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P rojeto

PERGUNTE
E
RESPONDEREMOS
ON-LINE

Apostolado Veritatis Spiendor


com autorizagáo de
Dom Estéváo Tavares Bettencourt, osb
(in memoriam)
APRESENTAQÁO
DA EDIQÁO ON-LINE
Diz Sao Pedro que devemos estar
preparados para dar a razáo da nossa
esperanga a todo aquele que no-la pedir
(1 Pedro 3,15).

Esta necessidade de darmos conta


da nossa esperanga e da nossa fé hoje é
mais premente do que outrora, visto que
somos bombardeados por numerosas
correntes filosóficas e religiosas contrarias á
fé católica. Somos assim incitados a procurar
consolidar nossa crenga católica mediante
um aprofundamento do nosso estudo.

Eis o que neste site Pergunte e


Responderemos propóe aos seus leitores:
\ aborda questóes da atualidade
'] controvertidas, elucidando-as do ponto de
vista cristáo a fim de que as dúvidas se
i dissipem e a vivencia católica se fortaleca no
Brasil e no mundo. Queira Deus abengoar
este trabalho assim como a equipe de
Veritatis Splendor que se encarrega do
respectivo site.

Rio de Janeiro, 30 de julho de 2003.

Pe. Esteváo Bettencourt, OSB

NOTA DO APOSTOLADO VERITATIS SPLENDOR

Celebramos convenio com d. Esteváo Bettencourt e


passamos a disponibilizar nesta área, o excelente e sempre atual
conteúdo da revista teológico - filosófica "Pergunte e
Responderemos", que conta com mais de 40 anos de publicagáo.

A d. Esteváo Bettencourt agradecemos a confiaga depositada


em nosso trabalho, bem como pela generosidade e zelo pastoral
assim demonstrados.
Ano xlii Janeiro 2001 464
"Nao haverá mais tempo" (Ap 10, 6)

Ainda a Declaracáo "Dominus lesus"

O Primado de Pedro

O Concilio do Vaticano I (1870)

"Viva o Papa!" (Orlando Fedeli)

Contemplacáo: Sim ou Nao?

"A metamorfose dos pecados capitais" (Megazine)

"Cientista afirma: Existe o Inferno" (Folha Universal)

E a festa dos Halloween?


PERGUNTE E RESPONDEREMOS JANEIRO 2001
Publicado Mensal NM64

Diretor Responsável SUMARIO


Estéváo Bettencourt OSB
"Nao haverá mais tempo" (Ap 10, 6).... 1
Autor e Redato r de toda a materia
Mais urna vez:
publicada neste periódico
Ainda a Declaracáo "Dominus lesus" .. 2
Diretor-Administrador: Em poucas páginas:
D. Hildebrando P. Martins OSB O Primado de Pedro 10
Fala a Historia:
Administra9áo e Dístribuicáo:
O Concilio do Vaticano I (1870) 14
Edicóes "Lumen Christi"
Mais urna vez em foco:
Rúa Dom Gerardo, 40 - 5° andar-sala 501
"Viva o Papa!" (Orlando Fedeli) 20
Tel.: (0XX21) 291-7122
Fax (0XX21) 263-5679 Num mundo agitado:
Contemplacáo: Sim ou Nao? 26
Endereco para Correspondencia: Novidades?
Ed. "Lumen Christi'1 "A metamorfose dos pecados capitais"
Caixa Postal 2666 (Megazine) 33
CEP 20001-970 - Rio de Janeiro - RJ
É possível?
"Cientista afirma: Existe o Inferno" (Folha
Visite o MOSTEIRO DE SAO BENTO
Universal) 43
e "PERGUNTE E RESPONDEREMOS"
na INTERNET: http://www.osb.org.br Festa paga ou nao?
E a festa dos Halloween? 47
e-mail: lumen.christi@osb.org.br

COM APROVACÁO ECLESIÁSTICA

NO PRÓXIMO NÚMERO:

A Formacao do Catálogo Bíblico. - Os Mártires do século XX. - O Ideal do Jovem Grego


pré-cristáo. - Casamento na Igreja Brasileira. - Que sao as Igrejas Brasileiras? - As
Reducóes ou Repúblicas Indígenas. - O Pe. Antonio Vieira e o Escravo Africano. - O
Quadrado Misterioso. - Deus e o Sofrimento.

(PARA RENOVACAO OU NOVA ASSINATURA: R$ 35,00)


(NÚMERO AVULSO R$ 3,50).

O pagamento poderá ser á sua escolha:

1. Enviar em Carta, cheque nominal ao MOSTEIRO DE SAO BENTO/RJ.

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comprovante do depósito, para nosso controle. '

3- 10 ás EDIpóES "LUMEN
Obs.: Correspondencia para: Edicóes "Lumen Christi"
Caixa Postal 2666
. 20001-970 Rio de Janeiro - RJ
J
"NAO HAVERÁ MAIS TEMPO!"
(Ap10, 6)

Fim e comeco de ano lembram sempre a passagem do tempo. "Como


voa!", costuma-se exclamar. Segundo Ap 10, 6, um anjo proclamará certa vez:
"Já nao haverá mais tempo!" - Estes dizeres poderáo suscitar ¡mensa alegría a
quem, fatigado, se vir emancipado das vicisitudes do tempo e feliz por ter
preenchido santamente os seus dias. Todavía poderáo despertar susto e dissa
bor a quem for colhido de surpresa e despreparado. Com efeito; é freqüente
verificar que os homens só apreciam os valores que tém, depois que os per-
dem. O valor presente se torna rotineiro ou mesmo insípido; só depois que
desaparece, é que os usuarios tomam consciéncia de haver lidado com gran
des bens sem se dar plena conta disto. Assim também é o tempo; pode pare
cer insignificante (há mesmo quem procure "passa-tempos" ociosos), mas, uma
vez perdido, aparece com todo o seu valor.
Ora o comeco de novo ano sugere uma reflexáo sobre estes fatos, a fim
de que nao se repitam. Para o cristáo, o tempo é o valor básico, pois sem ele
nenhum outro valor pode existir. E nao somente no plano racional é valor fun
damental; mais ainda o tempo vale no plano da fé; sim, é o tempo resgatado
pelo sangue de Cristo, "o tempo oportuno, os dias da salvacáo" {cf. 2Cor 6,2).
E por que táo importante? - Porque ñas 24 horas de cada dia já se iniciou o
Reino de Deus. Consciente disto, dizia Sao Paulo: "O tempo se fez breve"
(1 Cor 7,29). Breve... nao porque os dias sejam mais curtos, mas porque dentro
das 24 horas de cada dia se instaurou algo de táo grande e momentoso que
"nao há mais tempo". O tempo do cristáo é polarizado pela presenca do Eterno
dentro da volubilidade do mundo. Alias "passa a figura deste mundo" (1Cor7,31).
Estas verdade se tornam ainda mais significativas no comeco de novo
ano. Com efeito; ressoa entáo mais vivamente a advertencia do Apostólo: "A
nossa salvacáo (consumacáo) está agora mais próxima do que quando come-
camos a acreditar ou a viver a nossa fé" (Rm 13,11). E continua o Apostólo: "A
noite vai adiantada, o dia se aproxima"; na verdade, para quem sofre de insó-
nia, a noite é tanto mais penosa quanto mais adiantada: mas este especial
penar é penhor de muito próximo término. Assim é a vida do cristáo: passada
na penumbra ou mesmo na noite da fé, quanto mais avancada em anos ela é,
tanto mais penosa pode ser, mas também tanto mais penetrada pelos albores
do dia que vai despontando e aos poucos dissipará as trevas.
Importa, pois, a todo discípulo de Cristo levar cada vez mais a serio a
exortacáo do Senhor: "Vigiai, pois nao sabéis nem o dia nem a hora" {cf. Le 12,
35-40). Qualquer momento pode ser o último e há de ser intensamente vivido
na presenca do Eterno.
Possa o novo ano significar para todos os nossos leitores uma aproxi-
macáo ainda mais consciente da luz do Dia sem ocaso para o qual noites e
dias sucessivamente nos encaminham!
E.B.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS"

Ano XLII - N9 464 - Janeiro de 2001

Mais urna vez:

AÍNDA A DECLARAQÁO "DOMINUS IESUS"

Em sintese: A Declaragáo Dominus lesus tem em vista principal


mente as relagóes entre a Igreja Católica e as religioes nao cristas. Pro
cura dissipar o relativismo religioso, que admite a revelagáo divina em
todos os Credos religiosos, embora se contradigam, uns professando o
monoteísmo, outros o panteísmo e outros aínda, o politeísmo. A verdade
é urna só; a Igreja Católica tem consciéncia de ser depositaría dessa
verdade e o afirma claramente na Declaragáo. teto, porém, nao excluí a
salvagáo fora da Igreja visível, pois quem está sinceramente em algum
Credo nao católico e vive corajosamente o que a sua consciéncia reta Ihe
inspira, está no caminho da salvagáo; Deus nao pedirá contas do Evan-
gelho a quem Ele nao o tiver revelado.
* * #

A Declaracáo Dominus lesus tem suscitado ardentes debates, em


grande parte porque mal entendida. Atendendo á problemática, voltamos
ao assunto (cf. PR 462/2000, pp. 524-528). Será, antes do mais, exposto
o conteúdo do documento, ao que se seguirá um comentario de seus
principáis tópicos.

1. O Conteúdo da Declaragáo

Emitida pela Congregacáo para a Doutrina da Fé, a Declaracáo,


com a data de 6/8/00, compreende urna Introducáo e seis capítulos.

A Introducáo apresenta a problemática ou o paño de fundo:

"O perene anuncio missionário da Igreja é hoje posto em causa por


teorías de índole relativista... Daíque se considerem superadas, porexem-
plo, verdades como o caráter definitivo e completo da revelagáo de Jesús
Cristo, a natureza da fé crista em relagáo com a crenga ñas outras religi
oes, o caráter inspirado dos livros da Sagrada Escritura, a unidade pes-
AÍNDA A DECLARAQÁO "DOMINUS IESUS"

soal entre o Verbo eterno e Jesús de Nazaré, a unidade da economía do


Verbo Encarnado e do Espirito Santo, a unicidade e universalidade
salvífica do misterio de Jesús Cristo, a mediagáo salvífica universal da
Igreja, a nao separagáo, embora com distingáo, do Reino de Deus, Reino
de Cristo e Igreja, a subsistencia na Igreja Católica da única Igreja de
Cristo" (n° 41).

Em suma, há quem diga que houve duas revelares divinas: urna,


mediante Jesús Cristo, para os cristios, e outra, mediante o Espirito Santo,
para os nao cristáos, de modo que seria preciso catar e reunir as parce
las da divina revelacáo existentes em cada Credo religioso da humanida-
de. É principalmente na india que os teólogos católicos se tém aplicado a
propor tais teorías, alegando, entre outras coisas, que o pensamento oci-
dental racional e o oriental simbolista nao se coadunam entre si; para o
oriental, as abordagens que á razáo parecem contraditórias, sao, nao
obstante, caminhos válidos para se atingir a Verdade, visto que esta fica
além das categorías do Sim e do Nao.

O capítulo I tem por título: "O Caráter Pleno e Definitivo da Revela


cáo de Jesús Cristo". Defende a dispensacáo da graca por Cristo como
urna alianca que jamáis passará e que nao precisa de ser completada
por quanto professam outras correntes religiosas. Confessa a inspiracáo
da Biblia Sagrada, á qual nao se pode equiparar nenhum outro livro sa
grado. A fé teologal é a aceitacáo das verdades reveladas por Deus; só
se encontra no Cristianismo, ao passo que ñas outras religióes há a cren-
ca ñas proposicóes da sabedoria humana.

O capítulo II, intitulado "O Logos Eterno Encarnado e o Espirito


Santo na Obra da Salvacao", nega ter havido duas revelacoes divinas:
urna devida ao Logos Eterno ou ao Espirito Santo e destinada aos nao
cristáos, e outra efetuada pelo Logos Encarnado ou Jesús Cristo. - Na
verdade, o Espirito Santo é o "outro Paráclito"; Ele nao age independen-
temente de Jesús Cristo nem fora do ámbito de acáo de Jesús Cristo,
que é o único Salvador de todos os homens em qualquer parte do mun
do.

O capítulo III ("Unicidade e Universalidade do Misterio Salvífico de


Jesús Cristo") reafirma as verdades anteriores e observa:

"Nao é raro que se proponha evitar na teología termos como


'unicidade, universalidade, absoluto', cujo uso daría a impressáo de atri
buir énfase excessiva ao significado e valor do evento salvífico de Jesús
Cristo em relacáo as demais religióes" (n° 15).

A Declaracao assevera que tais vocábulos nao fazem mais do que


exprimir a fidelidade ao dado revelado.
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

O capítulo IV ("Unicidade e Unidade da Igreja") volta-se para a Igreja


como Corpo de Cristo inseparável da Cabeca. Só há urna Igreja fundada
por Cristo, e esta foi entregue ao pastoreio de Pedro e seus sucessores,
com a garantía da indefectível assisténcia do Senhor Jesús até o fim dos
séculos; cf. Mt 16, 17-19; 28.18-20.

O capítulo V tem o título "A Igreja, Reino de Deus e Reino de Cris


to". Quer significar que o Reino de Cristo comeca no sacramento da Igre
ja, e se prolonga no Reino de Deus. Por conseguinte, nao existe o Reino
de Cristo só para os cristaos e o Reino de Deus destinado aos nao cris-
táos, como se fossem dois Reinos paralelos entre si...

"O Reino de Deus, que conhecemos pela Revelagáo, nao pode ser
separado de Cristo nem da Igreja... Se separarmos Jesús do Reino, Aca
remos sem o Reino de Deus por Ele apregoado, acabando por distorcer
quer o sentido do Reino, que corre o risco de se transformar numa mera
meta puramente humana ou ideológica, quer a identidade de Cristo, que
deixa de aparecer como o Senhor, a quem tudo se deve submeter (cf. ICor
15, 27). De igual modo, nao podemos separar da Igreja o Reino. Ela certa-
mente nao é fim em si mesma, urna vez que se ordena ao Reino de Deus, do
qual é principio, sinal e instrumento. Mesmo sendo distinta de Cristo e do
Reino, a Igreja todavía está unida indissoluvelmente a ambos" (n° 18).

O capítulo VI, finalmente, trata de "A Igreja e as Religióes no que


concerne á salvacáo", mostrando que, embora professando um Credo
nao católico, os homens se podem salvar, nao por causa de suas eren-
fas religiosas, mas em vista da sinceridade e da candura com que as
professam. Deus nao pode pedir contas do Evangelho a quem Ele nao o
revelou, mas julgará cada qual de acordó com a fidelidade á consciéncia
reta e honesta de cada um.

É de notar, porém, que aqueles que se salvam fora do Catolicismo,


nao salvos pelos méritos de Jesús Cristo, único Salvador, e pelo sacra
mento da Igreja, que é o Corpo de Cristo, inseparável de sua Cabeca.
Embora nao conhecam a Igreja e a Igreja nao os conheca, é pela Igreja
que se salvam. Por isto diz-se muito sabiamente que há dois modos de
pertencer á Igreja: o visível, próprio dos que professam a fé católica e
recebem os mesmos sacramentos, e o modo invisível, peculiar aqueles
que nao professam a fé católica, mas estáo tranquilamente em outro Cre
do, atendendo aos ditames de sua consciéncia candida.

Este capítulo VI tempera a austeridade dos anteriores, que podem


dar a impressáo de que só se salva quem pertence á Igreja visível. A
tónica da Declaracáo está na singularidade e universalidade da salvacáo
realizada por Jesús Cristo em sua única Igreja, porque o documento tem
em vista, antes do mais, as religióes nao cristas; mas nem por isto a
AÍNDA A DECLARAgÁO "DOMINUS IESUS"

Declaracáo omite o que já o Concilio do Vaticano II afirmou em Lumen


Gentium 16 e Gaudium et Spes 22 (ver textos sob o item 2.5).

Passemos agora a um

2. Comentario

Cinco pontos merecem atencáo.

2.1. Catolicismo e Religióes nao cristas

Quem está convicto de haver recebido de Deus o depósito da Ver-


dade, nao pode deixar de se opor a qualquer vilipendio da mesma; é urna
questao de consciéncia e fidelidade. Isto explica o propósito da Declara
cáo Dominus lesus. Era dever da autoridade eclesiástica lembrar aos
teólogos certos principios básicos da fé católica. Isto, porém, nao quer
dizer que todo budista, chintoísta ou maometano... está condenado por
Deus. Dizer que alguém se pode salvar por mediacao de Buda, Confúcio,
Lao-tsé ou Maomé... equivale, para um cristáo, a negar a Divindade e o
senhorio de Jesús Cristo.

Muitos hoje em dia afirmam: "Todas as religióes sao equivalentes


entre si" e colhem de cada corrente religiosa o que Ihes agrada para
fazer sua religiáo própria. Outros colocam Jesús ao lado dos grandes
homens religiosos da historia, sem professar a Divindade de Cristo. Ou
tros aínda colocam no mesmo plano os textos sagrados das grandes
religióes: a Biblia, os Vedas, o Corao... Ora, se a fé católica é a resposta
a Deus que se revela em Jesús Cristo e que nos dá seu Espirito Santo
para que vivamos em comunháo com o Pai, tais modos de pensar sao
¡ncompatíveis com a fé católica.

A Declaracáo Dominus lesus reafirma a fé católica, mas nao ex


tingue o diálogo ¡nter-religioso, que só poderá ser bem sucedido se hou-
ver sinceridade de parte a parte.

2.2. Catolicismo e Confissóes cristas nao católicas

A Declaracáo só indiretamente tocou as confissóes cristas orien


táis separadas e as protestantes.

Um ponto nevrálgico foi certamente a assercáo seguinte: "As co


munidades eclesiais que nao conservaram um válido episcopado e a
genuina e íntegra substancia do misterio eucarístico, nao sao Igrejas em
sentido próprio" (ng 16). A propósito deve-se notar que, já durante o Con
cilio do Vaticano II, alguns observadores nao católicos salientaram que
nao podiam concordar com a maneira como os Padres conciliares defini-
am a Igreja. Todavía, já que professavam elementos eclesiais, de comum
acordó foi dado a suas comunidades o titulo de "Comunidades Eclesiais".
Naquela ocasiáo tal designacáo parece nao ter suscitado problema, pois
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

a Igreja Católica reconhecia que, mesmo nao tendo o episcopado válido


e a Eucaristía, a Comunháo Anglicana, a Federacáo Luterana Mundial, a
Alianca Reformada Mundial e outras denominacoes mereciam pleno res-
peito. A diferenca de apelativos (Igreja e Comunidades Eclesiais) expri
me a existencia de um problema aínda nao resolvido,... problema em
virtude do qual se coloca a questáo da unidade almejada.

