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Pontifícia Universidade Católica de

Campinas

Argumentos que defendem que veto judicial do


caso Fernando Sarney é censura

Os juízes vão editar os jornais?


POR EUGÊNIO BUCCI, EM 16 DE DEZEMBRO DE 2009

DISPONÍVEL EM:
HTTP://WWW.ESTADAO.COM.BR/ESTADAODEHOJE/20091217/NOT_IMP483289,0.PHP;

ACESSADO EM 11/04/2010

Na semana passada, o Supremo Tribunal Federal (STF) considerou inadequado e


arquivou o pedido deste jornal para que fosse extinta a censura prévia que sobre ele
se vem abatendo há vários meses. Os fundamentos da decisão apontam para razões
formais, processuais, mas seu efeito de mérito é inequívoco: O Estado de S. Paulo
segue impedido de publicar notícias sobre a Operação Boi Barrica, da Polícia Federal,
que investiga atividades do empresário Fernando Sarney, filho do presidente do
Senado, José Sarney.
Estamos diante de uma ironia trágica. O jornal foi castigado não por ter agido com
irresponsabilidade, mas por ter cumprido o seu dever. O excelente trabalho dos
repórteres Rosa Costa, Leandro Colon e Rodrigo Rangel, que, no primeiro semestre,
revelou os atos secretos do Senado, entre outras irregularidades, recebeu, no início de
dezembro, o Prêmio Esso de 2009, mas antes, no dia 31 de julho, mereceu outro tipo
de reconhecimento, este macabro: a censura prévia por via judicial. Na prática, a
despeito de justificativas processuais, foi essa violência que o Supremo corroborou.
De repente, a sociedade viu-se atirada a um constrangimento quase indescritível.
Durante o julgamento do pedido do Estado, o presidente do STF, Gilmar Mendes,
comparou o caso ao episódio da Escola Base, de 1994, quando uma pequena escola,
do Bairro da Aclimação, em São Paulo, foi vítima de um inquérito policial conduzido de
forma espalhafatosa pelo delegado encarregado, gerando uma avalanche de notícias
sensacionalistas que arruinaram a reputação dos donos da instituição.
Em sua edição de 11 de dezembro, este jornal reproduziu as palavras de Mendes: "Se
tivesse havido naquele caso uma intervenção judicial, infelizmente não houve, que
tivesse impedido aquele delegado, mancomunado com órgão de imprensa, de divulgar
aquele fato, aquela estrutura toda escolar e familiar teria sido preservada. E não foi."
A analogia é perversa. Ela vem sugerir que o mal da imprensa no Brasil é a falta de
tutela; estivessem os juízes mobilizados para impor censuras prévias a granel e os
erros jornalísticos não mais aconteceriam. Poucas vezes uma inversão de valores foi
tão longe na nossa Corte Suprema. Esqueceu-se o presidente do STF de que, durante
a ditadura militar, as arbitrariedades praticadas pelas autoridades policiais não eram
sequer noticiadas, e nem por isso famílias deixaram de ser destroçadas pela
truculência. Não foi por excesso de reportagens, mas exatamente por escassez, que a
tirania encontrou espaços para se impor sobre o País. A imprensa não agrava, mas
previne o arbítrio, ainda que cometa erros - como efetivamente cometeu no caso da
Escola Base.
Agora, estamos à mercê da mentalidade equivocada que foi expressa por Gilmar
Mendes. Se generalizada, ela pode nos abrir um cenário sufocante, como bem alertou,
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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em artigo publicado ontem nesta mesma página, Ricardo Gandour, diretor de
Conteúdo do Estado: "Instituições de diversas naturezas demandarão o Judiciário para
impedir a realização de reportagens que julguem, por mera presunção, incômodas - e
a sociedade jamais poderá comprovar. Corruptores e corrompidos, governantes que
não cumprem metas, organizações que desrespeitam a lei, o meio ambiente e os
consumidores: todos terão a chance de encontrar no Judiciário o escudo para esconder
da fiscalização do público o que poderia vir a ser de elevado interesse para todos. E
quem poderá dizer em que casos a cautela antecipada não se transformará em
impunidade pré-adquirida? Os juizados se verão abarrotados de demandas baseadas
na imaginação do que pode vir a acontecer, e não em fatos concretos. A edição final
passará pelos juízes, um desvio bárbaro no método e no tempo. Ruim para as duas
atividades, péssimo para as mínimas chances de transparência e debate públicos."
Para complicar o cenário, alguns, em apoio à intromissão de juízes nos afazeres da
imprensa, alegam que a investigação sobre as operações de Fernando Sarney
tramitam em sigilo de Justiça e, por isso, não podem ser objeto do noticiário. Nada
mais enganoso. A sociedade não pode ficar refém daquilo que os Poderes de Estado
consideram ou não consideram sigiloso. Bem ao contrário, a democracia precisa da
imprensa justamente porque ela é a única instituição capaz de tornar públicas as
decisões que o poder gostaria de tomar às escondidas. Pense bem o leitor: para que
uma sociedade precisa de jornais livres senão para revelar segredos? O que é uma
notícia senão um segredo revelado? Eis aí o núcleo da missão da imprensa: investigar
e fiscalizar o poder, informando o cidadão. Sem isso não há segurança democrática.
Guardar o sigilo de Justiça é função dos juízes. A função da imprensa é descobri-lo e, a
partir daí, considerar a necessidade de publicá-lo. Em liberdade. A posteriori, e apenas
a posteriori, ela poderá ser responsabilizada, aí sim, na Justiça, pelos excessos em que
vier a incorrer.
Não custa lembrar que em momento algum as reportagens do Estado "premiadas" com
a mordaça invadiram a intimidade familiar de quem quer que fosse. Elas apenas
trataram de assuntos de clamoroso interesse público, apenas levaram ao cidadão
aquilo que é seu direito conhecer. A prevalecer a decisão que se vem mantendo até
aqui, o Judiciário não está protegendo privacidades. Talvez de forma inadvertida, está
simplesmente amparando interesses privados que guardam vínculos mal explicados
com o poder público.
Agora, resta torcer para que, nos lances do processo que ainda estão por vir, os
princípios democráticos sejam repostos. Assim como jornalistas, juízes também erram.
Assim como jornalistas, que saibam se corrigir.
Eugênio Bucci, jornalista, é professor da ECA-USP

Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)


site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
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Ministro do STF Celso de Mello afirma que a censura é


um veto “intolerável e insuportável”
TEXTO DA ASSOCIAÇÃO NACIONAL DOS JORNAIS (ANJ)
DISPONÍVEL EM:
HTTP://WWW.ANJ.ORG.BR/SALA-DE-IMPRENSA/NOTICIAS/MINISTRO-DO-STF-CELSO-DE-MELLO-AFIRMA-QUE-A-CENSURA-E-UM-

VETO-201CINTOLERAVEL-E-INSUPORTAVEL201D/;

ACESSADO EM 11/04/2010

Entidades internacionais também fazem um alerta às autoridades brasi leiras


sobre os casos de censura no País.

O ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Celso de Mello declarou que é contra a
censura prévia e que deve se ter uma consciência democráticas com a liberdade.
“Liberdade com responsabilidade, é evidente, mas não faz sentido essa proibição
apriorística que é um veto inaceitável, intolerável e insuportável. Isso não pode ser
admitido, especialmente num regime fundado em bases democráticas”, afirmou o
ministro.
Mello ainda destaca que a Constituição “instituiu veto permanente a qualquer ensaio
de intervenção estatal na esfera das liberdades” e ainda completa dizendo que “a
censura representa a própria antítese dos grandes princípios que dão sustentação ao
regime democrático”.
O Estado de S.Paulo está sob censura prévia desde o dia 31 de julho, quando uma
decisão do desembargador Dácio Vieira, do Distrito Federal, não permitiu que o jornal
falasse sobre o envolvimento de Fernando Sarney, filho do presidente do Senado, José
Sarney, na operação da Polícia Federal “Boi barrica”.
Entidades manifestam repúdio contra caso do Estado
As principais entidades brasileiras e internacionais de defesa da liberdade de
expressão também já se manifestaram contra a censura ao Estado. A Associação
Mundial de Jornais (WAN) e o Fórum Mundial de Editores (WEF) enviaram inclusive
uma carta conjunta ao presidente Luís Inácio Lula da Silva e ao presidente do Supremo
Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, pedindo uma ação contra esse abuso. Não
houve resposta.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) chegou a alertar o Brasil pra uma
“responsabilização internacional”, já o Comitê de Proteção aos Jornalistas (CPJ)
também se manifestou, pelo seu coordenador da América Latina, Carlos Lauria,
dizendo que aposta na resposta da sociedade para o “absurdo” da situação. Da mesma
forma, o presidente da Sociedade Interamericana de Imprensa (SIP), Enrique
Calderón, disse lamentar que a Justiça brasileira se caracterize por proteger
excessivamente os direitos das pessoas quando estão imiscuídas em temas de
interesse público”.
No Brasil,o diretor executivo da Associação Nacional de Jornais (ANJ), Ricardo
Pedreira, também destacou a inconstitucionalidade da medida. "Numa democracia
consolidada, não pode haver censura ou limitação à liberdade de informação",
comentou. O presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI)., Maurício Azedo,
desmonstrou inconformismo com a situação. “O artigo 220 da Constituição declara de
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
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forma expressa que é vedada qualquer censura de natureza política, ideológica e
artística", afirmou.
*Com informações de O Estado de S.Paulo

Especialista critica ato que mantém censura


PUBLICADO POR FAUSTO MACEDO
DISPONÍVEL EM:
HTTP://WWW.ANJ.ORG.BR/SALA-DE-IMPRENSA/NOTICIAS/ESPECIALISTA-CRITICA-ATO-QUE-MANTEM-CENSURA/;

ACESSADO EM 11/04/2010

Para professor Fredie Didier, decisão do TJ é ''escandalosa''.

