavalheiro
abastado não seria nada mal, mas pretendentes assim não caem do céu,
irmãozinho. Isso só acontece em histórias de romances.
— Sim, mas quem disse que somos proibidos de sonhar? Sou
responsável por você, Alvita, e quando o dinheiro acabar, terei de arrumar
um emprego.
— Já pensei nisso — afirmou ela. — Também quero trabalhar, Ivor.
Poderei ser babá porque você sabe que sempre adorei crianças.
Após um momento de silêncio, ele respondeu:
— Espero que antes disso você encontre um homem maravilhoso, que
a faça tão feliz quanto mamãe foi com papai.
— Eu também gostaria muito que isso acontecesse — disse Alvita, com
ar sonhador. — Mas você deve se lembrar de que ninguém se impressionará
com russos, agora que a maioria está se comportando de uma maneira tão
imprópria.
Diante do silêncio do irmão, ela acrescentou:
— De fato, tenho certeza de que a maioria das pessoas evitará maiores
contatos conosco.
— Pois acho que está enganada — contestou Ivor. — Ao longo da
história, as pessoas sempre têm sido prestativas com refugiados saídos de um
país em guerra. Acredito que o fato de sermos meio ingleses fará com que
sejamos bem-aceitos.
— Espero que esteja certo — disse Alvita, com um suspiro. — Para ser
sincera, estou com medo.
— Cuidarei de você, não se preocupe. Precisamos reunir coragem e
seguir com o plano. Algo me diz que não erramos completamente ao nos
apresentarmos com títulos mais importantes do que os nossos.
— Às vezes, fico pensando o que mamãe acharia de tudo isso. Sabe
que ela vivia dizendo para nunca mentirmos. Tenho certeza de que ela nunca
mentiu.
Após um momento de silêncio, Ivor falou:
— Tento me conformar dizendo a mim mesmo que se trata apenas de
uma “mentirinha”, necessária para nosso próprio bem. Afinal, precisamos de
abrigo e de comida aqui na Inglaterra. Se não fizermos isso, seremos
desprezados. Sem dúvida, o destino já nos abriu uma porta, colocando
Charles em nosso caminho.
— Já agradeci a Deus por isso — confessou Alvita.
— Algum dia, conseguiremos retribuir o favor — afirmou Ivor. —
Enquanto isso, mantenha-se sempre solícita não só com Charles, mas com
todos os ingleses. Eles apreciam muito demonstrações de gratidão e de
polidez.
— Pode deixar — garantiu ela.
— Evite falar sobre nós e seja bem evasiva ao mencionar algo sobre si
mesma.
Alvita riu.
— Não acha que está exagerando um pouco, Ivor? Com tantas regras
no jogo, acabarei me atrapalhando.
Ivor passou o braço em torno dos ombros dela.
— Tem sido muito corajosa e decidida, Alvita. Apesar de todo seu
receio, sei que tudo dará certo no final e que você não cometerá nenhum erro.
A essa altura, o navio já estava se aproximando do porto.
— Não tenho certeza se Charles estará nos esperando — disse ele. —
Mas não estamos longe da torre de Londres.
Ivor foi até o outro lado do navio e olhou o Tâmisa. Alvita o seguiu,
mas não viu nem sinal da tal torre.
Talvez estivessem sendo otimistas demais ao imaginar que ela se
encontrasse tão próxima assim. Porém, alguns minutos depois, soltou uma
exclamação de entusiasmo, ao avistar a torre surgindo adiante.
— Lá está ela, Ivor! Estou vendo a torre de Londres! Ele saiu de onde
estava e aproximou-se da irmã, olhando na mesma direção que ela.
— Tem razão! — exclamou, animado.
— Sim, tenho certeza de que é a torre! — repetiu Alvita.
Dessa vez, Ivor não respondeu, preocupado em observar o local
próximo ao porto. O navio estava se movendo cada vez mais devagar.
— Lá está Charles! — exclamou Ivor, de repente. — Estou
conseguindo vê-lo daqui, e ele está nos observando através de um binóculo.
Ivor estava certo. Minutos depois, Alvita avistou o atraente marquês
esperando por eles. Atrás dele, via-se a conhecida torre de Londres.
Cerca de vinte minutos depois, o navio finalmente atracou e os
marinheiros se posicionaram para ajudá-los a desembarcar.
Charles pareceu muito satisfeito em ver que haviam chegado bem.
Os veículos que fariam o transporte da mobília já estavam
devidamente posicionados e esperando para serem carregados.
— Deve ter vindo em alta velocidade, para conseguir chegar tão antes
de nós, Charles — disse Ivor, assim que os dois se cumprimentaram. —
Alvita e eu ficamos impressionados ao ver que você já estava com tudo
preparado.
— Não gosto de perder tempo quando tenho um objetivo, meu amigo.
Além disso, eu não podia permitir que sua mudança ficasse exposta,
chamando a atenção de possíveis saqueadores.
— Oh, nem quero pensar nisso — falou Ivor. — Não nos resta nada
além dessa bagagem e seria um verdadeiro desastre perdê-la para as mãos de
bandidos.
— Pode ficar tranqüilo.
Os conhecidos de Charles ajudaram os marinheiros a tirar a mobília do
navio, levando-a para as carroças enfileiradas no cais do porto mais adiante.
Ao final do serviço, Ivor quis dar uma gorjeta aos carregadores, mas
Charles insistiu em fazê-lo. Tentando entrar num acordo, os dois discutiram e
riram muito. Alvita também riu, achando melhor não intervir na “discussão”.
Uma hora depois, subiram na carruagem que os levaria à casa de
Charles. Alvita não pôde deixar de sentir um arrepio de expectativa. Antes da
partida, Ivor comprara um jornal. Ao folheá-lo, encontrou uma notícia sobre
a Rússia.
— A situação não melhorou nem um pouco por lá — disse à irmã, em
voz baixa. — Muito pelo contrário. Tivemos sorte em escapar antes que fosse
tarde.
Alvita suspirou, tomada por uma onde de tristeza.
— Os conflitos estão ainda piores do que quando saímos?
— Sim, segundo o que diz o jornal. Não teria sido nada difícil sermos
mortos ou presos.
Alvita conteve o impulso de tapar os ouvidos, para não ter de ouvir
aquela notícia horrível. Como que ouvindo seu apelo silencioso, Charles
afastou o jornal das mãos de Ivor com delicadeza e disse:
— Esqueça a Rússia, meu amigo. Está começando uma nova vida neste
país, que é muito diferente daquele que você deixou para trás.
Quando Ivor continuou em silêncio, Charles prosseguiu:
— O mais importante é que sua mãe era inglesa e que você mesmo foi
educado na Inglaterra. Portanto, as pessoas o aceitarão, juntamente com sua
irmã, sem se preocuparem com o fato de terem um pouco de sangue russo.
— Isso é música aos meus ouvidos — falou Nicholas, que até então se
mantivera calado.
Ele havia se unido a eles, logo depois que a mobília fora colocada nas
carroças.
Decidindo não falar mais sobre os problemas, Charles e Ivor
começaram a contar a Alvita como seriam os bailes aos quais iriam, para
apresentá-la à sociedade.
Também não deixariam de assistir às peças de teatro e aos concertos
de música que Charles estava acostumado a freqüentar.
Alvita não conseguiu evitar que um sorriso curvasse seus lábios.
Aquilo tudo parecia maravilhoso demais para ser desfrutado por uma mera
fugitiva.
— Vai apreciar os concertos que temos aqui em Londres, Ivor. Iremos
a um deles amanhã mesmo. Afinal, a cidade os espera!
Ivor riu.
— Fala como se houvesse muitas pessoas nos esperando na Inglaterra
— disse. — Para ser sincero, não consigo pensar em outra pessoa, além de
você, que nos receberia com tanta efusividade.
— Não exagere, meu caro — falou Charles.
— Os parentes de minha mãe são todos do norte da Inglaterra,
portanto, mesmo que quisessem nos ver, o que acho pouco provável,
teríamos dificuldade em chegar até eles.
— Ótimo! — exclamou Charles, deixando-os surpresos. — Sendo
assim, ficarão hospedados na minha casa pelo tempo que desejarem.
Mostrarei Londres a vocês no “melhor estilo”, como costumávamos dizer em
Oxford.
— Falávamos muitas tolices. — Ivor riu. — Naquela época, nem
imaginávamos que um dia nos encontraríamos nessas circunstâncias.
— Tenho muitas coisas para lhes mostrar e irão se divertir muito.
Conhecerão um mundo totalmente novo e acabarão amando a Inglaterra
tanto quanto a Rússia.
— Se isso acontecer, a culpa será toda sua! — brincou Ivor.
— Considerem-se em meio a uma aventura. Quando ficar mais velho,
Ivor, acabará escrevendo um livro a respeito disso. Virará um herói, e sua
irmã, uma heroína.
Todos riram. Charles era muito espirituoso, pensou Alvita, encantada
com o sorriso charmoso do marquês. Ele estava transformando aquela
“aventura” em um acontecimento bastante inusitado. Muito diferente do que
aconteceria se ela e Ivor houvessem ficado na Rússia e acabassem sendo
mortos pelos saqueadores.
Passaram por ruas movimentadas, por isso demoraram um pouco
para chegar em Eton Square. Antes de se dirigirem à entrada, Charles saiu da
carruagem e pediu aos homens que conduziam as carroças para que as
levassem até a parte de trás da propriedade.
— Sente-se um pouco e descanse — Ivor disse à irmã. — Irei arrumar a
mobília com Charles. Nicholas já deve ter alguma idéia do que deveremos
fazer.
— Bem, acho melhor deixar as jóias e a prataria dentro da casa —
aconselhou Nicholas, que se mantivera muito calado durante todo o trajeto.
— A mobília poderá ser deixada no estábulo.
— Era exatamente o que eu tinha em mente — anuiu
Charles. — Não haverá problema em manter a mobília por lá, já que é
menos valiosa.
— E quanto aos cavalos? — inquiriu Nicholas.
— Ah, comprei alguns animais novos, antes de viajar — respondeu
Charles. — Mas deixei todos no estábulo de meu primo, que mora próximo
ao castelo de Windsor. Aliás, esqueci de dizer que ficarei lá com ele. Será
mais conveniente, já que pretendo participar do treinamento dos cavalos.