Para o protestantismo, a Igreja se compóe de todos aqueles que


recebem do Senhor Jesús Cristo a salvacáo mediante a palavra aprego-
ada e os sacramentos administrados. Somente o próprio Deus pode de
finir os limites da Igreja. A Igreja universal, Corpo de Cristo, ultrapassa as
fronteiras de todas as Igrejas particulares. Nao Ihe é essencial a suces-
sáo apostólica nem a Eucaristía como perpetuacáo do sacrificio de Cristo.

Ao contrarío, para o Catolicismo, o conceito de Igreja incluí a refe


rencia á Tradicáo (que também os orientáis veneram), os misterios orde
nados, o primado de Pedro e seus sucessores, os sete sacramentos.

Quanto aos orientáis separados da Igreja Católica, mas detentares


da hierarquia apostólica e da Eucaristía, é-lhes reconhecido o título de
Igrejas; tais sao os ortodoxos {separados em 1054), os monofisitas (se
parados em 451) e os nestorianos (separados em 431).

Para enfatizar a existencia de elementos eclesiaís (a Biblia, a ora-


cáo, a prátíca da caridade e de outras virtudes...) fora do Catolicismo, a
Declaracáo, fazendo eco a Lumen Gentium 8, quis afirmar que "a Igreja
de Cristo subsiste na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro
e pelos Bispos em comunháo com ele" (n° 16); nao declarou que a Igreja
de Cristo é a Católica, mas que "ela continua a existir plenamente só na
Igreja Católica", ao passo que "existem numerosos elementos de
santificacáo e de verdade fora da sua organizacao".

Bem diferente é a recente posicáo da assembléia dos Bispos orto


doxos russos, que declararam: "A Igreja Ortodoxa é a Igreja una, santa,
católica e apostólica" (S.O.P. n° 251, p. 4, setembro-outubro de 2000);
sao consideradas heterodoxas as demais comunidades cristas, inclusi
ve a Igreja Católica. Esta posicáo extremada talvez nao seja compartilha-
da por todas as confissóes orientáis separadas.

2.3. Ecumenismo

Há quem receie que o diálogo ecuménico (entre católicos, orien


táis e protestantes) esteja condenado a extinguir-se. Se o ecumenismo
fosse um diálogo de mera cortesía ou de interesses partidarios ("toma lá,
dá cá"), poder-se-ia realmente pensar em extincáo. Mas tal nao se dará,
porque se trata do diálogo entre irmáos que sinceramente procuram Je
sús Cristo e desejam dissipar todo falso obstáculo á plena comunháo
AÍNDA A DECLARAQÁO "DOMINUS IESUS"

eclesial e eucarística; preconceitos devidos a situacóes históricas ultra-


passados háo de ser dissipados.

Aos 18/9/2000, poucos días após a publicacáo da Declaracao, o


Papa recebeu em audiencia os representantes da Alianca Reformada
Mundial, aos quais reafirmou a sua vontade de que os encontros de diá
logo ecuménico continuem.

2.4. Fala o Papa

A 1o de outubro de 2000, em sua alocucao do Ángelus, o Papa


Joao Paulo II quis referir-se á celeuma suscitada pela Dominus lesus
nos seguintes termos:

"No cume do Ano Jubilar, com a Deciaragáo Dominus lesus, que


aprovei de modo especial, eu quis convidar todos os cristáos a renovar
sua adesáo a Cristo na alegría da fé, atentando unánimemente que Ele é,
hoje e amanhá, 'o caminho, a verdade e a vida'. Nossa confissáo de fé
em Cristo como Filho único, mediante o qual vemos o rosto do Pai, nao é
arrogancia que despreza as outras religióes, mas gratidáo feliz porque
Cristo se manifestou a nos sem mérito da nossa parte. Ao mesmo tempo, Ele
fez que nos comprometéssemos a continuar transmitindo o que recebemos...
Com o Apostólo Pedro confessamos que 'em nenhum outro nome
há salvagáo'. A Deciaragáo Dominus lesus, seguindo as pegadas do
Vaticano II, mostra que isto nao significa que neguemos a salvagáo aos
nao cristáos, mas que indicamos a fonte última em Cristo, no qual se
unem Deus e o homem. Deus dá a todos luz de modo adequado á sua
situagáo interior e ambiental, concedendo-lhes a graga salvífica através
de caminhos que só Ele conhece. O Documento esclarece os elementos
cristáos essenciais, que nao impedem o diálogo, mas evidenciam as ba
ses do mesmo, porque um diálogo sem fundamentos estaría destinado a
degenerar em palavrórío vazio.

Isto vale tambémpara a questáo ecuménica. Se o Documento, com


o Vaticano II, declara que 'a única Igreja de Cristo subsiste na Igreja Cató
lica', isto nao implica que ele tenha em pouca consideragáo as outras
Igrejas e Comunidades Cristas. Esta convicgáo é acompanhada pela cons-
ciencia de que isto nao é mérito humano, mas um sinal da fidelidade de
Deus, que é mais forte do que as debilidades humanas e os pecados que
confessamos de modo solene perante Deus e os homens no inicio da
Quaresma. A Igreja Católica sofre - como diz o Documento - pelo fato de
que verdadeiras Igrejas particulares e Comunidades Eclesiais, com ele
mentos preciosos de salvagáo, estejam separadas déla.

O Documento manifesta, urna vez mais, a mesma paixáo ecuménica


que constituí a base da minha encíclica Ut Unum sint. Espero que esta
Deciaragáo, que para mim significa muito, após tantas interpretagóes
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

equivocadas, possa assumir finalmente a sua fungáo de esclarecer e ao


mesmo tempo de abrir horizontes".

2.5. Já no Vaticano II

Como nota o Santo Padre, os dizeres da Declaracáo Dominus


lesus nao constituem novidade, pois já se encontram no documentario
do Concilio do Vaticano II, com a diferenca, porém, de que o Concilio os
incluiu num volume de 700 páginas, de modo que menos chamam a aten-
cáo, ao passo que a Declaragáo os apresenta num opúsculo de 35 pági
nas - o que mais perceptíveis os torna. A fim de mostrar a consonancia
da Declaracio com o Concilio, váo, a seguir, transcritos os textos conci
liares que importam no caso.

1) Singularidade e universalidade de Cristo e da Igreja

«Professa por isso em primeiro lugar o Sacro Sínodo que o próprio


Deus manifestou ao género humano o caminho pelo qual os homens,
servindo a Ele, pudessem salvarse e tornarse felizes em Cristo. Cre-
mos que essa única verdadeira Religiao subsiste na Igreja Católica e
Apostólica, a quem o Senhor Jesús confiou a tarefa de difundi-la aos
homens todos, quando disse aos Apostólos: 'Ide pois e ensinai ospovos
todos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espirito Santo, ensi-
nando-lhes a guardar tudo quanto vos mandei' (Mt 28, 19-20). Por sua
vez, estáo os homens todos obrigados a procurar a verdade, sobretudo
aqueta que diz respeito a Deus e a Sua Igreja e, depois de conhecé-la, a
abracá-la e a praticá-la" (Declaragáo Dignitatis Humanae 1).
«Esta é a única Igreja de Cristo que no Símbolo confessamos una,
santa, católica e apostólica; que nosso Salvador depois de Sua ressur-
reigáo entregou a Pedro para apascentar (Jo 21, 17) e confiou a ele e aos
demais apostólos para a propagar e reger (cf. Mt 28, 18ss), levantando-a
para sempre como 'coluna e fundamento da verdade' (1Tim 3, 15). Esta
Igreja, constituida e organizada neste mundo como urna sociedade, subsis
te na Igreja Católica governada pelo sucessor de Pedro e pelos Bispos
em comunhao com ele, embora fora de sua visível estrutura se encon-
trem varios elementos de santificagáo e verdade. Estes elementos, como
dons próprios á Igreja de Cristo, impelem á unidade católica» (Constitui-
gáo Lumen Gentium 8).

2) Sobre a salvacáo fora da Igreja visível


«O Salvador quer que todos os homens se salvem (cf. 1Tim 2, 4).
Aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua
Igreja, mas buscam a Deus com coragáo sincero e tentam, sob o influ-
xo da graga, cumprir por obras a Sua vontade conhecida através do
difame da consciéncia, podem conseguir a salvagáo eterna. E a divina
Providencia nao nega os auxilios necessários á salvagáo aqueles que
AÍNDA A DECLARAQÁO "DOMINUS IESUS"

sem culpa ainda nao chegaram ao conhecimento expresso de Deus e se


esforgam, nao sem a divina graga, por levar urna vida reta. Tudo o que
de bom e verdadeiro se encontra entre eles, a Igreja julga-o como urna
preparagáo evangélica, dada por Aquele que ilumina todo homem, para
que enfim tenha a vida» (Const. Lumen Gentium 16).

«É certo que a necessidade e o dever obrigam o cristáo a lutar


contra o mal através de muñas tribulagdes e a padecer a morte. Mas,
associado ao misterio pascal, configurado a morte de Cristo e fortificado
pela esperanga, chegará á ressurreigáo.

Isto vale nao somente para os cristaos, mas também para todos os
homens de boa vontade em cujos coragóes a graga opera de modo invi-
sível. Com efeito, tendo Cristo morrido por todos e sendo urna só a voca-
gao última do homem, isto é, divina, devemos admitir que o Espirito San
to oferece a todos a possibilidade de se associarem, de modo conhecido
por Deus, a este misterio pascal» (Const. Gaudium et Spes 22).

Continuagáo da pág. 48

2. Os cristaos e os Halloween

O Cristianismo, ao penetrar ñas regióes da Gália e das llhas Britá


nicas, encontrou ai a celebracáo paga mencionada. A Igreja procurou
eliminar os elementos mitológicos do festival. Assim o día 19 de novem-
bro foi "cristianizado". Com efeito; o Papa Gregorio III (731-741) esco-
Iheu a data de 19/11 para celebrar a festa da consagracáo de urna cápela
na basílica de Sao Pedro em honra de Todos os Santos. Em 834 o Papa
Gregorio IV estendeu a festa á Igreja inteira; desta maneira procurava-se
dar um sentido cristáo á celebracáo da vinda dos espfritos dos falecidos
praticada pelo druidismo. A cristianizacáo foi corroborada pelo fato de
que em 908 Santo Odilon, abade de Cluny (Franca), comecou a celebrar
a memoria de todos os fiéis defuntos aos 2/11. Os cristaos tentaram as
sim neutralizar os efeitos dos antigos ritos pagaos.

Todavía nao foi possível aos cristaos evitar todo resquicio mitológi
co. Na Idade Media dava-se grande importancia as bruxas, que eram
tidas como agentes do demonio; como se dizia, estes desciam sobre as
bruxas em sabbaths, quando havia banquetes e orgias. Um dos mais
importantes sabbaths era precisamente o da noite de 31 de outubro;
supunha-se que as bruxas afluiam a esses bacanais voando em cabo de
vassoura, acompanhadas de gatos pretos.

Na época moderna os festivais de Halloween cairam em desuso


na Europa, exceto na Irlanda, na Escocia e em regioes do país de Gales.
Mesmo ai degeneraram muitas vezes, tomando o caráter de desmandos
Continua na pág. 25
Em poucas páginas:

O PRIMADO DE PEDRO

Em sintese: A figura do Papa tem estado muito em relevo por cau


sa de seus pronunciamentos nos tempos atuais. O presente artigo póe
em foco a historia desse primado, mostrando que, desde os primeiros
séculos, a Igreja teve consciéncia de que a Pedro e seus sucessores
compete urna posigáo singular no tocante á guarda da doutrina e da dis
ciplina da Igreja. A definigáo do primado do Papa em 1870 nada propu-
nha de novo propríamente; apenas reafirmava, desta vez em tom solene,
urna verdade }á reconhecida e vivenciada.
* * *

A consideracáo do Papa Pió IX (cf. PR 463/2000, pp. 530-541) leva


a estudar os motivos pelos quais foi controvertido. No artigo citado foi
examinada a acusacáo de anti-semitismo levantada contra o Pontífice.
No presente artigo e no seguinte será ponderada a questáo do primado
do Papa definido durante o pontificado de Pió IX.

Em PR 426/1998, pp. 424-428 já foi abordada a temática tal como se


encontra nos escritos do Novo Testamento. Passamos á historia do primado.

1. Os Testemunhos Positivos

Nao se pode esperar encontrar nos primeiros séculos um exercício do


Papado (ou das faculdades entregues por Jesús a Pedro e seus sucesso
res) táo nítido quanto nos séculos posteriores. As dificuldades de comunica-
cao e transporte explicam que as expressóes da funcáo papal tenham sido
menos freqüentes do que em épocas mais tardías. Como quer que seja,
podemos tecer a historia do exercício dessas funcóes nos seguintes termos:

A Sé de Roma sempre teve consciéncia de que Ihe tocava, em


relacáo ao conjunto da Igreja, urna tarefa de solicitude, com o direito de
intervir onde fosse necessário, para salvaguardar a fé e orientar a disci
plina das comunidades. Tratava-se de ajuda, mas também, eventualmente,
de intervencáo jurídica, necessárias para manter a unidade da Igreja. O
fundamento dessa funcáo eram os textos do Evangelho que privilegiam
Pedro1, como também o fato de que Pedro e Paulo haviam consagrado a
Sé de Roma com o seu martirio, conferindo a esta urna autoridade singular.
Eis algumas expressóes do primado do Bispo de Roma:

1) No século II houve, entre Ocidentais e Orientáis, divergencias


quanto á data de celebracáo da Páscoa. Os cristáos da Asia Menor queri-

1 Cf. Mi 16, 16-19; Le 22, 31s;Jo21, 15-17.

10
O PRIMADO DE PEDRO 11

am seguir o calendario judaico, celebrando-a na noite de 14 para 15 de


Nisá (daí serem chamados quatuordecimanos), independentemente do
dia da semana, ao passo que os Ocidentais queriam manter o domingo
como dia da Ressurreicáo de Jesús (portanto, o domingo seguinte a 14
de Nisá); o Bispo S. Policarpo de Esmirna foi a Roma defender a causa
dos Orientáis junto ao Papa Aniceto em 154; quase houve cisáo da Igre
ja. S. Ireneu, Bispo de Liáo (Gália) interveio, apaziguando os ánimos.
Finalmente o Papa S. Vitor (189-198) exigiu que os fiéis da Asia Menor
observassem o calendario pascal da Igreja de Roma, pois esta remonta-
va aos Apostólos Pedro e Paulo.

Alias, S. Ireneu (t 202 aproximadamente) dizia a respeito de Roma:


"Com tal Igreja, por causa da sua peculiar preeminencia, deve estar de
acordó toda Igreja, porque nela... foi conservado o que a partir dos Apos
tólos é tradicáo" (Contra as Heresias 3, 2).

Muito significativa é a profissáo de fé dos Bispos Máximo, Urbano


e outros do Norte da África que aderiram ao cisma de Novaciano, rigorista,
mas posteriormente resoiveram voitar á comunháo da Igreja sob o Papa
S. Comélio em 251: "Sabemos que Cornélio é Bispo da Santíssima Igre
ja Católica, escolhido por Deus todo-poderoso e por Cristo Nosso Se-
nhor. Confessamos o nosso erro... Todavía nosso coracáo sempre este-
ve na Igreja; nao ignoramos que há um só Deus e Senhor todo-poderoso,
também sabemos que Cristo é o Senhor...; há um só Espirito Santo; por
isto deve haver um só Bispo á frente da Igreja Católica" (Denzinger-
Schónmetzer, Enchiridion 108 [44]).

O Papa Estéváo I (254-257) foi o primeiro a recorrer a Mt 16,16-19,


ao afirmar, contra os teólogos do Norte da África, que nao se deve repetir
o Batismo ministrado por hereges, pois nao sao os homens que batizam,
mas é Cristo que batiza.

A partir do século IV, o recurso a Mt 16, 16-19 se torna freqüente.


No século V, o Papa Inocencio I (401-417) interveio na controversia mo
vida por Pelágio a respeito da graca; num de seus sermóes S. Agostinho
respondeu ao fato, dizendo: "Agora que vieram disposicoes da Sé Apos
tólica, o litigio está terminado (causa finita est)" (serm. 130,107).

No Concilio de Calcedonia (451), lida a carta do Papa Leáo I, a


assembléia exclamou: "Esta é a fé dos Pais, esta é a fé dos Apostólos,
Pedro falou através de Leáo".

O Papa Gelásio I declarou entre 493 e 495 que a Sé de Pedro


(romana) tinha o direito de julgamento sobre todas as outras sedes epis-
copais, ao passo que ela mesma nao está sujeita a algum julgamento
humano. Em 501, o Synodus Palmaris de Roma reafirmou este principio,
que entrou no Código de Direito Canónico: "Prima sedes a nemine iudicatur
- A sé primacial nao pode ser julgada por instancia alguma" (canon 1629).

