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CORTAR O CABELO

me...me...me...
Me o quê?... raios partam isto, porra. Assim não vou a lado nenhum! Tal e
qual o romance do Snoopy que há quarenta anos não sai do "era uma noite
fria e tempestuosa".
Desculpem os leitores esta franqueza de linguagem, mas nenhum escritor é
de ferro e isto de escrever por encomenda é ofício cão e muito propenso a
achaques. Particularmente nos casos em que o talento é minguado, o que
não sendo, modéstia à parte, o meu caso - far-me-ão essa justiça-, não
obsta a que também tenha os meus dias àridos.
Sucede que ontem, ao jantar, não resisti à orelheira e quando assim é, o
melhor é esquecer o dia seguinte para fins de talentos gramático-literários
porque, é certo e sabido, farei o papel de Snoopy em cima da casota.
É nestes dias que aproveito para tratar das coisas terrenas, tipo cortar as
unhas dos pés ou cortar o cabelo. Genial! É isso mesmo! Cortar o cabelo.
Vou cortar o cabelo. Assim como assim há já meses que pareço um cão de
àgua.
Para benefício e ilustração dos leitores, saibam V. Exas. que temos na
nossa cidade o melhor barbeiro do distrito. Digo isto despido de bairrismos
bacôcos, pois o título é conferido por unanimidade - até pela concorrência -
ao Neca Barbeiro, profissional com quem tenho o privilégio de privar e a
quem o meu pai confiou, há 40 anos, a tarefa de domesticar a minha
exuberância capilar.
Diga-se, à laia de aviso, que cliente que entre na barbearia do Neca deve ir
preparado para duas coisas:

1 - o leque de opções oferecidas à freguesia varia entre o "corte à francesa"


ou "à escovinha". Só. Ou um ou outro. "Nada de mariquices, amigo Silveira";
2 - o saber enciclopédico do baeta sobre os segredos e macetes da criação
de canários, pintassilgos e rabecos, bicharada devidamente exposta no
estabelecimento, em quantidade faraónica.

Vestido o casaco, apagada a beata, bati a porta atrás de mim e num pulo
estou no ascensor a assobiar a musica da Floribella (engraçado: nunca tinha
usado a palavra ascensor e soube-me bem).
Sózinho, faço aquilo que toda a gente, que se acha sozinha no elevador, faz.
O maquinismo parou no 3º andar, para receber uma mulher, recente
aquisição do prédio.
Tinha um rosto para o feiote, por sinal. Mas, no entanto...

Aloísio Maia Nogueira

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