Meu primo e os empregados começam os exercícios com os animais muito
cedo e será melhor que eu já esteja por lá. Se tiver de sair daqui, levarei uma
hora para chegar à casa dele.
Ivor o fitou, surpreso.
— Está dizendo que eu e Alvita ficaremos sozinhos aqui?
— Voltarei a tempo de almoçar todos os dias — explicou Charles. —
Garanto que ficarão em completa segurança aqui. Meus empregados
trabalham na casa há muito tempo e já conhecem a rotina. Eles cuidarão de
vocês.
— Não estou pensando na segurança, Charles — falou Ivor. — Desse
jeito, terei a impressão de que o estamos tirando de sua própria casa.
— Oh, não é nada disso. — Charles riu. — Quero apenas me poupar
de ter de acordar muito cedo para ir até a casa de meu primo treinar os
cavalos. Prometo que virei almoçar aqui todos os dias.
Alvita tocou o braço dele com delicadeza.
— É muito gentil, milorde. Agradeço por mim e por meu irmão.
— Na verdade, era eu quem deveria estar agradecendo a vocês.
Trouxeram um pouco de animação à minha vida, que, para ser sincero,
estava se tornando bastante monótona.
Alvita respirou fundo, aliviada.
— Agora quero lhes mostrar o aposento onde acho que devem deixar
as jóias e as peças mais valiosas — anunciou Charles. — Garanto que ficarão
seguras e serão de fácil acesso quando resolverem vendê-las.
— Espero que isso não tenha de acontecer muito em breve — disse
Alvita.
— Eu também espero que não — anuiu o marquês. — Precisaremos
encontrar uma maneira de evitar a venda das jóias. Afinal, a princesa Alvita
deverá usá-las nos bailes. Tenho algumas idéias para sugerir, mas
conversaremos com mais calma depois que tudo estiver ajeitado. Espero
atrair conhecidos abastados e manter os críticos a distância — brincou.
— E estes últimos serão muitos, pode ter certeza — salientou Ivor.
Charles propôs um brinde com champanhe, para celebrarem a nova
aventura que se iniciava e marcar seu grande sucesso. Entre risos e brindes, já
passava das seis da tarde quando Charles finalmente os levou até o aposento
onde seriam guardadas as jóias.
Tratava-se de um salão amplo, localizado em um corredor lateral da
casa. Alvita imaginou que deveria ser muito agradável comparecer a um
baile oferecido ali. A pista de dança era enorme e a elegância do aposento era
marcada por imponentes portas que davam em várias sacadas. Um delicioso
perfume de rosas entrava por elas, vindo do jardim.
Alvita ficou surpresa ao notar que Nicholas já havia disposto todas as
jóias sobre uma mesa ao final do salão. As jóias ostentavam muito luxo e não
parecia certo exibi-las daquele jeito. Eram guardadas em um porta-jóias
banhado a ouro, que seu pai dera à sua mãe em um de seus aniversários.
Após deixarem o porta-jóias devidamente guardado em um discreto
cofre, Charles insistiu para que fossem conhecer o estábulo.
Seguindo o conselho do marquês, os carregadores haviam deixado
vários móveis no local.
— Se quiserem, poderão deixar as peças expostas aqui mesmo, para
compradores que se interessem por elas — sugeriu Charles.
— Oh, é uma ótima idéia! — aprovou Ivor. — Obrigado, meu amigo.
— Agradeça-me quando tiverem vendido tudo. Nicholas deve saber
que aqui em Londres isso não será nem um pouco difícil. O fato de serem
móveis incomuns despertará o interesse das pessoas, você vai ver.
—Sim—confirmou Nicholas. — Coisas inusitadas sempre fazem mais
sucesso por aqui. Virei até aqui logo cedo amanhã, para dispor as peças de
uma maneira mais atraente.
Voltaram para a casa quando já estava escurecendo.
— Já vai partir? — Ivor perguntou a Charles, em um tom de voz
apreensivo.
— Claro que não. Primeiro iremos jantar. Irei para a casa de meu
primo apenas mais tarde. Não pedirei que me acompanhe porque sei que está
cansado e que vai querer supervisionar a arrumação de seus pertences.
— Obrigado por sua compreensão — Ivor agradeceu.
— Mas amanhã quero vê-los se juntar a mim logo depois do desjejum
— avisou Charles. — Tenho um cavalo especial para mostrar à princesa
Alvita.
Ela uniu as mãos, sem disfarçar o brilho no olhar.
— Oh, vou adorar! Sempre sonhei em cavalgar com um cavalo inglês.
—Adquirindo uma expressão pesarosa, prosseguiu: — Fiquei muito triste
quando tive de deixar meu cavalo preferido na Rússia. Espero que o novo
dono esteja sendo bom para ele.
— Nós o deixamos com um conhecido, Alvita — lembrou Ivor. — E
sabemos quanto ele gostava de cavalos, portanto, não precisa se preocupar.
— Sei como está se sentindo — Charles disse a ela, com um sorriso
compreensivo. — Também fiquei assim quando tive de me afastar do
primeiro cavalo ao qual realmente me afeiçoei. Fiquei com medo que ele fosse
me esquecer ou que acabasse sendo maltratado na minha ausência. Mas
quando voltei, muito tempo depois, ele não havia me esquecido.
— Nem sei se voltarei a ver meu cavalo — lamentou Alvita.
— Selecionarei um para você cavalgar em Rotten Row — prometeu
Charles. — Tenho certeza de que deve cavalgar tão bem quanto imagino que
dance.
Alvita enrubesceu.
— Não me deixe com receio de desapontá-lo, milorde.
— Não vai me desapontar — afirmou ele, com convicção. — Pelos seus
gestos, deduzo que seja uma dama com dotes para a dança e a montaria.
Dizendo isso, foi passar a Nicholas algumas instruções sobre a rotina
da casa. Quando voltou para junto dos irmãos, anunciou:
— Jantaremos às oito horas. Com certeza vão querer tomar um banho
quente e trocar de roupa antes da refeição. Pois terão tempo mais do que
suficiente. Vamos até o andar de cima? Meus empregados já devem ter
colocado as malas nos quartos.
Alvita suspirou. Mal podia esperar para tomar um bom banho.
Charles a conduziu até um quarto confortável, decorado em tons de branco e
bege. Uma das janelas dava para uma linda vista do jardim.
Notou que as paredes exibiam quadros caros, com estilos refinados de
pintura. Sua mãe adoraria admirá-los, se estivesse ali.
Havia muitos quadros distribuídos pela casa e todos de muito bom
gosto. Pelo visto, Charles era um grande apreciador da arte.
Lembrou-se de que sua mãe costumava contar que todas as famílias
inglesas com sobrenome importante colecionavam quadros famosos e móveis
que aumentavam o valor da fortuna da família ao longo do tempo. Os bens
eram passados de geração a geração, e por isso eram tão valiosos.
Uma família tão antiga quanto a de Charles deveria possuir muito
tesouros, concluiu. Os quadros de sua herança não eram muitos, mas também
eram valiosos. Com certeza dariam uma boa soma em dinheiro, se fossem
vendidos.
Quando tivesse um pouco de tempo, iria admirar cada uma das peças
da casa. Tesouros como aqueles mereciam atenção especial de pessoas mais
sensíveis, e ela não seria uma exceção.
Fazia alguns minutos que estava no quarto quando uma aia apareceu
para ajudá-la a se arrumar.
Alvita escolheu um de seus vestidos mais bonitos, sentindo que aquele
jantar seria especial de alguma maneira. O tecido cor-de-rosa, realçava o tom
rosado de sua pele e a cintura marcada denotava sutilmente suas
encantadoras formas femininas.
Ao chegar à sala de jantar, não deixou de notar o olhar admirado de
Charles em sua direção. Porém, foi seu irmão quem a elogiou.
— Está linda, Alvita! Há muito tempo eu não a via usar um vestido tão
encantador.
— Não havia nenhuma ocasião especial para que eu usasse um, Ivor
— justificou ela, corando. — Achei que hoje seria adequado. Como recém-
chegada a Londres, preciso mostrar meu melhor visual. Não quero que
Charles acabe nos considerando pessoas deselegantes, sem condições de nos
vestirmos para ocasiões suntuosas.
— Eu nunca pensaria isso, alteza — declarou o marquês. — Para dizer
a verdade, agradeço aos céus por havê-los encontrado. Vocês têm
proporcionado novos interesses à minha vida. Estou tão animado quanto
vocês com a idéia de apresentá-los à sociedade londrina. Enquanto a
esperávamos, Ivor estava me contando que pretende comprar uma casa no
interior e encher o estábulo com cavalos puros-sangues.
Alvita riu.
— Ivor sempre foi muito otimista. Às vezes, chega até ao ponto de
sonhar alto demais. O que ele pretende fazer é maravilhoso, mas sabemos
que não é fácil realizar um sonho como esse.
— Nem tanto, alteza — objetou Charles. — A tradição contida nos
tesouros que vocês trouxeram da Rússia despertará o interesse de muitos
nobres ingleses. Não será difícil vender as peças por bons preços.
— Espero sinceramente que você esteja certo — disse Ivor.
— Algo me diz que a atmosfera de surpresa trazida com a chegada de
vocês causará grande sensação. Em conseqüência, nosso sucesso será
garantido. Por isso, vamos brindar esse momento com champanhe!
Dizendo isso, entregou uma taça a cada um. Levantando a sua,
continuou:
— Proponho um brinde de boas-vindas, e também ao sucesso que
farão em Londres. Começarão uma nova vida cheia de prosperidade e de
boas realizações.
— Obrigado, Charles — agradeceu Ivor, tocando sua taça na dele. — É
muito bom saber que posso contar com um amigo como você.
— Também quero agradecer — declarou Alvita. — Não apenas pela
acolhida sincera que estamos tendo, mas pelo incentivo que está nos dando.
— Não há o que agradecer, alteza — falou Charles. — Faço isso por
todos meus amigos.
— É um homem admirável, milorde.
