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Título original
Do Gênio Da Língua Ao Tradutor Como Gênio (2003), Artigo de Márcio Seligmann-Silva, Apresenta e Debate Dois Modelos de Tradução Comuns Na França Do Século XVII e XVIII- o Retórico, Que Defende a Viabilização Da Tradução, e
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Do gnio da lngua ao tradutor como gnio (2003), artigo de Mrcio SeligmannSilva,
apresenta uma espcie de arqueologia do debate sobre dois modelos de traduo na Frana dos sculos XVII e XVIII, a saber: (1) oretrico,que defende a viabilizao da traduo,enfatizando umaadaptao aogostodopblicodechegada,e(2)omodelo que inviabiliza a traduo, seja pela (a) valorizao dos aspectos sensuais do texto, pelo (b)relativismoculturaloupelo(c)carterindissociveldesignificanteesignificado, cujas identidades so definidas a partir de um jogodiferencial. Apesardosprogressos recentes na rea da teoria da traduo, muitos tericos, que, segundo o autor, no interpretam bem o desconstrutivismo, ignoram a importncia da viso histrica na construo de um saber sobre o presente, insistindoemumaprocuraantihistricadas identidades. Da a razo de ser de sua proposta de reativar um debate que definitivamentenopodeserdissociadodeumolharcrticoehistrico. 1) SeligmannSilva passa ento ao primeiro ponto de interesse do texto: o modelo "belles infidles", mtodo tradutrio popular na Frana do sculoXVII eXVIII, em que o texto original nada mais do que uma ideia original cujo esprito deve ser alcanado e copiado pelo tradutor, tcnica que remonta lgica no existe mimesis sem poiesis dos textos da Antiguidade. Perrot dAblancourt (16061664) exemplo dessa escola to tradicional. Tendo em vista no as palavras do texto, mas sim a prpriaIdeia, seumtodo pretende colocaratraduo em competio com ooriginala partir do objetivo de manter o ideal de fidelidade. Seusentido de fidelidadepreciso: manter o mesmo efeito diante da leitura do objeto que o autor apresentou, caminho possvelumavezquealinguagemvistacomopuroinstrumentocapazdesedissociar docontedoque representa. Suaideiasempreagradaraoleitor,oqueoaproximade certasprticastradutriasretricastpicasdaIdadeMdia: interessante notarque dAblancourt filiaseabertamente aomodeloretrico da traduo como aemulatio que no deixa de ter relaocoma prtica dacpia infiel (realizada pelo comentador em oposio ao copista fiel, o scriptor) na Idade Mdia que era marcada pelas interpolaes daquilo que o copista acreditava ser adequado para enriquecer o original. (SELIGMANNSILVA, 2003.p.178)
Dentro deste contexto apresentado, a traduo mais prxima daliteralidade do
texto de partida acaba sendo vista pejorativamente,enquanto as belasinfiisganham destaque como um mtodo ideal, que consegue transplantar ideias e espritosde um tempo para outro, comoumavestimenta/costumemais adequadosuapoca.Como destaca Seligmann, tratase de mtodo que representa a essncia da traduo (ao menos no sentido mais comum e banal do termo) e, ainda, no comentrio de
Pietroluongo, em dAblancourt ser racional significa usar o bom senso e o
discernimento em nome do que considerado apropriado s circunstncias. Nesta perspectiva, h umaforteconvergnciaentreasduasvertentesestticasdominantes:a mundana,fundadanobomgosto,eaerudita,fundamentadanatradioantiga.(p.7) CaminhandoparaosculoXVIII possvel observar comoa tradiodas belles infidlles , mantevese de p. O exemplo Nicolas Beauze (17171789), autor do artigo Traduction, Version (1765) da Encyclopdie. Sua teoria uma prova da continuidade desse modelo e, portanto, da manuteno do esprito da Antigidade (cujos exemplos maiores so Ccero, Quintiliano, Sneca e Plnio, o jovem, que traduziram dentro do paradigma da aemulatio ). O centro da traduo continua sendo seu efeito final, que deve ser visto como uma conseqncia do potencial de representao da linguagem (e, portanto, doconhecimento) que imperava nadoutrina retrica e potica: Beauze foi um terico da especificidade decadalngua doseu carteregnioqueimpeverso/traduootrabalhodereverses.(p.182).