11
12 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

2. Mas...

É de notar, porém, que a preeminencia do Bispo de Roma encontrou


certas dificuldades, pois em Bizáncio (Constantinopla) reinava o imperador
com tendencias cesaropapistas. Já Constantino o Grande (306-337) era tido
como "o 13° Apostólo"; seus sucessores intervinham em questóes de teolo
gía e disciplina da Igreja, como se fossem encarregados de vigiar em prol do
bem das comunidades cristas. Nao obstante, por duas vezes o Imperador
Bizantino mandou buscar violentamente o Bispo de Roma (o Papa) para
que em Bizáncio assinasse urna fórmula de fé redigida pelo monarca; este
parecía consciente de que, sem a aprovacáo do Papa, nao teríam valor as
suas intervencoes teológicas: a primeira vez ocorreu em Janeiro de 547,
quando Justiniano mandou raptar o Papa Vigíiio para que em Constantinopla
assinasse a condenacáo dos Tres Capítulos (escritos de Teodoro de
Mopsuéstia, Ibas de Edessa e Teodoreto, tidos como nestorianos); o Papa
resistiu, e passou mais de sete anos em Constantínopla, sofrendo pres-
sóes por parte do Imperador. A segunda vez ocorreu sob o Imperador
Constante II: em 653 mandou prender o Papa Martinho I em Roma e
levá-lo para Constantínopla, porque se opunha á heresia monotelita (em
Jesús haveria urna só vontade: a divina); o Papa foi julgado díante do
Senado por alta traicáo; depois de sofrer humilhacóes e maus tratos, o
Papa Martinho I foi exilado para o Quersoneso (Criméía), onde morreu.
O Ocidente fícou isento de cesaropapísmo, pois a sede de Roma
fora abandonada pelos imperadores. Em compensacáo, o papel do Bis
po de Roma, como pai espiritual e tutor da ordem pública, foi sendo mais
e mais reconhecido; o Bispo de Roma tornou-se o baluarte da paz no Sul
da península itálica. Desta maneira evídenciou-se com certa facilidade a
fungáo primacial do sucessor de S. Pedro. Foi-se dando urna centraliza-
cao crescente do governo da Igreja, sendo expoentes da mesma os Pa
pas Gregorio Vil (1073-1085), que se empenhou por libertar a Igreja da
ingerencia do Imperador da Alemanha; Inocencio III (1198-1216), que
também lutou pela liberdade da Igreja frente ao poder civil; e Bonifacio
VIII (1294-1303), jurista, que defendía a teocracia pontificia num momen
to da historia em que os monarcas tendiam a afirmar teses nacionalistas.
O primado do Papa foi solenemente proclamado no Concilio de
Liáo II por parte do Imperador Bizantino Miguel VIII o Paleólogo (1274)1.
Foi também proclamado pelo Concilio de Florenca em 1439, Concilio a
que compareceu o Imperador Joáo VIII o Paleólogo, com o Patriarca de
Constantinopla e numerosa delegacáo grega; os Bizantinos se sentiam
ameacados pelos turcos (que haviam de tomar Constantinopla em 1453);
por isto assinaram urna fórmula de uniáo, que encontrou resistencia por
1 É de notar, porém, que essa profíssáo em que Oriente e Ocidente se uniam na
mesma fé, foi inspirada ao Imperador Miguel VIII por motivos políticos; desejava,
desta maneira, defender Bizáncio de urna projetada campanha dos latinos no Orien
te. A uniáo foi efémera, pois os latinos a romperam em 1281.

12
O PRIMADO DE PEDRO 13

parte dos fiéis orientáis; quando Bizáncio caiu em poder dos turcos (maio
1453), a fórmula perdeu sua vigencia.
No fim da Idade Media, alguns teólogos opuseram-se ao primado
absoluto do Papa, tendo em vista o Grande Cisma do Ocidente: por mo
tivo de ingerencia da Franca e de poderes estranhos, a partir de 1378
passou a haver um Papa legítimo em Roma e um antipapa em Avinhao
(Franca); os cristáos, mal informados sobre os motivos do cisma, se divi-
diram entre as duas obediencias. Já que a situacáo parecía insolúvel, um
grupo de Cardeais reunidos em Pisa no ano de 1409 elegeram um novo
(anti)papa, ou seja, Alexandre V, que devia merecer a obediencia de to
dos os cristáos. Como isto nao se verificasse, pois os ánimos estavam
muito confusos, os teólogos propuseram a teoría do Conciliarismo, que
afirmava a supremacía dos Concilios universais sobre o Papa1; julgavam
que assim poderia um Concilio depor o Papa legítimo e os dois antípapas
e eleger um novo titular para a cátedra de Pedro; tal teoría nao encontrou
grande aceitacáo entre os pastores e fiéis da Igreja, mas dava testemu-
nho da perplexidade dos cristáos diante das cisóes da Igreja. O
Conciliarismo perdeu sua voga em breve, pois o Papa legítimo, Gregorio
XII, em 1415, renunciou á cátedra após dar legitimidade ao Concilio de
Constanca (ilegitimamente convocado); a assembléia conciliar entáo pode
em 1417 eleger, para a Sé de Roma (vacante), o novo Papa legítimo:
Martinho V. Este, sem grande dificuldade, restabeleceu o prestigio do
Papado, o que mostra que o Conciliarismo nao penetrara fundo ñas ca
rnadas do povo cristáo. Verifica-se, porém, que as divisoes de 1378 a
1409 provocaram grande ingerencia dos monarcas no povo cristáo, inge
rencia que se faria sentir ainda pelos dois séculos seguintes.
A oposicáo radical ao Papado fez-se sentir no século XVI, por oca-
siáo da reforma protestante, que provocou o cisma respectivo. Nos sécu
los XVII/XVIII foram propostas teorías em prol de Igrejas nacionalistas (o
galicanismo, o febronianismo). Prevaleceu, porém, a consciéncia antiga
do primado de Roma, consciéncia que os acontecimentos de muitos sé-
culos contribuirán! para apurar e levar á maturidade. Em conseqüéncia,
no ano de 1870, o Concilio Vaticano I definiu a infalibilidade do Papa
quando fala ex-cathedra (como mestre da Igreja inteira) em materia de
fé e de Moral, assim como o primado de jurisdicáo do Sumo Pontífice.
Em 1964, o Concilio do Vaticano II completou a tarefa, inacabada, do
Vaticano I, tratando do episcopado e da colegialidade dos Bispos.
Seja, a seguir, estudado o Concilio do Vaticano I (1870).

1 Eis a fórmula com que os conciliares no Concilio de Constanga (ilegitimamente


convocado) proclamaram o Conciliarismo: "Este Sínodo declara ter sido legítimamen
te convocado no Espirito Santo e constituir Concilio Ecuménico (universal), representa
tivo da Igreja Católica; recebe ¡mediatamente de Cristo o seu poder. Todos, qualquerque
seja o seu estado ou dignidade, até mesmo o Papa, Ihe devem obediencia no que se
refere a fé, a extiipagáo do cisma e á reforma da Igreja (cabeca visível e membros)".

13
Fala a Historia:

O CONCILIO DO VATICANO I (1870)

Em síntese: O Concilio do Vaticano I (1870) definiu a infalibilidade


papal em materia de fé e Moral quando o Sumo Pontífice tenciona definir
alguma proposigáo. O Concilio se desenrolou num clima pouco tranquilo
por causa da mentalidade liberal que reinava entre os povos do Ocidente
europeu. A assembléia conciliar, após estudar meticulosamente a temática,
houve por bem defini-la, dente de que nao fazia senáo pronunciar de
maneira mais solene urna verdade de fé professada, ao menos implícita
mente, desde os primeiros sáculos.
* * *

O Concilio do Vaticano I foi o acontecimento de maior relevo na


Historia da Igreja do século XIX.
1. Os preparativos

Mais de trezentos anos haviam decorrido após a última assem


bléia do Concilio de Trento (3-4/12/1563), quando Pió IX, em dezembro
de 1864, comunicou secretamente aos cardeais a sua intencáo de reunir
novo Concilio Ecuménico: os tempos, ingratos como eram, o exigfam;
era preciso deliberar sobre os remedios a oferecer-lhes - o que se faria
por excelencia num Concilio1.

1 Alias, aos 08/12/1864 Pío IX, diante dos numerosos erros doutrináríos que
campeavam na sua época, publicou a encíclica Quanta Cura, tendo anexo um
Syllabus ou resumo das falsas doutrinas contemporáneas, que o Papa reprovava;
sao oitenta sentengas, mais ou menos concisas, distribuidas em dez parágrafos:
§ 1 - Panteísmo, naturalismo, racionalismo absoluto; §2- Racionalismo modera
do; §3- Indiferentismo, latitudinarismo (laxismo ou liberalismo moral); §4- Socia
lismo, comunismo, sociedades clandestinas, Sociedades Bíblicas, sociedades clérico-
liberais; §5- Erros sobre a Igreja e seus direitos; §6- Erros sobre a sociedade civil
considerada em si e em suas relagóes com a Igreja; §7- Erros sobre Ética natural e
Ética crista; §8- Erros sobre o matrimonio cristáo; §9- Erros sobre o poder tempo
ral do Romano Pontífice; §10- Erros que se referem ao liberalismo do século XIX.
Tratase de proposigoes já anteriormente condenadas em trínta e dois documen
tos do próprio Pió IX. A origem dessa coletánea remonta ao arcebispo de Perugia
Gioacchino Pecci, depois Papa Leño XIII, que solicitara ao Pontífice urna súmula
portadora de todos os erros do momento relativos á Igreja e a sua autoridade. O
Syllabus impressionou os adversarios da Igreja, que julgaram estar assim
anatematizada a civilizagáo moderna. Tal interpretagáo era falsa; Pió IX tencionava
apenas repudiar a cultura meramente naturalista, que pretende compreender e ori
entar o homem sem Deus. A prova disto é que o inspirador do Syllabus, o Papa
Leño XIII, procurou eficazmente conciliar a cultura do seu tempo e o Catolicismo.

14
O CONCILIO DO VATICANO I (1870) 15

A Bula de convocagáo saiu aos 29/06/1868, convidando também


os protestantes e os ortodoxos separados; estes, porém, nao compare-
ceram. A noticia de um próximo Concilio suscitou entusiasmo e também...
apreensóes; o público só sabia que seriam condenados erros contempo
ráneos, reafirmada a doutrina da Igreja, revistas a disciplina, a obra
missionária, a formacáo dos seminaristas... Mas na Curia Romana reina-
va um certo misterio sobre os intensos preparativos do Concilio. A agita-
cao pública aumentou quando em fevereiro de 1869 a revista jesuíta La
Civiltá Cattolica anunciou que o Concilio estava para definir a infalibili-
dade papal. O mundo nao católico imbuido de liberalismo proclamava-se
defensor da liberdade dos simples fiéis católicos, "subjugados pelo do
minio obscuro e obscurantista dos eclesiásticos". Na Alemanha, o histo
riador Pe. Inácio Dollinger (1799-1890) colocou-se á frente do mcvimen-
to antiinfalibilista, com diversos escritos contrarios á definicáo. O Presi
dente de Ministros da Baviera, Clodoveu de Hohenhole, procurou susci
tar uma intervencáo dos Governos europeus contra os pretensos perigos
do Concilio. Os bispos alemáes reunidos em Fulda (setembro de 1869)
enviaram um escrito ao Papa em que declaravam nao julgar oportuna a
definicáo, embora nao se opusessem á doutrina; temiam as reacóes dos
Governos e cisoes entre os próprios católicos. Em verdade, a definicáo
desse dogma podia parecer ousadia numa época em que se respirava o
liberalismo.

2. O decorrer do Concilio

O Concilio foi aberto aos 08/12/1869 na basílica de Sao Pedro,


com a presenta de 764 prelados. - No mesmo dia e na mesma hora,
abria-se em Ñapóles, sob a presidencia de Ricciardi, um anticoncílio, do"
qual participaram 700 delegados macónicos do mundo inteiro; a Policía
dispersou esse conciliábulo após poucos días, tal era a indignacáo popu
lar provocada por blasfemias contra Cristo e sua Máe Imaculada.

Quatro foram as sessóes públicas do Concilio. A terceira, aos 24/


04/1870, promulgou uma Constituicáo Dogmática Dei Filius, unánime
mente aprovada: o cap. 1o afirma a existencia de um Deus pessoal, livre,
Criador de todas as coisas e independente do mundo criado (contra o
materialismo e o panteísmo); o capítulo 2o ensina que certas verdades
religiosas, como a existencia de Deus, "podern ser conhecidas com cer
teza pela luz natural da razáo humana" (contra o ateísmo e contra o
fideísmo1; num século em que a fé crista era escarnecida pelo
racionalismo, o Concilio defendía a razáo!); o texto desse 2o capítulo
acrescenta que houve uma Revelacáo Divina, a qual chega até nos me-

1 O fideísmo ensina que as verdades religiosas só podem ser conhecidas pela fé.

15
16 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

diante tradicóes oráis e Escrituras Sagradas. O capítulo 3o proclama que


a fé é urna adesáo livre do homem a Deus, que supóe um dom da graca
divina. O capítulo 4o define os setores próprios da razáo e da fé e lembra
que qualquer aparente desacordó entre razáo e fé só pode virde falsa
compreensao das proposicóes da fé ou das conclusóes da razáo.
A quarta sessáo do Concilio, aos 18/07/1870, definiu a infalibilida-
de do Papa e seu primado de jurisdicáo sobre a Igreja inteira. O texto
proposto. á discussáo dos padres conciliares foi debatido de margo a ju-
Iho; a assembléia se dividiu em dois campos; a grande maioria julgava a
definicáo oportuna e necessária (eram apoiados por urna corrente de
leigos franceses, encabegados por Louis Veuillot, que, repudiando os
resquicios de galicanismo, eram ditos ultramontanos, pois ultrapassa-
vam a cordilheira dos Alpes para aderir a Roma); os demais eram contra
rios á definicáo; destes, poucos se opunham ao dogma como tal; outros
apenas negavam a oportunidade de o proclamar, por causa das reacóes
que isto poderia provocar. Entre os adversarios da definicáo, citam-se o
bispo Strossmayer de Djakovar (Eslavónia), que, depois da definicáo,
aceitou fielmente a sentenca do Concilio; e o bispo Hefele, que aduzia o
caso do Papa Honorio contra a infalibilidade.

Sabe-se que Honorio I (625-38), homem pouco especulativo, foi


solicitado pelo Patriarca Sergio de Constantinopla para aderir ao
monenergismo e ao monotelitismo1; Honorio parece ter dado razáo a
Sergio em suas cartas, ordenando que nao se falasse mais nem de urna
nem de duas energías (atividades) em Cristo; o Concilio Ecuménico de
Constantinopla III em 681 condenou, por isto, o Papa Honorio I. Ora deve-
se dizer que Honorio nao tencionou pronunciar definieres dogmáticas no
caso; além disto, depreende-se do contexto mesmo das duas famosas
cartas que, quando Honorio fala de urna só vontade em Cristo, ele se
refere ao plano moral e nao ao plano físico (a vontade humana e a vonta
de divina em Jesús queriam sempre a mesma coisa). O mal de Honorio
nao foi ter aderido ao erro, mas foi permitir, por descuido, que este se
propagasse.

Os argumentos da oposicáo foram sendo desfeitos. Quando viram


a causa perdida, 56 dos oposicionistas se retiraram de Roma, tendo pe
dido e obtido a licenca do Papa, aos 17/07/1870; deixaram, porém, urna
carta ao Santo Padre, em que afirmavam seu propósito de conservar
sempre fidelidade e submissáo á Santa Sé. No dia seguinte, 18/07, 533

1 Monenergismo = em Cristo haveria urna só atividade (enérgeia em grego) - a


divina.
Monotelitismo = em Cristo haveria urna só vontade (thélema, em grego). Estas
doutrinas eram resquicios do monofisismo.

16
O CONCILIO DO VATICANO I (1870) 17

padres conciliares deram voto favorável á Constituicáo Pastor Aeternus;


dois apenas se manifestaram contrarios, mas logo se anexaram á sen-
tenca positiva. Pió IX promulgou logo a Constituicáo, o que provocou
calorosa aclamacáo em toda a basílica de Sao Pedro.

A Constituicáo assim aprovada consta de quatro capítulos, que afir-


mam o fundamento bíblico e patrístico, a duracáo perpetua, o valor e a
esséncia do primado romano assim como a infalibilidade do magisterio
papal. A autoridade do Papa foi definida como sendo sumo e ¡mediato
poder de jurisdícáo sobre toda a Igreja, ficando assim condenados o
galicanismo e o febronianismo (cap. 3o). O capítulo 4o define, como dogma
revelado por Deus, que as definigóes do Romano Pontífice proferidas ex
cathedra, isto é, na qualidade de Mestre da Igreja inteira, em questdes
de fé e de Moral, gozam de especial assisténcia do Espirito Santo; sao,
pois, infalíveis e irreformáveis por si mesmas, sem necessitar da aprova-
cáo da Igreja.

Após esta memorável sessáo, o Concilio ainda estava no inicio


das suas atividades. Dos 51 projetos de decreto, só tinha estudado e
publicado dois; das questoes disciplinares, só quatro haviam sido discu
tidas, mas nao definidas. Nao obstante, o Concilio teve que ser interrom
pido abruptamente, pois no dia seguinte, 19/07, estourou a guerra fran-
co-alemá, que obrigou muitos prelados a regressar a patria. Sobreveio a
ocupacáo de Roma, aos 20/09/1870, que tornou praticamente impossí-
vel a continuacáo dos trabalhos. Em conseqüéncia, aos 20/10/1870 o
Papa suspendeu o Concilio, que deveria voltara reunir-se em época mais
apropriada, mas na verdade nunca foi reaberto; o Concilio do Vaticano II
(1962-65) havia de completar os seus trabalhos.

A importancia do Concilio do Vaticano I é enorme para a Igreja. A


definicao da infalibilidade papal era a conclusáo lógica de premissas con-
tidas na própria Escritura (Mt 16, 16-19; Le 22, 31 s; Jo 21, 15-17) e de
senvolvidas através dos tempos; principalmente por ocasiáo dos litigios
que afetavam a Igreja, foi emergindo na consciéncia dos cristáos a pree
minencia do magisterio dos sucessores de Pedro. Precisamente as ten
dencias galicanas e febronianas dos séculos XVII/XVIII serviram para
agucar essa tomada de consciéncia de modo mais vivo; humanamente
falando, os católicos podiam ter optado pelo nacionalismo eclesial, mas
o desenrolar dos embates e a acao do Espirito Santo levaram a Igreja
como tal a reafirmar a antiga verdade do primado papal tanto em materia
de jurisdigáo quanto em materia de doutrina. Numa época de descrenca,
a fé se afirmava de maneira corajosa. A própria Igreja aparecía como
algo de transcendente ou como um sacramento, que o homem recebe de
Deus, á diferenca de outras sociedades e instituicoes.

17
18 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

A centralizacáo explicitada pelo Concilio do Vaticano I teve expres-


sóes sempre mais perceptíveis durante os pontificados seguintes. Era
preciso que ocorresse o Concilio do Vaticano II (1962-65) para terminara
obra que o anterior deixara inacabada. O Vaticano I só pode abordar a
funcáo do Romano Pontífice, dentro do exiguo espaco de sua duragio; o
Vaticano II abordóu também o papel dos bispos e dos presbíteros na
Igreja, pondo em relevo o conceito de colegialidade que, sem apagar o
primado de Pedro, enriquece a estrutura da Igreja.
Claro está que a agitacáo pública que precedeu e acompanhou o
Vaticano I, nao se apaziguou logo. - Os bispos da minoría oposicionista
submeteram-se pouco depois, inclusive Hefele de Rottenburg (10/04/
1871). Também a maior parte dos teólogos reconheceram a definiólo. -
No cenário político, a definicáo do Vaticano I nao foi táo focalizada e
discutida como o teria sido se nao fora a guerra franco-alema; todavía
alguns Estados e Estadistas tomariam atitude de suspeita diante da Igre
ja; a Prússia e alguns cantóes da Suíca adotaram fortes medidas contra
os católicos, que levaram ao Kulturkampf (secularizado de bens ecle
siásticos). Estas conseqüéncias desagradáveís, que culminaram no cis
ma dos Velhos-Católicos, nao chegam a extinguir as vantagens que da
definicáo resultaram para a Igreja.