Um brilho diferente surgiu nos olhos de Charles, fazendo Alvita corar
levemente.
— Estou lisonjeado por pensar isso de mim, princesa Alvita.
O modo intenso como ele a olhou fez Alvita desviar o olhar,
embaraçada. Estranho, mas naquele momento seu coração acelerou e ela
sentiu algo que nunca experimentara antes.
Na manhã seguinte, Alvita ainda estava um pouco cansada, devido à
jornada dos dias anteriores. Acreditava que a expectativa da chegada a
Londres também contribuíra para deixá-la estressada.
Por isso, quando a aia sugeriu que ela tomasse o desjejum na cama,
Alvita concordou, convencendo-se de que não havia motivo para se apressar.
Ivor providenciaria tudo que fosse necessário para a exposição dos móveis.
Charles partira na noite anterior, pouco depois do jantar animado.
Havia muito tempo que ela não provava uma refeição tão saborosa em
companhia de pessoas tão animadas.
De fato, Ivor e Charles pareciam haver feito uma aposta para ver quem
conseguia fazer o outro rir mais. Ela e Nicholas falaram muito pouco, mas
riram quase o tempo inteiro.
Antes de partir, Charles se despediu de todos, prometendo voltar para
o almoço do dia seguinte.
Alvita foi para o quarto assim que ele saiu. Ouviu o irmão subir
somente uma hora depois. Pensou que ele fosse entrar para lhe desejar boa
noite, mas provavelmente concluiu que ela já deveria estar adormecida
àquela hora da noite.
Estava terminando de tomar o desjejum quando ele entrou no quarto e
avisou que Nicholas os estava esperando para ouvir algumas sugestões sobre
como deveriam ser expostas as jóias da família, no salão de baile.
— Expor as jóias? — Alvita franziu o cenho. — Não acha isso
estranho?
— Sim, mas ele disse que isso é comum aqui na Inglaterra. Na
verdade, os salões de baile das casas já têm até um lugar reservado para isso.
O salão onde Charles nos levou ontem tem uma espécie de vitrine própria
para expor as jóias da família. Poderemos usar o local para exibir as que
pertenceram a mamãe. Talvez assim as pessoas se interessem logo em
comprá-las.
— Faça como achar melhor, Ivor — disse ela, entristecida pela idéia de
ter de se desfazer das jóias de sua mãe.
— Bem, vou ver como está a arrumação da mobília. Sei quais são as
peças mais valiosas, e estas devem ficar à frente da exposição.
Alvita sabia do interesse de seu irmão por móveis antigos. Ivor lia
muito a respeito e conhecia com detalhes a época e o estilo em que cada peça
fora confeccionada. Na verdade, fora ele quem sugerira a seu pai que
comprasse duas peças valiosíssimas que no momento faziam parte da
herança da família.
— Pode ir, Ivor — disse a ele. — Deixe as peças menores sob meu
encargo e cuide das maiores. — Olhando em volta, acrescentou: — É muita
sorte podermos ficar hospedados aqui, caso contrário, teríamos de pagar um
hotel.
— Também já agradeci aos céus por isso.
Ivor se retirou e, assim que terminou o desjejum, Alvita trocou de
roupa e foi direto para o salão de baile.
Chegando lá, deparou-se com um empregado que estava
descarregando uma caixa.
— Bom dia, alteza — disse ele. — O conde Nicholas pediu que eu a
avisasse de que ele foi visitar um amigo, mas que voltará por volta das onze
horas.
— Está bem. Começarei a arrumar as peças que já foram tiradas das
caixas. Reúna todas as caixas que tiverem jóias, por favor.
— O conde arrumou-as antes de sair, alteza. Elas estão ali, sobre a
mesa próxima ao relógio de parede.
Alvita olhou na direção que ele indicara.
— Oh, sim. Obrigada.
Ao atravessar o salão, viu que Nicholas já havia arrumado boa parte
das jóias de sua mãe na “vitrine” sobre a qual Ivor lhe falara.
Lá estava a coleção de esmeraldas de que lady Gorchev tanto se
orgulhava. Cada vez que o pai de Alvita viajava para o ocidente ou para São
Petersburgo, voltava com uma nova peça para a coleção.
Alvita franziu o cenho ao notar que havia outras jóias ali que ela nunca
vira antes. Eram rubis e diamantes. Aquelas jóias não haviam pertencido à
sua mãe! Estranho que Nicholas as houvesse deixado ali, sem consultar ela ou
Ivor.
Devia achar que o fato de havê-los tirado da Rússia com segurança lhe
dava o direito de agir como bem entendesse. Mesmo contrariada, achou
melhor esperar mais para ver qual eram as intenções dele.
Quando Nicholas voltou, quase à hora do almoço, trazia uma maleta
consigo. Antes mesmo que ele a abrisse,Alvita deduziu que devia se tratar de
alguma jóia ou ornamento que ele pretendia vender.
Logo viu que não se enganara. Depois de deixar a maleta junto às jóias
de sua mãe, Nicholas acrescentou vários objetos às pratarias e aos cristais que
já estavam expostos sobre uma mesa. Peças que a mãe de Alvita mantivera
durante anos.
Achou a atitude de Nicholas um tanto ousada, mas não teve coragem
de protestar por reconhecer que ela e Ivor deviam muito a ele. Se não fosse
pelo conde, talvez eles nem houvessem conseguido chegar à Inglaterra.
Sentiu um arrepio ao pensar no que deveria estar acontecendo na
Rússia. De fato, ela e Ivor deviam muito a Nicholas. Teriam de aceitar as
decisões dele sem muitos comentários ou críticas.
Ao mesmo tempo, porém, não conseguia deixar de pensar que teriam
problemas na hora de dividir o dinheiro das vendas. Esperava que ele
estivesse anotando as peças que iria vender separadamente. Assim não
haveria discussão sobre quem era o dono da jóia vendida e sobre o dinheiro
arrecadado.
“Não tenho o direito de interferir”, pensou. Entretanto, aquelas vendas
significariam muito para Ivor e para ela. Qualquer pêni que conseguissem
reunir seria importante para garantir que tivessem um mínimo de conforto
no futuro. Ainda assim, achou que não seria correto discutir isso com
Nicholas.
Algum tempo depois, ao sair do salão, encontrou-o admirando um dos
quadros dispostos no corredor. Um Rafael genuíno.
— Achei que gostaria desse quadro — disse ela.
O quadro mostrava uma mulher sentada com duas crianças em um
campo florido. Atrás deles, via-se uma pequena capela.
— É um belo quadro — afirmou. — Adorei-o desde a primeira vez em
que o vi, em um dos livros de arte que pertenciam à minha mãe. Nunca
imaginei que um dia fosse vê-lo assim, tão de perto.
— Está muito bem conservado — observou Nicholas.
— Como você deve saber, Rafael o pintou em 1507.
— É tão antigo assim? — Alvita se espantou. — Sem dúvida, está
muito conservado. Todavia, acho que ele não poderia estar em melhores
mãos.
— É verdade — concordou ele. — O marquês de Harrington parece
ser um homem muito cuidadoso.
Dizendo isso, aproximou-se de outro quadro. Tratava-se de uma obra
de Vermeer, retratando uma jovem confeccionando renda.
— Este foi pintado em 1665 — disse ele. — Sei que muitas pessoas
fariam qualquer coisa para tê-lo em suas coleções.
— Não duvido disso — anuiu Alvita. — Mas é difícil alguém ter
dinheiro suficiente para comprá-lo.
Nicholas riu.
— Para muita gente, é justamente esse o prazer do desafio.
Quando ele voltou para o salão, Alvita o seguiu.
— Obrigada por haver arrumado as jóias antes de sair
— ela agradeceu.
Parou de repente, surpresa ao notar que enquanto estivera fora do
salão havia surgido ainda mais jóias que não haviam pertencido à sua mãe.
Entre elas, um diamante que deveria ser muitíssimo valioso.
Intrigada com tudo aquilo, teve vontade de mencionar que aquelas
jóias não estavam junto com as que ela e Ivor haviam levado. Porém, achou
que seria melhor seu irmão conversar com Nicholas, já que o conhecia mais
do que ela.
Como que lendo seus pensamentos, ele disse:
— Espero que não se incomode com o acréscimo que fiz às jóias de sua
mãe, mas é que a dona dessas outras peças também está passando por uma
situação difícil. Resolvi ajudá-la, como estou fazendo com vocês.
— Oh, entendo — respondeu Alvita. — Fico satisfeita em podermos
contribuir de alguma maneira.
— Achei que diria isso — falou Nicholas, com um sorriso. — A mulher
é uma pessoa muito boa, mas ficou com problemas financeiros quando o
marido fugiu com todo o dinheiro da herança. Por isso, ela está tendo de
vender seus bens para sobreviver.
— Oh, então precisamos mesmo ajudá-la. Seguiu-se um momento de
silêncio. Olhando por cima do ombro, para verificar se não havia ninguém
mais por perto, Nicholas falou:
— Não conte nada a seu irmão ou ao amigo dele, por favor. Será triste
se eu tiver de levar as jóias de volta, sendo que ela está rezando para
conseguir algum dinheiro com a venda delas.
Quando Alvita não disse nada, ele acrescentou:
— No momento, estou sem tempo de oferecê-las pelas joalherias da
cidade.
— Entendo. Fico contente em podermos ajudar alguém que se
encontra com dificuldades. — Após uma breve pausa, prosseguiu: — Ainda
não me disse como faremos com que as pessoas saibam que essas jóias estão à
venda.
— Pensei que havia lhe dito isso ontem — justificou Nicholas. —
Anunciei em vários jornais que você e seu irmão haviam chegado da Rússia.
Também mencionei onde estão hospedados e que os tesouros que trouxeram
na viagem estarão à venda nessa endereço.
Alvita conteve o fôlego.
— Espero que o marquês não fique aborrecido por havermos feito isso
sem consultá-lo.
— Não creio que ele se importará. — Nicholas deu de ombros.
— Então ele não está mesmo sabendo?
— Não. Mas logo isso não será mais novidade porque todos
começarão a fazer comentários pela cidade.
Alvita o olhou, em silêncio. Aquele tipo de atitude não seria aprovada
por seus pais, se eles estivessem vivos.