2) a) Ainda no sculo XVIII, Seligmann introduz os adversrios das
belles infidlles ,comeando porJean Baptiste Dubos (16701742),umdosresponsveispela valorizao da linha sensualista da tradio Retrica/Potica. Para ele o estilo do poema(a inveno de figuras poticas) aessnciadolabor potico, oquevalorizao elementosensualdalinguagememdetrimentodaprocurapelareproduodaIdeiaque est por trs do texto. A partir dessa concepo formalista a originalidade da obra adquire novo sentido, adquirindo mais peso. Por essa razo em Dubos s possvel julgar obras escritas em lnguas que o tradutor absolutamente domina,descartandoa procura por originalidade em obras traduzidas ou com base no juzo dos crticos e historiadoresda literatura. justamente a originalidadedoestiloque tornaimpossvela traduo.Tambmdela nasceaideia de gnio,tomarcante nos sculo XVIIIeXIX, e que tambm possui origens na Antiguidade, a partir da noo retrica de ingenium (definido como os elementos retricos ou estticos que transcendemgramticae nosoredutveisaoracional),fatoqueconstituioutroempecilhotraduo. b) Haindaoexemplo de Charles Batteux (17131780)e sua concepo, muito influenciada pelo Iluminismo, acerca do carter arbitrrio da linguagem a partir da noo de relativismo cultural que nasceem seutempo.No entanto, mesmo comesse pressuposto,Batteuxnegava a ideia deuma relao necessriaentre essaconcepo arbitrria da lngua e a afirmao ou negao da traduzibilidade. Em sua teoria da traduo no h tanto a importncia e dificuldade da passagem do sentido de uma lngua paraoutra,masumaespcie deretornoda tradio retricana forma da busca deumacompreensodotexto,comoumprottipodateoriahermenuticaquenasceria dali a cinquenta anos. Sua posio, portanto, surge como intermediria entre dAblancourt e Dubos, em que a exigncia da fidelidade ao esprito do texto original
aliase a uma preocupao com a clareza e a vivacidade do texto traduzido. No
comentrio de Pietroluongo: Calcandose igualmente na idia de uma coincidncia entre palavras e coisas evidenciadano interior de cadalngua,Batteux insiste sobre a dificuldade que o trabalho de traduo suscita. (...) Mais uma vez se faz presente a necessidadedogniodotradutorparafazer jusaognioda lngua e doautoraserem traduzidos. Para tal, a noo de gostosefaz imperiosa.elaqueordena o modeloa ser obedecido, (p. 9) No entanto, apesar dos esforos,Batteuxest longe de ser um entusiasta dosucesso das tradues, afirmando quesetrataapenas deumatentativa, que jamais alcanar o brilhantismo do texto original. Para ele o ideal da traduo descartado e a natureza relativadatraduosempre ser umexercciocondenadoao fracasso. c) Seligmann termina o artigo com o breve exemplodeJohann David Michaelis (17171791), quando j possvel vislumbraraviradacopernicana do conhecimento ao qual tambm se associa a virada lingstica associada a Wilhelm von Humboldt (17671835) e seu conceito de forma interna das lnguas (p. 189). Aqui j se inicia processo de construo do aparelho conceitual da lingustica com uma matriaprima semelhante aquela as quais pertencem as teorias da traduo do nosso presente: Essa forma interna significava para ele o resduo intraduzvel de cadalngua,o que escapa ao conceito, e que ao mesmo tempo a constitui. (p. 189) Inaugurase assim um momento de inflexo na histria da teoria da traduo, ponto no qual desmorona a querelle des anciens et des modernesapresentadasbrevemente acima em nome do nascimentodeumnovoparadigmadesaber.Atraduofinalmentepassa a ganhar contornos de forma com o desenvolvimento da noo de Bildung , que considera a formao das culturas na construo da linguagem, instituindo um jogo infinitoentreaslnguasesuasdiferenas.(p.190).