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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS


CURSO DE PÓS-GRADUAÇÃO EM DIREITO

Captura Críptica:
direito, política, atualidade
______________________________
Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito
da Universidade Federal de Santa Catarina

Captura Críptica: direito, política, atualidade.


Revista Discente do CPGD/UFSC
Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC)
Centro de Ciências Jurídicas (CCJ)
Curso de Pós-Graduação em Direito (CPGD)
Campus Universitário Trindade
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Captura Críptica: direito política, atualidade. Revista Discente do Curso de Pós-Graduação


em Direito. – n.2., v.1. (jul/dez. 2009) – Florianópolis, Universidade Federal de Santa Catarina,
2009 –

Periodicidade Semestral

ISSN 1984-6096

1. Ciências Humanas – Periódicos. 2. Direito – Periódicos. Universidade Federal de Santa


Catarina. Centro de Ciências Jurídicas. Curso de Pós-Graduação em Direito.
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Revista Discente do Curso de Pós-Graduação em Direito
ríptica Universidade Federal de Santa Catarina

O Direito constrangido pelo risco: uma perspectiva do


Direito Ambiental a partir da nanotecnologia

Thaís Emília de Sousa Viegas


Roberto de Oliveira Almeida

Resumo: O desastre de Chernobyl, em 1986, Abstract: After the incident at Chernobyl,


consolidou a percepção pública de que o 1986, society started to face the reality of
mundo ameaça a si mesmo. Foi a partir desse living on a world that endangers itself every
evento que Ulrich Beck construiu sua análise day. When it comes to the second modernity –
da sociedade que qualificou como global e de or global risk society – it became indispensable
risco. Sob tal marco teórico, propõe-se, nesse to Law that new environmental protection
estudo, refletir acerca dos desafios que essa instruments were created. Among the reasons
sociedade global dos riscos impõe aos that pushed to these changes, the most
instrumentos jurídicos de proteção do meio significant ones are the changes on the content
ambiente e ao próprio Direito Ambiental. É of the new environmental rights and the
que os problemas ambientais contemporâneos contemporary environmental questions that are
têm, na segunda modernidade, uma nova qualified by the element of risk, especially
configuração, advinda do processo de when these risks are created through the
modernização. Os riscos que outrora afetavam modernization. Risk, that on the past would
somente quem os produzia, agora têm o condão affect only those who created it, now
de afetar todo o globo. Dentre os riscos de endangers the whole globe. Among the major
graves conseqüências que acompanham o consequences risks that emerge of the scientific
desenvolvimento técnico-científico, podem-se development, the most significant ones are
verificar os oriundos da energia nuclear, da related to the nuclear energy, genetically
inserção de organismos geneticamente modified organisms and nanotechnology.
modificados e o da utilização nanomateriais Nanotechnology – that consists on the ability to
pela indústria. A nanotecnologia – que consiste measure, see, engineer, product and apply
na habilidade de medir, ver, engendrar, materials on a scale inferior to 100nm (a
produzir e aplicar materiais em escala inferior a hundred nanometers) – offers risks as long as
100nm (cem nanômetros) – oferece riscos na the classical laws of physics do not apply on
medida em que tais materiais já não obedecem these materials, increasing the uncertainties
às leis tradicionais da física, gerando um alto about its behavior on environment and human
grau de imprevisibilidade acerca do seu body. Nowadays, there isn’t any law or
comportamento na natureza e no corpo resolution that regulates nanotechnology when
humano. Atualmente, a nanotecnologia não é it comes to its risks. On the Environmental


Graduada em Direito pela Universidade Federal do Maranhão (UFMA). Mestre em Direito pela
Universidade Federal de Santa Catarina (USFC). Professora dos Cursos de Graduação em Direito
e de Pós-Graduação lato sensu em Direito Ambiental da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
(UNDB). Assessora no Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJMA).

Acadêmico do décimo período do Curso de Direito da Unidade de Ensino Superior Dom Bosco
(UNDB).

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regulamentada por nenhuma legislação ou Law context, it’s not considered a threat to the
resolução específica, não sendo considerada, environment or human health. Also, there’s no
para fins de responsabilização segundo os significant academic debate when it comes to
preceitos do Direito Ambiental, uma ameaça ao nanotechnology risks. The present work
meio ambiente ou à saúde humana. Além disso, intends to offer a critical analysis of the
o debate acadêmico sobre os riscos da instruments of environmental protection on the
nanotecnologia é, ainda, incipiente, mormente global risk society, especially regarding its
para o Direito. O presente trabalho tem como omission about nanotechnology’s risks.
objeto a análise crítica dos instrumentos de
salvaguarda do direito ao meio ambiente, no
contexto da sociedade global de risco,
especificamente no que tange ao descompasso
dos instrumentos jurídicos de proteção
ambiental no trato dos riscos de graves
conseqüências oriundos das nanotecnologias.

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1) Considerações iniciais

O acidente nuclear ocorrido em 1986, na cidade de Chernobyl,


consolidou a percepção pública de que o mundo ameaça a si mesmo. A partir do
surgimento de novas tecnologias, advindas da radicalização dos processos de
modernização, o mundo entra em uma época na qual a ciência já não é mais
capaz de oferecer certezas. Neste cenário, o desenvolvimento tecnológico
desempenha um papel determinante no processo de produção de tais riscos.
Trata-se de uma nova modernidade pós-industrial, período em que a ciência já
não é a detentora de certezas, tempo em que os riscos advindos do avanço
tecnológico e da progressiva modernização agora ameaçam a todos, não
importando o local ou classe social. Tal período é denominado por Ulrich Beck
de segunda modernidade.
No campo das ciências sociais, considera-se a necessidade de uma
sociologia cosmopolita, que abandone o Estado nacional enquanto espaço de
imaginação sociológica, e que tenha como quadro de referência algo totalmente
novo: o fenômeno da transnacionalização. Esta abertura de fronteiras e a maior
conexão entre os Estados nacionais trazem consigo uma nova revolução do
capital, inclusive com redefinição no mundo do trabalho. Este processo de
destruição criativa iniciada pela modernização, que confronta as premissas
fundamentais dos sistemas sociais e políticos da sociedade industrial, tem como
conseqüência a insuficiência das suas categorias para a análise dos contornos
desta nova sociedade.
As novidades tecnológicas produzem riscos e instabilidades que são
inseridos, de forma não refletida, na sociedade. Tais riscos possuem novas
características que não se encaixam nas antigas categorias de risco da sociedade
industrial. Suas conseqüências já não podem ser limitadas temporal ou
espacialmente e a sua invisibilidade e imprevisibilidade escapam aos
instrumentos de controle, pondo em xeque todo o programa institucionalizado
de cálculo dos seus efeitos colaterais. Com a ampla democratização dos riscos e
a insuficiência das categorias da sociedade industrial para a análise dos novos
contornos desta sociedade, Ulrich Beck oferece uma abordagem sociológica que
desloca o risco para o centro da teoria social. Estes passam a ser reconhecidos
enquanto fatores determinantes para a compreensão da sociedade
contemporânea.

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Dentre os riscos de graves conseqüências advindos do processo de


modernização, é possível verificar os oriundos da produção e consumo de
organismos geneticamente modificados, da utilização da energia nuclear, do uso
de agrotóxicos e da nanotecnologia. A nanotecnologia é a capacidade de criar e
manusear materiais de escala nanométrica. Um nanômetro (1 nm) equivale à
bilionésima parte de um metro ou a milionésima parte de um milímetro. Um
nanômetro é um milímetro dividido por um milhão.
Os riscos envolvidos a partir da miniaturização estão ligados,
principalmente, às novas propriedades que os materiais em nanoescala podem
adquirir. Qualquer material reduzido a nanopartículas pode, repentinamente,
comportar-se de maneira completamente oposta à de antes, o que faz com que
as atividades que envolvam determinadas partículas adentrem o campo da
imprevisibilidade. Materiais antes insolúveis passam a ser solúveis. Substâncias
isolantes podem passar a conduzir energia. Não só o comportamento das
partículas, como sua mobilidade é completamente afetada: ao contrário das
micropartículas de maior tamanho, as nanopartículas têm acesso quase irrestrito
ao corpo humano.
A nanotecnologia não é regulamentada por nenhuma legislação ou
resolução específica, não sendo considerada, para fins de responsabilização
segundo os preceitos do Direito Ambiental, uma ameaça ao meio ambiente ou à
saúde humana. Além disso, o debate acadêmico sobre os riscos da
nanotecnologia é, ainda, incipiente, mormente para o Direito. Assim, pergunta-
se: quais as conseqüências, para o Direito, da permanência dos riscos oriundos
da nanotecnologia à margem do debate jurídico?
O desafio que se impõe a este trabalho, portanto, é o de proceder à análise
crítica dos instrumentos de salvaguarda do meio ambiente, no contexto da
sociedade global de risco, especificamente no que tange ao descompasso destes
no trato dos riscos de graves conseqüências oriundos das nanotecnologias.
Para tanto, o problema será analisado a partir da teoria da sociedade de
risco de Ulrich Beck, objeto do item inaugural deste trabalho. Em seguida,
aborda-se a trajetória dos estudos do risco e sua centralidade na teoria do
sociólogo alemão, para, em seguida, situar a nanotecnologia entre os riscos de
graves conseqüências advindos do processo de modernização.
Após, cuida-se dos riscos concernentes à utilização de nanomateriais pela
indústria. Primeiramente, a nanotecnologia será localizada historicamente,
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apresentando-se os seus conceitos fundamentais. Em seguida, serão


demonstradas as suas principais aplicações, inclusive no cotidiano. Por fim,
serão apresentados os seus riscos quanto à saúde humana e ao meio ambiente,
bem como as incertezas científicas acerca do seu manejo seguro.
Na seqüência, será feita a análise dos instrumentos de salvaguarda do
meio ambiente, considerando que se vive numa sociedade global de risco.
Aponta-se a maneira como o Direito Ambiental se relaciona com os problemas
ambientais qualificados pelo risco e, depois, discute-se o seu anonimato para o
discurso jurídico e sua conseqüente invisibilidade para os instrumentos de
proteção jurídica do meio ambiente.
Por fim, questiona-se o papel do Direito Ambiental no trato dos conflitos
envolvendo os riscos advindos da nanotecnologia e em que medida o seu
anonimato para o discurso jurídico ameaça os pilares epistemológicos sobre os
quais é fundada a teoria jurídica contemporânea.

2) A sociedade global do risco

2.1) Uma mudança de paradigmas

A sociologia tem como objeto o estudo da sociedade. A construção e


delimitação do objeto desta ciência, isto é, o conceito de “sociedade”, se torna
difícil quando, ao contrário da matéria inanimada dos químicos, esta se
comporta de maneira difusa, nebulosa, presente em toda parte. Difícil, também,
quando a percepção do conceito de sociedade foge à apreensão imediata e vai
de encontro às auto-interpretações que fazem os agentes sociais. Com efeito, a
sociedade é composta de agentes com capacidade de interpretarem a si mesmos,
com objetivo de explicar e defender sua posição, tais quais sindicatos, entidades
de classes e partidos políticos.1
O objeto da sociologia não é uma sociedade, mas várias (alemã, italiana,
inglesa). Como conseqüência, esta se organiza de acordo com os diversos

1
BECK, Ulrich. Liberdade ou capitalismo: Ulrich Beck conversa com Johannes Willms. Trad.
Luiz Antônio Oliveira de Araujo. São Paulo: Editora UNESP, 2003. p. 8.

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Estados nacionais: os Estados criadores, financiadores e reguladores da


sociedade. Os sociólogos acabam por incorrer num quadro de nacionalismo
metodológico: o nacionalismo leva a supor que há um número de nações, que
vivem sua própria cultura, cultura esta garantida pelo Estado nacional; a visão
sociológica, por seu turno, orienta-se em direção ao contêiner desse mesmo
Estado. Pensa-se, então, no espaço regulado pelo Estado como o espaço no qual
se encontram todos os elementos fundamentais para o diagnóstico sociológico
daquela sociedade. Em um momento posterior, os sociólogos desenvolvem
conceitos a partir da experiência daquela sociedade previamente analisada para,
posteriormente, aplicá-los às demais.2
Este nacionalismo metodológico funcionou sobremaneira para os
clássicos. Karl Marx ao analisar a sociedade britânica do século XIX,
desenvolveu sua crítica ao capitalismo como um todo.3 Émile Durkheim, ao se
questionar acerca da coesão das sociedades modernas, e com o olhar voltado
para a França, desenvolveu a idéia de solidariedade orgânica baseada na divisão
do trabalho. 4 Weber, em suas reflexões acerca da burocracia e racionalidade
objetiva, desenvolveu conceitos universais com fundamento na realidade
européia do século XIX. Não se deve olvidar que tal metodologia era consoante
com o seu espaço experimental. Estes sociólogos deram à dinâmica da
sociedade industrial nascente uma forma conceitual que se difundiu pelo mundo
inteiro, mostrando-se fecunda em pesquisas empíricas e principalmente no que
diz respeito às conseqüências políticas. Pode-se dizer, assim, que os clássicos
impulsionaram a sociologia, colonizando outros países e regiões do mundo com
suas perspectivas sociológicas.5
Ante a modificação do espaço experimental dos sociólogos europeus do
século XIX, principalmente por conta do fenômeno da globalização, esse
imperialismo conceitual ocidental se torna metodologicamente contestável.
Deve o universalismo clássico, enquanto forma de transposição de uma
sociedade para a sociedade, ser substituído pela idéia de globalidade, que

2
Ibid., p. 9.
3
Cf. MARX, Karl. O Capital. Trad. Gabriel Deville. 3. ed. Bauru: EDIPRO, 2008.
4
Cf. DURKHEIM, Émile. Da divisão do trabalho social. Trad. Eduardo Brandão. 3. ed. São
Paulo: Martins Fontes, 2008.
5
Ibid., p. 11.