Claro que Charles não iria gostar de ver toda a movimentação que
aquilo provocaria em sua casa. Mas, pelo visto, era tarde demais.
Sua última esperança era que Nicholas se mantivesse entretido com os
cavalos o suficiente para não notar o que estava acontecendo. Apesar de bem-
intencionada, a atitude de Nicholas não fora nem um pouco sensata.
Deus, que situação difícil! O que poderia fazer para consertar tudo
aquilo? Perguntou-se Alvita. Entretanto, não nenhuma resposta lhe ocorreu.
CAPÍTULO VI

No dia seguinte, Alvita logo descobriu o poder de alcance da


imprensa. Quando saíram para um passeio de carruagem, várias pessoas os
abordaram, querendo saber mais detalhes sobre o que estava sendo vendido
na casa do marquês de Harrington.
Alguns jornais haviam publicado até fotos da casa, para que os
compradores pudessem localizá-la com mais facilidade.
Mais uma vez, Alvita se perguntou se Charles não estaria aborrecido
com tudo aquilo. Contudo, a notícia já havia sido divulgada e ela não
conseguia evitar que as pessoas se aproximassem para pedir informações.
Ao chegar na casa de Charles, os empregados informaram que várias
pessoas haviam visitado o salão e o estábulo para ver as peças expostas.
— Não estou me sentindo bem com essa situação, Ivor — disse ela.
— Também acho que estamos passando um pouco dos limites —
respondeu ele. — Só espero que no final de toda essa publicidade consigamos
pelo menos vender bem a mobília e as jóias.
— Sim. Mamãe ficaria surpresa se visse a sensação que suas jóias estão
causando. Só espero que o dinheiro arrecadado com as vendas valha todo
esse esforço.
— Vou manter os dedos cruzados. Hoje pela manhã, encontrei uma
dama americana que se mostrou interessada na notícia que leu nos jornais.
Ela quer comprar algumas das peças e levar para Nova York.
— Bem, não podemos fazer nada. Se essa história continuar a se
espalhar, acabaremos recebendo visitas até de russos interessados em
comprar as peças.
Ivor riu.
— Isso é muito pouco provável. Sabe muito bem que quando um russo
decide fazer uma compra, ele prefere escolher algo que nunca tenha
pertencido a ninguém.
Alvita não quis retrucar. Pensar na Rússia a fazia lembrar de que, a
essa altura, sua casa já poderia ter sido saqueada e incendiada. Quase podia
ver os soldados invadindo-a e causando estragos irreparáveis.
Assim que chegaram, após uma breve saída, à tarde, Ivor e Charles
foram direto ao salão de baile, verificar se algo fora vendido durante o
período em que haviam ficado fora.
Ainda embaraçada com o que estava acontecendo, Alvita preferiu ir
para o quarto. Quando desceu, meia hora depois, foi informada de que Ivor e
Charles haviam ido ver alguns cavalos, em Tattersall's.
Enquanto agradecia ao empregado que lhe dera o recado, rezou para
seu irmão não se empolgar a ponto de acabar comprando um cavalo por lá.
Não estavam em condições de gastar dinheiro com isso no momento.
Seria uma grande tentação para ele, mas Ivor teria de resistir. Afinal,
primeiro precisavam encontrar um lugar onde morar.
Curiosa, foi até o salão, ver se alguma jóia havia sido vendida. Estava
prestes a empurrar a porta, que já se encontrava entreaberta, quando notou a
presença de outra pessoa no aposento. Hesitante, não seguiu em frente. Não
queria se apresentar diretamente, se fosse alguém interessado nas jóias.
Ao espiar pela fresta da porta, avistou apenas Nicholas arrumando
algo na mesa onde haviam deixado as jóias menos interessantes. O que ele
estaria fazendo ali?
Após hesitar um instante, foi até ele. Ao se aproximar devagar, por
trás dele, notou que Nicholas não estava olhando as jóias. Para seu espanto,
ele estava observando um quadro colocado sobre a mesa. Aquele pintado por
Rafael. Porém, ficou ainda mais surpresa ao ver que ele estava mexendo na
moldura!
Talvez alguém o tivesse comprado por engano, pensando que
pertencesse a ela e a Ivor, e Nicholas estivesse devolvendo a pintura. Não era
possível que se tratasse de qualquer outra coisa diferente disso.
Com receio de que ele a visse, escondeu-se parcialmente atrás de um
pilhar. Viu Nicholas tirar a pintura e colocar em seu lugar algo que ela não
conseguiu enxergar direito de onde estava. Só teve certeza de que também
era uma pintura.
Charles não dissera que pretendia vender aquele quadro de Rafael,
pensou ela. Não era possível que Nicholas também estivesse com intenção de
vender aquele quadro!
Sabia que deveria alertá-lo, porém sentiu-se intimidada. Era difícil ter
de admitir isso, mas Nicholas não parecia ser uma pessoa de confiança. Deus,
o que faria?
Precisava arranjar uma maneira de dizer a Nicholas que não era certo
fazer aquilo com um dos valiosos quadros do anfitrião que os acolhera com
tanta hospitalidade. Não podia deixar que ele fizesse aquilo!
Decidida, aproximou-se dele. Nicholas estava verificando se a nova
figura que colocara na moldura fora encaixada no lugar certo. Ele se
encontrava de costas para Alvita, e ela se aproximou a tempo de ver que ele
trocara a figura por outra exatamente igual.
Porém, ao ouvir passos se aproximando, Nicholas pegou a flanela com
a qual limpara a moldura e jogou-a sobre a pintura original.
— O que está fazendo? — perguntou Alvita. Ele hesitou, ao notar que
era ela.
— Oh, eu estava limpando este quadro. Vi que ele tinha um pouco de
poeira na moldura e lamentei que a visão de uma pintura tão linda estivesse
sendo prejudicada por um detalhe tão desprezível.
Alvita não acreditou na ousadia daquele homem. Devia pensar que ela
fosse alguma tola para acreditar em uma história daquelas!, pensou,
indignada.
— Não sabia que vocês já haviam voltado — disse ele. — Onde estão
Ivor e Charles?
— Foram a Tattersalfs assim que souberam que havia chegado alguns
cavalos novos por lá.
Nicholas riu.
— Espero que seu irmão não se empolgue. Comprar um cavalo seria
loucura, agora que estão precisando de dinheiro.
— Tenho certeza de que Ivor sabe disso. Enquanto falava, Alvita
tentou não olhar para a figura
Porque Nicholas escondera. Não queria que ele desconfiasse de que
ela o flagrara. Precisaria conversar com Ivor, antes de tomar qualquer
decisão.
Contudo, teria de arrumar um jeito de tirar a pintura original dali sem
que Nicholas percebesse. Enquanto pensava desesperadamente em uma
maneira de conseguir isso, a porta do salão se abriu e um grupo de pessoas
entrou no aposento, dizendo estarem interessadas em ver nas jóias.
Nicholas se adiantou no mesmo instante para recebê-las.
Aproveitando a distração dele, Alvita não perdeu tempo em esconder a
pintura embaixo do casaco que estava usando sobre o vestido.
Entretanto, no mesmo instante lhe ocorreu que Nicholas saberia que
fora ela quem tirara a pintura original dali. Em questão de segundos, colocou
uma caixa no lugar onde a pintura estivera e cobriu-a com a flanela que ele
usara. Assim, ele pensaria que um empregado ou algum dos visitantes
acabara removendo a figura dali enquanto olhava as jóias.
As pessoas demoraram um bom tempo admirando as peças e pedindo
explicações a Nicholas sobre cada uma delas.
Ele dava detalhes históricos, incentivando as pessoas a levarem as
relíquias para casa. Alvita se viu obrigada a admitir que Nicholas era um
ótimo vendedor. “Ótimo até demais”, pensou com ironia.
Desconfiara dele desde o início, mas não pensara que Nicholas fosse
capaz de chegar àquele extremo. Apostava que ele fizera a avaliação de todas
as peças da herança que trariam da Rússia, antes de insistir tanto para que
Ivor as levasse na viagem.
Não foi muito fácil manter a pintura sob o casaco sem levantar
suspeitas. Assim que surgiu uma oportunidade, despediu-se dos visitantes e
foi direto para seu quarto.
Nicholas nem notara sua saída, tão empolgado que estava com as
ofertas dos visitantes por algumas das peças.
Somente depois de fechar a porta foi que teve coragem de tirar a
pintura de baixo do casaco. Era mesmo o original pintado e assinado por
Rafael.
Alvita ficou olhando para a bela pintura, sem saber o que fazer. Não
restava dúvida de que Nicholas pretendia roubá-la. Por outro lado, denunciá-
lo seria comprometedor, depois do esforço que ele fizera para tirar ela e Ivor
da Rússia.
Minutos depois, continuava no mesmo impasse quando ouviu alguém
bater à porta. Escondeu a pintura debaixo do travesseiro, antes de dizer:
— Pode entrar.
A porta se abriu e Charles entrou no quarto.
— Imaginei que estivesse aqui.
Alvita ficou aliviada ao ver que era ele. Charles prosseguiu:
— Vim apenas avisá-la de que seu irmão se rendeu aos encantos de
uma bela americana. Ele disse que voltará para o jantar, mas duvido que ela o
deixe partir assim, tão facilmente. — Sorriu.
Ao se aproximar de Alvita, Charles olhou para o travesseiro dela. Só
então ela notou que a pressa a fizera deixar uma parte da pintura à mostra.
— Ei, esse é meu Rafael! — exclamou ele, reconhecendo a pintura.
— Sim, é — confirmou Alvita. — Mas não vou lhe dizer como o
encontrei.
— Deveria tê-lo encontrado pendurado no corredor do lado de fora do
salão de baile, onde sempre esteve. Pensei que a pintura estivesse segura
naquela moldura.
— Eu… não quero… deixá-lo preocupado — murmurou ela, hesitante.
— Mas… temos um problema.
— Você parece preocupada — salientou Charles. — Quero que se sinta
feliz na minha casa.
— Eu me sinto feliz aqui — afirmou Alvita. — Mas estou mesmo
preocupada.