3. Os Velhos-Católicos

O sacerdote Inácio Dollinger, já mencionado como adversario da


definicáo, desde cedo mostrara-se favorável ao sistema febroniano de
igrejas nacionais. Era famoso historiador e teólogo de Munique, que pro-
fessava idéias liberáis em materia de doutrina e um certo relativismo ou
historicismo.

Após a definicáo da infalibilidade, continuou a manifestar-se hostil


ao Papado, que ele julgava desnecessário. A sua posicáo professada
publicamente valeu-lhe a excomunháo da parte do arcebispo de Muni
que em 1871 - censura esta que em 1872 atingíu outros professores de
Faculdades alemas, por se terem agregado a Dollinger. Aos poucos es-
ses adeptos do mestre, á revelia do próprio mestre, resolveram fundar
urna Igreja própria, cujo chefe era o professor Joáo Frederico von Schulte,
de Praga. A partir de 1872 foram sendo criadas paróquias de "Velhos-
Católicos". Esta designacáo se deve ao fato seguinte: quando o arcebis
po de Munique voltou de Roma, após o Concilio, convidou Inácio Dollinger
a "trabalhar para a Santa Igreja"; este respondeu secamente: "Sim, para
a antiga Igreja! - Há urna só Igreja, replicou o arcebispo, nao existe nova
nem antiga Igreja! - Mas fizeram urna nova!", retrucou o professor. Por
conseguinte, Dollinger pertencia á Velha Igreja; resolveram também ins
tituir um bispo para si em 1873 na pessoa do professor de Teologia Joseph
Hubert Reinkens, que foi receber a ordenacáo episcopal das máos do
arcebispo jansenista de Utrecht na Holanda.

18
O CONCILIO DO VATICANO I (1870) 19

Em Pentecostés de 1874 um Sínodo em Bonn aprovou a constitui-


cao eclesiástica tragada por Schulte: cada povo tem sua Igreja nacional
autónoma; as Igrejas nacionais estáo ligadas pela "Conferencia" de seus
bispos. A autoridade suprema é o Sínodo, do qual fazem parte todos os
eclesiásticos e os deputados dos leigos de cada paróquia; o Sínodo pro
mulga leis e examina a administracáo. Na paróquia a autoridade supre
ma toca á assembléia dos fiéis, que elege o seu pároco; a este assiste o
Conselho Paroquial.

Os Velhos-Católicos aos poucos foram sendo penetrados por te


ses protestantes, que Ihes pareciam corresponder á disciplina da Igreja
dos oito primeiros séculos (donde o nome "Velhos-Católicos"): rejeita-
ram, portanto, além do primado do Papa, o celibato sacerdotal, a confis-
sao auricular, as indulgencias, o culto dos santos, as procissoes e pere-
grinacóes, a Imaculada Conceicáo. Introduziram a língua alema na liturgia
da Missa. Estas ¡novacóes causaram descontentamento dentro da própria
comunháo cismática: os Velhos-Católicos faziam-se Neo-protestantes. O
próprio Inácio Dóllinger abandonou publicamente a faccáo que ele inspirara.
Alias, a figura de Dóllinger ficou sendo misteriosa. Ele nao teria
levado suas idéias a tais conseqüéncias práticas; nao quería o cisma
formal. Conservou-se sempre fiel aos votos do seu sacerdocio; absteve-
se de celebrar a S. Missa após a excomunháo. Sempre levou vida muito
modesta, de severa sobriedade e muito trabalho. Parece que no fim da
vida sentia saudades da Igreja de sua juventude. Desaconselhou mesmo
a um de seus discípulos, Blennerhasset, que o seguisse no caminhu to
mado após o Vaticano I. O fato é que morreu em 1890 sem se ter recon
ciliado com a Igreja.

Em 1889, os Velhos-Católicos e os jansenistas se aliaram na cha


mada "Uniáo de Utrecht". As tendencias liberáis se fizeram sentir muito
especialmente na Suíca, onde os Velhos-Católicos sao chamados "Igre
ja Crista Católica", dirigida por leigos e nao por teólogos, como na Ale-
manha, porque as razóes da oposicáo do Vaticano I eram mais políticas
do que teológicas.

CURSO SOBRE A GRACA POR CORRESPONDENCIA


ACABA DE SAIR DO PRELO O 18° CURSO POR CORRESPON
DENCIA DA ESCOLA "MATER ECCLESIAE": VERSA SOBRE A GRA
CA DIVINA, EXPLANADA NO PLANO BÍBLICO, NO DA HISTORIA E
NO DA TEOLOGÍA SISTEMÁTICA. O LEITOR PODERÁ AÍ APROFUN-
DAR SUA CONSCIÉNCiA DE FILHO(A) DE DEUS, PORTADOR DE UMA
SEMENTÉ DA BEM-AVENTURANCA CELESTIAL. "RECONHECE, Ó
CRISTÁO, A TUA DIGNIDADE" (S. LEÁO MAGNO). - PEDIDOS PELA
CAIXA POSTAL 1362, 20001-970 RIO DE JANEIRO (RJ), OU PELO
TELEFAX 0XX21-242-4552.

19
Mais uma vez em foco:

"VIVA O PAPA!"
Orlando Fedeli

. Em síntese: O Sr. Orlando Fedeli argüi os últimos Papas de ter


incorrido em erros doutrinários, apesar de gozarem do carisma da infali-
bilidade quando se pronunciam ex-cathedra, ou seja, como Mestres da
fé e da Moral em caráter definitório. - Tal atitude nao condiz com o pensa-
mento da Igreja, que recomenda aos fiéis respeito as afirmagdes do San
to Padre, mesmo quando nao fala ex-cathedra. O Papa nao se pronun
cia levianamente, mas sempre após ter estudado e ponderado cuidado
samente os pontos que aborda.
* * *

O Sr. Orlando Fedeli é membro dissidente da TFP (Tradicáo, Fami


lia e Propriedade), mas ainda professa concepcoes nem sempre fiéis ao
Concilio do Vaticano II. Publicou um folheto intitulado "VIVA O PAPA!",
em que professa crer na infalibilidade do Sumo Pontífice quando fala ex-
cathedra, mas atribuí ao Papa erros de doutrina e procedimento quando
se manifesta por outra via. Visto que tal folheto tem causado certa per-
plexidade nos leitores, vamos, a seguir, analisá-lo e comentá-lo.

1. O Texto em Foco

Eis os dizeres que importa considerar:

«O Concilio Vaticano I - realizado em 1870 - proclamou o dogma


da infalibilidade papal, estabelecendo que, quando o Papa ensina "ex-
cathedra", isto é, como Vigário de Cristo, com o poder dado por Nosso
Senhor a Sao Pedro, ensinando toda a Igreja sobre questóes de Fé ou
de Moral, com a vontade explícita de definir uma doutrina e condenando
a sentenga oposta, o Papa é infalivel.

Esse dogma da infalibilidade do Papa - ao qual aderimos do mais


profundo de nossas almas -éa garantía de que a Igreja jamáis errará. O
próprío Nosso Senhor Jesús Cristo, ao darás chaves a Pedro, Ihe disse:
'Tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha Igreja. E Eu te darei
as chaves do Reino dos céus. Tudo o que ligares na térra será ligado no
céu. Tudo o que desligares na térra, será desligado no céu. E as portas
do inferno nao prevaleceráo contra ti' (Mt 16, 18s).

É sobre essas palavras santíssimas de Nosso Senhor que a Igreja


se baseou para proclamar a infalibilidade papal. É nisto que se funda
menta a devocáo que todo católico deve ter pelo Papa, seja ele quem for.

20
"VIVA O PAPA!" 21

Os inimigos da Igreja sempre quiseram criar confusóes acerca desse


ponto, ora atribuindo ao Papa enquanto tal, e a Igreja, os pecados em
que um Papa pode cair como pessoa particular, ora estendendo a infali-
bilidade a qualqueragáo do Supremo Pontífice...
Sao Joao Bosco, que vivia entáo em Turim, ordenou a seus alunos
que jamáis gritassem Viva Pió IX' e sim 'Viva o Papa!'. Com isso, D. Bosco
desfazia a manobra carbonaria. Devemos gritar sempre 'Viva o Papa', pouco
importando o nome daquele que está no trono de Pedro. Seja ele santo ou
pecador, devemos manterao Papa, 'doce Cristo na térra', como dizia Santa
Catarina de Siena, nossa devogáo filial e nossa fídelidade a tudo o que ele
ensina, como legítimo sucessor de Pedro e com o poder das chaves.
Hoje a compreensáo desses principios é muito necessária, pois
somos ameagados por dois erros opostos com relagáo ao Papa: o sede-
vacantismo e o infalibilismo universal.

Nos rejeitamos a ambos».

Após esta apología muito viva, o tom muda um tanto:

«Há quem afirme que os últimos Papas, por sua adesáo aos erros
do Vaticano II - Concilio meramente pastoral e nao dogmático, por
tante falível e que, por isso, ninguém esta obrigado a aceitar - teriam
perdido o pontificado. Tese temeraria, aventureira e imprudente, pois até
hoje ninguém a demonstrou com provas claras e irrefutáveis. éssa tese
póe os fiéis á beira do cisma, senáo dentro dele.

De outro lado, os modernistas e progressistas, que viram suasidéi-


as erróneas triunfarem no Vaticano II, procuram impingir aos fiéis católi
cos esses erros do último Concilio, como se fossem dogmas de Fé, o que
é absolutamente falso.

Mais aínda, os defensores do infalibilismo absoluto e universal do Papa


procuram fazercom que os católicos julguem qualquer discurso do Papa -
até mesmo um simples discurso de acolhida de turistas - como se fosse um
dogma de fé, nivelando um texto pastoral, ou um discurso de cortesía, aos
pronunciamentos "ex-cathedra". Isso também nos nao podemos aceitar.
O Papa, nao é demais repetir, só é infalível quando ensina "ex-
cathedra". Fora disso, pode errar. Por isso, é legítimo rejeitar os erros do
Vaticano II e tudo o que se tem feito com base neles, na medida em que
contrariam os ensinamentos de todos os Papas anteriores.

Porexemplo, a famosa jomada de oragóes pela paz, realizada em


AssisporJoáo Paulo II, em 1986, se opós frontalmente a tudo o que a Igreja
sempre ensinou quando, em reiterados pronunciamentos dos Papas, con-
denou o interconfessionalismo e o indiferentismo. Taljomada é inaceitável».
Até aqui o Sr. Orlando Fedeli.

21
22 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

2. Que dizer?

Seráo propostas tres observacóes.

2.1. A autoridade do Papa e dos Bispos ao ensinar

Como colegiado, os Bispos, unidos ao Papa, executam o magiste


rio da Igreja, desde que ensinem, com unanimidade moral (nao aritmé
tica), alguma verdade atinente á fé ou aos costumes. Quando reunidos
em Concilio Ecuménico legítimamente convocado pelo Papa e por este
presidido, podem exercer magisterio extraordinario, definindo proposi-
cóes, com aprovacáo do Sumo Pontífice. Este, por sua vez, pode exercer
a sos seu magisterio ordinario (que merece sempre reverencia, embo-
ra nao promulgue sempre definicoes de fé ou Moral), como também seu
magisterio extraordinario, definindo proposicóes ex-cathedra.

O Concilio do Vaticano I incutiu o magisterio da Igreja nos seguin-


tes termos:

"Devem ser acreditadas, como de fé divina e católica, todas as coi


sas contidas na Palavra de Deus escrita ou transmitida de viva voz e que
sao propostas como divinamente reveladas pela Igreja, quer em soiene
afirmagáo, quer no magisterio ordinario e universal" (Denzinger-
Schónmetzer, Enchiridion n" 3011 [1792]).

Definiu também a infalibilidade do Papa, quando, ao desempenhar


sua funcáo de doutor de todos os fiéis, define urna proposicáo de fé ou
de Moral; a sua sentenca entáo é irreformável e nao precisa do consen-
timento da Igreja. Cf. Dz. Sch. n° 3073s [1839].

Na base de tais afirmacóes, pode-se fazer o seguinte gráfico rela


tivo ao magisterio da Igreja:

Ordinario: os Bispos em uniao com o Papa em unanimida


de moral

Magisterio i
definicáo soiene de um Concilio
Ecuménico aprovada pelo Papa
Extraordinario/

definicáo ex-cathedra do Sumo Pontífice

O Concilio do Vaticano II explicou estas modalidades de magisterio:

"Embora os Bispos individualmente nao gozem da prerrogativa da


infalibilidade, contudo, mesmo quando dispersos pelo mundo, guardan
do, porém, a comunháo entre si e com o sucessor de Pedro, e quando
ensinam auténticamente sobre assuntos de fé e de Moral, concordando

22
"VIVA O PAPA!" 23

numa sentenga que deve ser professada de modo definitivo, entáo enun-
ciam infalivelmente a doutrina de Cristo.

Isto aparece aínda mais claramente quando, reunidos em Concilio


Ecuménico, sao mestres ejuízes da fé e da Moral para toda a Igreja. Ás
suas definigóes os fiéis devem prestar adesáo com o obsequio da fé...
O Romano Pontífice goza de infalibilidade, como Chefe do colegio
dos Bispos, em virtude do seu encargo, quando, num ato definitivo, como
Pastor e Mestre Supremo de todos os fiéis que confirma seus irmáos na
fé (cf. Le22, 32), proclama urna doutrina atinente á fé ou aos costumes...
Suas definigóes sao irreformáveis por si mesmas e nao em virtude do
consentimento da Igreja... Nao precisam da aprovagáo de ninguém, nem
admitem apelagáo para algum tribunal.

Religiosa submissáo da vontade e da inteligencia deve ser, de modo


particular, prestada ao auténtico magisterio do Romano Pontífice mesmo
quando nao fala ex-cathedra. E isto de tal forma que seu magisterio su
premo seja reverentemente reconhecido, suas sentengas sinceramente
acolhidas, sempre de acordó com sua mente e vontade. Esta mente e
vontade consta principalmente ou da índole dos documentos ou da
freqüente proposigáo da mesma doutrina ou de sua maneira de se expri
mir" (Const. Lumen Gentium n" 25).

Como se vé, o documento recomenda mesmo os pronunciamen-


tos do Papa que nao sejam definicoes de fé ou de Moral, ou seja, as
Encíclicas, as Exortacóes Apostólicas, as Cartas, os Motu Proprio, as
Bulas... A autoridade desses textos há de se depreender do estilo e da
linguagem utilizada pelo Papa em cada caso.

2.2. O Concilio do Vaticano II

• O Concilio é acusado de ter incidido em erros - o que nao é verda-


de. Os intérpretes do Concilio é que deturparam os seus documentos,
instituindo inovacoes nao fundamentadas, que resultaram em detrimento
do Concilio aos olhos do grande público.

Quem lé o documentarlo do Concilio, verifica que intencionou


atualizar a doutrina e a praxe da Igreja a fim de as tornar mais significati
vas para o mundo de hoje, todavía sem trair as verdades da fé e os prin
cipios da Moral católicas. O ponto mais nevrálgico foi a Declaracao sobre
a Liberdade Religiosa, que alguns entenderam como se significasse que
a Religiáo é algo de indiferente, ficando ao bel-prazer de cada ser huma
no ter ou nao ter Religiáo, professar este ou aquele Credo. Tal entendi-
mento é falso; o que o Concilio quis dizer é, de um lado, que a procura da
verdade em materia religiosa se impoe a todo homem (pois equivale á
procura do sentido da vida), mas, de outro lado, essa procura nao pode
sofrer coacóes nem da parte de regimes políticos ateus ou materialistas,

23
24 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

nem da parte de alguma instituicáo religiosa; respeite-se a liberdade de


opcáo que toca a todo homem, contanto que nao perturbe a boa ordem
da sociedade. A mesma Declaracáo afirma que somente a Religiáo cató
lica professada pela Igreja que Jesús confiou a Pedro e seus sucesso-
res, foi revelada por Deus e se impoe como caminho de salvacáo a quantos
a reconhecem como tal. Sao palavras textuais do documento conciliar
Dignitatis Humanae (sobre a Liberdade Religiosa) n° 1:

"Em primeiro lugar, professa o Santo Sínodo que o próprio Deus


manifestou ao género humano o caminho pelo qual os homens, servindo
a Ele, pudessem salvarse e tornarse felizes em Cristo. Cremos que essa
única verdadeira Religiáo subsiste na Igreja Católica e Apostólica, a quem
o Senhor Jesús confiou a tarefa de difundi-la aos homens todos, quando
disse aos Apostólos: 'Ide, pois, e ensinai os povos todos, batizando-os
em nome do Pai, do Filho e do Espirito Santo, ensinando-lhes a guardar
tudo quanto vos mandei' (Mt 28, 19s). Por sua vez, estáo todos os ho
mens obrigados a procurar a verdade, sobretudo aqueta que diz respeito
a Deus e á sua Igreja e, depois de conhecé-la, a abragá-la é a praticá-la".

O fato de ter sido o Concilio de índole pastoral, nao proferindo de-


finicóes dogmáticas, nao quer dizer que nao tenha autoridade; é urna
expressáo do magisterio ordinario da Igreja, que goza da especial assis-
téncia do Espirito Santo para nao induzir em erro os fiéis católicos.

3. O Encontró de Assis

Tal assembléia reuniu, pela primeira vez na historia, representan


tes da Igreja Católica, de outras comunidades cristas e das principáis
religioes do mundo inteiro, a fim de se dedicarem ao jejum e á oracao em
prol da paz mundial.