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consiste em extrair conceitos universais a partir de uma sociedade e confrontá-


los com demais interpretações.
A sociologia, enraizada no âmbito do Estado nacional e que a partir deste
desenvolveu sua compreensão de si, continua a trabalhar com categorias
oriundas do horizonte experimental do século XIX, o que nos cega para a
experiência da segunda modernidade. Cabe à sociologia questionar-se: até que
ponto suas categorias fundamentais se baseiam em pressupostos historicamente
obsoletos?
Há, por exemplo, três princípios da sociologia que atualmente são
questionáveis. Primeiro, o do vínculo territorial da sociologia com o Estado
nacional, que tem como fundamento a idéia de que o agir social necessita de um
suporte territorial e que a proximidade geográfica gera proximidade social.
Entretanto, tal princípio não mais se aplica quando, atualmente, o social não
mais depende do territorial. É cada vez mais comum o isolamento de pessoas
geograficamente próximas, assim como a aproximação de pessoas distantes.6
Em segundo lugar, há a suposição de uma coletividade social pré-fixada, em
que o indivíduo é, quase sempre, determinado pela situação na qual se encontra.
Tal princípio deve ser repensado frente às novas formas de individualização
presentes na modernidade. O terceiro é o princípio da evolução, que se refere ao
ocidente como o grau mais elevado de socialização, tomando-o como superior
às demais.7
Com essa perspectiva evolucionista tratada no terceiro princípio, fica
mais latente a insuficiência das categorias tradicionais da sociologia em analisar

6
“A proximidade virtual e a não-virtual trocaram de lugar: agora a variedade virtual é que se
tornou a “realidade”, segundo a descrição clássica de Émile Durkheim: algo que fixa, que “institui
fora de nós certas formas de agir e certos julgamentos que não dependem de cada vontade
particular tomada isoladamente”; algo que “deve ser reconhecido pelo poder de coerção externa”
e pela “resistência oferecida a todo ato individual que tende a transgredi-la”. A proximidade não-
virtual termina desprovida dos rígidos padrões de comedimento e dos rigorosos paradigmas de
flexibilidade que a proximidade virtual estabeleceu. Se não puder imitar aquilo que esta
transformou em norma, a proximidade topográfica vai se tornar um “ato de transgressão” que
certamente enfrentará resistência. E assim se permite que a proximidade virtual desempenhe o
papel de genuína e inalterada e a realidade real pela qual todos os outros pretendentes ao status de
realidade devem se avaliar e ser julgados.” BAUMAN, Zygmunt. Amor Líquido: sobre a
fragilidade das relações humanas. Trad. Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar
Ed., 2004. p. 82-83.
7
BECK, 2003, op. cit., p. 18.

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e se organizar em torno do progresso altamente imprevisível e incontrolável


como o da segunda modernidade. Nos anos 80, os teóricos da pós-modernidade
se questionavam acerca do fim das grandes narrações da modernidade, inclusive
colocando em xeque os potenciais de idéias, otimismo e o projeto que a mesma
desenvolveu. Segundo Anthony Giddens, o fim do século pode ser identificado
com sentimentos de desorientação e até mal-estar, a ponto de se declarar o fim
da história, ou o fim da modernidade. 8 O que se verifica, contudo, é um
processo de transição. Não se pode imaginar que a primeira modernidade
acabou e que agora se vive uma experiência completamente diferente. As
modernidades – e aí se incluem as experiências de países de periferia e centro,
assim como de oriente e ocidente – convivem juntas, e tal comunhão de
modernidades deve ser apreendida, estudada, investigada confrontando-se os
diferentes projetos de modernização.9
Em que pese esta transição não-linear, é possível verificar quais são as
principais mudanças relativas a esta nova experiência de modernidade.
A primeira modernidade tem como características fundamentais as
sociedades do Estado nacional e as sociedades grupais coletivas (onde, apesar
dos processos de individualização e diferenciação, ainda há possibilidade de a
sociologia desenvolver e utilizar modelos de sociologia grupal). Na primeira
modernidade é marcante a distinção entre sociedade e natureza, esta concebida
como fonte inesgotável de recursos para o processo de industrialização. A
ciência, enquanto produtora de certezas, trabalha com a possibilidade do total
domínio dos recursos naturais pela humanidade. Pode-se dizer, também, que a
sociedade da primeira modernidade é uma sociedade do pleno emprego, onde a
participação social se define, essencialmente, pela participação no trabalho.
Na segunda modernidade, há um esvaziamento do contêiner do Estado
nacional. Ante os processos internos e externos de globalização, a idéia de um
Estado nacional se torna questionável. A noção de sociedade do trabalho é
esvaziada diante da nova dinâmica capitalista, a do vínculo entre tecnologia de
informação e mercados mundiais. Há, também, a intensificação dos processos

8
GIDDENS, Anthony. A vida em uma sociedade pós-tradicional. In: BECK, Ulrich; GIDDENS,
Anthony; LASH, Scott. Modernização reflexiva: política, tradição e estética na ordem social
moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 73.
9
BECK, 2003, op. cit., p. 19-20.

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de individualização, numa espécie de individualismo institucionalizado. A


oposição entre sociedade e natureza passa a ser questionável diante da crise
ecológica. Inaugura-se um período em que a ciência não mais oferece certezas.
Ao contrário: o constante processo de modernização dá origem aos riscos de
graves conseqüências.

2.2) Globalidade, globalização e globalismo: do Estado ao mercado

Quando se abandona o Estado nacional como princípio organizador da


pesquisa, verifica-se um terreno de difícil apreensão pela sociologia. Ante este
cenário, há a necessidade de elaborar um novo espaço de imaginação
sociológica partindo da idéia de “globalidade”, isto é, da vivência de uma
experiência cotidiana global de um mundo globalizado. Concretamente, parte-se
da consciência de viver em um mundo que, ao longo do tempo, ameaça a si
mesmo. Para Ulrich Beck, grandes exemplos são o acidente na usina nuclear de
Chernobyl e a crise financeira dos mercados mundiais nos Estados asiáticos.10
A globalidade, assim como a experiência da segunda modernidade, é
experimentada de forma diferente em cada parte do mundo. Nos Estados Unidos
o nacional acaba por coincidir com o global, no que se pode interpretar como
uma demonstração do imperialismo. Na Europa, por outro lado, a globalidade é
vista como uma ameaça à sua soberania. Já nos países do em desenvolvimento,
a globalidade traz consigo um novo apartheid econômico, transformando um
sem-número de pessoas em uma legião de excluídos.11
Há, para a sociologia, a necessidade de aceitar a globalidade e analisá-la
como uma experiência cultural desterritorializada. A sociologia passa a encarar
um novo desafio: não se pode mais analisar o mundo global e totalmente. O
mundo, agora caracterizado como uma reunião de culturas e modernidades
distintas e separadas, deve ser analisado sob a ótica de uma sociologia
cosmopolita. E como parte desta nova ordem conceitual, também já não se pode
mais imaginar a globalização globalmente, já que esta é experimentada de

10
Ibid., p. 29.
11
Ibid., p. 30.

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forma distinta em cada local do globo, impondo uma redefinição no local que a
experimenta.12
Existem duas formas de se pensar a globalização. A primeira noção, que
corresponde à globalização aditiva, parte do pressuposto de que o Estado
nacional ainda domina, sendo a esta apenas um ponto de vista adicional. O que
existe, para tal corrente, é um Estado nacional interconectado com os demais
Estados nacionais. A outra, a noção substitutiva, parte do pressuposto de que o
Estado nacional não existe mais. De que este foi substituído, ante a
globalização, por um novo Estado.13
Ulrich Beck, em oposição às noções de globalização aditiva ou
substitutiva da imagem do contêiner do Estado nacional, defende a tese de que
esta deva ser entendida como uma globalização interiorizada. No seu
diagnóstico da segunda modernidade, o contêiner do Estado nacional dilui a si
mesmo, adquirindo uma nova qualidade, desenvolvendo novas formas de vida,
novos contextos de comunicação transnacional, novas instituições que surgem
nos mais variados planos do social, da economia, do trabalho e nas
comunidades políticas.14
No contexto de uma sociedade cosmopolita, surge a necessidade de um
novo empirismo global-local da transnacionalidade que nasce no interior dos
Estados. Não se pode mais partir do pressuposto de que países economicamente
desenvolvidos e em desenvolvimento constituem esferas isoladas ou que o
mundo ainda é dividido em impérios separados e fechados uns aos outros. As
culturas estão cada vez mais mescladas, transformando o que antes eram
sociedades homogêneas em sociedades mundiais pluralistas. Para analisar esta
sociedade mundial local é essencial uma imaginação dialógica que coloque no
centro da ação a negociação de experiências contraditórias – sejam na política,
ciência ou economia. A segunda modernidade aflora num contexto de tensão: a
abertura de fronteiras causa, também, um reflexo protecionista intelectual,
político e étnico, o que Ulrich Beck denomina como movimentos nacionalistas
banais.15

12
BECK, 2003, op. cit., p. 32.
13
Ibid., p. 33.
14
Idem.
15
BECK, 2003, op. cit., p. 34.

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Esta abertura de fronteiras e a conseqüente conexão mais forte entre os


Estados nacionais apresentam um quadro de referência completamente novo,
junto com uma nova etapa na história do desdobramento global do poder. Estar-
se-ia, diz Ulrich Beck, diante de uma nova revolução do capital. Comparável ao
que foi a revolução do capital na transição da sociedade estamental para a
sociedade industrial, a nova revolução do capital que surge no movimento de
transição da sociedade industrial para a sociedade global do risco é
caracterizada pela possibilidade de a economia agir “desterritorializadamente”.
Enquanto a sociedade e o Estado continuam atrelados ao seu território, a
economia ingressa em uma nova dimensão, podendo bater em retirada sempre
que a situação não lhe for favorável. 16 Com o advento das novas tecnologias,
principalmente no que tange à informatização dos meios de produção, os
fornecedores já não precisam se estabelecer em um só local, já que a produção
passa a se dar em diversas partes do mundo.17 O fenômeno da deslocalização
dos processos produtivos é decorrente da crescente segmentação do processo
produtivo e conseqüente possibilidade de operar em rede, isto é, a partir da
interligação entre diversas unidades produtivas. Assim, o processo produtivo
passa a ser trasladado de uma sede a outra, em busca das melhores condições
possíveis.18
Tal capacidade de subtração – visualizada nos casos em que as unidades
produtivas se desmantelam e são relocalizadas rapidamente, de acordo com a
sua conveniência – caracteriza o imperialismo da retirada. Isto porque, no atual
contexto econômico, o pior que pode ocorrer para um Estado é a fuga de capital.
A economia desterritorializada ganha força, criando, onde antes havia o Estado,
um vazio de poder. A economia adquire o poder de submeter os Estados à

16
Ibid., p. 43.
17
“O capital não conhece pátria; esta nova forma empresarial de organização e concentração do
capital salta ademais por cima das fronteiras estatais. As empresas transnacionais operam através
de numerosos países ao mesmo tempo. Nos anos setenta seu número não superava poucas
centenas. Em 1997 são mais de 40.000. (...) As companhias transnacionais representam uma
concentração de capital, de poder e de capacidade de decisão imensos. São em si mesma uma
importantíssima novidade organizativa”. CAPELLA, Juan Ramón. Fruto proibido: uma
aproximação histórico-teórica ao estudo do Direito e do Estado. Trad. Gisela Nunes da Rosa e
Lédio Rosa de Andrade. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2002, p. 241.
18
Ibid., p. 242.

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obediência das máximas neoliberais do mercado mundial. Há, assim, a transição


do Estado para o mercado.19
A globalização, diz Ulrich Beck, precisa ser entendida de forma dialética
e reflexiva. De um lado, há a globalização enquanto transnacionalização, isto é,
uma conexão entre os variados espaços nacionais que leva ao surgimento de um
novo espaço, não identificável pelas antigas categorias. Há, para os
transnacionais, uma crescente concentração econômica, bem como uma
crescente interdependência entre nações isoladas. Tal fenômeno – ante a
impossibilidade do capital em se instalar em todas as partes do mundo, assim
como a falta de interesse em determinadas regiões – também gera seus
excluídos.
Por outro lado, a globalização também deve ser entendida como
localização. Os agentes que operam em termos globais (empresas) são
obrigados, em um determinado momento, a se situar em determinadas culturas
locais, se abrindo e se integrando às mesmas. Outro exemplo de redefinição do
local imposto pela globalização são as diversas culturas minoritárias em
crescimento constante, nos mais diversos locais do globo. Na cidade de São
Paulo, por exemplo, a comunidade japonesa se concentra no bairro da
Liberdade, enquanto a comunidade judaica tem uma presença bastante marcante
no bairro de Higienópolis. Em Nova Iorque, o Lower East Side já representou a
maior comunidade judaica do mundo e o bairro de Little Italy faz com que os
italianos se sintam na sua terra natal.
Essa cultura da diáspora – representante da diversidade cultural que
fundamenta, em grande parte, a segunda modernidade – caminha lado a lado
com o nivelamento das culturas imposto pelo globalismo. Este, podendo ser
entendido como a união entre globalização e neoliberalismo, começa a nivelar
as mais variadas culturas: as grandes empresas, que satisfazem necessidades
comuns a diversos povos, investem numa estratégia de marketing que sirva
tanto para uma cultura como para outra. É importante ressaltar, contudo, que a
globalização é um fenômeno, enquanto o globalismo é entendido como a
ideologia do rolo compressor.