— Então, conte-me qual o motivo de sua preocupação. — Com um
sorriso, acrescentou: — Quero vê-la tão feliz quanto antes.
Alvita retribuiu o sorriso com certo esforço.
— Há várias pessoas olhando as jóias no salão — disse a ele.
— Os empregados me avisaram quando cheguei. Para ser sincero, foi o
mordomo quem me avisou que Sua Alteza estava aqui sozinha. Por isso vim
saber por que não está lá, incentivando-os a comprarem suas jóias.
— Não pude ficar no salão. Mas acho que será melhor não saber o
motivo, antes que eu fale com Ivor.
— Seu irmão está muito feliz com a nova conquista — salientou
Charles. — Por que não confia em mim? Pode contar qual é o problema.
— Não é que eu não confie em milorde — replicou Alvita. — Tem sido
muito gentil desde que chegamos. Não quero preocupá-lo, só isso.
— Não se importe com esse detalhe, alteza. Agora conte-me, por favor.
Apesar de hesitante, Alvita contou a ele o que havia presenciado no
salão de baile. Durante todo o relato, nem teve coragem de encará-lo. Afinal,
Nicholas estava na casa por causa dela e de Ivor.
— Eu não queria que soubesse dessa maneira — disse, por fim. —
Pensei em falar com Ivor primeiro, para juntos elaborarmos um modo mais
ameno de lhe dizer a verdade.
— Ficou preocupada comigo? — questionou Charles, fitando-a com
atenção.
— Claro que sim — respondeu Alvita. — É terrível pensar que esteve
prestes a perder um de seus tesouros. Se eu não estivesse espiando pela fresta
da porta não teria visto a pintura sendo trocada por uma reprodução falsa.
Não consegui vê-la muito bem, mas parecia bem-feita. Oh, milorde… Sinto
muito. Todo esse problema é culpa minha e de meu irmão.
— Não, alteza. Vocês também não sabiam que Nicholas era esse tipo
de pessoa. Isso significa que precisamos tomar cuidado com ele. —
Abaixando o tom de voz, acrescentou: — Essa não é a primeira vez que ele se
beneficia do fato de “aparentemente” estar ajudando alguém.
— Ele conseguiu nos tirar da Rússia em segurança — salientou Alvita.
— Por isso não quero prejudicá-lo, entende?
— Sim, entendo. Mas, para dizer a verdade, estou desconfiado dele há
algum tempo.
— Desconfiou? Por quê?
— Quando um grupo de pessoas estava examinando as jóias, ouvi
uma delas dizer: “Esse colar é exatamente igual ao que minha mãe perdeu no
ano passado! Diria até que é o mesmo colar, se não soubesse que ele pertence
a essa princesa russa”.
Alvita levou a mão aos lábios, aturdida.
— Então, acha que ele já roubou outras coisas antes?
— Tenho certeza disso — respondeu Charles. — Agora, precisamos
impedir que ele roube peças valiosas de sua herança, depois as venda e
ponha o dinheiro no próprio bolso.
— Oh, meu Deus…
— Não fique tão preocupada. Já ouvi falar sobre Nicholas antes e as
notícias não foram nada boas. — Suspirou. — Está muito claro para mim que
ele é um ladrão, e muito esperto.
Alvita arregalou os olhos, chocada ao ouvir a palavra “ladrão”.
— Oh, Deus, isso não pode ser verdade! — lamentou.
— Depois de tudo que ele fez por nós…
— Nicholas teve muita sorte em encontrá-los, alteza. Ele estava
justamente procurando alguém a quem pudesse ajudar de um modo que
fizesse a pessoa se sentir grata pelo resto da vida. — Sorriu, com ironia. —
Aposto até que ele convenceu o capitão do navio dizendo que ele deveria
salvar a realeza russa de um possível assassinato.
— Pode ter sido — murmurou ela.
— E é óbvio que ele insistiu para que trouxessem o máximo possível
da herança pensando em tirar algum proveito disso, quando chegassem à
Inglaterra. — Após uma breve pausa, completou: —Ainda bem que nos
encontramos no meio do caminho e que pude trazê-los para cá.
— Agradeço aos céus por isso — declarou Alvita. — Não sei o que
teria sido de nós se houvéssemos ficado apenas sob os cuidados de Nicholas.
— Não se preocupe mais com esse assunto, alteza — pediu Charles. —
Deixe tudo por minha conta. Prometo não fazer nada que possa prejudicar
Nicholas porque sei quanto se sente grata a ele. Na verdade, também sinto
gratidão por ele.
— Gratidão? — Ela se surpreendeu.
— Sim. Sou grato por ele haver trazido você para cá. Alvita
enrubesceu, desviando o olhar. Era difícil fitar
Charles nos olhos quando ele fazia aquelas insinuações.
— Mas se Nicholas está roubando, como tudo indica, deve proteger
todos seus bens.
— Protegerei tudo que é nosso — prometeu Charles.
— Mas teremos de elaborar um plano juntos. Como sabe, toda
Londres está falando sobre os tesouros que se encontram aqui em casa. De
fato, não estou preocupado apenas com Nicholas, mas com todas essas
pessoas estranhas que estão circulando por aqui.
— Oh, então vamos fechar as portas e dizer que não há mais nada à
venda, por favor! — sugeriu Alvita, preocupado com o que poderia
acontecer. Charles não respondeu de imediato.
— Você e Ivor precisam de dinheiro — lembrou ele.
— Temos apenas de manter vigilância sobre tudo. Para isso, também
poderemos contar com a ajuda de meus empregados. Talvez Nicholas até
consiga levar alguma outra peça, mas não deixarei que ele roube meu Rafael.
— Claro que não! — exclamou Alvita, indignada. — Fiquei
horrorizada quando o vi trocando as pinturas. Não hesitei em dar um jeito de
salvar a pintura.
— Fico lisonjeado com sua preocupação, princesa Alvita — disse ele,
quase num sussurro.
— Não achei justo que uma pessoa tão bondosa quanto milorde
estivesse sendo enganado. Nicholas não tem o direito de agir assim. Talvez
ele até tenha roubado outras coisas que não percebemos!
— Detesto ter de admitir isso, mas pode ser verdade — anuiu Charles.
— Ele parece ser muito experiente nesse tipo de artimanha. Se demoramos
tanto para perceber o que ele estava fazendo, muitas coisas podem ter
desaparecido nesse meio tempo. Por certo, já deve estar planejando o roubo
de outros quadros daqui e da casa que tenho no interior. Com a experiência
que tem, poderia fazer isso sem despertar a menor suspeita.
Alvita se sobressaltou.
— Oh, detenha-o, por favor! Isso não é justo!
— Eu sei, alteza, mas ainda não tenho idéia de como poderei agir sem
causar um escândalo. — Com um suspiro, continuou: — Não quero que surja
nenhum tipo de suspeita com relação à autenticidade de sua herança e
também de tudo que tenho em minha própria casa.
— Sim, tem razão. É importante que sua reputação permaneça intacta.
De qualquer maneira, não temos culpa por Nicholas não ser confiável.
— Claro que não. Em certos momentos, ele conseguiu enganar até a
mim — confessou Charles. — Pensando melhor, lembro de outra pessoa que
estava olhando aquelas porcelanas datadas como sendo do século XVII
mencionar que as peças eram exatamente iguais às que haviam sido roubadas
de sua avó.
— Que horror.
— A pessoa mencionou que não perceberam o roubo de imediato, mas
somente quando já era tarde demais para acusar alguém ou para descobrir o
autor do crime.
— Talvez ele tenha deixado réplicas no lugar das peças originais —
sugeriu Alvita. — Pela agilidade com que o vi trocar esta pintura, não tenho
dúvida de que ele deve estar acostumado a fazer isso.
— Sim, é possível que tenha agido desse modo. Contudo, não consigo
pensar em uma maneira de denunciá-lo sem que causemos um escândalo.
— De qualquer modo, algo tem de ser feito — afirmou ela. — Talvez a
melhor solução seja que eu e Ivor nos mudemos para outro lugar, talvez um
hotel barato, levando nossos pertences conosco.
Charles sorriu.
— Acha mesmo que deixarei que façam isso? Alvita o fitou, surpresa.
O brilho nos olhos dele a fez conter o fôlego.
Antes que pudessem dizer mais alguma coisa, a porta do quarto foi
aberta e Ivor entrou no aposento.
— O mordomo me avisou que os encontraria aqui — explicou ele. —
O chá já foi servido.
Charles levantou-se da cadeira que estivera ocupando.
— Vim justamente chamar sua irmã para tomar o chá — disse ele. —
Mas ela ficou um pouco deprimida ao ver as peças da herança sendo
vendidas essa tarde, por isso isolou-se aqui no quarto.
Ivor passou o braço pelos ombros da irmã.
— Oh, minha querida… Precisamos do dinheiro. Além disso, eu ia lhe
perguntar se concorda em comprarmos pelo menos dois cavalos. Os que vi
hoje são ótimos, mas bastante caros.
Alvita sorriu.
— Antes de comprarmos cavalos acho que deveríamos procurar uma
casa primeiro, Ivor. A menos que pretenda dormir com os cavalos em algum
estábulo, quando não estiver cavalgando com eles.
— Não deixa de ser a possibilidade de uma nova moda — brincou
Charles. — Lançar moda costuma ser rentoso, Ivor. Tenho certeza de que as
damas que o estavam admirando enquanto você observava os cavalos, em
Tatter-sall's, não se importariam em dormir em algum estábulo com você.
Ivor riu.
— Não deveria dizer isso na frente da minha irmã — protestou. —
Tenho certeza de que ela acha que sou um cavalheiro ajuizado e respeitável,
apesar de haver criticado minha sugestão de comprarmos cavalos. Mas
reconheço que os que vimos são tão caros quanto as jóias da coroa.
— Tem razão — anuiu Charles. — Bem, vamos descer para o chá e
animar um pouco sua irmã dizendo a ela que com o dinheiro das vendas
talvez vocês consigam comprar uma casa e um burrico.
Ivor e Alvita não conseguiram conter o riso.