É de notar que o Encontró de Assis nao discutiu doutrinas. Nao


tentou encontrar um mínimo denominador comum de todos os Credos.
Mas baseou-se no fato - eloqüentemente comprovado pela historia das
religioes - de que todo e qualquer homem, além de ser homo faber,
homo ludens, homo sapiens, é também homo religiosus..., homem
que acredita numa Realidade absoluta e que tem por experiencia funda
mental a experiencia do Sagrado. Foi em funcáo desta dimensao comum
e fundamental que os homens se reuniram em Assis; a oracao é a ex
pressáo mais espontánea e universal dos anseios religiosos do ser hu
mano, anseios que a Declaracáo Nostra Aetate assim escreve:

"Por meló de religioes diversas procuram os homens urna resposta


aos profundos enigmas para a condigno humana, que tanto ontem como
hoje afligem intimamente os espíritos dos homens, quais sejam: o que é
o homem, qual o sentido e o fim de nossa vida, o que é bem e o que é
pecado, qual a orígem dos sofrimentos e qual sua finalidade, qual o cami-

24
"VIVA O PAPA!" 25

nho para obtera verdadeira felicidade, o que é a morte, ojulgamento e a


retribuigáo após a morte e, finalmente, o que é aquele supremo e inefável
misterio que envolve nossa existencia, donde nos originamos e para o
qual caminhamos" (n° 1).

Para evitar toda aparéncia de ecleticismo e por respeito aos diver


sos Credos, nao houve urna fórmula única de oracáo, mas cada grupo
rezou a seu modo em presenca dos demais. No ponto culminante do
Encontró de Assis, ou seja, na tarde de 27/10/86, houve especial empe-
nho por evitar todo sincretismo: na praca adjacente á Basílica inferior de
Sao Francisco, foi colocado um estrado, ao qual tiveram acesso sucessi-
vamente os diversos grupos religiosos, a fim de proferir a sua oracáo; os
demais representantes religiosos, dispostos em semicírculo, assistiam
em silencio. Assim foram mantidas as diferencas num clima de aspira-
coes convergentes e expressóes similares. Deu-se um passo inédito no
sentido de aproximar os homens entre si, salvaguardada a identidade
religiosa de cada qual - o que está bem na linha do diálogo religioso
preconizado pelo Concilio do Vaticano II.

Eis quanto convinha observar em resposta ao Manifestó do sr.


Orlando Fedeli, sem ferir a consideracáo que tal irmáo merece.

Contínuagáo da pág. 9

com pilhagem e saques. Grupos de festeiros itinerantes bloqueiam as


portas das casas com carretas; roubam grades e maquinaria, batem ñas
janelas, arremessam hortalicas contra os portoes, entopem as chaminés
para que a fumaca nao possa sair. Em alguns lugares os rapazes e as
mocas vestem trajes ou fantasías do sexo oposto, usam máscaras e as
sim invadem as casas vizinhas para se divertir com os moradores. Fa-
zem as vezes de bruxas, fadas e gnomos.

Para preparar a tarde de Halloween, muitos adeptos da festa váo


de casa em casa pedindo donativos, especialmente alimentos (nozes,
macas...). Os doadores generosos sao gratificados com promessa de
prosperidade, ao passo que os opositores sao ameacados de castigos.
Essas contribuicóes sao, muitas vezes, solicitadas em nome de Muck
Olla, antiga divindade dos druidas, ou também em nome de Sao Columba
Cille, missionário na Irlanda do século VI.
Nos Estados Unidos a festa dos Halloween foi introduzida pelos
¡migrantes irlandeses a partir de 1840; tem sido celebrada com vandalis
mo e danos para muitas familias.

No Brasil existem redutos de Halloween, com fantasías e presen


tes para as criancas. Tal festívidade tem caráter ambiguo, fomentado pela
onda de paganismo renascente.

25
Num mundo agitado:

CONTEMPLAgÁO: SIM OU NAO?

Em síntese: No mundo agitado de nossos días nao poucas pesso-


as experimentan) a necessidade de parar e contemplar. Principalmente o
cristáo é chamado a ser contemplativo no mundo, nao sob forma de alie-
nagáo, mas como portador de novas energías e vitalidade em beneficio
do próprío mundo. - A Teología distingue duas modalidades de contem-
plagáo: a adquirida, que se obtém pela leitura e o estudo, e a infusa,
que vem a ser especial dom do Espirito Santo,... dom nao reservado a
privilegiados, mas destinado a todos os que foram inseridos em Cristo
pelo Batismo.
* * *

Contemplacáo é um olhar sobre valores superiores ou a ¡ntuicáo,


geralmente deleitosa, do Transcendental (como quer que os homens o
chamem). As grandes correntes religiosas incitam seus fiéis á contem
placáo; assim o hinduísmo, o budismo, o judaismo, o islamismo. A pró-
pria filosofía grega procurava levar a ¡ntuicáo do Divino, meta esta á qual
davam grande importancia o platonismo e o neo-platonismo.

O Cristianismo também apregoa a contemplacáo, propondo ao cris


táo, qual meta final, a visáo de Deus face-a-face (cf. 1Cor 13,12; Uo 3,
1-3). Sao Paulo, por mais atribulado que estivesse, nao perdía ánimo,
pois tínha, em meio a todas as aflicoes, o olhar contemplativo, voltado
para os valores eternos:

"Nao nos deixamos abaten Pelo contrario, embora em nos o ho-


mem exterior vá caminhando para a sua ruina, o homem interior se reno-
va dia a dia. Pois nossas tribulagoes momentáneas sao leves em relacáo
ao peso eterno de gloria que elas nos preparam até o excesso. Nao olha-
mos para as coisas que se véem, mas para as que nao se véem, pois o
que se vé é transitorio, mas o que nao se vé é eterno" (2Cor4, 16-18).

A Teología católica distingue contemplacáo adquirida e contem


plado infusa.

1. Contemplacáo adquirida

A contemplacáo adquirida é a que resulta da leitura e do estudo da


Palavra de Deus e dos artigos da fé.

Supóe o aparato conferido pelo Batismo a cada cristao: graca


santificante, as virtudes teologais da fé, da esperanca e da caridade e,

26
CONTEMPLAQÁO: SIM OU NAO? 27

aínda, os dons do Espirito Santo (sabedoria, inteligencia, ciencia, conse-


Iho, fortaleza, piedade e temor de Deus). O estudo da Palavra de Deus
nunca é algo de meramente académico ou cerebrino; é o encontró com
um Tu que fala e quer ser acolhido com dedicacáo. O grande mestre Sao
Boaventura O.F.M., dito "o Doutor Seráfico", observa na sua obra Itinera
rio da Mente para Deus:

"Ninguém creía que Ihe baste a leitura sem a ungáo, a especulagáo


sem a devogao, a investigagáo sem a admiragáo, a atengáo sem a ale
gría, a atividade sem a piedade, a ciencia sem a caridade, a inteligencia
sem a humildade, o estudo sem a graga divina, a pesquisa humana sem
a sabedoria inspirada por Deus" (Proemio).

Já no Antigo Testamento os sabios professavam o grande valor da


contemplacáo, especialmente cultivada nos dois últimos sáculos antes
de Cristo. Eis, por exemplo, o retrato do sabio como o autor do Eclesiás
tico ou o Sirácida o concebe:

«A sabedoria do escriba se adquire em horas de lazer,


aquele que está livre de afazeres tornase sabio» (38, 24).

«Aquele que medita na lei do Altíssimo,


investiga a sabedoria de todos os antigos,
ocupase das profecías.
Conserva as narragóes dos homens célebres,
penetra na sutileza das parábolas.
Investiga o sentido obscuro dos proverbios,
deleitase com os segredos das parábolas.
Presta servigos no meio dos grandes
e é visto diante dos que governam.
Percorre países estrangeiros,
fez a experiencia do bem e do mal entre os homens.
Desde a manhá, de todo coragáo,
voltase para o Senhor, seu Criador.
Suplica diante do Altíssimo,
abre sua boca em oragáo.
Suplica o perdao de seus pecados.
Se for da vontade do supremo Senhor,
ele será repleto do espirito de inteligencia.
Ele mesmo fará chover abundantemente suas palavras de sabedoria
e na sua oragáo dará gragas ao Senhor.
Ele mesmo adquirirá a retidáo do julgamento e do conhecimento,
meditará os seus segredos.
Ele mesmo manifestará a instrugáo recebida,
gloriarse-á da lei da alianga do Senhor.

27
28 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

Muitos louvaráo a sua inteligencia


e ¡amáis será esquecido.
Sua lembranga nao se apagará,
seu nome vivera de geragáo em geragáo.
As nagóes proclamarao a sua sabedoria
e a assembléia proclamará os seus louvores.
Se vive muito, seu nome será mais glorioso do que mil outros,
e, se morre, isto Ihe basta» (39, 1-11).

Os sabios de Israel tanto estimavam a Sabedoria que a personifi-


cavam poéticamente em belas passagens como a de Pr 8, 22-31:

"O Senhor me criou, primicias de sua obra, de seus feitos mais


antigos...
Quando firmava os céus, lá eu estava, quando tragava a abobada
sobre a face do abismo,
Quando punha um limite ao mar e as aguas nao ultrapassavam o
seu mandamento,
Quando assentava os fundamentos da térra,
Eu estava junto com Ele, como mestre-de-obra.
Eu era o seu encanto todos os dias, todo o tempo brincava em sua
presenga.

Brincava na superficie da térra e me alegrava com os homens" (Pr


8, 22.27-31).

Ver Eclo 24, 1-22; Sb 7, 22-8, 1; Jo 28, 1-28.

O estudo e a contemplacáo adquirida sao hoje particularmente


necessários a um fiel católico, para que possa dar coritas, a si e ao próxi
mo, da sua fé e da esperanca que o anima. A fé precisa de credenciais;
nao é um ato cegó, mas um ato da inteligencia, que tem o direito de
perguntar: por que crer?... por que crer nisto ou naquilo?... por que nao
aceitar esta ou aquela proposta mística? A fé sem credenciais pode tor-
nar-se crendice ou supersticáo; vem a ser atitude emocional, que nao
tem solidez nem persistencia. Eis por que muito se recomenda que cada
fiel leia o Catecismo da Igreja Católica, elaborado em nossos tempos
como Súmula da Doutrina da Fé, atendendo aos questionamentos do
mundo atual.

O estudo da Teología leva á contemplacáo adquirida. Muito a pro


pósito se diz que a Teología se estuda de joelhos.
2. Contemplacáo infusa

A contemplacáo infusa é aquela que nao depende tanto de leitura


e estudo, mas é um precioso dom do Espirito Santo. Pode ser a intuicáo
repentina e profunda de uma verdade muitas vezes professada, mas nunca

28
CONTEMPLADO: SIM OU NAO? 29

muito significativa; o rico conteúdo dessa proposigáo pode patentear-se


quando menos se espera.

Essa contemplagáo está intimamente associada á pureza de cora-


gao, da qual fala Jesús em Mt 5, 8:

"Felizes os puros de coragáo, porque verao a Deus".

Para tanto, requer-se a purificagáo do coragáo ou a remogao de


paixoes desregradas que obnubilam a mente. Muito sabiamente enume-
ram os mestres de espiritualidade tres etapas na caminhada da vida crista:

a) via purgativa, ou a prática da ascese destinada a extinguir os


afetos desregrados do coragáo. É algo de indispensável; toma as mais
diversas formas, adaptadas as condicóes de cada individuo. É a primeira
e a continua etapa da vida espiritual, pois até o fim da caminhada terres
tre o cristáo terá que lutar contra os impulsos desordenados do seu íntimo;

b) via iluminativa, que é a iluminacáo da mente purificada para


que possa intuir as grandes verdades da fé. O amor a Deus, fortalecido
pela mortificacáo dos amores desregrados, é que abre o olho da mente
para que possa receber a iluminagáo do Espirito Santo. O profundo co-
nhecimento de Deus tem por base o amor. É o que explica que muitas
pessoas simples ou mesmo iletradas tenham lúcida percepcáo das ver
dades da fé; sao beneficiadas por sua familiaridade, sua afinidade ou
sua conaturalidade com Deus. Tais pessoas sao movidas pelos dons do
Espirito Santo da sabedoria, da inteligencia e da ciencia. Tais dons sao
como que velas desfraldadas que captam o sopro do Espirito e fazem o
barco avangar muito mais rápidamente e com menos esforgo do que an
teriormente, quando o barco era movido a remos;1

c) via unitiva é a conseqüéncia do exercício do amor que intuí a


Deus e seu plano de agáo. Pode entao o cristao dizer com Sao Paulo:
"Vivo eu, nao eu; é Cristo que vive em mim" (Gl 2, 20). Tem-se assim o
antegozo da bem-aventuranga celeste ou "daquilo que o olho nao viu, o
ouvido nao ouviu, o coragáo do homem jamáis percebeu" (1 Cor 2, 9). A
íntima uniáo com Jesús nao é mais do que o desabrochamento da cons-
ciéncia que todo cristáo deve ter, de que é templo do Espirito Santo e tem
dentro de si um tesouro em vaso de argila (2Cor 4, 17).

A certeza da habitagáo de Deus ñas almas dos justos é táo antiga


quanto os escritos de Sao Paulo: "Nao sabéis que sois um templo de
Deus e que o Espirito de Deus habita em vos?" (1Cor 3, 16). Todavia a

1 O avango a remos é figura do lento progresso que o cristáo realiza quando póe em
prática a leitura e o estudo. O avango a velas simboliza o rápido progresso devido
aos impulsos do Espirito, que se serve dos tres citados dons.

29
30 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

infiltracáo de filosofías heterogéneas na Teología católica a fez empalide


cer na época moderna. O Santo Padre Leáo XIII a reavivou pela sua
encíclica Divinum IIIud, da qual vai citado o seguinte trecho:

"Deus, por meto de sua graga, está presente na alma do justo da


forma mais íntima e inefável, como que em seu templo; e daí provém
aquele amor mutuo, pelo qual a alma está intimamente presente a Deus,
está mais nele do que possa estar entre os amigos mais queridos, e de
leitase nele com a mais deliciosa dogura. Esta admirável uniáo, que pro-
priamente se chama inabitagáo, somente na condigno ou estado, nao na
esséncia porém, se diferencia da que constituí a felicidade no céu".

Merece destaque a afirmacao de que a uniáo com Deus na térra é


a mesma que ocorrera no céu, com a diferenca apenas de que, durante a
peregrinacáo terrestre, ela se faz na penumbra ou no claro-escuro da fé,
através de véus, ao passo que no além ela ocorrera num face-a-face
pleno, condicionado tao somente pelo grau de amor com que o cristáo
tiver passado do provisorio para o Definitivo. Importa notar que o Deus
da caminhada terrestre é o mesmo Deus da bem-aventurada visáo ce
leste. A presenca desse Bem Infinito pode ser reconhecida em graus
diversos pelo cristáo; pode também ficar inconsciente - o que provoca o
tedio de muitos cristáos de nome apenas. Muito vivamente recorda S.
Agostínho o seu passado ao escrever:

"Tarde eu te amei, Beleza táo antiga e tao nova! Tarde eu te amei.


Eis o que acontecía: Tu estavas dentro de mim, e eu estava fora, onde me
precipitava, fazendo o movimento contrario, sobre as betas coisas da tér
ra, tuas obras.

Tu estavas comigo, sem que eu estivesse contigo, mantido longe


de Ti por elas, que, a menos que estejam contigo, nao existiríam. Cha
maste, gritaste e rompeste a minha surdez. Tu estavas dentro de mim e
eu estava fora".

Para favorecer o feliz encontró com Deus, requer-se nao somente


o silencio exterior, mas também o silencio interior ou o silencio da fanta
sía e da memoria, que devaneiam inútilmente, dispersando o orante.

É claro também que o progresso na vida espiritual supóe a


freqüentacáo dos sacramentos, dos quais o principal é a Eucaristía. É ela
que propicia a mutua imanéncia do Cristo no cristao e do cristáo no Cris
to. A Eucaristía recebida com assiduidade e dignidade deve levar o cris
táo á vida mística, ou seja, á experiencia ou á intuicáo de Deus, que vive
no mais fundo da alma humana. Ocorre, porém, nao raro que a recepcáo
da Eucaristía se processa rotineiramente, de modo que sua acáo é tolhi-
da na alma do cristáo.

30
CONTEMPLAQÁO: SIM OU NAO?

Por último, é de lembrar que a prática da lectio divina, com suas


quatro etapas (leitura, meditacáo ou ruminacáo do texto lido, oracáo ins
pirada pelo texto lido e aprofundado, e contemplacáo) reúne em si a con
templacáo adquirida e a infusa; esta última será sempre dependente da
abertura de coracáo com que alguém se entrega ao Espirito Santo. - Eis
por que os mestres recomendam o exercício diario da lectio divina, cuja
metodología vai abaixo resumida:

1) Leitura: depots de se colocar na presenca de Deus e pedir as


suas luzes, o orante abre o livro sagrado (o Evangelho, as cartas paulinas...
ou outras seccoes bíblicas), e passa a ler pausadamente, sem se preo
cupar com a extensáo do segmento. Tendo encontrado urna frase que o
impressione, o orante para e comeca a

2) meditacáo. Mediante intelecto, memoria e demais faculdades


procura aprofundar o sentido do texto em foco: de que trata? Quem é o
autor? Quém é o destinatario? Que significa para mim?... - A meditacáo
suscita quase espontáneamente a

3) oracao ou elevacáo da alma a Deus, que percorre quatro estágios:

- adoracáo ou reconhecimento da soberanía de Deus - o que


pode ser efetuado num profundo silencio interior;

- acáo de gracas, que redunda em louvor de Deus tanto pelos


beneficios que a pessoa compreende quanto por aqueles que
ultrapassam seu entendimento;

- expiagáo ou pedido de perdáo pelas faltas do orante e pelas


do mundo: "Fomos ingratos á misericordia de Deus, falando
ou procedendo deste ou daquele modo...";

- súplica ou pedido das gracas necessárias para que a verda-


de contemplada se converta em vivencia santa para o orante.

4) contemplacáo, fase esta na qual o orante se comporta mais


passivamente, deixando-se penetrar pelo Espirito de Deus. Pode esta
fase ser preenchida pela repeticáo de urna jaculatoria, que tem por obje
tivo criar o clima propicio á acáo do Espirito Santo. Afinal é Ele o Grande
Mestre, aquele que ensina no íntimo do coracáo, continuando a explana-
cáo, como bem recorda S. Agostinho:

'Nao tendes necessidade de que alguém vos ensine: sua ungáo


vos ensina sobre tudo' (Uo 2, 27).

Irmáos, entáo que estamos nos a fazer? nos, que vos ensinamos?
Se a sua ungáo é que vos ensina todas as coisas, nos como que traba-
Ihamos sem necessidade! Para que havemos de falar tanto? Basta-nos

31
32 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

abandonar-vos á sua ungáo e eia vos ensinará. É a mim mesmo que fago
esta pergunta agora, e questiono também ao próprio apostólo. Que ele
se digne ouvir-me favoravelmente, a mim, humilde indagador. Pergunto,
pois, a Joao, ele mesmo: tinham a ungáo aquelas pessoas a quem prega-
vas? Pois dizes: 'A ungáo ensina sobre tudo'. Entao, por que escreveste
esta Epístola? Porqualrazao ensinas? Porque instruís? Porque edificas?