19
BECK, 2003, op. cit., p. 45.

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2.3) Modernidade e risco

A globalização representa a ambivalência do processo de modernização


que se desenvolve na sociedade pós-industrial. Esta modernização que dissolve
os antigos modelos da sociedade industrial e que não pode ser apreendida pelas
antigas categorias e métodos da ciência social – que se mostram insuficientes
diante da vastidão e ambivalência dos fatos a serem considerados – tem como
principal característica a reflexividade.

2.3.1) Reflexividade na segunda modernidade

O confrontamento das premissas fundamentais do sistema social e


político da sociedade industrial é decorrente da sua própria modernização. Não
se trata de revolução ou crise. Em verdade, o sucesso da modernização inicia
um processo de destruição criativa da civilização industrial. A modernização
reflexiva dissolve as premissas e os contornos da sociedade e abre o caminho
para uma nova modernidade.
Por reflexividade deve-se entender uma constante autoconfrontação com
os efeitos da sociedade de risco. Isto se deve pelo fato de que a transição da
sociedade industrial para o período de risco da modernidade ocorre de maneira
despercebida, não constituindo uma opção que se possa escolher ou rejeitar no
decorrer dos processos de disputas políticas. Assim, diante dessa transição
autônoma, despercebida e indesejada, podem-se verificar efeitos da sociedade
de risco que não são assimilados pelos padrões institucionais da sociedade
industrial. 20 Nesta, os conflitos acerca da distribuição de bens (empregos, renda,
seguridade social) constituíam um tema central. Na sociedade do risco, ao
contrário, surgem conflitos de responsabilidade distributiva, isto é, conflitos
acerca da distribuição, controle, prevenção e legitimação dos riscos decorrentes
do avanço tecnológico e científico.21

20
Neste ponto, Beck toma como referencial empírico os países industrializados que já superaram
problemas de escassez de bens.
21
BECK, Ulrich. A reinvenção da política: rumo a uma teoria da modernização reflexiva. In:
BECK, Ulrich; GIDDENS, Anthony; LASH, Scott. Modernização Reflexiva: política, tradição e
estética na ordem social moderna. Trad. Magda Lopes. São Paulo: Editora da Universidade
Estadual Paulista, 1997. p. 17.

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O processo de modernização torna-se um problema na medida em que as


instabilidades e riscos são oriundos das novidades tecnológicas e
organizacionais introduzidas, de forma não refletida, na sociedade. Começam a
tomar corpo, na sociedade de risco, as ameaças produzidas na evolução da
sociedade industrial, levando ao surgimento da necessidade de redefinir os
padrões relativos à responsabilidade, segurança, controle e distribuição das
conseqüências dos danos. Nesta nova época, devem ser levadas em conta
também as ameaças potenciais, que escapam à percepção sensorial e não podem
ser determinadas pela ciência.
Nesse contexto, o conceito de risco se torna fundamental para o
entendimento das características, limites e transformações do projeto de
modernidade. A partir das contribuições de Anthony Giddens e Ulrich Beck,
principalmente, que os riscos deixaram de representar uma mera temática
subdisciplinar das ciências sociais para representar um elemento fundamental na
compreensão da sociedade contemporânea.
Para melhor compreensão da transição do risco ao centro da teoria social
contemporânea, cabe uma análise pormenorizada da sua trajetória. Em primeiro
lugar, serão analisados os estudos técnico-quantitativos, para em seguida
verificar o tratamento da temática dos riscos pelos construtivistas. Por último,
será analisado o seu papel na teoria da sociedade global do risco de Ulrich
Beck.

2.3.2) O risco à margem da teoria social

A partir dos anos 60, estudos técnicos e quantitativos de risco começaram


a ser realizados dentro de disciplinas como toxicologia, epidemiologia,
psicologia e engenharias. Por meio desta abordagem, o risco é considerado um
evento adverso, uma atividade com probabilidades objetivas de causar danos e
pode ser estimado através de cálculos quantitativos de níveis de aceitabilidade
que permitem estabelecer padrões. Formula-se, nessa abordagem estritamente
técnica, o conceito de “risco aceitável”, que representa o nível de risco que pode
ser utilizado como patamar para atividades voluntárias. O argumento central

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dessa abordagem é no sentido de que a sociedade pode estabelecer um nível de


risco aceitável, como parte de uma troca entre riscos e benefícios.22
Este estudo técnico-quantitativo abrange três temas: estimação (fontes,
intensidade, freqüência, duração e conseqüências para populações afetadas),
comunicação (para a sociedade, com objetivo de diminuir a distância da
percepção entre leigos e peritos) e administração (formulação de políticas
públicas de legislação e regulação) dos riscos.
Nos anos 70 e 80, várias críticas foram feitas a este método. Os principais
pontos atacados foram a falta de dados científicos suficientes para determinar os
riscos à saúde oriundos da exposição e as divergências de opinião entre os
cientistas acerca de como interpretar as evidências e as incertezas dos
resultados. Em que pesem os esforços do método quantitativo para responder às
críticas, sobretudo a partir da identificação de atributos extras dos riscos
(voluntariedade, familiaridade, controlabilidade, efeitos imediatos), tais críticas
persistiram.

2.3.3) A apropriação dos riscos pela teoria social: socioconstrutivismo e


análise cultural dos riscos

Mary Douglas, em crítica às análises técnicas, desenvolveu a teoria


cultural dos riscos, centrada em uma visão socioconstrutivista segundo a qual os
indivíduos são organizadores ativos de suas percepções, impondo seu
significado aos fenômenos. Douglas inicia suas análises acerca do risco a partir
de “Pureza e Perigo” 23 , quando verifica que há uma relação entre restrições
alimentícias e ordem social: independentemente de quais forem os riscos
objetivos, organizações sociais irão reforçar os perigos para reforçarem também
a ordem religiosa, política e moral, mantendo-as coesas.
Com Aaron Wildavsky24, Douglas trouxe o tema dos riscos para o campo
do debate político e moral. Partindo da premissa de que na seleção dos riscos
22
GUIVANT, Julia S. A Trajetória das Análises de Risco: da periferia ao centro da teoria social.
Revista Brasileira de Informações Bibliográficas – ANPOCS. Nº 46, 1998, p. 3-38.
23
Cf. DOUGLAS, Mary. Purity and danger: an analysis of conceptions of pollution and taboo.
Londres: Earthcan, 1996.
24
Cf. DOUGLAS, Mary; WILDAVSKY, Aaron. Risk and culture: and essay on the selection of
technical and environmental dangers. Berkeley, CA: University of California Press, 1982.

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relevantes nem sempre a evidência científica teria papel esclarecedor,


Wildavsky e Douglas elevaram os fatores sociais e culturais a um papel central
no processo de escolha. Ao questionarem como os peritos pretendem atingir
níveis aceitáveis de segurança, passaram a levar em conta o fator cultural: quão
seguro é suficientemente seguro para determinada cultura?
No seu entendimento, não há como alguém ser qualificado como perito.
Sustentam Douglas e Wildavsky que há uma impossibilidade de se conhecer
tudo em relação aos riscos. Isto porque, com o crescente avanço científico e
tecnológico e com o conseqüente surgimento de novas áreas de conhecimento,
há um aumento na distância entre o que já se conhece e o que é desejável
conhecer. Pela necessidade de lidar com as incertezas, a perspectiva técnica erra
ao super-intelectualizar os processos decisórios e super-enfatizar os
impedimentos dos leigos, ora classificados como irracionais.25
Se os riscos aos quais os seres humanos estão expostos são reais e
suficientemente assustadores, por que a poluição ambiental e ecológica tem
ganhado mais destaque do que os demais? Para Douglas e Wildavsky, a
resposta para este questionamento está na escolha que a sociedade faz acerca
das suas instituições e seu modo de vida. Valores comuns levam a medos
comuns, induzindo a escolha dos riscos a fazer parte de um processo sócio-
cultural que não guarda relação com o caráter objetivo dos mesmos. O fato de
os riscos serem percebidos e administrados de acordo com princípios e valores
da ordem social impede que esses possam ser tratados com ferramentas
metodológicas quantitativas.26
Como analisar, então, a relação entre a forma em que o público escolhe
os riscos a serem temidos e as escolhas feitas pelas organizações sociais das
quais eles pertencem? Os autores fazem uma análise a partir do contraste
existente entre as formas centrais de organização social (burocracia e mercado)
e a periferia (grupos dissidentes). Estas formas de organização compreendem
ambientes sociais variados onde os indivíduos interiorizam alguns valores e
comportamentos.
Criticada pela simplicidade da tipologia utilizada, Douglas retomou uma
tipologia mais complexa. São identificadas formas de organização social que
25
GUIVANT, 1998, op. cit., p. 5.
26
Idem.

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representam quatro tipos de racionalidades. A aceitabilidade dos riscos é


medida de acordo com a percepção dos mesmos enquanto ameaça à organização
social. A tipologia mais complexa de Douglas compreende uma burocracia
centralizada (estima e administra os riscos segundo os peritos), a comunidade
(instituições locais), os indivíduos competitivos (cujo consentimento é
negociado) e os indivíduos atomizados (à margem do debate).27
Tal tipologia foi aplicada posteriormente na análise de como diferentes
indivíduos enfrentam os riscos segundo a credibilidade e confiança nos
geradores da informação e administradores de segurança. Foram analisados, por
exemplo, os riscos da indústria nuclear: geraram hostilidade pública os altos
níveis de burocratização, distância, incontrolabilidade, dependência do
conhecimento dos peritos e ausência de um processo decisório aberto. Quando
da análise das biotecnologias, foi verificado que não só estão envolvidas
incertezas como também há certezas contraditórias, ou seja, o conflito entre os
que aceitam ou não a introdução de organismos geneticamente modificados na
natureza tem origem cultural.28
A maior contribuição de Mary Douglas para a análise dos riscos foi
chamar atenção para a necessidade, pelas políticas regulatórias e preventivas, de
reconhecer que há uma pluralidade de racionalidades entre os leigos e que estes
não se diferenciam muito dos peritos. Isto porque as questões culturais – além,
simplesmente, das questões científicas – devem ser levadas em consideração
nos processos decisórios.
A partir e paralelamente aos trabalhos de Douglas, houve uma difusão
das análises sociais sobre os riscos. Relações entre leigos e peritos e questões
acerca do controle dos riscos são questões centrais nas análises feitas pelos
construtivistas acerca das divergências entre os atores sociais envolvidos nas
questões ambientais. As pesquisas sociais, além de iluminarem as análises sobre
os riscos, enriquecem bastante a partir das mesmas.
Para James F. Short, a interdisciplinaridade deveria modificar a teoria do
comportamento racional que influenciou a análise dos riscos em sua origem.
Não se trata, contudo, da negação da racionalidade da ação social na percepção
dos riscos e processos decisórios. Trata-se da necessidade de mostrar como as
27
Ibid., p. 7.
28
Ibid., p. 8.