— Oh, Charles, você é mesmo impossível — disse Ivor. — Ainda
assim, tem razão. Enquanto não tivermos um teto sobre nossas cabeças, eu e
Alvita não devemos comprar nada, exceto um burrico, talvez, ou um gatinho,
que seria até mais barato.
Todos riram. Alvita lançou um olhar de agradecimento a Charles, por
ele não haver contado a Ivor o que ela descobrira sobre Nicholas. Melhor
seria tentarem resolver o problema primeiro, sem incomodar outras pessoas.
Não havia motivo para também deixar Ivor preocupado.
Alvita continuava agradecida a Nicholas. Ao mesmo tempo, sentia que
não tinha o direito de acusá-lo de estar fazendo algo errado, afinal, ela e Ivor
também estavam usando títulos de nobreza que nem eram deles.
— Vamos tomar o chá — falou Charles, mais uma vez, encaminhando-
se com Ivor para a porta. — Ainda precisamos decidir se aceitaremos os
convites enfadonhos que recebemos para algumas reuniões dessa noite.
Particularmente, prefiro ir ao teatro. Ouvi dizer que está sendo apresentado
um espetáculo como há muito tempo não se via, em Drury Lane.
— Oh, eu adoraria! — festejou Alvita. — Faz muito tempo que não
assisto a uma peça de teatro.
— Fico feliz que também goste de teatro — disse Charles. — Se
aceitarem, prefiro fazer esse passeio hoje à noite. Além disso, será bom nos
encontrarmos com as pessoas da nobreza que com certeza estarão no teatro.
Alvita os seguiu pelo corredor, até a saleta onde havia sido servido o
chá.
— A ida ao teatro está ótimo para mim — afirmou Ivor.
— E a princesa, o que acha? — indagou Charles, olhando para trás.
— Acho a idéia maravilhosa — respondeu Alvita. — Tenho certeza de
que eu e Ivor teremos muito o que conversar sobre esse evento, quando
estivermos morando em nosso banco de jardim, que, pelo visto, será o
máximo que conseguiremos comprar — declarou ela, entrando no espírito da
brincadeira.
Os três riram novamente.
— Também não precisa exagerar, irmãzinha — falou Ivor. — Graças a
Charles, conseguiremos obter o dinheiro necessário e os contatos com pessoas
importantes, que nos ajudarão na realização de nosso sonho. A repercussão
que a divulgação pelos jornais também está causando também não me deixa
dúvidas quanto a isso.
Charles gemeu, como que protestando.
— Oh, céus, eu havia esquecido desse detalhe. Isso significa que
haverá mais pessoas aparecendo por aqui hoje, amanhã e durante as
próximas semanas.
— Espero que até lá não reste mais nada para ser vendido — afirmou
Alvita.
Enquanto falava, ela não pôde deixar de pensar que Nicholas se
encarregaria de vender, ou de roubar, todas as peças muito rapidamente.
Tratava-se de uma possibilidade triste, mas que não podia deixar de ser
descartada. Nicholas não era uma pessoa confiável, e tentaria obter o máximo
de lucro que conseguisse, de uma maneira ou de outra.
Entretanto, o fato de Charles já estar sabendo da situação lhe dava um
grande alívio. Ele saberia o que fazer para evitar que o pior acontecesse.
Como que percebendo seus pensamentos, Charles aproveitou o
instante em que Ivor foi até a janela para se inclinar para a frente e segurar a
mão dela sobre a mesa.
Alvita sentiu um inesperado arrepio pelo corpo. Aquela mão quente e
firme lhe transmitia segurança, bem-estar… E era isso que ela precisava no
momento.
Felizmente, Ivor se manteve de costas para eles durante algum tempo,
evitando uma cena embaraçosa.
— Não importa o que aconteça — sussurrou ele, apenas para que ela
ouvisse —, eu cuidarei de você. Confie em mim. Prometo que não ficará
desapontada.
Alvita conteve o fôlego. Charles era mesmo um homem maravilhoso,
pensou. Sorriu para ele, agradecida pelo destino haver colocado uma pessoa
tão especial em sua vida.
Apesar do receio do novo sentimento que parecia estar brotando em
seu peito, algo lhe dizia que se tratava de algo que mudaria sua vida para
sempre.
CAPÍTULO VII

No fim da tarde, receberam um convite de última hora de um grande


amigo de Charles. Tratava-se de uma pessoa influente em Londres, e os três
acharam melhor adiar a ida ao teatro para irem à festa na casa do barão.
Durante a recepção, houve um baile para os convidados mais jovens.
Alvita fez muito sucesso entre os rapazes da corte. Porém, sua costumeira
modéstia não permitiu que ela se sentisse lisonjeada com aquilo. Ser apenas
admirada por um homem não era o que ela esperava de uma possível
conquista romântica. Queria ser amada. E no presente, sua principal
preocupação era organizar sua vida e a de seu irmão.
Durante a festa, seu maior constrangimento foi o fato de a anfitriã
acentuar seu título de “princesa” a cada pessoa para quem ela era
apresentada. Não conseguia deixar de sentir-se culpada sempre que ouvia
aquilo.
O que mais a perturbava era o fato de saber que sua mãe nunca
aprovara mentiras. A bondosa lady Gorchev ficaria chocada se visse a
confusão em que seus filhos haviam se metido, pensou, com um suspiro.
Por outro lado, tinha noção de que ela compreenderia que fora melhor
eles tentarem aquela alternativa do que chegarem a Londres sem dinheiro e
sem apresentarem nenhum título importante. Ainda mais por estarem na
condição de refugiados.
Durante toda a noite, ficou repetindo para si mesma que estavam
agindo da melhor maneira que era possível. Ainda assim, o incômodo da
mentira continuava em sua consciência, mas era tarde demais para voltar
atrás. Se houvessem ficado na Rússia, talvez nem estivessem mais vivos.
Sorriu ao ver quanto Ivor estava se divertindo na festa. Dançara com
várias damas e, no momento, parecia encantado com a que estava dançando
com ele. Ao final da música, Alvita notou que os dois saíram para o jardim.
Seu irmão era mesmo um namorador, pensou ela, contendo o riso.
Ficou surpresa ao se dar conta de que dançara mais de dez vezes até
aquele momento do baile. Porém, sua maior satisfação foi se ver nos braços
de Charles, durante a linda valsa que começou em seguida.
— Está fazendo muito sucesso esta noite, princesa — observou ele. —
Todos estão comentando sobre sua beleza fascinante e sobre sua elegância
natural. Ouvi até elogios do tipo: “Ela é a princesa mais bonita que já vi”.
Alvita enrubesceu, fazendo-o sorrir.
— Está me deixando encabulada, milorde. Sentindo que não
conseguiria manter aquela farsa por mais tempo, diante de Charles, disse:
— Tenho algo para lhe contar.
— Sim, pode falar. Sabe que pode confiar em mim. Alvita respirou
fundo.
— Bem, é sobre meu título…
— O de princesa? Sim, o que tem ele?
— Não é verdadeiro. Eu e Ivor inventamos que tínhamos os títulos de
“príncipe” e de “princesa” russos para termos mais facilidades quando
chegássemos aqui na Inglaterra.
Charles pareceu surpreso em um primeiro momento, mas logo um
sorriso se insinuou em seus lábios.
— Então, vocês não têm nenhum título?
— Depois da morte de meus pais, Ivor passou a ser conde e eu
condessa.
— Ora, então não há problema! Vocês têm títulos importantes.
— Sim, mas o fato de estarmos mentindo me incomoda — confessou
Alvita. — Se minha mãe estivesse viva, sinto que ela ficaria triste ao nos ver
mentir.
— Pode ser, mas com certeza ela também perceberia que vocês
estavam amedrontados ao saírem da Rússia, e essa foi a melhor alternativa
que encontraram para serem respeitados na Inglaterra. O mais importante é
que conseguiram se salvar.
— Sim, eu sei.
— Então, pare de se preocupar e aproveite a festa
— falou Charles, com um sorriso encorajador. Porém, ficou sério de
repente e fitou-a nos olhos ao dizer: — Alvita, obrigado por haver confiado
em mim a ponto de me contar isso.
— Estou aliviada por haver lhe contado — confessou ela, surpresa ao
ouvi-lo chamá-la pelo primeiro nome.
Quando decidiram sair da festa, já era bem tarde. Porém, tiveram
dificuldade em encontrar Ivor.
— Parece que seu irmão se entreteu com algum passatempo
interessante — insinuou Charles. — Acho melhor irmos na frente. Ele voltará
para casa depois.
— Espero que ele encontre alguém que possa levá-lo
— disse Alvita, olhando em volta, na esperança de avistar o irmão.
Não viu nem sinal dele. De fato, seria indelicado fazer Charles ficar
esperando Ivor aparecer.
— Está bem, Charles — anuiu, também chamando-o pelo primeiro
nome. — Vamos na frente.
— Relaxe. Ivor está melhor do que imagina — insinuou ele. — Pense
em você mesma, e em como os homens que a viram ficaram encantados com
sua beleza. Agora você é uma mulher famosa, Alvita. “A linda princesa
russa.”
Ela sorriu.
— Você está sempre dizendo galanteios. Mas gosto de ouvi-los.
— Ainda bem. Porque não me canso de dizê-los a você. Antes mesmo
da carruagem parar diante da casa, Alvita já estava quase cochilando. Ao sair
da festa, não imaginara que estivesse tão cansada. Um dos empregados os
recebeu à porta.
— Procure descansar — aconselhou Charles, assim que os dois
entraram em casa. — Pedirei ao empregados que não a chamem amanhã
cedo, para que possa dormir até mais tarde. Não temos nenhum
compromisso importante para amanhã e você poderá descansar quanto
quiser.
— Boa noite, Charles. E obrigada pela noite maravilhosa. Dizendo isso,
foi direto para o quarto. Minutos depois,já estava deitada, lembrando dos
momentos que passara ao lado de Charles. Perto dele, todos os homens
pareciam perder o brilho. A presença de Charles era forte, dominadora,
irresistível… Antes de adormecer, seu último pensamento foi para ele.
Quando acordou, Alvita se surpreendeu ao ver que já passava das dez
da manhã. Ao chamar a aia que costumava ajudá-la, recebeu uma bandeja
com o desjejum. Comeu tranqüilamente, deixando que o sol que entrava pela
janela iluminasse sua cama.