Vede aquí, um grande misterio (magnum sacramentum). O som


de nossas palavras chega a vossos ouvidos, mas o verdadeiro Mestre
está dentro. Nao penséis que alguém pode ser ensinado por outro ho-
mem. Podemos admoestar-vos pelo som de nossa voz, mas, se nao está
dentro de vos aquele que ensina, sao vas as nossas palavras.

Queréis urna prova disso, irmáos? Nao ouvistes todos vos este
sermáo? Quantos, contudo, váo sair daqui sem nada terem aprendido!
Quanto dependeu de mim, dirigi-me a todos. Mas aqueles a quem esta
ungáo nao fala em seu interior, aqueles a quem o Espirito Santo nao
instruí no íntimo, esses retiram-se sem nada terem captado.

O ensino exterior é urna ajuda, urna exortagáo. Mas aquele que


instruí os coragoes, esse possui sua cátedra no céu. E eis por que ele
mesmo nos diz no Evangelho: 'Quanto a vos, nao permitáis que vos cha-
mem mestres, pois umsóéo vosso Mestre, Cristo' (Mt 23, 8.9). Que ele
fale, pois, no interior. Lá onde nenhum homem penetra, pois, também se
alguém está a teu lado, ninguém está dentro de teu coragáo. Que Cristo
esteja no teu coragáo, ninguém mais. Que a sua ungáo esteja no teu
coragáo, a fim de que esse teu coragáo nao se encontré sedento no de
serto, sem fonte onde possas saciar a sede. Está, portanto, no interior o
Mestre que ensina. É Cristo que ensina. Éasua inspiragáo que ensina. A
sua inspiragáo e a sua ungáo. É em váo que da parte de fora ressoam as
palavras.

Assim, irmáos, estas palavras que pronunciamos no exterior sao o


que ojardineiro é para a planta. Ele trabalha no exterior: rega, dedica-lhe
todos os cuidados. Mas o que quer que faga no exterior, acaso é ele que
reveste os galhos ñus com a sombra das folhas? É ele que no interior faz
algo de semelhante? Mas quem o faz? Escutais o apostólo a se compa
rar a jardineiro. Vede o que nos somos e ouvi o Mestre interior: 'Euplan-
tei, Apolo regou; mas era Deus quem fazia crescer. Assim, pois, aquele
que planta, nada é; aquele que rega, nada é; mas importa táo-somente
Deus, que dá o crescimento' (1Cor3, 6.7).

Isso eu vos digo igualmente: quer plantemos, quer reguemos, por


nossas palavras, nao somos nos que fazemos alguma coisa, mas aquele
que dá o crescimento, Deus, isto é, a ungáo daquele que vos ensina
todas as coisas.

32
Novidades?

"A METAMORFOSE DOS PECADOS CAPITAIS"


(Megazine)

Em síntese: A revista MEGAZINE (O GLOBO) publicou urna re-


portagem que investiga o conceito de pecados capitais entre adolescen
tes ejovens. Estariam defasados os sete pecados capitais clássicos em
favor de sete outros, mais freqüentes na vida moderna. - Sao interessan-
tes as observagóes feitas pelos entrevistados; todavía nao implicam que
nao se cometam em nossos dias os sete tradicionais pecados capitais.
# * *

A revista MEGAZINE (O GLOBO), em sua ed¡9áo de 12/9/00, pp.


16s, traz urna reportagem a respeito da nocao de pecados capitais colhi-
da entre adolescentes colegiáis. O texto merece comentarios.

Eis o que ai se lé:

"Vocé tem medo de cometer um dos sete pecados capitais? O que


no passadojá foi motivo de temor para muita gente hoje é assunto para
discussóes na escola. Será que a inveja, a luxúría, o orgulho, a ira, a
avareza, a preguiga e a gula aínda sao considerados pecados capitais
hoje em día? A pergunta andou ñas cabegas e ñas bocas dos alunos do
Liceu Franco-Brasileiro, em Laranjeiras, durante urna semana. Depois
de muito debate, a maioria concluiu que pecar é agir de um jeito que
atrapalhe a própria vida ou a dos outros.

O debate movimentou o colegio e o resultado foi expresso em his


torias em quadrinhos, esquetes teatrais e cartazes. Os participantes apren-
deram que a etimología da palavra pecado é errar o alvo e que a exprés-
sao capital é relativa á cabega. Entáo, como a cabega dos dias atuais
erra o alvo? Para Tatiana Escovedo, de 16 anos, os pecados de hoje sao
muito diferentes dos do passado:
- Eu tinha medo de engordar e acabei com problema de anorexia.
Isto pode ser considerado um pecado porque eu estava prejudicando a
minha vida. Para mim, a exagerada preocupagáo com o corpo perfeito é
um pecado mais importante hoje do que a gula.
Já Paulo Henrique Costa, de 17 anos, defende que o pecado como
descreve a relígiáo católica tem de ser reavaliado nos dias de hoje:
- Se vocé tem inveja de algum amigo e resolve correr atrás para
conseguir o que ele tem, sem prejudicar ninguém, isto nao pode ser con
siderado pecado.

33
34 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

Para Igor Sacramento, estudante doLiceu, de 16 anos, os pecados


capitais foram criados pela Igreja Católica para impedir que o ser huma
no ultrapassasse alguns limites e principalmente osjovens tém dificulda-
de de aceitar isso.

- Nos temos a necessidade da transgressáo e o pecado se trans


forma logo em tentagáo".

REFLETINDO...

Como se vé, a mudanca apresentada pelos adolescentes comeca


pelo próprio conceito de pecado, que seria táo somente um "prejudicar
ou atrapalhar a própria vida e a dos outros". Nao se fala ai de Deus. Tem-
se assim a secularizado ou a laicizacáo da nocáo de pecado. Tal con-
cepcáo antropocéntrica está longe de corresponder á nocáo católica de
pecado. Donde a pergunta:

1. Pecado: queé?
1. O pecado é um Nao dito a Deus.
A S. Escritura refere-se freqüentemente a esta atitude, apresen-
tando-a como recusa do amor de Deus (cf. Is 1,2-3) ou como violacáo da
alianca com Deus, comparável ao adulterio (cf. Jr 3, 20). É desobedien
cia e ingratidáo a Deus; cf. Gn 39,2; 2Sm 12, 13; SI 51, 5; Le 15,18.
O pecado é ofensa a Deus nao porque faca Deus sofrer, mas por
que viola a ordem estabelecida por Deus. Esta violacáo fere também o
pecador, prejudicando-o gravemente, porque o priva do maior bem, que
é a uniáo com Deus. Por isto já diziam os filósofos gregos anteriores a
Cristo: é melhor sofrer urna injuria do que cometer urna injuria; tal verda-
de reaparece em 1 Pd 2, 19s.

Em todo pecado há sempre dois aspectos: a conversáo indevida a


urna criatura e a aversáo frente a Deus. Geralmente o pecador só deseja
explicitamente a primeira; nao tenciona diretamente afastar-se de Deus,
embora implicitamente perceba que o prazer indevido é incompatívei com
a uniáo a Deus.

2. Como se vé, a nocáo de pecado se prende á nocáo de Deus.


Ora esta atualmente vai-se apagando na consciéncia de muitos cristáos
e nao cristáos. Em conseqüéncia, também se verifica a perda da nocáo
de pecado. Esta é pretensamente justificada a varios títulos:
1) o pecado (ou o comportamento erróneo) nao seria mais do que
síntoma de traumas recebidos por alguém na sua educacáo; por exemplo,
se alguém é agressivo, isto seria conseqüéncia de falhas de educacáo. Á
pessoa no caso nao seria culpada em consciéncia, nem precisaria de pedir
perdáo a Deus, mas deveria recorrer a um tratamento psicanalítico, que a
libertaria de seu complexo. Assim se podería falar de "Moral sem pecado".
34
"A METAMORFOSE DOS PECADOS CAPITAIS" 35

2) O relativismo histórico também atenúa a consciéncia de pecado,


pois afirma que esta depende da cultura de cada época da historia; as-
sim o que outrora era tido como moralmente mau, hoje pode ser conside
rado virtude, e vice-versa.
3) Há quem diga que, se há pecado, este se volta nao contra Deus,
mas contra o homem, pois seria a recusa de tomar parte na luta contra a
alienacáo económica e social. Tal é a tese do marxismo.
Estas e outras posigóes semelhantes nao se conciliam com a Mo
ral católica. É plenamente verídica até hoje a palavra do Papa Pió XII: "O
maior pecado dos nossos tempos é que os homens perderam o senso do
pecado" (Discurso de 26/10/46).
2. Diversas modalidades de pecado
1.Distinguem-se pecado venial ou leve, pecado mortal ou grave e
pecado contra o Espirito Santo.
1) O pecado contra o Espirito Santo (cf. Mt 12, 31; Me 3, 28-30;
Le 12,10) é a recusa explícita do perdao e da graca de Deus. O Espirito
Santo é o Mestre interior que nos atrai para o Pai; quem se fecha a Ele,
coloca-se em situacáo irremediável, porque se recusa ao próprio reme
dio ou ao dom de Deus. Tal atitude também é chamada "pecado para a
morte" (cf. Uo 5, 16). É de notar, porém, o seguinte: qualquer pecador
que se arrependa sinceramente e pega perdao a Deus, recebe o perdao.
2) O pecado mortal ou grave ocorre quando se preenchem tres
condicóes: a) materia grave, importante; b) conhecimento de causa; c)
vontade deliberada. É dito mortal porque, conforme a Escritura, leva á
morte ou á perda da vida definitiva (cf. 1 Jo 3, 15; 1Cor 6, 9; Gl 5,19s).
3) O pecado venial1 ou leve se dá quando falta um dos tres requi
sitos ácima. Nao tira a vida da grasa ou a filiacáo divina, mas contribui
para torná-la anémica.
Nem sempre é fácil ao cristáo tragar a linha divisoria entre pecado
grave e pecado leve, pois a pessoa por vezes nao pode definir até que
ponto consentiu no pecado, nem sabe exatamente avaliar a importancia
da materia em torno da qual pecou.
Entre o pecado venial e o mortal há enorme diferenca. O conceito
pleno de pecado só se aplica ao pecado mortal; este é realmente urna
desobediencia; o pecado venial pode coexistir com a orientacáo funda
mental do cristáo para Deus. Por isto também se compreende que muitos
pecados veníais nao chegam a constituir um pecado mortal; é certo, porém,
que provocam um enfraquecimento da vontade e do amor a Deus, de modo
que abrem o caminho para que a pessoa cometa um pecado mortal.

1 Venial vem de venia, perdao, em latim. O pecado venial é aquele que mais fácil
mente obtém o perdao.

35
36 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

Para obter o perdáo dos pecados moríais, o meio ordinario é o


sacramento da Penitencia. Quanto aos pecados veníais, podem ser apa
gados por um ato de contricáo ou por uma obra de caridade, mas a Igreja
recomenda sejam submetidos ao sacramento da Reconcíliacao, pois é mui-
to frutuosa a freqüentacáo deste sacramento mesmo por parte daqueles
que nao tém pecados graves (ver Exortacáo "Reconciliacáo e Penitencia" n2
31,1). Nao se deve recebera S. Eucaristía em estado de pecado grave.
2. Últimamente tem sido proposta a distincáo de quatro (e nao tres)
tipos de pecado: o leve, o grave, o mortal e o pecado contra o Espirito
Santo. 1) O pecado leve sería comparável a doencas leves que afetam
um organismo. 2) O pecado grave seria uma molestia grave,... molestia
grave que ameaca a vida, mas nao acarreta a morte (assim o pecado
grave nao extinguiría a vida da graca santificante no crístáo)1.3) O peca
do mortal, sim, faria perder a graca santificante; só ocorreria nos casos
em que a pessoa dissesse um Nao explícito a Deus, mudando sua opcáo
fundamental ou fazendo de uma criatura o polo de toda a sua vida. 4) O
pecado contra o Espirito Santo seria o da impeniténcia voluntaria. Se
gundo estas concepcóes, o pecado mortal seria raro, poís poucas vezes
o pecador, ao procurar um prazer, tenciona revoltar-se contra Deus; por
conseguinte, uma pessoa que tivesse consciéncia de haver pecado grave
mente, podería receber a S. Eucaristía sem recorrer ao sacramento da Peni
tencia. Por exemplo, quem cometesse um adulterio consciente e voluntario,
mas logo depois se entristecesse e procurasse ser fiel ao seu matrimonio,
nao perdería a vida da graga e poderia assim receber a S. Comunháo.
Ora tal doutrina recente foi repetidamente rejeitada pelo magisterio
da Igreja. Este continua a identificar pecado grave e pecado mortal, e
admite que alguém possa pecar mortal ou gravemente sem mudar a sua
opcáo fundamental. Sao palavras do S. Padre Joáo Paulo II:
"Há de evitarse reduzir o pecado mortal a um ato de 'opgáo funda
mental' contra Deus - como hoje se costuma dizer - entendendo com
isso um desprezo explícito e formal de Deus e do próximo. Dá-se,
efetivamente, o pecado mortal também quando o homem, sabendo e que-
rendo, por qualquer motivo escolhe alguma coisa gravemente
desordenada. Com efeito uma escolha assim já está incluindo um des
prezo dopreceito divino, uma rejeigáo do amor de Deuspara com toda a
críagáo; o homem afasta-se de Deus e perde a caridade. A orientagáo
fundamental pode, pois, ser radicalmente modificada por atos particula
res" (Exortagáo Apostólica "Reconciliagáo e Penitencia" n9 17. Ver tam
bém Declaragáo "Persona Humana" da S. Congregagáo para a Doutrina
da Fé de 29/12/75, ne 10).

1 A graga santificante é o dom que nos faz comungar com a vida das tres Pessoas
trinitarias, elevando-nos á filiacáo divina; cf. Rm 8, 15; GI4, 4-7.

36-
"A METAMORFOSE DOS PECADOS CAPITAIS" 37

3. Os pecados capitais - nocáo

Muitos sao os pecados que a fraqueza humana comete. É possí-


vel, porém, agrupá-los, por afinidade, em grandes categorías. Estas sao
designadas pelo elemento que Ihes é comum e que toma o nome de
"pecado capital" ou "pecado-cabeca", "pecado-fonte" dos demais. Por
conseguinte, pecados capitais sao as principáis tendencias más do ser
humano, das quais se originam muitos outros pecados. - O adjetivo "ca
pital", no caso, nao significa que todos esses pecados sejam graves, mas
designa a amplidáo e a intensidade de sua influencia.

Pode-se também falar de "vicios capitais". A palavra "vicio" desig


na urna tendencia ao pecado adquirida pela repeticáo dos mesmos atos
maus. Assim quem freqüentemente cede á intemperanca, adquire o vicio de
beber demais ou de fumar demais; quem muitas vezes se entrega voluntari
amente ao pecado de luxúria, adquire o vicio dos desmandos sensuais.

Já os pensadores pré-cristáos (como, por exemplo, o romano


Horacio) apresentavam listas de pecados capitais. Entre os cristáos, lis
tas semelhantes aparecem desde o século V. A teología posterior as as-
sumiu, de modo a reconhecer atualmente sete pecados capítais: sober
ba, avareza, luxúria, ira, gula, inveja e preguica. Há quem enumere oito,
desdobrando o primeiro em soberba e va gloria. Estudemos em particu
lar cada urna dessas más inclinacóes.

3.1. Soberba

A soberba ocupa o primeiro lugar entre os pecados capitais, por


que é a raiz de todos eles. Alias, foi por soberba que o homem se afastou de
Deus no inicio da historia, cometendo o pecado original; em conseqüéncia,
todo pecado pessoal tem sua origem na soberba (orguiho), no desejo que o
homem traz em si de se preferir a Deus ou de ser o Senhor das situacóes.

Em que consiste o orguiho propriamente?

Todo homem possui valores naturais (inteligencia, talentos, dons


artísticos...) e valores sobrenaturais (a graca e os carismas concomi
tantes). Reconhecé-los como tais e atribui-los á liberalidade divina, com
alegría e gratidáo, é moralmente reto. Todavía, desde que o homem se
esqueja de que tudo é dom de Deus e queira parecer grande aos olhos
dos homens por suas próprias torcas, cai no pecado do orguiho e da va
gloria. Geralmente quem assim procede, julga-se melhor do que os ou
tros e tende a se endeusar.

O orguiho gera o desejo de honras e louvores, a fanfarronice, a


presuncáo (ou a suposicáo de ter prendas que o sujeito nao tem).
Como remedio para dissipar o orguiho, pode-se sugerir a reflexáo
sobre o texto bíblico de Eclo 10, 6-18 (ou 6-22), onde sao recordadas a

37
38 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

grandeza de Deus e a fragilidade do homem: "Urna longa doenca zomba


do médico; quem hoje é reí, amanhá morrerá. Quando um homem morre,
herda insetos, feras e vermes" (Eclo 10, 10s ou 12s).
3.2. Avareza

A avareza é a procura desregrada dos bens terrestres. O avarento


procura adquirir riquezas, aumentá-las sempre e reté-las ávidamente.
Chega a fazer destas o seu fim supremo; está a servico do Dinheiro, e
nao de Deus (ver Mt 6,24). Nao há dúvida de que todo homem precisa de
servir-se de bens criados; trate-os, porém, como meios para chegar ao
Bem Absoluto, em vez de se deixar deter por eles. Sao Paulo, a propósi
to, diz que a avareza é idolatría (ver Ef 5,5) e que o amor ao dinheiro é a
raiz de todos os males (ver 1Tm 6, 9s).

A avareza leva muitas vezes á dureza para com o próximo, á cobi-


9a do poder, á prática de injustas, á falta de escrúpulos na escolha dos
meios para atingir determinado fim, á insensibilidade para com os bens
espirituais...

Como remedio para a avareza, pode-se propor a meditacáo sobre


o vazio ou a insuficiencia dos bens terrestres, efémeros e ilusorios (como
bem observa Eclo 14,3-19), a grandeza dos valores eternos e o exemplo
do Cristo Jesús (ver Le 9,57-62), que propós aigumas parábolas sobre o
assunto (Le 12, 13-21; 16, 19-31).