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percepções do risco constroem-se em função do grau de confiabilidade das


instituições responsáveis pela determinação e administração dos riscos.29

2.3.4) Os riscos no centro da teoria social: Ulrich Beck e Anthony


Giddens

A partir do desastre da usina nuclear de Chernobyl, em 1986, a sociedade


se viu às voltas com um mundo que oferece mais riscos à medida que se
moderniza. O projeto de uma sociedade enquanto controladora dos efeitos
colaterais oriundos do processo de industrialização já não pode ser aplicado à
realidade da segunda modernidade. Com Ulrich Beck, o risco foi elevado ao
centro da teoria social, já que no seu trabalho este é tido como um elemento-
chave para entender a sociedade contemporânea.
O risco, para Ulrich Beck, é um conceito relativamente novo. Em que
pese a possibilidade de se entender a sociedade como uma resposta a todos os
perigos possíveis, é só com a modernidade que nasce o conceito de risco.
Assim, há uma distinção entre riscos e perigos. Estes últimos estão ligados a
épocas mais remotas, em que a humanidade se via à mercê de catástrofes
naturais ou intervenção dos deuses. Isto porque os perigos compreendem todas
as ameaças que não são interpretadas como condicionadas pelos seres humanos.
O conceito de risco, por outro lado, surge com as decisões humanas, isto é, são
originados pelo processo civilizacional e modernização progressiva. A
civilização – que busca tornar previsíveis as imprevisíveis conseqüências das
suas decisões, que busca controlar o incontrolável e sujeitar os efeitos colaterais
a medidas preventivas – acaba por criar o risco.30
A partir do momento em que são concebidas respostas institucionais para
os perigos, isto é, quando estes se tornam calculáveis por respostas
institucionais adequadas, é que surge o risco. Como exemplo, Beck cita os
primórdios da navegação comercial intercontinental. Àquele tempo, o risco era
entendido como ousadia e estava umbilicalmente ligado à noção de segurança.
Para os primeiros comerciantes e aventureiros que se lançavam à conquista do
desconhecido, havia uma grande probabilidade de seus navios naufragarem, o

29
Ibid., p. 11.
30
BECK, 2003, op. cit., p. 115.

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que pode ser entendido como um perigo. Quando este destino individual passou
a ser visto como a possível experiência comum de um determinado grupo, ou
seja, como um problema que afetava e ameaçava a existência de
empreendimento comercial intercontinental, criou-se uma caixa comum
destinada a pagar uma indenização em caso de naufrágio. Nesse momento,
quando foi criada uma resposta institucional para o perigo, este se transformou
em risco, isto é, um problema coletivamente solúvel.31
Niklas Luhmann sugere que os riscos sejam interpretados como os
possíveis danos decorrentes de uma decisão. Quando os danos são relacionados
a causas fora do próprio controle, estes são tidos como perigos. Os perigos
englobam, também, as decisões de outras pessoas, grupos e organizações. Dessa
maneira, a mesma ação pode ser tida como risco para alguns e perigo para
outros. A título exemplificativo: o motorista que dirige em alta velocidade
assume um risco para si ao mesmo tempo que representa um perigo aos
demais.32
Levando-se em conta o padrão conceitual estabelecido por Beck, o
desenvolvimento das forças produtivas, isto é, a industrialização, pode ser
entendida como o processo de surgimento dos riscos e das respostas
institucionais a eles. Entre os séculos XVIII a XX, o processo de distribuição
das conseqüências dos riscos foi negociado e institucionalizado, de forma que
desempenhou um papel fundamental para o otimismo desenvolvimentista.
Assim, o progresso sempre esteve umbilicalmente ligado à possibilidade de
compensação dos seus efeitos colaterais através de um programa
institucionalizado.33
Na sociedade de risco, contudo, esse otimismo desenvolvimentista é
confrontado pela mudança substancial na qualidade dos riscos. Isto porque o
cálculo do risco pressupõe um acidente, isto é, um acontecimento delimitado
social, espacial e temporalmente. Para o sociólogo alemão, tal modelo perde
validade, principalmente, partir de Chernobyl, onde as conseqüências do
acidente já não puderam mais ser delimitadas. Os riscos oriundos das novas

31
Idem.
32
BRUSEKE, Franz Josef. A técnica e os riscos da modernidade. Florianópolis: Ed. da UFSC,
2001, p. 40.
33
BECK, 2003, op. cit., p. 118.

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tecnologias presentes na segunda modernidade fazem com que já não seja


possível determinar o grupo de pessoas afetadas por um acidente, tampouco
delimitar territorialmente as conseqüências e muito menos precisar até quando
estas perdurarão. O imprevisível já não pode ser antecipado e não há respostas
institucionalizadas para o mesmo. Assim, é fundamental que haja um
desprendimento das antigas categorias do risco.34
A sociedade da primeira modernidade partia do princípio de que os riscos
e suas conseqüências podiam ser tecnicamente superados. Contudo, a
radicalização dos processos de modernização gera conseqüências que põem em
xeque todo o programa institucionalizado de cálculo dos efeitos colaterais.
Tanto na elaboração científica dos acidentes quanto nas instituições centrais –
na proteção contra catástrofes, previsão da assistência médica ou dos custos –
não se percebe a distância que separa os riscos da primeira dos riscos globais da
segunda modernidade. Os riscos da segunda modernidade são imperceptíveis e
interpretados contraditoriamente pelos especialistas. Já não é mais possível,
para os leigos, distinguir o perigoso do inofensivo. Como conseqüência, todos
ficam à mercê de especialistas e instituições que se contradizem nas questões
mais elementares do dia-a-dia.35
Ao contrário dos riscos da primeira modernidade, os riscos da segunda
são imperceptíveis. Um acidente em uma mina ou o naufrágio de um navio era
um acontecimento perceptível. A poluição emanada da chaminé de uma fábrica
também. Agora, na sociedade tecnologicamente perfeita da segunda
modernidade, onde os riscos da primeira foram institucionalizados e
relativamente superados, surgem novos riscos que escapam à percepção
imediata dos afetados. Estes, por sua vez, já não são mais os operários ou
marinheiros que se submetiam aos riscos voluntariamente: agora, os afetados
são consumidores ou até mesmo pessoas que não possuem qualquer ligação
com a origem desses perigos. Há uma separação radical entre os que geram os
riscos e os que se vêem obrigados a suportar suas conseqüências.
Para exigir reparação, cabe aos afetados buscar as causas do dano. Estas,
por sua vez, surgem num contexto por demais complexo, o que acaba por
frustrar quaisquer pretensões das vítimas. Isto porque os riscos já não são mais

34
Ibid., p. 119.
35
Ibid., p. 120.

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localizáveis espacial ou temporalmente: é o caso, por exemplo, do lançamento


de uma diversidade de produtos tóxicos no ar por diversas indústrias. Como
estabelecer o nexo de causalidade entre a conduta de cada uma destas e a
condição médica de suas potenciais vítimas? Como relacionar causa e
conseqüência se esta for tardia, ou seja, se a vítima apresentar uma doença
apenas vinte anos depois da exposição? Ante a impossibilidade de se
estabelecer tal nexo e na ausência de culpados, não há punição. Quando o risco
se torna invisível e não localizável, suas conseqüências já não podem ser
manejadas pelos instrumentos clássicos de jurisdição, tendo como conseqüência
um estado de crise de legitimação da própria sociedade. Isso acontece pelo fato
de que a segurança dos seus membros – uma das legitimações mais importantes
da sociedade – agora já não pode ser garantida.36
A confiabilidade nas instituições passa a ser questionada a partir dos
conflitos de risco, isto é, quando as diversas pretensões de racionalidade que
participam da definição social do risco se contradizem. A racionalidade
institucionalizada – decorrente das conclusões produzidas por cientistas que se
mantêm presos às antigas categorias – não reconhece os riscos sem rigorosas
evidências. A instância jurídica, quando impossibilitada de estabelecer qualquer
nexo de causalidade, também não reconhece a existência dos mesmos. Os
afetados, por sua vez, detectam o potencial de ameaça e se organizam em
movimentos sociais, utilizando de instrumentos diversos – como outros
cientistas ou estatísticos – para se insurgirem contra a negação institucional.
Esses conflitos geram um esvaziamento no núcleo de legitimidade das
instituições na medida em que os riscos se ampliam e se diversificam – com o
aval do Estado – o que tem como conseqüência a crise de confiança.37
Esse novo quadro de incertezas conhecidas – onde as relações causais só
são comprovadas em quadros extremos – é permeado por opiniões
contraditórias. E no desenrolar dessa luta pela definição dos riscos, das suas
vítimas e das suas causas, há uma série de conseqüências tanto no âmbito
político como econômico. Isto porque, na nova dinâmica dos riscos, a riqueza
não significa mais uma prevenção contra os mesmos e, cedo ou tarde, os
próprios causadores serão vítimas. Como exemplo, pode-se citar empresas do

36
Ibid., p. 122.
37
Ibid., p. 126.

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setor químico ou que trabalham com organismos geneticamente modificados


(OGMs). Tais empresas investem em pesquisas e em especialistas para que
estes convençam a sociedade de que não há risco, e assim constroem mercados
no mundo inteiro. Quando surgem interpretações diversas daqueles riscos, as
empresas são obrigadas a suportar a queda no valor das suas ações.38
Tais conflitos de risco, resultantes da insuficiência dos arranjos
institucionais, denotam o quadro de irresponsabilidade organizada instaurado.
Os que deveriam ser responsabilizados estão livres para a irresponsabilidade. Os
instrumentos utilizados para estabelecer a culpa ainda são os mesmos da
primeira modernidade, mantendo-se presos à lógica das racionalidades técnica e
médica que por sua vez são constantemente adaptadas aos interesses de lucro.
Com o esvaziamento do núcleo de legitimidade do Estado, um novo conceito de
risco e novas respostas institucionais a ele se tornam centrais para que o
processo de modernização tenha continuidade.
Em que pese o debate exaustivo acerca dos possíveis riscos à saúde
humana e meio ambiente oriundos dos agrotóxicos39, transgênicos ou células-
tronco 40 , existem novas tecnologias que ainda não figuram no centro das
discussões e sequer foram reguladas pela legislação pátria. É o caso da
nanotecnologia.

3) Nanotecnologia e riscos de graves consequências

3.1) O início da miniaturização

A possibilidade de manipulação de materiais em escala nanométrica foi


aventada em 1959, a partir da apresentação do físico Richard Feynman, no
encontro anual da Sociedade Americana de Física. Em sua palestra intitulada
“Há mais espaço lá embaixo” (There’s plenty of room at the bottom), Feynman

38
Ibid., p. 130.
39
Cf. GUIVANT, Julia S. Reflexividade na Sociedade de Risco: conflitos entre leigos e peritos
sobre os agrotóxicos. In: HERCULANO, Selene. (Org.). Qualidade de vida e riscos ambientais.
Niterói: Editora da UFF, 2000, p. 281-303.
40
Cf. ADI/3510 – Ação Direta de Inconstitucionalidade.

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defende a inexistência de quaisquer obstáculos teóricos à construção de


dispositivos bastante pequenos, compostos por elementos igualmente diminutos.
O termo “nanotecnologia”, entretanto, só veio a ser utilizado somente em 1974,
quando Norio Taniguchi, pesquisador da Universidade de Tokyo, referiu à
habilidade de engendrar materiais precisamente ao nível nanométrico.41
Os termos “nanotecnologia”, “nanociência”, “nanomateriais” e demais
variações são derivados da palavra grega “nano”, que significa “anão”. Um
nanômetro (1nm) é o equivalente a um bilionésimo de um metro. Em outras
palavras, pode-se dizer que um nanômetro é o equivalente a um milímetro
dividido por um milhão. Apesar da dificuldade de imaginar medidas em tais
escalas, pode-se estabelecer algumas comparações: uma pulga possui
1.000.000nm (um milhão de nanômetros); um fio de cabelo humano, por sua
vez, possui 80.000nm (oitenta mil nanômetros); um glóbulo vermelho possui
cerca de 7.000nm (sete mil nanômetros); bactérias possuem 1.000nm (mil
nanômetros).42
Os termos nanotecnologia e nanociência são utilizados de maneira
distinta em diversos estudos, apesar de não haver diferenças substanciais entre
os mesmos, isto é, que impeçam o bom entendimento da temática. A primeira
significa a habilidade de medir, ver, prever, engendrar, produzir e aplicar
materiais em escala nanométrica, além de explorar as novas propriedades dos
materiais em nanoescala. A nanociência, por outro lado, preocupa-se em estudar
o fenômeno e a manipulação de materiais em escala nanométrica, cujas
propriedades diferem significativamente das dos materiais de maior escala. Ao
longo deste trabalho, respeitar-se-á tal distinção.

41
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING. Nanoscience
and nanotechnologies: opportunities and uncertainties. Plymouth: Latimer Trend Ltd., 2004. p.
5. Disponível em: http://www.nanotec.org.uk/finalReport.htm. Acesso em: 16 de fevereiro 2009.
42
SWISS REINSURANCE COMPANY. Nanotechnology: small matter, many unknowns.
Zurich: SwissRe, 2004. p. 5. Disponível em:
http://www.swissre.com/INTERNET/pwsfilpr.nsf/vwFilebyIDKEYLu/ULUR-
5YNGET/$FILE/Publ04_Nanotech_en.pdf. Acesso em: 13 de abril de 2009.

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3.1.1) Nanomateriais: informações fundamentais

Somente nos últimos anos que o uso sistemático e a manipulação de


nanopartículas individuais foram possíveis. Ferramentas mais sofisticadas
foram desenvolvidas para investigar e manipular nanomateriais, como o
microscópio de tunelamento (scanning tunnelling microscope, STM), inventado
em 1982, e o microscópio de força atômica (atomic force microscope, AFM), de
1986. Tais instrumentos, além de terem possibilitado a visualização de
superfícies em escala atômica, também permitiram o manuseio e construção de
estruturas nanométricas ainda rudimentares. 43 Em 1990, Don Eigler e Erhard
Schweizer manusearam átomos de xenônio e conseguiram gravar, sobre uma
superfície de níquel, a logomarca da IBM.44
As diversas técnicas de manipulação dos nanomateriais estão divididas
em duas abordagens: de cima para baixo (top-down techniques) e de baixo para
cima (bottom-up techniques). A primeira, de cima para baixo, engloba as
técnicas de produção de nanomateriais que tem como ponto de partida uma
grande partícula, que é reduzida até o formato e tamanho desejados. Tal
processo envolve um gasto expressivo de energia e produz uma grande
quantidade de dejetos, além do uso significativo de recursos naturais. Na
segunda abordagem, de baixo pra cima, estruturas maiores são construídas
átomo a átomo, molécula por molécula. É possível, nesta abordagem, o uso da
técnica de auto-organização, que consiste na união espontânea de diversos
componentes, criando novos materiais.45
Para que sejam considerados de nanoescala e, por conseguinte, para que
sejam objeto de estudo da nanociência, os materiais devem possuir no máximo
100nm. 46 Em se tratando de abordagem de cima para baixo (top-down
techniques), pode-se considerar um nanomaterial aquele que foi reduzido a
100nm ou menos. Partindo-se da abordagem inversa, de baixo para cima
(bottom-up techniques), a união de nanopartículas não deve exceder este

43
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 16.
44
Ibid., p. 6.
45
SWISS REINSURANCE COMPANY, 2004, op. cit., p. 9.
46
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 8.