Talvez saísse para dar um passeio pelo jardim antes do almoço. O
tempo estava convidativo.
Porém, franziu o cenho quando lhe ocorreu um pensamento
desagradável: teria de contar a Ivor que Nicholas era um criminoso.
Sabia que seu irmão ficaria muito aborrecido. Mas também tinha
certeza de que ele se lembraria de que eles não teriam chegado à Inglaterra
com segurança se não fosse por Nicholas. Isso o faria perdoar o “pretenso”
amigo.
Pensou na conquista que Ivor fizera na noite anterior.
Pelo visto, seu irmão arrumara uma namorada. Só esperava que a
moça estivesse interessada nele mesmo, e não em seu título de “príncipe”.
Quando se apaixonasse, ela própria iria querer ser amada pelo que era
como pessoa, e não por causa de um título de nobreza.
Sempre sonhara em ser tão feliz no casamento quanto sua mãe fora,
mas sabia que aquele tipo de felicidade não podia ser facilmente encontrada.
— Assim que olhei para seu pai — ela costumava dizer —, eu soube
que ele era o homem da minha vida. O mesmo com quem eu sonhara durante
toda minha vida.
Alvita sorriu consigo ao imaginar que, de certa forma,sentira o mesmo
por Charles, naquele primeiro encontro.
Seria isso o amor?, perguntou-se. Se fosse, devia ser algo maravilhoso,
que ela nunca mais queria deixar de sentir.
Ela despertara interesse em vários homens, enquanto estivera na
Rússia, mas nenhum deles chegava aos pés de Charles. Durante os bailes
oferecidos por seu pai, chegara até a evitar a presença de muitos deles.
Quando terminou de se vestir e desceu para o andar de baixo, o
relógio já marcava quase onze horas. A essa hora, já deveria haver pessoas
olhando a mobília e as jóias que continuavam expostas. Ivor devia estar no
salão ou no estábulo.
Entretanto, não o encontrou em nenhum lugar da casa. Nicholas se
encontrava no salão, atendendo a um grupo de pessoas interessadas em
comprar as peças.
Ao vê-lo, no mesmo instante pensou se ele ficara aborrecido ao
perceber que o Rafael original desaparecera de onde ele o havia deixado.
Talvez houvesse ficado pensando que algum dos visitantes levara a pintura
embora.
Foi até o estábulo e também não encontrou Ivor por lá. Ao olhar em
volta, para observar se algo mais havia sido vendido, notou que as peças
pareciam praticamente intactas.
Estava voltando para a sala pela porta dos fundos, quando a porta
principal foi aberta de repente e Ivor entrou de repente.
— Oh, aí está você! — exclamou ele.
— Acabei de chegar do estábulo — falou Alvita. — Pensei que você
estivesse lá.
Ivor fechou a porta.
— Tenho uma ótima notícia, irmãzinha! Ao ouvi-la, sei que ficará tão
feliz quanto eu!
— E qual é a novidade?
— Estou apaixonado! — respondeu ele. — E vou me casar com a
mulher mais incrível do mundo!
Alvita riu do entusiasmo quase infantil do irmão.
— Mary Lee é americana, e iremos para Nova York o mais rápido
possível. Eu disse a ela que você iria conosco.
Alvita ficou aturdida demais para conseguir falar.
— Oh, Alvita, nunca me senti tão feliz em toda minha vida! Agora não
precisamos mais nos preocupar com o futuro.
— Ivor, não acha que está sendo um pouco precipitado? Você nem
conhece direito essa moça.
— Já me encontrei com ela várias vezes, desde que chegamos a
Londres. Quando a conhecer, aposto que vai gostar muito dela. De qualquer
maneira, estou muito feliz. E o mais importante é que não precisaremos nos
preocupar com nosso futuro.
— Por que diz isso? — questionou Alvita.
— O pai de Mary-Lee é um dos homens mais ricos de Nova York. Ela
disse que ele ficará muito feliz com nosso casamento.
— Você contou a ela que não é príncipe?
— Sim, mas Mary-Lee disse que não se importa com isso porque se
apaixonou por mim desde a primeira vez em que nos vimos.

— Oh, que ótima notícia, Ivor! — comemorou Alvita, aliviada.


— Ela afirmou que meu título de conde será mais do que suficiente
para impressionar o pai dela.
— Mary-Lee deve ser mesmo uma ótima moça. Quer se casar com
você por amor, e não por causa de um título.
— Na verdade, ela disse que já havia se apaixonado por mim antes
mesmo de saber quem eu era. Você não vai acreditar, mas ela quer ficar com
todas as peças de nossa herança que ainda não foram vendidas. E, como
presente de casamento, falou que vai me dar três cavalos sobre os quais falei
a ela durante a festa, ontem à noite.
Alvita levou a mão aos lábios, surpresa demais para conseguir falar. A
única coisa de que tinha certeza era que não queria ir para os Estados Unidos.
Adorava a Inglaterra e queria permanecer ali.
Antes da falar sobre isso, porém, achou melhor contar a Ivor sobre
Nicholas.
— Ivor, preciso lhe contar algo…
Durante os minutos seguintes, relatou tudo que presenciara no salão.
E terminou mencionando que Charles também já estava sabendo do fato.
— Mas não se preocupe em tomar alguma providência — avisou. —
Charles prometeu que o observaria com mais atenção, para impedir que ele
roubasse outras peças.
— Espero que consigamos remediar essa situação desagradável —
falou ele, contrariado.
— Já contou a Charles sobre esse seu “noivado relâmpago”?
— Ainda não. Ele ainda não voltou da casa do primo.
— Quando você partirá para os Estados Unidos?
— No final da semana — respondeu Ivor. — Mary-Lee já reservou a
passagem, mas antes de partimos ela precisará arranjar uma dama de
companhia. Sugeri que você poderia nos acompanhar na viagem.

— Vocês vão se casar em Nova York?


— Sim. Toda a família de Mary-Lee mora lá — explicou ele. Sem
querer contrariar a felicidade do irmão, Alvita achou melhor não dizer de
imediato que não queria ir para os Estados Unidos.
Quando Ivor se retirou, dizendo que iria esperar Charles do lado de
fora da casa, para contar a novidade, ela permaneceu no mesmo lugar,
pensativa.
Não podia ir para os Estados Unidos. Já que não poderia voltar para a
Rússia, queria pelo menos poder ficar na Inglaterra, onde alguns parentes de
sua mãe continuavam morando na região norte do país. A América do Norte
seria um lugar completamente estranho, onde ela não sabia se conseguiria se
adaptar.
Pretendia voltar a usar o título de “condessa”, que pertencera à sua
mãe. Não teve noção de quanto tempo ficou ali, até que Charles apareceu de
repente.
Ele a olhou, surpreso. Alvita não tinha idéia de que o sol que estava
entrando pela janela estava se refletindo em seus cabelos dourados,
deixando-a com uma aparência ainda mais angelical.
O modo como ele a olhou fez seu coração acelerar. Quando Charles se
aproximou, os dois se entreolharam. Por fim, Alvita foi a primeira a quebrar o
silêncio.
— Encontrou Ivor lá fora?
— Sim. Ele me contou a novidade — respondeu Charles, com um
sorriso. — Estou feliz por ele. Conheço Mary-Lee há muito tempo, e ela é
uma ótima moça.
— Também estou feliz por ele. Só há um problema…
— E qual é? Alvita hesitou.
— Eu… não quero ir para os Estados Unidos com eles. Charles sorriu.
— Acha que eu a deixaria ir embora? Ela o olhou, surpresa.
— Não quer que eu vá embora?
— Claro que não! Apaixonei-me por você desde a primeira vez em que
a vi, Alvita. Só não me declarei antes por receio de que você pensasse que eu
estava interessado apenas em seu título de “princesa”.
Alvita sorriu. Tocando o braço dele, com delicadeza, disse:
— Eu te amo, Charles. Também me apaixonei desde a primeira vez em
que o vi, mas não pensei que você pudesse me amar um dia.
Charles a abraçou, beijando-a com paixão. Quando se separaram,
Alvita estava enrubescida. Uma sensação diferente, mas muito agradável,
apoderara-se de seu corpo.
— Acho que esperei por você durante toda minha vida, Alvita, mesmo
sem conhecê-la.
Ele a beijou novamente, fazendo-a sentir um arrepio pelo corpo.
— Oh, Charles, estou tão feliz!
— Eu também. E já falei a seu irmão que você não iria para Nova York
com ele. Ivor concordou e sugeriu até que nos casássemos antes do final da
semana, quando ele irá partir.
— Casarmos? — ela se espantou. — Tão rápido assim?
— Sim, minha querida. Poderei providenciar nosso casamento
rapidamente. Depois teremos uma lua-de-mel inesquecível.
— É mesmo? — indagou Alvita, expectante.
— Embarcaremos no meu iate, para visitar países que você ainda não
conheceu. Quando voltarmos, iniciaremos uma nova vida.
— Uma nova vida cheia de alegrias e de realizações — completou
Alvita.
— Agora temos de planejar os detalhes de nosso casamento. Acho que
posso conseguir que a cerimônia seja realizada depois de amanhã. Não sei se
concordará comigo, mas prefiro algo simples, sem convidados. Isso evitará
comentários indesejáveis das pessoas que vão querer saber por que você
deixará o título de “princesa” para adotar o de “marquesa”.
— Tem razão — anuiu Alvita. — Também prefiro que seja assim. Eu te
amo, Charles, e isso é tudo o que importa.
— Eu gostaria de tê-la pedido em casamento antes que tivesse de
passar pela humilhação de vender as peças de sua herança, mas eu não tinha
certeza de seu amor por mim.
Alvita continuou a fitá-lo, com um brilho de felicidade no olhar.
— Quando voltarmos da lua-de-mel — continuou Charles —,
ficaremos em minha casa no interior. Pretendo levar meus cavalos para lá,
onde poderemos continuar a treiná-los. O que acha da idéia?
— Oh, é maravilhosa! Mal acredito que tudo isso esteja acontecendo.