3.3. Luxúria

O prazer sexual é a expressáo carnal da felicidade que existe na


mutua doacáo de esposo e esposa. Acompanha a uniáo conjugal para
que esta se possa realizar com espontaneidade. O convivio marital do
homem e da mulher assumido segundo a lei de Deus é santificado e nao
excluí o prazer carnal. Este é digno do ser humano, desde que animado
por um amor inspirado pelo amor ao mandamento de Deus. O reto uso das
funcoes sexuais assim entendidas constituí mesmo a virtude da castidade.
A luxúria consiste no desejo desordenado do prazer sexual; a sua
desordem está em cobicar tal prazer fora da instituicáo matrimonial
estabelecida por Deus ou sem levar em conta as leis da natureza criada
pelo Senhor. Quem cede a tal volúpia, toma-se fácilmente vítima de triste
corrupcao; a bestialidade freqüentemente sobrevém com escándalos,
perversáo do próximo, crimes de roubo e morticinio, vicios de
intemperanca (bebidas e drogas).
Em nossos dias registra-se a tendencia a legitimar certas práticas
luxuriosas como o homossexualismo, a masturbagáo, as relacóes pré-ma-
trimoniaís... A propósito a Igreja publicou aos 29/12/75 a Declaracáo "Persona
Humana" sobre alguns pontos de Ética Sexual: este documento lembra que
tais práticas sao antinatural e, por conseguinte, em época alguma podem

38
"A METAMORFOSE DOS PECADOS CAPITAIS" 39

ser tidas como lícitas; nao é a incidencia freqüente de determinado erro que
torna legítimo tal erro. Alias, nao se pode dizer que os pecados da carne nao
tém importancia diante dos pecados de injustica; uns e outros podem ser
muito graves; nem se pode esperar a instauracáo de uma justa ordem soci
al, se os individuos nao purificam de paixoes desregradas os seus coracóes,
ou se nao se convertem pessoalmente no mais íntimo de seu ser.
Como remedio para o vicio da luxúria, nao se pode deixar de men
cionar a prática da mortificacáo. É esta que proporciona ao ser humano o
auto-dominio indispensável para que, no momento da tentacáo, alguém
possa dizer Nao aos impulsos desregrados. Embora a mentalidade mo
derna silencie ou até rejeite a virtude da penitencia, deve-se afirmar que
é ¡mpossível a alguém sair da mediocridade se nao empreender dedicar
se, na medida do necessário, á prática da mortificacáo (cada um deve ava-
liar, diante de Deus, o quanto e como precisa desse exercício em sua vida).

3.4. Ira

O ser humano repele instintivamente tudo o que Ihe é contrario. É


legítimo reagir diante de obstáculos ao bem. Quem ama os verdadeiros va
lores, opoe ao mal uma energia sadia. A resignacáo tibia diante do mal nao
é crista. A S. Escritura louva a atitude irada do sacerdote Finéias frente aos
prevaricadores (ver Nm 25,1 -17; S1105 [106] 28-31). O próprio Senhor deu
o exemplo de uma ira justa e santa quando expulsou os vendilhoes do Tem
plo (ver Mt 21,12s), quando censurou os fariseus hipócritas (ver Mt 23,13)...
A cólera toma-se pecaminosa, se ela implica desordem no exercí
cio do poder natural de reacao diante do mal: assim, por exemplo, é
erróneo o fato de alguém se irritar mais contra os pecados alheios do que
contra os seus (suposto que estes sejam igualmente graves); também o fato
de se inflamar por motivos insignificantes ou ainda o de desejar vinganca...

Os maus frutos da cólera sao as brigas, os golpes físicos, os insul


tos, as ¡mprecacóes (o "rogar pragas")-.
Como remedio para a ira, recomenda-se o exercício da circuns-
peccáo ou prudencia, de modo que ninguém proceda segundo o ímpeto
¡mediato das paixóes; pense, antes, cada um no ridículo de uma atitude
de cólera descontrolada. Além do que, será oportuno meditar na figura
de Jesús Cristo, "manso e humilde de coracáo" (Mt 11, 29). Alias, toda a
historia da salvacáo é um longo testemunho da paciencia de Deus para
com os homens (ver Rm 3, 25s; At 17, 30; 1Pd 3, 20).

3.5. Gula ou intemperanca em geral

Os instintos de comer, beber e repousar-nos sao dados por Deus a


todos os homens; certo prazer Ihes está associado para que nos desem-
penhemos com facilidade dessas tarefas importantes para a conserva-
pao da vida. O pecado existe quando alguém faz de tal prazer (que é

39
40 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

mero incentivo) a finalidade de seus atos ou quando alguém valoriza os


prazeres da comida e da bebida mais do que os bens espirituais.
A intemperanca no comer consiste nao só em comer demais, mas
também em só querer alimentos requintados, com desdém dos alimen
tos comuns e sadios. Quem cede a tal paixáo, pode chegar a fazer do
ventre o seu Deus, como diz Sao Paulo (Fl 3,19). Grave é a situacáo de
quem, por excesso de comida (ou de bebida), poe em perigo a saúde do
corpo ou da alma ou se toma incapaz de cumprir as suas obrigacóes.
A intemperanca no beber ou embriaguez pode ser pecado mais
grave do que a intemperanca no comer, pois o consumo de bebidas alco-
ólicas nao é indispensável á saúde {como indispensável é o recurso á
comida). A beberragem é moralmente má nao só por ser um ato exage
rado, mas também pela degradacáo que infringe ao ser humano, e pelos
serios danos que acarreta para a familia da pessoa ebria; o álcool dema
siado é fator de degenerescencia moral e física.

O recurso ao fumo de tabaco, como tal, nao é pecado, se praticado a


título de recreacáo ou de estímulo ao trabalho. É de notar, porém, que tal uso
fácilmente domina a pessoa, criando-lhe dependencia nociva. O abuso do
fumo enfraquece a energía do sujeito, e pode afetar-lhe a saúde física; pode
também gerar o egoísmo, a procura sempre mais sófrega do prazer, o furto, etc.
Muito mais perigoso ainda é o uso das drogas, que desfiguram
profundamente os valores físicos e moráis dos seus clientes. Para a re-
cuperacio de tais pessoas, o meio mais eficaz é a freqüentacáo dos
grupos de Alcoólicos Anónimos (A.A.) ou Narcóticos Anónimos, grupos
cujos membros, tendo superado o vicio, se dedicam a ajudar os seus se-
melhantes ainda subjugados.

Notemos ainda o seguinte: embora nao se imponha ao cristáo urna


total abstinencia de fumo e álcool, tal abstinencia pode vir a ser um ato
de amor ao próximo, pois implica bom exemplo no combate contra o
hedonismo (procura sistemática do prazer) amolecedor das temperas.
Além disto, quem observa que o seu apego á boa mesa, á bebida e ao
fumo Ihe é obstáculo para progredir na vida espiritual, está obrigado a
extirpar tal apego, praticando a virtude da mortificacáo. A vocacao á
santidade que o Cristo dirige a cada cristáo, é incompatível com moleza
e concessóes dúbias; ela exige crescente firmeza interior para a remo-
cáo das tendencias desordenadas. Nao se pode esquecer que o modelo
do cristáo é o Cristo crucificado e glorificado (ver 1Cor 2, 2; Gl 6, 14).
3.6. Inveja

A inveja é a tristeza que alguém experimenta por descobrir valores


alheios, que Ihe parecem ser obstáculos á sua gloria. É compreensívei que
alguém, observando virtudes e bens de outrem, queira também possui-los;
pode haver urna santa emulacáo (competicáo) entre irmáos na prática do

40
"A METAMORFOSE DOS PECADOS CAPITAIS"

bem; essa emulacáo, porém, jamáis deve impedir que nos alegremos com
as Vitorias do nosso próximo e nos entristecamos com as suas derrotas.
A S. Escritura apresenta a inveja (de Caím contra Abel) como o
primeiro pecado após a queda dos primeiros pais (Gn 4, 3-5). Ela pode
levar á ira, á vinganca, á difamacáo, á calúnia, ao odio...; pode também
gerar a alegría maldosa pela desgraga de alguém.
Para combater a inveja, recomenda-se a meditacáo sobre o amor
e a liberalidade de Deus para com todos os homens. A prática da humil-
dade e a da caridade para com o próximo sao também antídotos saluta-
res contra esse vicio.
3.7. A preguiga
Por "preguiga" aqui nao se entende a indolencia para o trabalho nem
o desejo desregrado de repouso e prazeres, mas, sim, a falta de gosto pelos
valores espirituais, o desánimo na luta contra os defeitos moráis, ou, mais
brevemente, a Ierdeza e o torpor na vida espiritual. A pessoa assim atetada
se envolve febrilmente em afazeres terrestres; mostra-se cansada e incons
tante em seus empreendimentos, deixando-se levar pelos criterios do co-
modismo. Pode até sentir tristeza por ter sido chamada por Deus para seguir
o Cristo e entrar na vida eterna, visto que tal vocacáo implica desapego e
luta Esse marasmo espiritual era freqüentemente denunciado pelos an-
tigos monges, que o chamavam acédia e nele viam a porta aberta para
graves pecados e desastres. Comparavam-na ao abatimento que alguém
pode experimentar debaixo do sol do meio-dia, havendo já trabalhado a
manhá inteira e devendo ainda percorrer a outra metade do dia. A acédia
pode afetar também as pessoas de ideal que chegam presumidamente á
metade da sua vida (aos quarenta anos); o tedio da monotonía, do cansaco
e o desejo de tudo largar para recomegar como se tivessem apenas vinte
anos podem dar origem a urna críse interior (a qual, porém, é superável).
Entre as conseqüéncias da Ierdeza espiritual, apontam-na: a náo-
observáncia de obrigagoes tidas como incómodas (oragáo, Missa, morti-
ficagáo...), a tagarelice, a entrega ao ocio vazio ou a atividade febril, o
mau humor contra aqueles que exortam á virtude, etc.
Como antídotos, sao recomendadas: a prática da mortificagáo, que
desperta a energía espiritual e tira da apatía interior; a meditacáo dos
"novíssimos" ou da sorte final do homem; quem tem consciéncía nítida
de que esta vida é a ante-cámara da definitiva e celeste, nao se deíxa
ficar parado na estrada.
4. Os novos pecados capitais
Eis a lista dos novos pecados capitais, segundo os jovens, que se
baseiam num relatório da Associagáo de Pesquisadores e Analistas da
Subjetividade. - Na verdade, nao é a Igreja que "cria" listas de pecados.
41
42 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

Como dito, já os pensadores gregos e latinos pré-cristáos propuseram


listas de faltas graves matrizes de outras faltas, com a diferenca, porém,
de que, para tais filósofos, o pecado (hamartía, em grego) era um golpe
errado ou desajeitado e nao urna ofensa a Deus (faltava ao pagio o
conceito de um Deus pessoal, que ama o ser humano por Ele criado).
«AVAREZA X CONSUMISMO

Mais forte do que o antigo pecado da avareza é hoje o seu avesso:


o consumismo desenfreado e compulsivo. Para esses pecadores, o que
importa nao é ser, mas ter.

PREGUICA X MANÍA DE TRABALHO


A preguiga nao está extinta, é claro. Mas hoje em día mais perigosa
do quey ocio pode ser a mania de trabalhar em excesso. O pecador de
hoje nao tem vida pessoal, desejos, emogoes ou afetos. Trabalha sem
parar para cumprira ordem de lucrar ao máximo. É o workaholic.
LUXÚRIA X VOYEURISMO
O pecado da luxúria derivou para um hábito mais passivo: o
voyeurismo. Sentado diante de urna TV ou participando de um chat na
Internet, ele prefere fazersexo virtual a praticá-lo na vida real.
IRA X DEBOCHE

Quem tem odio do professor, do time rival ou do parceiro que Ihe


deu um fora, acaba debochando dos seus desafetos ou ridicularizando
os seus inimigos. Já nao há lugar para a ira.
ORGULHO X AUTOPROMOCÁO
O orgulho está em baixa. Pouca gente se orgulha de si ou da vida
que leva. Muitos acham que a autopromogáo é fundamental para con
quistar um bom cargo na empresa, dinheiro, status e amigos influentes.
GULA X CULTO AO CORPO

O pecado da gula foi superado por urna legiáo de homens e mulhe-


res que buscam um corpo cada vez mais magro e maisjovem. A antiga
gula apresenta-se hoje como anorexia, bulimia, tentativa de parecer eter
namente jovem, compulsao por ginástica, uso de anabolizantes, cremes,
cirurgia plástica. Tudo com o objetivo de parecer mais belo.
INVEJA X DISSIMULAQÁO

A aparéncia de bom mogo, adotada por algumas personalidades,


algumas vezes encobre urna pessoa dissimulada. É a nova versao do
invejoso. O novo pecador nao deseja ser o outro ou ter o que o outro tem.
Ele quer ser um personagem imaginario para agradar quem o cerca».
Os novos pecados somam-se aos anteriores, que nem por isto dei-
xam de ocorrer no mundo de hoje.

42
É possível?

"CIENTISTA AFIRMA: EXISTE O INFERNO"


(Folha Universal)

Em síntese: Segundo o jornal "FOLHA UNIVERSAL", um dentista


terá descoberto a existencia do inferno escavando a crosta terrestre, e
terá ouvido os gritos de milhóes de condenados imersos no fogo. - Tal
afirmagáo nao pode ter sido proferida por um auténtico dentista, visto
que a própria ciencia é a primeira a desmentir tal noticia. Além do mais, o
inferno, segundo a Teología católica, nao é um local, mas um estado de
alma, que comega neste mundo e assume toda a sua virulencia no além.
* * *

O jornal FOLHA UNIVERSAL, da Igreja Universal do Reino de Deus,


publicou urna noticia "espantosa", a saber: um dentista finlandés terá
tomado contato com o inferno ao escavar a crosta terrestre e terá ouvido
gritos dos reprobos... A noticia merece comentarios; eis por que será
abaixo transcrita e analisada.
1. A noticia

Eis o que se lé na FOLHA UNIVERSAL, edicáo de 3/9/2000:


"Dentista afirma: Existe o Inferno
O estudioso finlandés, Dr. Azzacove, garante que, durante escava-
góes que fazia para urna de suas pesquisas, perfurou através das portas
do inferno e ouviu gritos de milhóes de pessoas.
De acordó com a mitología, inferno é um lugar subterráneo onde
estáo as almas dos morios. Segundo o cristianismo, lugar ou situagáo
pessoal em que se encontram os que morreram em estado de pecado;
expressáo simbólica de reprovagáo divina e privagáo definitiva da comu-
nhao com Deus. Na Língua Portuguesa, no sentido figurativo, inferno
quer dizer tormento, martirio, grande desordem, confusáo, balbúrdia. Do
ponto de vista religioso, inferno sempre fot um assunto polémico. Para
muitos, causa temor; para outros, as vezes, serve até como chacota. A
verdade é que o assunto, agora, tornou-se serio no meio científico. Atra
vés de pesquisas, estudiosos chegaram a conclusáo de que o inferno
existe, é real e assustador.
Um lugar de tormento e fogo (Lucas 16, 23, 24 e 28), assim está
descrito o inferno na Biblia. A descrigáo no Livro Sagrado, recentemente,
foi confirmada pela Ciencia. Dr. Azzacove, um dentista comunista que
dizia nao acreditar no Céu nem na Biblia, depois de um episodio surpre-
endente, passou a afirmar que 'o inferno existe'. O fato é que pesquisa-
43
44 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

dores ficaram chocados com o que viram e ouviram, durante escavagoes


que faziam para mais uma de suas pesquisas. Eles acabaram se conven-
cendo de que períuraram através das portas do inferno. Segundo o que
Dr. Azzacove declarou a um jornal finlandés, 'as brocas, de repente, co-
megaram a girar desconsoladamente, indicando que nos tínhamos al-
cangado um bolso ou uma grande caverna vazia. Os sensores de tem
peratura mostraram um aumento dramático no calor de dois mil graus
Fahrenheit (1.093,333 graus Celsius). Nos abaixamos um microfone proje-
tado para ouvir os sons de movimentos de placas debaixo de eixo. Mas em
vez de movimentos de placas, nos ouvimos voz humana que gritava de dor.
No inicio, pensamos que o som vinha do nosso próprio equipamento, mas
quando fizemos os ajustes, nossas suspeitas foram confirmadas. Os gritos
nao eram de um único ser humano e, sim, de milhóes de seres humanos'.
Mas onde, afinal, fica o inferno? O Livro de Números revela uma
situagao em que pessoas caem vivas nesse local de tormento, descrito
na Biblia como 'abismo' e que estaría localizado no interior da Térra. De
acordó com dentistas, a crosta terrestre tem 50 milhas até chegar ao
fogo, mas em aiguns lugares, no fundo dos océanos, a distancia é menor
que uma milha. Recentemente, pesquisadores descobriram, ñas
profundezas oceánicas, uma rachadura por onde o fogo escapa, e, em
torno dessa rachadura, vermes enormes que nao existem em nenhum
lugar do planeta. Eles também revelaram que o centro da Térra é mais
quente que a superficie do Sol, com uma temperatura que chega a 12 mil
graus Fahrenheit (6.648,889°C).

O mais curioso disso tudo é que Jó, há mais de tres mil anos, já
sabia o que a Ciencia, há apenas aiguns anos, veio descobrir: há fogo e
enxofre dentro da Térra. Segundo estudiosos, sao os vulcóes que trazem
para fora o que tem no interior terrestre. Quando o vulcáo Santa Helena
entrou em erupgao, jogou 150.000 tn de gas sulfuroso, ou seja, enxofre e
lavas para fora. Os repórteres compararam o episodio com o inferno e
disseram: 'O inferno veio para fora'.

*"0s gritos gravados pelos dentistas podem ser ouvidos no site da Folha Universal:
http://www.folhauniversal.com.br».

2. Que dizer?

Tres principáis observares sejam propostas.


2.1. É possível?
O que espanta, nao é a noticia como tal, mas o fato de que uma
instituicáo que pretende ser seria, publique tal noticia... e isto precisa
mente numa época em que os avancos da ciencia, especialmente os da
Física e da Geología, nao permitem falar assim. Como, á luz da ciencia,
se pode admitir que no seio do planeta Térra haja pessoas ardendo errí
44
"CIENTISTA AFIRMA: EXISTE O INFERNO" 45

chamas e gritando de dor? Ademáis o fogo tudo extingue; ninguém fica


indefinidamente ardendo em chamas.
Surge espontáneamente a pergunta: que autoridade tem tal insti-
tuicáo (a IURD) para criticar outras instituicoes? O artigo em pauta permi
te avaliar o exiguo ou nulo valor que tém as invectivas dessa instituicáo
contra a Igreja Católica. Os seus autores sao, murtas vezes, obcecados e
preconceituosos.