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patamar. Tal escala deve ser atingida em, no mínimo, uma dimensão. Por
exemplo: existem nanomateriais, como revestimentos e camadas especiais, que
chegam a atingir alguns centímetros de área, já que são utilizados em
superfícies. Contudo, tais materiais são considerados nanométricos pelo fato de
apresentarem profundidade nanométrica, chegando a possuir somente um átomo
de espessura.
É possível verificar materiais em nanoescala de somente uma, duas ou em
todas as três dimensões. Os nanomateriais unidimensionais são aqueles que
possuem somente uma dimensão em escala nanométrica. Em geral a dimensão é
a profundidade, como se pode verificar em filmes ultrafinos, camadas e
revestimentos de superfícies. Algumas camadas e revestimentos chegam a
possuir somente uma molécula ou um átomo de profundidade, apesar de
possuírem uma área de cobertura relativamente extensa. Exemplos de
nanomateriais unidimensionais são os revestimentos em dióxido de titânio
ativado, projetados para repelir água e bactérias de superfícies auto-limpantes.
Também existem revestimentos à prova de arranhões que são significativamente
aprimorados a partir do uso de camadas intermediárias em nanoescala.47
Nanomateriais bidimensionais são aqueles que possuem duas dimensões
em escala nanométrica (largura e profundidade, e.g.) e possuem uma dimensão
estendida (altura, e.g.). Nanotubos de carbono, nanofios, biopolímeros e
nanotubos inorgânicos se encaixam nesta categoria. Nanotubos são estruturas
cilíndricas, cujo diâmetro não ultrapassa os 100nm, cujos maiores atrativos são
suas propriedades físicas e químicas, como resistência, durabilidade e
condutividade.48
A nanoescala em três dimensões é representada por partículas que
possuem um raio não maior do que 100nm e não ultrapassam este limite em
nenhuma dimensão. Materiais que pertençam à escala nanométrica em todas as
suas dimensões são denominados nanopartículas. São exemplos de
nanopartículas os fulerenos, que são compostos por sessenta átomos de carbono
organizados em 20 hexágonos e 12 pentágonos, cujo formato é comparado a

47
Ibid., p. 10.
48
Ibid., p. 8.

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uma bola de futebol. Por serem ocos, podem desempenhar a função de veículos
para remédios e contrastes, bem como para lubrificantes de superfícies.49

3.1.2) Nanomateriais naturais e artificiais

Partículas em nanoescala não são novas e sempre estiveram presentes na


natureza. Por exemplo, os polímeros – macromoléculas construídas a partir de
subunidades de menor escala – vêm sendo manuseados por industriais desde o
início do século XX, a despeito do desconhecimento dos estudiosos acerca da
existência de partículas tão diminutas. Nanocristais de sal são detectáveis nos
ventos dos oceanos. Motores a diesel emitem milhões de partículas de carbono
no ar, assim como cigarros e velas. O leite (com os colóides) é outro exemplo,
bem como as proteínas que controlam processos biológicos. Nanopartículas,
além de surgirem naturalmente, são criadas há milhares de anos enquanto
resultado da combustão ou do cozer de alimentos.50
Deve-se ressaltar, porém, que há uma diferença substancial entre as
nanopartículas encontradas na natureza e as artificialmente manufaturadas.
Partículas de sal, por exemplo, são solúveis em água. Se inaladas, ao entrarem
em contato com o tecido, imediatamente se dissolvem e perdem a sua forma.
Partículas oriundas de processos de combustão, apesar de insolúveis, têm uma
grande tendência à aglomeração, formando micropartículas de diferentes
propriedades. Nanopartículas artificialmente manufaturadas possuem
propriedades bem diferentes das naturais e isso constitui o seu grande atrativo.
Ao contrário das naturais, elas têm tendência à dispersão, dado o seu
revestimento peculiar. A lógica é simples: a fim de evitar que nanopartículas se
aglomerem e formem micropartículas – o que geraria uma perda de
propriedades alcançadas com a miniaturização – estas são revestidas de maneira
especial. Assim, não importando quanto tempo passe, as nanopartículas
artificiais continuam reativas e bastante móveis.51

49
Ibid., p. 10.
50
Ibid., p. 6.
51
SWISS REINSURANCE COMPANY, 2004, op. cit., p. 13.

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3.2) Nanomateriais e suas aplicações

Nanomateriais interessam à indústria por vários motivos. Partículas


menores do que 50nm já não são regidas pelas clássicas leis da física, mas da
física quântica. Isso significa que nanopartículas podem assumir outras
propriedades óticas, magnéticas e elétricas, o que as distingue substancialmente
das partículas maiores da mesma família. Também, devido à dimensão
reduzida, a razão entre massa e superfície é diferenciada. Quanto menor um
corpo, maior é a superfície em relação à sua massa, o que significa dizer que,
quanto menor a partícula, mais átomos existirão na sua superfície e menos
átomos em seu interior.52 Por exemplo, uma partícula de 30nm possui somente
5% dos seus átomos na sua superfície, enquanto uma partícula de 3nm possui
50%. Pelo fato de reações químicas catalíticas e de crescimento ocorrerem nas
superfícies, os nanomateriais se tornam bem mais reativos do que os mesmos
materiais em largas partículas.53
Nanotecnologia, combinada com biotecnologia, formam os pilares que
sustentam os rápidos avanços em diversas áreas da medicina. Tais progressos
em nanoescala podem ser vislumbrados quando nanomateriais passivos ou
ativos são utilizados para aplicar drogas em locais e momentos desejados. Isto
reduz efeitos colaterais, levando a uma melhor resposta do organismo e à
utilização de menores dosagens. O desenvolvimento e a aplicação da
nanotecnologia na medicina englobam diversas áreas: diagnóstico, aplicação de
drogas, regeneração de tecidos, reparação de lesões, próteses, dentre outras.
No que diz respeito ao diagnóstico, há pesquisas em torno de marcadores
(contrastes) em nanoescala. Tais marcadores são úteis para a detecção de células
cancerígenas e, conseqüentemente, para antecipação do tratamento. Outra
ferramenta construída com o uso de nanotecnologia são os “laboratórios em
chips”, que consistem em laboratórios portáteis para a obtenção de diagnósticos,
sendo aplicados na prevenção e controle de doenças, bem como na monitoração
do próprio meio ambiente.54

52
Ibid., p. 12.
53
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 7.
54
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST. Future Technologies, Today’s Choices:
Nanotechnology, Artificial Intelligence and Robotics; A technical, political and institutional map

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Atualmente, empresas farmacêuticas já utilizam da nanotecnologia para


aumentar a eficácia de medicamentos e reduzir efeitos colaterais. Os princípios
ativos das drogas são manipulados de modo a caberem em cavidades
minúsculas das substâncias que os transportarão para as células. Substâncias
como beta-ciclodextrina ou HDL sintético (Hight Density Lipoprotein) – o
colesterol bom – já são largamente utilizadas em antiinflamatórios,
antialérgicos, antiácidos e no tratamento de determinados tipos de câncer.
Estudos do ano de 2001 já indicavam que nanopartículas entre 50nm e
100nm seriam ideais para o tratamento do câncer, eis que partículas maiores não
penetrariam com a mesma eficácia nos tumores. No tratamento da AIDS,
grandes avanços são obtidos a partir das nanocápsulas, que desviam do sistema
imunológico, possibilitando o direcionamento de agentes terapêuticos a locais
específicos. No tratamento da diabetes, um sistema de aplicação de insulina
vem sendo desenvolvido a partir do uso combinado entre nanomateriais porosos
e sensores.55
Para a construção de próteses, existem nanomateriais que representam
uma alternativa à liga de titânio e ácido inoxidável utilizada em implantes
ortopédicos e válvulas cardíacas. Em alguns casos, estas ligas tradicionais não
chegam a durar o equivalente ao tempo de vida do paciente. Por outro lado, o
óxido de zircônio nanocristalino é resistente, à prova de biocorrosão e
biocompatível, demonstrando-se ideal para próteses. Carbetos de silício, por
serem leves e resistentes, são ideais para a construção de válvulas cardíacas.56
Além da aplicação em diversas áreas da medicina e na indústria
farmacêutica, a nanotecnologia também é empregada pelas empresas de
protetores solares, que utilizam dióxido de titânio e óxido de zinco, cujo
principal atrativo é a possibilidade de absorver e refletir raios ultra-violetas ao
mesmo tempo em que são transparentes à luz visível. 57 Cosméticos, como
cremes hidratantes e antienvelhecimento, têm seus princípios ativos reduzidos à

of emerging technologies. Londres: Greenpeace Environmental Trust, 2003, p. 28. Disponível


em: http://www.greenpeace.org.uk/MultimediaFiles/Live/FullReport/5886.pdf. Acesso em 13 de
abril de 2009.
55
Idem.
56
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 12.
57
Ibid., p. 10.

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nanoescala, facilitando a chegada às camadas mais profundas da pele sem que


suas propriedades sejam perdidas pelo caminho.
Nanopartículas também já estão presentes em cremes dentais.
Nanocristais de prata e hidroxiapatita (composto de fosfato e cálcio) são
utilizados para a recuperação de dentes danificados. Tais materiais aderem aos
dentes durante a escovação, ajudando na recomposição do esmalte – cujas
irregularidades são freqüentes, porém invisíveis – e garantindo proteção contra
desgastes futuros.
No ramo da informática, desde 1997, a indústria de eletrônicos vem
utilizando a nanotecnologia na produção dos telefones celulares, cujas funções
básicas de agenda e despertador dependiam dos poucos bytes comportados pelos
microchips. No ano de 2000, surgiram os primeiros MP3 players com memória
flash, cuja capacidade de armazenamento chegava a somente 1Gb (um
gigabyte). Dado o avanço considerável nesse campo, o mercado da telefonia
celular caminhou no sentido da redução dos aparelhos, aumento significativo da
capacidade de armazenamento de dados e inserção de novas funções, como
acesso à internet e câmera fotográfica.
Em 2002, a instituição ETC Group, por ocasião da publicação de um
estudo, afirmou que em 2012 todo o mercado de informática (eletrônicos,
magnéticos e óticos inclusos) seria dependente de nanomateriais.58 Tal previsão
vem se mostrando acertada na medida em que os recentes lançamentos da área
da informática, em sua grande maioria, utilizam a nanotecnologia. Modernos
microprocessadores, memórias flash, microchips e monitores em LCD (cristal
líquido), atualmente, dependem de nanotubos de carbono para que sejam
produzidos.
Nanomateriais também são utilizados pela engenharia, na produção de
revestimentos e superfícies. Nanopartículas de dióxido de silício são largamente
utilizadas em vidros, dada a sua capacidade de absorver a luz, gerando, assim,
propriedades anti-reflexos. Vidros revestidos de dióxido de titânio ativado, por
sua vez, possuem propriedades auto-limpantes e anti-bacterianas. 59
Nanopartículas de cerâmica têm sido utilizadas no aumento da resistência das

58
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 22.
59
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 11.

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tintas de automóveis, enquanto as de argila as deixam mais leves, resultando em


economia de combustível e natural benefício ao meio ambiente.60
Além de revestimentos em nanoescala e tintas, nanomateriais também
estão presentes em lubrificantes. Nanopartículas de ácido bórico diminuem
consideravelmente o atrito entre superfícies e se mantêm quimicamente estáveis
quando misturadas em óleos de uso industrial.
Como mencionado anteriormente, nanotubos de carbono constituem uma
grande evolução na indústria da informática. Não obstante, já são vislumbradas
algumas aplicações de tal matéria-prima em maior escala. Por possuírem
propriedades mecânicas de grande importância, como resistência e leveza
(chegam a ser cem vezes mais resistentes do que o aço, com um sexto do peso),
os nanotubos de carbono vêm sendo estudados como potenciais substitutos de
compostos atualmente utilizados, como ligas metálicas e fibras de carbono. Isto
influenciaria sobremaneira a produção de automóveis e construção de
aeronaves.61
Os avanços nanotecnológicos podem trazer mudanças substanciais no
setor energético, principalmente em termos de iluminação, armazenamento,
geração e economia de energia. No que diz respeito à iluminação, mudanças
significativas são esperadas no setor para os próximos dez anos.
Semicondutores utilizados na fabricação de diodos emissores de luz podem ser
esculpidos em nanoescala, o que deve levar à redução de mais de 10% do
consumo de energia em todo o mundo.62
O armazenamento e a geração de energia também se tornaram mais
eficientes. Nanopartículas de íon lítio contribuíram para a redução no tamanho e
aumento da capacidade dos dispositivos de armazenamento. Na fabricação de
células fotoelétricas – capazes de gerar energia a partir da luz do Sol –
polímeros e células nanocristalinas aumentam a eficiência e redução de custos
dos materiais. Por conta da grande área de superfície, possibilitam o aumento da
absorção de energia a partir da utilização de menor espaço.63

60
Idem.
61
THE GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 15.
62
GREENPEACE ENVIRONMENTAL TRUST, 2003, op. cit., p. 27.
63
Ibid., p. 30.