Ao sair da Rússia, não imaginei que encontraria a felicidade tão rapidamente,
e em terras estrangeiras.
— Nem tão estrangeiras assim — corrigiu ele. — Lembre-se de que
você é meio inglesa.
Ela sorriu.
— Acho que esse foi o motivo de eu haver me adaptado tão facilmente
aos hábitos ingleses.
— Já que também deseja uma cerimônia simples, pedirei ao pastor que
a realize na capela ao lado da minha casa, no interior. Assim, não
chamaremos muita atenção.
— Ótimo. Sempre achei que um casamento em um pequena capela
seria mais romântico do que uma cerimônia cheia de suntuosidade, mas
vazia de sentimentos. — Sorriu. — Minha mãe, que também preferia coisas
mais simples, costumava dizer que em casamentos abastados os noivos ficam
mais interessados nos presentes que irão ganhar do que na importância da
união entre os dois.
Charles também sorriu, reconhecendo a verdade daquelas palavras.
— Pois isso não acontecerá conosco. Já compareci a muitos casamentos
desse tipo, e em todas as vezes em que vi esse tipo de atitude, pensava: “Isso
não é para mim”.
Alvita o abraçou, feliz por ambos concordarem em tantos aspectos.
Nicholas ficou muito aborrecido ao saber que as jóias e as outras peças
da herança não seriam mais vendidas.
— Não podem fazer isso! — explodiu ele. — Tive muito trabalho para
conseguir toda aquela divulgação nos jornais e as pessoas estão interessadas
nas peças!
— Vou levar tudo que minha irmã não quiser para Nova York,
Nicholas — declarou Ivor, num tom de voz calmo. — Mas conversei com
Charles e ambos lhe daremos uma generosa soma em dinheiro por sua
contribuição.
Para alívio de Alvita, Nicholas pareceu bastante satisfeito com a
quantia que recebeu. Partiu sem reclamações, desejando boa sorte aos noivos.
— Ainda bem que nos livramos desse problema sem maiores
aborrecimentos — disse Charles. — Apesar de Alvita havê-lo flagrado
roubando uma pintura, nada mais foi roubado aqui em casa, segundo
informaram meus empregados. Já pedi que coloquem o verdadeiro Rafael no
lugar de onde foi retirado.
— Tem sorte por Nicholas não haver escapado com ele — salientou
Ivor.
— Devo isso à sua irmã — afirmou Charles, beijando-a na testa. — Por
fim, os problemas que Nicholas nos causou não tiveram maiores
conseqüências. Vamos esquecer esse assunto e imaginar que vocês
encontraram a felicidade desde o primeiro instante em que pisaram no solo
inglês.
— Certamente não terei a mínima dificuldade em imaginar isso —
declarou Ivor. — Afinal, foi aqui que conheci Mary-Lee, a mulher da minha
vida. Mesmo assim, tenho certeza de que seremos felizes nos Estados Unidos.
Qualquer lugar do mundo será perfeito, se eu estiver com ela.
Alvita e Charles se entreolharam e riram. Ivor estava mesmo
apaixonado por Mary-Lee.
Quando Charles se retirou, para verificar algo no escritório, Ivor se
aproximou da irmã.
— Estou muito contente por nós dois, Alvita.
— Eu também. Mamãe e papai devem estar nos abençoando, de onde
quer que estejam.
— Acredito que sim — anuiu Ivor. — Sei que será muito feliz com
Charles. Ele está tão apaixonado por você que demonstra isso toda vez que a
olha. Eu não poderia pensar em uma pessoa melhor para ter como cunhado.
As diversas providências para o casamento fizeram o tempo passar
voando. Dois dias depois, Alvita e Charles já estavam casados. Exatamente
um dia antes de Ivor partir para Nova York.
Trajando o mais belo vestido de noiva que havia podido escolher,
Alvita entrou na capela sentindo como se estivesse pisando em nuvens. A seu
lado, Ivor a conduzia ao altar, onde Charles a esperava, vestido com um
elegante traje de gala.
A casa dele, ao lado da capela, pertencia à família havia seis gerações.
Tratava-se de uma belíssima construção toda branca, cercada por lindos
jardins floridos que davam vista para um campo que se estendia até sumir de
vista.
Os cavalos já haviam sido transportados para a propriedade, e
pastavam livremente pelo amplo pasto.
— Se mamãe pudesse ver isso, ficaria muito feliz — sussurrou para o
irmão, depois da cerimônia.
— Quem disse que ela não está vendo? — Ivor sorriu.
— E com certeza também deve estar vendo que você será tão feliz com
Charles quanto ela foi com papai.
Alvita sorriu para ele.
— Sentirei sua falta quando for para os Estados Unidos — disse ela.
— Também sentirei a sua. Mas você e Charles poderão nos visitar
sempre que quiserem. Mary-Lee e eu também viremos visitá-los sempre que
pudermos. Não será difícil porque ela está acostumada a vir sempre à
Inglaterra. Além disso, quero acompanhar o treinamento dos cavalos de
Charles, para aplicar a mesma técnica aos meus, quando eu os tiver, claro.
Alvita sorriu.
— Estou surpresa que não queira levá-los desde já para os Estados
Unidos.
— Eu os levaria, se pudesse, mas você viu quanta bagagem teremos de
transportar na viagem? Estou até com medo de que o peso afunde o navio,
antes de chegarmos aos Estados Unidos.
— Oh, Ivor, não exagere!
— Mary-Lee já me avisou que quer vir para cá no Natal e trazer o pai
para conhecê-los.
— Oh, será um prazer — disse Alvita.
— Aposto que ficarão muito impressionados com essa casa. Eles não
têm propriedades assim nos Estados Unidos, segundo Mary Lee me contou.
Espero conseguir oferecer a ela um lugar tão bonito quanto esse.
— Você conseguirá. Antes de vir para cá, achei que eu e Charles
poderíamos reunir algumas relíquias durante a lua-de-mel para trazer para a
casa. Mas quando olhei toda essa suntuosidade, cheguei à conclusão de que
ela não precisa de mais nada.
— Mesmo assim, aposto que você vai se encantar com muitas coisas
que verá em outros países — disse Ivor. Após uma breve pausa, acrescentou:
— Não consigo deixar de pensar que somos realmente duas pessoas de sorte.
— Sim, somos. Encontrou alguém que o ama, e eu encontrei Charles.
— Não podemos nos esquecer da contribuição de Nicholas — lembrou
Ivor. — Por mais que ele tenha agido mal depois, foi graças a ele que
conseguimos chegar à Inglaterra.
— Sim, reconheço isso.
Antes de partir, o pastor os abençoou mais uma vez, desejando votos
de felicidade aos recém-casados.
A capela ainda recendia o perfume das flores que a enfeitavam para a
cerimônia. Era como se aquela essência espalhasse pelo ar uma atmosfera de
paz e felicidade.
Pelo modo como Charles respondera às perguntas do pastor, durante
a cerimônia, Alvita teve certeza de que essa fora a decisão mais acertada que
ela poderia tomar.
Dali em diante, sua vida pertenceria ao homem a quem amava, e nada
mais teria o poder de afligi-la.
Nunca conseguiria esquecer esse dia. Afinal, ele marcava o início de
uma nova etapa em sua vida.
Quando os dois finalmente ficaram sozinhos em casa, trocaram um
olhar de cumplicidade e subiram a escada de mãos dadas. Mais do que
nunca, Alvita se deu conta de que havia se tornado a “marquesa de
Harrington”, esposa de um homem bonito, elegante e de influência em
Londres.
Ao entrarem no quarto, conteve o fôlego ao ver a enorme cama que,
até então, Charles usara sozinho. Tudo aquilo mais parecia parte de um conto
de fadas, e ela mal acreditava que estivesse ali, prestes a encontrar a plena
felicidade nos braços de seu amado.
Aproximando-se da janela, viu que o início da noite mesclara o céu
com cores profundas. A única estrela que surgira até então cintilava com
intensidade, como que abençoando o momento mágico que se iniciaria.
Ao ouvir a porta do quarto ser fechada, Alvita se virou para Charles,
seu marido. Como que sabendo o que ela estava pensando, ele apenas a
olhou, em silêncio.
Então, aproximou-se devagar e abraçou-a com carinho.
— Eu te amo, Alvita — sussurrou. — Mais do que consigo expressar
com palavras. Nunca pensei que encontraria alguém como você, mas agora
que estamos juntos, nunca mais quero perder esse sentimento de felicidade.
— Eu também te amo — murmurou ela. — E agradeço aos céus por
havermos nos encontrado. De agora em diante, o paraíso será nosso, meu
amor. Para sempre…
As últimas palavras foram ditas quase num sussurro.
Quando seus lábios se encontraram, ambos sabiam haver encontrado o
verdadeiro amor. O mesmo que vinha de Deus, que era parte de Deus, e que
seria deles por toda a Eternidade.



BARBARA CARTLAND é, sem dúvida, a mais famosa escritora


romântica do mundo. Entre suas inúmeras qualidades, podemos citar
algumas: é historiadora, geógrafa, poetisa e especialista em dietas naturais.
Atuante personalidade política, sempre lutou pelos direitos dos grupos
menos favorecidos da sociedade inglesa, especialmente os ciganos, viúvas
pobres e crianças abandonadas. Super criativa e culta, já escreveu mais de 550
livros, editados em todo o mundo em dezenas de idiomas e dialetos, tendo
alcançado com essas obras a incrível marca de 600 milhões de exemplares
vendidos.

Algumas datas da vida de Barbara Cartland:


1901 — Nascimento
1923 — Publica seu primeiro livro
1927 — Casa-se com Alexandre McCorquodale
1933 — O primeiro casamento é desfeito
1936 — Casa-se em segundas núpcias com Hugh McCorquodale, primo
de seu primeiro marido
1963 — Publica seu centésimo livro
1976 — Sua filha Raine casa-se com o Conde Spencer, pai da princesa
Diana
1981 — A princesa Diana, enteada de sua filha, casa-se com Charles,
príncipe-herdeiro da Inglaterra
1983 — Entra no livro de recordes Guinness
1991 — Recebe o título de “Dame” do Império Britânico

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