Além do mais, é de notar que o grande obstáculo á aceitacáo do infer


no, para muitas pessoas, sao as imagens fantasiosas que a poesía e a fan
tasía popular criaram a respeito do inferno. Na verdade, para muitos o infer
no é um tanque de enxofre fumegante com díabinhos e tridentes a torturar
os condenados. Ora tal imagem é falsa. Os conceítos materíais e grotescos
tém que dar lugar a concepcóes mais puras e dignas de Deus. Daí a pergunta:

2.2. Em que consiste o inferno?


a) Antes do mais, é preciso afastar a idéia de que Deus criou ou
cria o inferno... Este nao é um espaco dimensional nem é um lugar1, mas
sim um estado de alma... estado de alma no qual o próprio individuo se
projeta quando rejeita radicalmente a Deus pelo pecado grave; comeca
entáo o estado infernal, do qual o pecador se pode insensibilizar pelo
fato de nao dar atencáo ao seu íntimo ou á sua consciéncia, mas que
saltará á tona quando ele nao mais puder escapar á voz da consciéncia.
Vé-se, pois, que nao é Deus quem condena ao inferno; ao contrario, o
Senhor Deus quer a salvacáo de todos os homens, como afirma Sao
Paulo em 1Tm 2, 4. É a própria criatura que lavra a sua sentenca ou que
se condena quando diz um Nao total a Deus, que é o Sumo Bem, o único
Bem que o ser humano nao pode perder.
b) Mais precisamente: o inferno é o vazio absoluto ou a suprema
frustragáo. É o nao amar... nao amar nem a Deus nem ao próximo. Todo
homem foi feito para o Bem Infinito, como notava S. Agostinho<t 430)):
"Senhor, Tu nos fizeste para Ti, e inquieto é o nosso coracáo enquanto
nao repousa em Ti" (Confissóes I 1). Quem nao repousa em Deus, in-
quieta-se e angustia-se, á semelhanca da agulha magnética, que foi feita
para o Norte, que a atrai; quando alguém a desvia do seu Norte, ela se
agita e só para quando se Ihe permite voltar-se para o Norte.
c) Conseqüentemente, vé-se que o inferno é mesmo algo de lógi
co, pois é a violencia que o homem comete contra si mesmo. Verdade é
1 Verdade é que a palavra inferno vem de 'mira, abaixo. Supóe a concepgáo dos
israelitas antigos segundo a qual debaixo da térra (tida como superficie plana) nave-
ría um compartimento (cheol), em que os mortos, sob forma de rephaim, sombras,
estariam adormecidos e inconscientes. A concepgáo foi ultrapassada, mas a no
menclatura persistiu, dando a crer que debaixo da crosta da Térra existe um lugar
reservado para os que morrem avessos a Deus.

45
46 "PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

que ninguém pode definir quantas pessoas morrem avessas a Deus. Bem
pode acontecer que na hora da morte muitos pecadores obstinados se
convertam e recebam a graca da reconciliacáo com Deus, como se deu
no caso do bom ladráo. Afinal ninguém sabe quantos "bons ladrees" exis-
tiram e existiráo através dos séculos. Possivelmente um grande núme
ro... para surpresa de quem só considera a face aparente da historia.
2.3. E a Misericordia de Deus?

Deve-se responder que, sem dúvida, Deus é infinitamente miseri


cordioso, mas nao é "tiránicamente" misericordioso. Com outras pala-
vras: Deus nao impoe a sua misericordia ou o seu perdáo a quem nao o
pede ou nao o quer receben Deus nao obriga o homem a amar a Deus.
Nisto consiste precisamente a grandeza e a nobreza de Deus. Ele nao
violenta nem forca a criatura a se abrir para a misericordia. Ora na outra
vida nao há possibilidade de conversáo. A morte fixa o ser humano em
sua última opcáo, de modo que após a morte ninguém pode mudar suas
atitudes. Assim o inferno é o testemunho de que Deus respeita a sua
criatura e nao Ihe tira a liberdade que Ihe deu para dignificá-la.
Pode-se ir mais longe, e dizer que o inferno é a conseqüéncia do
amor irreversível de Deus. Tal amor se dá e nao volta atrás; nao pode
voltar atrás precisamente porque é divino e nao pode contradizer a si
mesmo (cf. 2Tm 2,13). Por isto Deus ama a criatura que nao O ama e se
afastou dele. O fato de que Deus continua a amar, é que atormenta o
reprobo; este percebe que se incompatibilizou com o Supremo Bem e o
Sumo Amor. Donde se segué que o inferno é compatível com a Grande
za e a Santidade de Deus. Urna imagem servirá para ¡lustrar de algum
modo o que é o inferno: observe-se o caso de um jovem que foge de
casa para ir viver com seus colegas numa república de estudantes, por
que "papai é cafona e mamáe é quadrada"... Pai e máe que amam o filho,
se preocupam, e resolvem enviar recados, perguntando ao jovem como
está,... se precisa de alguma coisa,... quando voltará... Estas interpelacóes
do amor incomodam ou atormentam o filho; este se daria por mais tranquilo
se pai e máe desistissem de o amar e o esquecessem. O fato, porém, é que
pai e mae nao podem deixar de amar seus filhos e de mostrar-lhes o seu
amor. Paralelamente Deus nao pode deixar de amar suas criaturas, mesmo
quando elas se afastam do Pai celeste; a consciéncia desse amor atormen
ta o pecador que se incompatibilizou com Deus. Se o Senhor retirasse ou
cancelasse o seu amor, o reprobo nao sofreria tanto, porque estaría total
mente voltado para seus ídolos, sem ser atraído pelo Bem Supremo. Mas,
como dito, Deus nao se pode desdizer ou nao pode dizer Nao após ter dito
Sim (aquele Sim proferido quando criou cada ser humano). Nisto está a
nobreza de Deus, que é paradoxalmente motivo de tormento para quem nao
responde ao amor divino. Em suma, é altamente consolador ser amado por
Deus, mas também é assustador ser amado por Deus e nao O amar.

46
Festa paga ou nao?

E A FESTA DOS HALLOWEEN?

Em síntese: A festa dos Halloween é de orígem céltica; tem sua


inspiragáo no druidismo ou na religiáo dos sacerdotes celtas, que muito
marcaram o pensamento dos povos da Irlanda, da Escocia e de regióes
da Inglaterra. Supunha que os mortos vinham a térra visitar seus familia
res na noite de 31/10 para 13/11; em conseqüéncia os homens e mulhe-
res se vestiam com trajes fantasiosos a fim de nao ser reconhecidos e
arrebatados pelos visitantes do além. A estas concepcóes se associava
o festival de fim do ano celta celebrado a 31/10 com presentes e orgias.
Este fundo de idéias e práticas pagas foi, tanto quanto possfvel,
cristianizado pela Igreja, que instituiu a festa de Todos os Santos a 15/11
e a comemoragáo de Finados a 2/11. Aínda hoje os Halloween sao festeja
dos nos Estados Unidos, levados para lá pelos ¡migrantes irlandeses; toda
vía muitos abusos se tém registrado em tais celebragoes. No Brasil a festa
dos Halloween toma o caráterde um pequeño Carnaval, em que as enancas
trajam suas fantasías e recebem presentes. O aprego dessa festa em alguns
lugares decorre da onda neo-pagá que tem invadido a civilizagáo ocidental.
* * *

Á tarde de 31/10 celebra-se em alguns lugares a vigilia da festa


dos Halloween (Allhallowseven).
Muitas pessoas, um tanto estupefatas, perguntam: que festa é essa?
É a tal pergunta que se dará resposta ñas páginas seguintes.
1. As origens da festa

Á primeira vista, quem considera a festa dos Halloween como é


celebrada no Brasil dirá que é celebracáo folclórica, popular e inofensiva:
as criancas entáo se vestem de fantasías (quase carnavalescas) e poem
seus sapatos á porta da residencia dos vizinhos, para que estes Ihes
déem presentes. Há, porém, quem levante suspeitas sobre o significado de
tais celebracóes, suspeitas, alias, justificadas, dada a origem dos Halloween.
Com efeito. A festa dos Halloween tem seu berco entre os povos
celtas. Estes emigraram da Asia para o continente europeu nos séculos
anteriores a Cristo e se fixaram principalmente na Gália, na Irlanda, na
Escocia e em regióes do país de Gales. Eram orientados pela casta sa
cerdotal dos druidas, guardiáes das tradicoes religiosas de sua gente,
que tinham conhecimentos de astronomía, medicina e direito. Os druidas
exerciam as funcoes de juízes e líderes, dotados de "dons proféticos" ou
da capacidade de prever o futuro. Acreditavam na imortalidade da alma e
na metempsicose ou na migracáo das almas dos falecidos. Os druidas

47
"PERGUNTE E RESPONDEREMOS" 464/2001

foram um fator de unidade do mundo celta: por isto foram combatidos


pelos romanos, que conquistaram a Gália e as linas Británicas.
De modo especial, os celtas valorízavam a noite de 31/10 para 1S/11.
E isto por dois motivos:

1) O ano celta terminava em 31/10, dia do olho de Samhain. Tal dia


era celebrado com ritos religiosos e agrarios. Nessa ocasiáo comiam-se
alimentos especiáis como nozes, macas, e preparavam-se os alimentos
para o invernó.

2) Na noite de 31/10 para 1S/11 julgava-se que os mortos desciam


do além para a térra a fim de visitar seus familiares á procura de calor e
bom ánimo frente ao frió do invernó que se aproximava.
Deste maneira Samhain assinalava o fim de um ano e o comeco de
outro, juntamente com o festival dos mortos. A celebracáo respectiva
implicava todo um folclore típico.

Os homens e as mulheres vestiam trajes fantasiosos a fim de se


dissimularem e nao serem arrebatados pelos espíritos dos falecidos para
o além. Por estarem comecando novo ano, desejavam uns aos outros
plena felicidade. Havia magos que procuravam saber "profeticamente"
quem haveria de se casar e quem haveria de morrer no próximo ano;
tentavam adivinhar também quais as melhores oportunidades de éxito
em seus empreendimentos. - Ao lado desse aspecto festivo, havia o
apavorante: julgava-se que as bruxas, as fadas e os gnomos1 lancavam
0 terror no povo: eram tidos como seres de um mundo superior que rou-
bavam chancas, destruiam colheitas e matavam o gado. Dentro desse
quadro de festa e pavor, os homens acendiam Ianternas no topo das
colinas sob o olhar de Samhain; o fogo luminoso podia servir para guiar
os espíritos até a casa dos familiares como também para matar ou afu-
gentar as bruxas.

Tais sao os elementos dos quais depende a festa moderna dos


Halloween. Além destes dados de origem céltica, julga-se que os
Halloween trazem também resquicios da festa romana da colheita dita
Pomona, resquicios, porém, muito mais pálidos do que os de origem céltica.
Continua na pág. 9

1 O gnomo é um ente mitológico e folclórico representado por um anáo deformado.


Segundo a lenda, os gnomos moram dentro da térra de onde extraem minerais pre
ciosos, confeccionam complicados ornamentos de metal e fabricam armas - o que
explica a sua fama de guardiies de tesouros ocultos.
A bruxa também é personagem folclórico, mulher feiticeira, caracterizada por ser
velha, enrugada, alta, magra e feia; anda vestida de trapos negros e sujos e traz um
saco cheio de objetos ligados a feitigaria. Voa sentada num cabo de vassoura e
sempre a noite. As borboletas noturnas, os sapos e as corujas sao as companheiras
ou mesmo as encarnagóes das bruxas.

48
L1VROS Á VENDA NA LUMEN CHRISTI:
RIQUEZAS DA MENSAGEM CRISTA (2a ed.), por Dom Cirilo Folch Gomes O.S.B. (fa-
lecido a 2/12/83). Teólogo conceituado, autor de um tratado completo de Teología
Dogmática, comentando o Credo do Povo de Deus, promulgado pelo Papa Paulo VI. Um
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a conquista da láurea de Doutor em Teología no Instituto Pontificio Santo Tomás de
Aquino em Roma. Para Professores e Alunos de Teología, ó um Tratado de "Deus Uno e
Trino", de orientacáo tomista e de índole didátíca. 230 págs R$ 18,40.
LITURGIA PARA O POVO DE DEUS (4a ed., 1984), pelo Salesiano Don Cario Fiore,
traducáo de D. Hildebrando P. Martins OSB. Edicáo ampliada e atualizada, apresenta
em linguagem simples toda a doutrina da Constituicáo Litúrgica do Vat. II. É um breve
manual para uso de Seminario, Noviciados, Colegios, Grupos de reflexáo, Retiros, etc.,
216 págs R$7,90.
OS C1STERCIENSES - Documentos Primitivos, foi publicado originalmente na Franca
(Citeaux Commentarii Cistercienses), tendo urna introducáo e bibliografía do irmáo
Francois de Place, da Abadía de Notre Dame de Sept-Fons. Sua edicáo no Brasil foí
urna iniciativa do Mosteiro Trapista de Nossa Senhora da Assuncáo de Hardenhausen -
Itatinga, em Sao Paulo, tendo o apoio dos beneditinos do Rio de Janeiro. A traducáo é do
jornalista Irineu Guimaráes, por muitos anos correspondente no Brasil do jornal francés "Le
Monde". Padre Luís Alberto Rúas Santos, O. Císt., foi o responsável pela revisáo da obra.
O livro sai pela Musa Editora, de Sao Paulo, em coedicáo com a "Lumen Christi", do
Rio de Janeiro (254 páginas) R$ 25,00.
• A ESCOLHA DE DEUS, comentario sobre a Regra de Sao Bento, por Dom Basilio Penido,
OSB. 2a edícáo revista - 1997. 215 págs R$ 16,50.
■ A PROCURA DE DEUS, segundo a Regra de Sao Bento. Esther de Waal
Traduzido do original inglés pelas monjas do Mosteiro do Encontró, Curitíba/PR.
CIMBRA - 1994. 115 págs R$ 18.10-
Apresentado pelo Dr. Roberto Runcie, arcebispo anglicano de Cantuária, pelo Cardeal
Basil Hume, OSB, arcebispo de Westminster e de D. Paulo Rocha, OSB, abade de Sao
Bento da Bahía.

- PERSPECTIVAS DA REGRA DE SAO BENTO, Irma Aquinata Bockmann OSB.


Comentario sobre o Prólogo e os capítulos 53, 58, 72, 73 da Regra Beneditina -Traducáo
do alemáo por D. Mateus Rocha OSB. A autora é professora no Pontificio Ateneu de Santo
Anselmo em Roma (Monte Aventino). Tem divulgado suas pesquisas nao só na Alemanha,
Italia, Franca, Portugal, Espanha, como tambóm nos Estados Unidos, Brasil, Tanzania,
Coréía e Filipinas, por ocasiáo de Cursos e Retiros. 364 págs R$ 11,10.
- SAO BENTO E A PROFISSÁO DE MONGE, por Dom Joáo Evangelista Enout O.S.B.
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O genio, ou seja, a santidade de um monge da Igreja latina do século VI (480-540) - SAO
BENTO - t'ransformou-o em exemplo vivo, em mestre e em legislador de um estado de vida
crista, empanhado na procura crescente da face e da verdade de Deus, espelhada na traje-
tória de um viver humano renascido do sangue redentor de Cristo. - Assim, o discípulo^ de
Sao Bento ouve o chamado para fazer-se monge, para assumir a "profissáo" de monge".

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rencias Espirituais. 3a edicáo portuguesa pelos monges de Singeverga
540 Pá9s R$ 35,00.
- JESÚS CRISTO VIDA DA ALMA, Dom Columba Marmion, OSB. Quarta edicáo por
tuguesa pelos Monges de Singeverga, Portugal. 1961, 544 págs R$ 35,00.

- LECTIO DIVINA, ontem e hoje. 2a edicáo revista e aumentada. Guigo II, Cartuxo,
Enzo Bianchi, Giorgio Giurisato, Albert Vinnel. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de
JuizdeFora, MG. 1999. 160 páginas R$ 14,50.

- VIVENDO COM A CONTRADICÁO, reflexóes sobre a Regra de S. Bento. Esther de


Waal. 1998. 165 páginas. Edicáo do Mosteiro da Santa Cruz de Juiz de Fora, MG.
(Sumario: Explicacáo. Prólogo da Regra de S. Bento. Um caminho de cura. O poder
do Paradoxo. Vivendo com as contradicóes. Vivendo comigo mesma. Vivendo com
os outros. Vivendo com o mundo. Juntos e separados. Dom e Graca. Deserto e feira.
Morte e vida. Rezando os conflitos. Sim. Notas e comentarios) R$ 16,00.

- A VIDA MONÁSTICA E O TERCEIRO MILENIO, desafios e promessas. Edicóes da


CIMBRA: 1998.137 páginas. Apresentacáo de Dom Ernesto Linka, OSB., Abade de
Sao Geraldo, Presidente da CIMBRA. Trecho da Apresentacáo:
"... Dada a proximidade do Jubileu do ano 2000, as Comunidades Monásticas da
Ordem de Sao Bento (OSB), Ordem Cisterciense (O. Cist.) e Ordem Cisterciense da
Estrita Observancia (Trapista, OCSO) reuniram-se para refletir sobre varios aspectos
'A Vida Monástica e o Terceiro Milenio: Desafios e Promessas'. O resultado do que
foi esse belo e rico mosaico da heterogénea Vida Monástica em sua dimensáo lati
no-americana. Deseja que todos os nossos leitores possam tirar muito proveito dele...".
Concepcáo: Dom Gregorio Paixáo, OSB R$ 11,00.

- MARTIROLOGIO ROMANO-MONÁSTICO. Adaptado para o Brasil. Abadías de S.


Pierre de Solesmes. Traduzido e adaptado para o Brasil pelos monges do Mosteiro
da Ressurreicáo. Mosteiro da Ressurreicáo, Edicóes. Prefacio da edicáo brasileira
por Dom Joaquim de Arruda Zamith, OSB, Abade-Presidente da Congregacáo
Beneditina do Brasil. 1997.423 páginas R$ 25,00.

RENOVÉ QUANTO ANTES SUA ASSINATURA DE PR.


RENOVACÁOOU NOVA ASSINATURA (ANO DE 2001): R$35 00
NÚMERO AVULSO r$ 3'50'

PERGUNTE E RESPONDEREMOS ANO: 1998,1999 e 2000:


Encadernadoempercalina, 590págs., com índice incluido.
(Número limitado de exemplares) R$ 50,00 cada.

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