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3.3) Nanomateriais e o corpo humano

O contato das partículas com os seres humanos ocorre, essencialmente,


de três maneiras: se inaladas, engolidas ou absorvidas pela pele. Para essas três
vias, o organismo humano possui defesas naturais contra matérias a ele
estranhas.
As vias aéreas, por exemplo, possuem proteções naturais contra a
penetração de resíduos sólidos. Os pêlos das fossas nasais e o muco impedem a
entrada de partículas maiores, que são expulsas através da garganta durante a
respiração. As que eventualmente chegam ao tecido pulmonar onde ocorrem
trocas gasosas são absorvidas por fagócitos – cuja função primordial é expulsar
matéria estranha ao organismo – e levadas a nódulos linfáticos. Não obstante,
tais funções podem ser prejudicadas se a quantidade de partículas absorvidas for
excessiva. Inflamação e degeneração do decido pulmonar, pneumonia e câncer
de pulmão, são algumas das possíveis conseqüências da absorção de resíduos
sólidos pelo sistema respiratório.64
A pele é protegida por uma camada de células mortas (epiderme) e
coberta por uma camada de gordura, que ajuda a repelir líquidos. Abaixo da
epiderme, uma camada de células vivas (derme), possui terminações nervosas e
vasos sanguíneos. Quando da ocorrência de infecções por bactérias ou
quaisquer outros danos à pele, tais vasos possibilitam a chegada de células que
levam a processos inflamatórios e reparadores do tecido danificado. 65
O sistema intestinal, ao contrário do pulmão e da pele, possui como
funções primordiais a quebra e absorção de partículas. O alto grau de acidez do
estômago, que possibilita a digestão de alimentos, também funciona como
microbicida, evitando que o organismo seja contaminado. O intestino, por sua
vez, produz muco e enzimas digestivas, além de uma grande quantidade de
vasos sanguíneos e linfáticos que desempenham as funções de proteção
mencionadas anteriormente.66

64
THE ROYAL SOCIETY AND THE ROYAL ACADEMY OF ENGINEERING, 2004, op. cit.,
p. 38.
65
Idem.
66
Idem.

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A despeito do perfeito funcionamento de tais mecanismos de defesa e da


prévia existência de nanopartículas naturais, novos questionamentos devem ser
feitos quando da absorção de nanopartículas artificiais. Com o tamanho
reduzido, alto grau de reatividade e grande área de superfície, materiais que
seriam considerados inofensivos podem representar um grande perigo para os
seres humanos. Como tais partículas se comportam no organismo? Quais os
efeitos nocivos da absorção de nanopartículas pelo corpo humano? O destino
comum de todas as partículas é a corrente sanguínea? É possível, se presentes
na corrente sanguínea, a absorção destas pelos órgãos?
Nanopartículas, se inaladas, podem causar danos completamente
diferentes dos causados por partículas de maiores tamanhos. Em primeiro lugar,
dado o seu tamanho reduzido, nanopartículas podem penetrar mais
profundamente nos pulmões. Existem evidências científicas de que
determinadas partículas escapam à defesa do sistema respiratório e, ao
atingirem os alvéolos (onde ocorrem as trocas gasosas), penetram na corrente
sanguínea. Além da possibilidade de penetração de nanopartículas na corrente
sanguínea e do acesso irrestrito aos demais órgãos, o sistema respiratório pode
ser danificado pela simples presença das mesmas. Isto é devido ao fato de que
matérias que eram consideradas inofensivas quando em maior tamanho, podem
ser consideradas perigosas quando em nanoescala, a exemplo do látex.
Tal nocividade é conseqüência direta de dois fatores. O primeiro, relativo
à sobrecarga dos fagócitos (células encarregadas de eliminar matéria estranha ao
sistema respiratório). Isto ocorre quando os “invasores” excedem a capacidade
de defesa das células. Como conseqüência, há inflamações nos tecidos
pulmonares e o enfraquecimento do seu sistema imunológico, o que deixa o
organismo mais propenso a infecções.67
A reatividade dos nanomateriais, a depender do seu revestimento, pode
causar danos químicos ao tecido que com eles estiver em contato. Tal
reatividade é devida à presença de radicais livres, que são átomos que possuem
um número reduzido de elétrons. Estes átomos “furtam” elétrons de células
vizinhas para aperfeiçoar sua própria estrutura, criando, assim, outro radical
livre. Este novo radical livre também irá “furtar” elétrons das outras células, e
assim por diante, gerando uma reação em cadeia. A formação de radicais livres

67
SWISS REINSURANCE COMPANY, 2004, op. cit., p. 16.

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é comum em um organismo saudável, onde existem, inclusive, enzimas


responsáveis pela sua eliminação. Porém, tais processos ocorrem localmente e
em um ambiente quimicamente equilibrado. Os radicais danosos, cujos efeitos
são intensificados por fatores exógenos (nanopartículas reativas, radiação, raios
solares, e.g.), prejudicam tal equilíbrio químico do organismo e podem
contribuir para a formação de tumores.68
A possibilidade de absorção de nanopartículas pela pele ainda é objeto de
debate entre especialistas. Como mencionado anteriormente, o mercado de
cosméticos, protetores solares e bronzeadores que utilizam nanomateriais é
crescente. Contraditoriamente, a ciência ainda apresenta resultados inconclusos:
de um lado, é afirmado que nanopartículas previamente marcadas foram
encontradas na corrente sanguínea, enquanto outras pesquisas apontam no
sentido de que tais materiais não conseguem sequer ultrapassar a camada mais
superficial da pele.69
A terceira via de acesso ao corpo humano é o trato intestinal. O sistema
digestivo possui duas funções básicas: ingestão de alimentos e expulsão de
matérias indesejadas pelo organismo. As substâncias “desejadas” são digeridas
por enzimas e absorvidas pelas células do intestino, enquanto as nocivas ao
organismo são mantidas no trato intestinal e eliminadas na forma de fezes ou
pela via dos nódulos linfáticos.
Nanopartículas são absorvidas pelas placas de Peyer, que consistem em
nódulos de tecidos linfáticos associados ao intestino. Estes nódulos absorvem
partículas maiores em bolhas e as transporta aos vasos linfáticos, onde são
eliminadas pelo organismo. O problema relacionado aos nanomateriais é que
estes, ao penetrarem no sistema linfático, podem chegar à corrente sanguínea.70
Quando as nanopartículas transpõem a barreira de tais órgãos de acesso
ou quando são inseridas deliberadamente na corrente sanguínea (medicamentos
e contrastes), uma nova série de questionamentos emerge. Partículas estranhas,
quando presentes no sistema circulatório, são absorvidas por fagócitos
especializados e são expulsas do organismo. Entretanto, tal regra não se aplica
aos nanomateriais. Nanopartículas de tamanho inferior a 200nm não são
68
Idem.
69
Ibid., p. 19.
70
Ibid., p. 20.

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absorvidas por fagócitos, mas, surpreendentemente, por células que sequer


desempenham a função de defesa. Uma vez absorvidas por tais células
(glóbulos vermelhos, e.g.), podem transitar pelo organismo de maneira livre e
irrestrita. Coração, medula, ovários, fígado, músculos e até mesmo o cérebro – o
mais protegido órgão do corpo humano – são penetrados, sem maiores
dificuldades, por nanopartículas presentes no sangue.71
Nanomateriais que atingem a corrente sanguínea se acumulam,
principalmente, no fígado. A sua presença pode desencadear processos
inflamatórios, lesões ao seu tecido e, a depender do grau de reatividade das
nanopartículas, também é possível que se formem tumores.

3.4) Nanomateriais e o meio ambiente

Por conta das técnicas de produção e da grande disseminação dos


nanomateriais, estes podem ser despejados na água ou no ar e, em última
instancia, o solo e os lençóis freáticos podem ser atingidos. Além disso,
nanopartículas vêm sendo utilizadas, cada vez mais, em materiais descartáveis,
o que torna inevitável o seu contato com o meio ambiente quando estes são
reciclados ou eliminados como lixo. Por constituírem uma nova classe de
materiais não-biodegradáveis, as conseqüências para o meio ambiente e o seu
comportamento a longo prazo são difíceis de prever.
Em que pese a inexistência de certezas científicas acerca do
comportamento das nanopartículas no meio ambiente, é possível imaginar
alguns cenários a partir do conhecimento já produzido acerca das demais formas
de poluição. No que diz respeito à possibilidade de disseminação atmosférica,
por exemplo, estudos sobre poluição indicam que o número de partículas
ultrafinas no ar está diretamente relacionado ao índice de mortalidade da
população. As partículas estudadas, contudo, eram oriundas do diesel, cujas
tendências naturais são de agregação e repouso. Por outro lado, nanopartículas
artificiais permanecem no ar por muito mais tempo, o que pode agravar a
disseminação, além de serem nocivas aos humanos.

71
Ibid., p. 22.

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Nanopartículas também podem contribuir para o aumento da distribuição


de poluentes no solo. Esta conclusão foi obtida através da observação dos
colóides, cujas propriedades permitem a sua união com poluentes insolúveis em
água e metais pesados. Por serem menores e apresentarem maior área de
superfície, uma maior quantidade de poluentes pode se unir às nanopartículas,
sendo absorvidos em maior quantidade e em maior velocidade pelo solo.72
A partir das incertezas científicas, emergem cenários mais pessimistas. O
que aconteceria se nanopartículas altamente tóxicas fossem espalhadas pelo
meio ambiente? Seria possível retirá-las de circulação? Haveria alguma
possibilidade de removê-las da água, solo ou ar?
A eliminação de nanopartículas do meio ambiente é um grande desafio
para os cientistas, já que os procedimentos até então estudados são de alto custo
e inadequados para a utilização em larga escala. A remoção de nanopartículas
dos líquidos, por exemplo, só é possível através de centrifugação ou
ultrafiltragem. No primeiro procedimento, partículas são separadas através da
força centrífuga oriunda de altas rotações. Na ultrafiltragem, líquidos são
pressionados contra uma membrana semipermeável.73
Filtros de purificação atualmente utilizados em prédios e fábricas
possuem poros grandes demais para a retenção de nanopartículas. Problemas
relativos à pressão do ar e ao bloqueio dos poros por partículas maiores devem
ser superados para que os nanomateriais possam ser retidos.
Neste cenário de ausência de certeza científica (ou, pelo menos, de
certezas científicas contraditórias) em torno dos riscos relacionados à
nanotecnologia, emerge o debate sobre a invisibilidade do tema para o discurso
jurídico, anonimato este parcialmente resultante das lacunas de conhecimento
quanto às tecnologias infinitesimais.

72
Ibid., p. 29.
73
Ibid., p. 30.

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4) O direito ambiental constrangido pelo risco

4.1) A nanotecnologia enquanto um novo paradigma técnico-econômico

O desenvolvimento econômico e industrial ocorre de maneira cíclica.


Uma análise histórica dos dados demonstra que este é marcado por grandes
“picos” e “vales”, que representam momentos de grande expressão econômica
acompanhados por momentos de recessão. A partir dos estudos de Schumpeter,
foi possível verificar que os ciclos econômicos são consubstanciados em
processos de destruição criativa. Tais processos explicam a dinâmica dos ciclos
através de ondas de inovações que revolucionam a estrutura econômica vigente.
Impulsionadas pela concorrência, estas ondas fazem com que os novos
produtos, processos e métodos de organização industrial se sobreponham aos
antigos. Referidas inovações estão relacionadas principalmente a novos bens de
consumo, novos métodos de produção ou transporte, novos mercados e novas
formas de organização industrial.74
Cabe ressaltar, ainda, que o caráter cíclico da economia está diretamente
relacionado à atividade científica. Nas décadas de 1970 e 1980, Freeman e
Perez notaram que o processo inovador não modifica somente as estruturas
econômicas vigentes, mas todo o aparato institucional estabelecido, mudando a
forma do progresso tecnológico em um sentido amplo e construindo um novo
paradigma técnico-econômico. A difusão deste novo paradigma abrange todo o
sistema econômico, envolvendo fatores sociais, políticos, ambientais e
culturais.75
Freeman e Perez identificaram cinco ondas na história do capitalismo,
cada uma com a presença de um paradigma diferente, onde se pode identificar
um fator-chave, isto é, um insumo que serve como base para o desenvolvimento
de novos produtos e processos. Para que um novo paradigma técnico-
econômico desloque o antigo completamente, tornando-se o eixo central do
crescimento das inovações técnicas, sociais e gerenciais, é necessário que

74
SANTOS JUNIOR, J. L.; SANTOS, W. L. P. Nanotecnologia e riscos ambientais: uma reflexão
sobre a ingerência das ciências humanas sociais na construção de um debate crítico. In: Anais do
IV Encontro da Associação Nacional de Pesquisa e Pós-graduação em Ambiente e
Sociedade. Brasília-DF: Anppas, 2008, p. 6.
75
Idem.