"A decisão é escandalosa", declarou ontem o professor Fredie Didier, de processo civil,
sobre o julgamento do Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJ-DF) que reconheceu a
suspeição do desembargador Dácio Vieira, mas manteve de pé o decreto de censura
por ele imposto ao Estado. "Um absurdo total porque se o tribunal reconhece o estado
de suspeição do magistrado no período em que proferiu sua decisão como é que não
determina a anulação de seus atos?"
O silêncio foi imposto ao Estado em 31 de julho, a pedido do empresário Fernando
Sarney, filho do presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP). Na última terça-feira,
em reunião reservada, o Conselho Especial do TJ-DF afastou Vieira da ação, acolhendo
exceção de suspeição proposta pelo jornal. O julgamento, porém, não interferiu na
decisão anteriormente tomada pelo desembargador, "uma vez que são dois temas
distintos".
"Como é que o tribunal reconhece suspeição e não anula o ato praticado por quem a
própria corte considera suspeito?", insiste Didier, daUniversidade Federal da Bahia.
"Imagine-se que se tivesse dado uma decisão final contra o Estadão, ela iria ser
mantida?"
"O nosso Código de Processo Civil não fala nada sobre a consequência do julgamento
da suspeição", observa Didier. "Mas temos como regra expressa dispositivos sobre isso
nos regimentos internos do Supremo Tribunal Federal e do Superior Tribunal de Justiça
e também no artigo 101 do Código de Processo Penal. As redações são semelhantes no
sentido de que julgada procedente a suspeição ficarão nulos os atos praticados. Me
parece muito claro: os atos decisórios praticados sob o estado de suspeição são nulos."
Para o professor Oscar Vilhena, da Direito GV, e diretor jurídico da Conectas Direitos
Humanos, a decisão do TJ-DF foi "extremamente conservadora". "O tribunal poderia
ter declarado a suspeição e também determinado a invalidação dos atos pretéritos. A
meu ver seria a decisão mais adequada, mas como não há previsão obrigatória no
Código de Processo Civil para que isso ocorra o tribunal simplesmente declarou a
suspeição e transferiu a responsabilidade ao novo juiz do feito. E quanto aos atos
pretéritos? Bom, esses serão reapreciados pelo novo desembargador relator."
Vilhena considera que "também deve ser invalidado o ato de alguém que não teria
legitimidade para praticá-lo porque suspeito". Ele assinala que "a suspeição não gera
presunção de invalidade, mas o tribunal poderia mesmo ter dado uma decisão melhor".

Cronologia do caso
31/7
Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)
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O desembargador Dácio Vieira, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, informa o
Estado da proibição de publicar informações sobre a Operação Boi Barrica (PF),
envolvendo o empresário Fernando Sarney, filho de José Sarney

1/8
Jornal revela que Vieira, ex-consultor do Senado, é do convívio dos Sarney e do ex-
diretor do Senado Agaciel Maia. A Associação Nacional de Jornais (ANJ), outras
entidades, senadores e o ex-ministro do STF Carlos Velloso criticam decisão

12/8
Estado entra com mandado de segurança. O recurso tem o objetivo de garantir o
reconhecimento de direito líquido e certo, incontestável, que está sendo violado ou
ameaçado por ato ilegal ou inconstitucional de uma autoridade

13/8
O desembargador Waldir Leôncio Cordeiro, da 2.ª Câmara Cível do TJ, mantém
censura ao jornal, ao não acolher pedido de liminar no mandado de segurança.
Cordeiro deixa para deliberar após receber dados de Vieira e da Procuradoria

21/8
Estado ingressa com nova exceção de suspeição do desembargador Dácio Vieira. A
base do recurso é extraída da própria decisão de Vieira, quando ele ignorou um
primeiro pedido para que se declarasse suspeito no caso

15/9
TJ-DF declara Vieira suspeito para decidir sobre o pedido de censura. A decisão afasta
o desembargador do caso. O agravo de instrumento de Fernando Sarney será
redistribuído para outro desembargador do mesmo tribunal

Professor mestre Artur Araujo (artur.araujo@puc-campinas.edu.br)


site: http://docentes.puc-campinas.edu.br/clc/arturaraujo/
ftp: ftp://ftp-acd.puc-campinas.edu.br/pub/professores/clc/artur.araujo/
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