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satisfaça três condições: custos decrescentes, incremento na oferta e aplicações


penetrantes.76
A mais recente onda do capitalismo é caracterizada pela
informacionalização da economia, em que ganha destaque a introdução
generalizada da informática e de novos materiais de origem química ou
bioquímica. Para Capella, a introdução de novos componentes – e a adoção de
novas formas organizativas para desenvolver os processos econômicos em
combinação com estes – caracterizam a terceira revolução industrial.77
As novas tecnologias e os novos materiais permitem uma diferenciação e
especificação produtiva até então impensada, o que proporciona à indústria um
alto grau de flexibilidade e capacidade de adaptação às exigências técnicas, bem
como a criação de novas necessidades até então inimagináveis. As novidades
organizacionais introduzidas possibilitam a superação da barreira estatal pelo
capital e aumentam drasticamente a sua concentração, bem como o poder e a
capacidade de decisão das empresas transnacionais.78
O desenvolvimento econômico aliado às novas tecnologias – dentre elas,
a nanotecnologia – inaugura um novo paradigma técnico-econômico. Este
paradigma, caracterizador da sociedade de risco – onde a modernização, em seu
sucesso, ameaça a existência humana –, inicia um processo de destruição
criativa cujas conseqüências institucionais são bastante profundas.

4.2) Direito Ambiental na sociedade de risco

A falência dos instrumentos de securitização resultante, em grande parte,


do desenvolvimento da própria modernização, faz com que as instituições de
controle e o dogma da infalibilidade tecnológica sejam deslocados para o
terreno da falha de segurança e incapacidade de previsão. A pretensão da
ciência de averiguar os riscos de acordo com a lógica de prevenção do acidente

76
Ibid., p. 8.
77
CAPELLA, 2002, op. cit., p. 240.
78
Ibid., p. 241.

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é frustrada pelas suas novas características, tais como a invisibilidade, a


incerteza e a irreversibilidade de suas conseqüências.79
Os mecanismos de explicação e justificação dos riscos na sociedade
contemporânea estão inseridos num quadro de irresponsabilidade organizada, o
que leva a uma legitimação da não-imputabilidade das ameaças e a legalização
das contaminações. Em que pese o ocultamento social e institucional dos
responsáveis, das causas e das conseqüências dos riscos, o mesmo não ocorre
com os seus efeitos secundários. Estes rompem a barreira da invisibilidade
social gerada pela selva institucional e se revelam no cotidiano das relações
sociais e dos debates públicos acerca dos efeitos dos riscos de graves
conseqüências. O fenômeno da irresponsabilidade organizada representa com
clareza a ineficácia da produção normativa enquanto instrumento para o
enfrentamento da crise ambiental. Concomitantemente, expõe os desafios
impostos ao Direito Ambiental na sociedade de risco quando da necessidade de
enfrentamento de uma crise ambiental que adquire novos contornos.80
Diante da insuficiência dos instrumentos (ou procedimentos) instituídos
para a proteção do ambiente e enfrentamento da crise ambiental, surge a
necessidade de correção deste quadro. Tais modificações dizem respeito,
principalmente, à maneira como o Direito do Ambiente se relaciona com os
problemas ambientais qualificados pelo risco. Para Leite e Ayala, o Direito
Ambiental contemporâneo orbita ao redor de três eixos de argumentação: a
necessidade de adequação aos novos direitos ambientais, a revisão da forma de
funcionamento dos tradicionais processos de decisão e quais os objetivos deste
novo Direito.81
Os novos direitos ambientais são caracterizados, agora, pela recuperação
dos ideais éticos do meio ambiente, bem como uma perspectiva do mundo e da
natureza enquanto ecossistema, dando-se ênfase aos ideais de solidariedade e
responsabilidade no trato do bem ambiental. Assim, pode-se dizer que os
direitos ambientais contemporâneos são direitos de contribuição, isto é, que
exigem certos deveres por parte dos seus detentores. Ao mesmo tempo, tais

79
LEITE, José Rubens Morato; AYALA, Patryck de Araújo. Direito ambiental na sociedade de
risco. 2. ed. rev. atual. ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 19.
80
Ibid., p. 21.
81
Ibid., p. 202-203.

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direitos constituem instrumentos de proteção contra os riscos e não só contra


danos pessoais ou comunitários.82
O risco, por sua vez, desafia o Direito Ambiental, levando-o a se
questionar sob que condições esta salvaguarda coletiva e transgeracional pode
ser concretizada. Para Benjamin, o Direito do Ambiente passa de um direito de
danos (preocupado em reparar ou quantificar os prejuízos ao meio ambiente)
para um direito de riscos, cuja principal preocupação é evitar a degradação
ambiental.83
Para que o Direito do Ambiente compreenda os problemas ambientais e
ofereça soluções viáveis e suficientes, este deve recorrer, inevitavelmente, ao
conhecimento científico. Entretanto, no quadro de incertezas produzidas pela
própria ciência, para que haja a caracterização do risco ambiental – que já não é
mais prévia ou previsível – mandados de proporcionalidade e complexos
julgamentos políticos e sociais se tornam extremamente necessários.84
Um quadro representativo desta virada epistemológica por que passa o
Direito do Ambiente pode ser vislumbrado na esfera da tutela jurídica do dano
ambiental, onde já não se exige que este se enquadre na moldura convencional
de imputação da responsabilidade. A percepção da existência dos riscos
invisíveis da segunda modernidade também leva à ruptura com os requisitos da
certeza e atualidade do dano, passando o Direito Ambiental a ser guiado pela
aplicação das suas normas à luz do princípio da precaução, onde a dúvida e a
incerteza possuem um papel determinante no atuar preventivo.85

4.2.1) O princípio da precaução

No contexto da sociedade de riscos, a ausência de certezas científicas


acerca destes não deve postergar a adoção pelo Estado de medidas preventivas.

82
Ibid., p. 205.
83
BENJAMIN, Antonio Herman de V.; SICOLI, José Carlos Meloni. (Orgs.). Anais do 5º
Congresso Internacional de Direito Ambiental, de 4 a 7 de junho em 2001. O futuro do controle
da poluição e da implementação ambiental. São Paulo: IMESP, 2001, p. 61.
84
LEITE e AYALA, 2004, op. cit., p. 209.
85
STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade civil ambiental: as dimensões do dano
ambiental no direito brasileiro. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2004, p. 142.

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É o que contempla a precaução, que tem como conteúdo o princípio 15 da


Declaração do Rio, cujo texto é o seguinte:

Com o fim de proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deverá ser


amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando
houver ameaça de danos graves ou irreversíveis, a ausência de certeza científica
absoluta não será utilizada como razão para o adiamento de medidas
economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.

Embora façam parte de uma mesma finalidade, isto é, a proteção do meio


ambiente, os princípios da precaução e da prevenção diferem no que tange à
avaliação do risco que ameaça o meio ambiente. A precaução é considerada
quando o risco é bastante elevado, de maneira que a certeza científica não é
exigida antes de se adotar uma ação corretiva, aplicando-se aos casos em que os
danos potenciais são duradouros e até mesmo irreversíveis. O princípio da
prevenção, por outro lado, trabalha com os indicativos técnicos da iminência da
produção de um dano, certo e definido, indicando a necessidade de medidas
preventivas anteriores à consumação do resultado prejudicial ao ambiente, ou
seja, trata-se da adoção de critérios de antecipação diante de um resultado certo,
mas indesejado.86
A figura da precaução traz a exigência do cálculo precoce dos potenciais
riscos para a saúde humana anterior ao surgimento do próprio dano. Isto se opõe
frontalmente à lógica da ação tardia, ou da avaliação posterior, que é
cientificamente rigorosa, porém impotente. Mesmo assim, agir antecipadamente
sobre os riscos cuja existência sequer está comprovada e cujas conseqüências
potenciais são pouco compreendidas envolve um dilema. Em primeiro lugar, há
a possibilidade de comprometer custos elevados e impor desgastes às pessoas,
grupos particulares ou para toda a coletividade, bem como fechar as portas ao
desenvolvimento econômico e tecnológico. Por outro lado, é possível que se
deixe evoluir, de maneira irreversível, tecnologias que venham a oferecer riscos
inimagináveis à saúde humana e ao meio ambiente.87

86
Cf. VARELLA, Marcelo Dias; PLATIAU, Ana Flávia Barros. (Orgs.). Princípio da
Precaução. Belo Horizonte: Del Rey, 2004.
87
GODARD, Olivier. O princípio da precaução frente ao dilema da tradução jurídica das
demandas sociais: lições de método decorrentes do caso da vaca louca. In: VARELLA, Marcelo

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Com o princípio da precaução, o comportamento judicial de tolerância do


dano é substituído pelo de vigilância e prudência. Enquanto vetor interpretativo,
tal princípio orienta a atuação dos instrumentos processuais cautelares,
provimentos liminares e inibitórios, bem como os instrumentos de
responsabilização, introduzindo a inversão do ônus da prova em matéria
ambiental. À luz do princípio da precaução, já não cabe mais aos titulares dos
direitos ambientais provarem a ofensividade de determinados empreendimentos
levados à apreciação do Poder Público. Aos potenciais degradadores, por outro
lado, cabe provar a inofensividade da atividade proposta.

4.2.2) Tutela jurídica do dano ambiental futuro e potencial

Os efeitos de uma ação contra o meio ambiente não são imediatamente


aparentes. A avaliação das conseqüências nocivas de determinada ação
depende, necessariamente, do estágio do conhecimento científico no momento
da sua prática, o que denota a necessidade do constante diálogo entre o Direito e
outras ciências. Com o passar do tempo e na medida em que o conhecimento
científico evolui, conseqüências nocivas de contaminações ocorridas no passado
podem ser verificadas. Por conta disso, os critérios jurídicos para reparação do
dano devem ser reformulados, agora à luz dos princípios da precaução e da
prevenção.
A ruptura com o requisito da atualidade do dano faz parte da preocupação
com o futuro e da percepção da existência de riscos invisíveis, caracterizados
pela imprevisibilidade das suas conseqüências, típicos da sociedade de risco.
Tais riscos, mesmo separados dos seus efeitos nocivos pelo seu conteúdo,
espaço e tempo, agora são unidos por um liame causal que não era perceptível a
priori. Sob influência do princípio da precaução, o reconhecimento do dano
futuro também traz à tona a discussão acerca da responsabilização sem dano,
onde se busca a supressão do fator de risco existente, ao invés da indenização.88
Danos futuros são os danos certos, mas ainda não concretizados quando
da observação do local impactado. Reconhecer o dano futuro é perceber que o

Dias; PLATIAU, Ana Flavia Barros. (Orgs.). Princípio da Precaução. Belo Horizonte: Del Rey,
2004, p. 164.
88
Ibid., p. 143.

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dano ambiental possui caráter dinâmico, cujos efeitos se dilatam a longo prazo.
Tais danos – também denominados “consecutivos” ou “evolutivos” – devem ser
aferidos a partir de um juízo de probabilidade científica sobre sua ocorrência,
embora seja necessário, às vezes, recorrer à presunção de ocorrência de
determinado dano enquanto desdobramento normal de determinada situação. A
título exemplificativo: um foco de poluição gerada pela infiltração de um aterro
sanitário será muito mais grave no futuro, quando o lençol freático localizado a
quilômetros de distância do foco inicial estiver contaminado. Embora os efeitos
do dano ambiental se manifestem em tempo futuro e incerto, este não pode ser
excluído do ressarcimento.89
Também deve ser considerada a possibilidade de reparação dos danos
potenciais. Reconhecer tal possibilidade significa afastar o dogma da segurança
jurídica e passar à aplicação dos princípios da precaução e da prevenção. Os
danos potenciais não se limitarão aos efeitos já conhecidos dos danos futuros,
abrangendo os efeitos meramente prováveis a partir do conhecimento científico
disponível à época. O mecanismo de responsabilidade, em tais casos,
materializa-se na adoção de medidas preventivas que obriguem a interrupção da
atividade poluidora e a retirada, na medida do possível, das substâncias
contaminantes.90

4.2.3) Dimensão participativa do Direito Ambiental: leigos e peritos

As incertezas científicas – ou as certezas contraditórias resultantes da


pluralidade de racionalidades envolvidas nos debates acerca dos riscos – têm
como conseqüência a constante contraposição entre os que são responsáveis
pelas decisões acerca dos riscos e os que têm que enfrentar as conseqüências
deles advindas. Os conflitos de risco, caracterizados pela percepção
diferenciada dos riscos entre os leigos e os peritos, põem em xeque a
confiabilidade das instituições ortodoxas de proteção ambiental, ainda presas à
racionalidade técnica da ciência. Vale relembrar que a definição do “risco
aceitável” está intrinsecamente ligada a padrões culturais, não apenas a
definições técnicas que indiquem o que uma sociedade pode suportar.

89
Ibid., p. 144.
90
Ibid., p. 147.

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O padrão cultural relativo à qualidade de vida, segurança e ao bem-estar


social é determinante para a escolha acerca de que riscos determinada
comunidade aceita suportar. A partir da lição dos construtivistas, pode-se
verificar que a aceitação dos riscos deve ser analisada de maneira
interdisciplinar entre o conhecimento técnico e as normas culturais que definem
critérios para a manutenção dos valores de determinada comunidade. Contudo,
o processo de tomada de decisões e a definição dos critérios nas questões de
risco têm-se baseado, tradicionalmente, nas informações técnicas disponíveis,
sem levar em conta o próprio caráter político das informações produzidas
cientificamente.91
Por conta da dimensão das ameaças ecológicas e da insuficiência do
conhecimento científico para geri-las, os argumentos técnicos não podem
possuir primazia imediata sobre os argumentos dos leigos. Em que pese a
importância das informações técnicas disponíveis, os novos contornos dos
riscos, permeados por dúvidas e incertezas acerca de sua existência, trazem
consigo a necessidade de que a deliberação e a tomada de decisão sejam
realizadas por meio de processos democráticos mais inclusivos e participativos.
A legislação pátria tem garantido a participação da sociedade civil nas
decisões concernentes aos direitos do ambiente. O Conselho Nacional do Meio
Ambiente, CONAMA, ao estabelecer regras para o licenciamento ambiental,
condicionou a legitimidade da decisão acerca da viabilidade de
empreendimentos de risco à participação da sociedade civil. O art. 2º da
Resolução nº 09/1987 determina que, sempre que for solicitado por entidade
civil, pelo Ministério Público, ou por cinqüenta ou mais cidadãos, o órgão
licenciador poderá realizar audiência pública. Tal medida tem como objetivo
informar a população acerca do projeto e de seus impactos, bem como colocar
em pauta a discussão do Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto
Ambiental.
Também é assegurada à sociedade civil, por meio de qualquer cidadão, a
legitimidade para promover ação popular ambiental, cujo objetivo é anular ou

91
LIMA, Maíra Luísa Milani de. O conflito entre leigos e peritos na gestão de riscos: o caso do
licenciamento ambiental da usina hidrelétrica de Barra Grande. In: VARELLA, Marcelo Dias.
(Org.). Direito, Sociedade e Riscos: a sociedade contemporânea vista a partir da idéia de risco.
Rede Latino-Americana e Européia sobre Governo dos Riscos. Brasília: UniCEUB, UNITAR,
2006, p. 394.

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impedir atos lesivos ao ambiente, conforme consta do art. 1º da Lei nº 4.717/65


e do art. 5º, inciso LXXIII da Constituição Federal. A Lei da Ação Civil
Pública, por sua vez, incluiu no rol dos legitimados para propor a ação principal
e a cautelar (inciso V do artigo 5º da Lei nº 7.347/85) associação que esteja
constituída há pelo menos um ano e que inclua, dentre as suas finalidades, a
proteção ao meio ambiente.
Tais previsões legais representam, pelo menos em tese, instrumentos de
fortalecimento e ampliação da dimensão participativa deste novo Direito do
Ambiente que surge no contexto da sociedade global do risco. Entretanto, uma
análise crítica da práxis pode levar à constatação de que tal participação se dá,
invariavelmente, de maneira simbólica, restando aos peritos e às suas ciências a
tomada de decisão. A selva institucional é organizada de maneira a obstar
quaisquer pretensões da sociedade civil em evitar que uma atividade
potencialmente causadora de degradação ambiental seja permitida.
Para Ulrich Beck, quando um risco é conhecido, a opinião pública
manifesta-se acerca de suas conseqüências para a saúde humana e para o meio
ambiente, assim como os seus efeitos sociais, econômicos e políticos,
transformando a gestão dos riscos em um problema público. A publicização da
gestão dos riscos, por sua vez, demanda um diálogo entre sociedade civil,
Estado e mercado sobre suas conseqüências. Tal diálogo pressupõe
transparência e democratização das decisões do Poder Público relativas às
atividades de risco, o que pode levar a diversas formas de mobilização social
que vão de encontro aos interesses políticos e econômicos.92
A partir da análise do caso do licenciamento ambiental da Usina
Hidrelétrica de Barra Grande, Maíra Luísa Milani de Lima concluiu que a
participação da sociedade civil no processo de gestão dos riscos delineia um
mecanismo institucional que impede esta explosividade social dos riscos, já que
é passada à sociedade a sensação de tranqüilidade, isto é, uma falsa segurança
com relação aos cuidados com os recursos naturais. Assim, mesmo que a
legislação ambiental tenha incorporado a sociedade civil em seus instrumentos
de gestão dos riscos, a prática não permite uma real discussão sobre os riscos,

92
BECK, 1998, op. cit., p. 30.

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principalmente por conta da primazia dos argumentos técnicos sobre os anseios


de determinada comunidade.93
Em que pese a relativa adequação dos instrumentos ora instituídos para a
salvaguarda dos novos direitos ambientais, é possível verificar, quando trazidos
à tona os potenciais riscos da nanotecnologia, a sua obsolescência. Far-se-á a
análise deste fenômeno a partir dos seguintes questionamentos: como pensar a
aplicação do princípio da precaução no contexto das incertezas científicas
relativas à nanotecnologia? Como garantir a responsabilização por danos
futuros ou potenciais resultantes da utilização de nanomateriais? E quanto à
dimensão participativa do Direito Ambiental contemporâneo?

4.3) A invisibilidade da nanotecnologia para o discurso jurídico

Segundo Ulrich Beck, a construção social dos riscos está ligada


diretamente à criação de respostas institucionais para os perigos. Mesmo diante
da desmistificação da racionalidade técnica, o conhecimento científico ainda
possui um papel determinante no processo de construção social dos riscos. O
monopólio do juízo científico sobre a verdade obriga os afetados a fazerem uso
dos seus meios e métodos de análise para a consecução de seus objetivos no que
tange, principalmente, à gestão dos riscos. A nanotecnologia já é considerada,
para alguns cientistas, como uma atividade potencialmente causadora de danos
ambientais e à saúde humana. Entretanto, a ausência de respostas institucionais
para seus potenciais riscos faz com que ela permaneça invisível aos
instrumentos de proteção.
Atualmente, a nanotecnologia carece de regulamentação específica. Não
há nenhuma legislação federal que verse sobre a matéria, restando arquivada a
única tentativa nesse sentido, referente ao Projeto de Lei nº. 5.076/2005, de
autoria do Deputado Edson Duarte (PV-BA). Os regulamentos do Ministério da
Ciência e Tecnologia contemplam, tão somente, questões relativas ao
desenvolvimento econômico e tecnológico, omitindo-se nas questões relativas
aos riscos. Também não há precedentes jurisprudenciais e o debate acadêmico
ainda é incipiente.

93
LIMA, 2006, op. cit., p. 404-405.

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4.3.1) Considerações acerca do Projeto de Lei nº 5.076/2005

O Projeto de Lei nº 5.076/2005 dispunha sobre a pesquisa e o uso da


nanotecnologia no Brasil. Em seu artigo 3º, previa a implementação da Política
Nacional de Nanotecnologia pelo Poder Executivo, em resposta à necessidade
de prevenção de danos e monitoramento de riscos, utilizando instrumentos
como a autorização para a produção e comercialização dos produtos da
nanotecnologia, a realização de estudos de impacto ambiental para a liberação
de nanoprodutos no meio ambiente e a realização de estudos de segurança
alimentar, cosmética e fitossanitária, farmacêutica de nanoprocessos e
nanoprodutos de uma forma geral.
Dentre as propostas constantes do Projeto de Lei nº 5.076/2005, em seu
art. 6º constava a criação da Comissão Técnica Nacional de Nanossegurança
(CTNano), cuja competência seria a de

prestar apoio técnico e de assessoramento ao Governo Federal na formulação,


atualização e implementação da Política Nacional de Nanossegurança, bem como
no estabelecimento de normas técnicas de segurança e elaboração de pareceres
técnicos referentes à proteção da saúde humana, dos animais e das plantas e do
meio ambiente, para atividades que envolvam a pesquisa, produção, processos,
comercialização, importação, exportação, armazenamento, pesquisa, consumo,
liberação e descarte de produtos da nanotecnologia e seus derivados.94

O Projeto de Lei também contemplou, de maneira considerável, a


transparência na informação acerca dos potenciais danos ambientais advindos
da utilização dos nanomateriais, incluindo, entre os beneficiados, o Poder
Público e a coletividade. O seu art. 13 declarava a obrigatoriedade da prestação
de informações e do envio de relatórios ao Poder Público, especificamente à
CTNano, acerca de quaisquer acidentes ocorridos no curso de projetos na área
de nanotecnologia. Também seriam informadas as autoridades da saúde pública,
do meio ambiente, da defesa civil, à coletividade e empregados da instituição ou

94
BRASIL. Projeto de Lei n° 5.076 de 2005. Dispõe sobre a pesquisa e o uso da nanotecnologia
no País, cria Comissão Técnica Nacional de Nanossegurança - CTNano, institui Fundo de
Desenvolvimento de Nanotecnologia - FDNano, e dá outras providências. Diário da Câmara dos
Deputados, Brasília, DF, 29 de novembro de 2008. Página 54893, coluna 02. Disponível em:
http://www.camara.gov.br/sileg/Prop_Detalhe.asp?id=282392. Acesso em: 18/05/2009.

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empresa sobre os riscos a que possam estar submetidos, bem como os


procedimentos a serem tomados no caso de acidentes com nanotecnologia.
Ainda relativa à dimensão informativa do Projeto de Lei, o seu art. 14 tratava da
necessidade de que todos os produtos que fossem nanotecnológicos (ou que
contivessem matéria-prima nanotecnológica ou fossem obtidos a partir de
processos nanotecnológicos) deveriam ser comercializados, embalados e
vendidos com especificação no rótulo que contenha o símbolo “nanotecnologia”
em destaque, em conjunto com as seguintes frases: "(produto) da
nanotecnologia", "contém (matéria-prima) nanotecnológica", ou ainda
“submetido a processo nanotecnológico”.
Dentre os avanços que poderiam ser introduzidos pelo Projeto de Lei nº
5.076/2005, a obrigatoriedade de informar aumentaria de maneira significativa a
possibilidade de se introduzir a nanotecnologia na agenda de debates públicos.
Na medida em que a sociedade fosse informada sobre a presença de
nanomateriais nos produtos, medicamentos ou alimentos que consome, os
debates acerca dos motivos pelos quais aquela informação ali se encontra
seriam inevitáveis.
No ano de 2008, por ocasião da análise pela Comissão de Ciência e
Tecnologia, Comunicação e Informática da Câmara dos Deputados, o Projeto de
Lei nº 5.076/2005 recebeu parecer favorável ao seu arquivamento, cuja
aprovação se deu por unanimidade. De acordo com o voto da relatora, Deputada
Luiza Erundina (PSB-SP), nova legislação seria desnecessária, pois todas as
questões apresentadas pelo Projeto de Lei já foram contempladas por
legislações anteriores. A relatora cita, dentre outras, a Lei de Biossegurança (Lei
nº 11.105/2005), que presta assessoramento técnico necessário à implementação
da Política Nacional de Biotecnologia e, dentre outras funções, analisa
tecnicamente os projetos que envolvam materiais ou organismos modificados
geneticamente, os OGM, e outros deles derivados.
A relatoria incorreu em erro na medida em que desconsiderou a
especificidade das questões relativas à nanotecnologia e aos nanomateriais. Por
uma rápida análise do art. 1º da Lei de Biossegurança (Lei nº 11.105/2005),
pode-se verificar que as nanotecnologias não se enquadram em seu objeto, que é

estabelecer normas de segurança e mecanismos de fiscalização sobre a construção,


o cultivo, a produção, a manipulação, o transporte, a transferência, a importação, o
armazenamento, a pesquisa, a comercialização, o consumo, a liberação no meio

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ambiente e o descarte de organismos geneticamente modificados – OGM e seus


derivados, tendo como diretrizes o estímulo ao avanço científico na área de
biossegurança e biotecnologia (...).95

Como conseqüência direta disso, há o descompasso entre toda a estrutura


legislativa relativa à biossegurança e as nanotecnologias. A começar, por
exemplo, pela eventual incapacidade técnica da Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança (CTN-Bio) para estabelecer normas de segurança e elaborar
pareceres técnicos referentes aos riscos das atividades que envolvem a
nanotecnologia e seus derivados.
O arquivamento de um Projeto de Lei que contempla questões ambientais
específicas e ao mesmo tempo de grande alcance, como a nanotecnologia,
significa, em último caso, regressão aos instrumentos ortodoxos de proteção
ambiental. Assim, a nanotecnologia retorna ao estado de invisibilidade para o
ordenamento jurídico, na medida em que não há sua institucionalização,
permanecendo à mercê de instrumentos insuficientes diante da realidade criada
pelas tecnologias da sociedade de risco.

4.3.2) A nanotecnologia à margem do Direito Ambiental

Estes fatores demonstram o desafio imposto ao Direito quando da


necessidade de concretização de instrumentos de proteção em face de ameaças
que sequer por ele foram reconhecidas. Num retorno à perspectiva construtivista
proposta por Beck: se o reconhecimento dos riscos corresponde à
institucionalização dos perigos e oferecimento de respostas para estes, isto
significaria dizer, diante da inexistência destas, que os riscos não são
reconhecidos pelo Direito como tais, a despeito de oferecerem ameaças à
sociedade.

95
BRASIL. Lei 11.105 de 24 de março de 2005. Regulamenta os incisos II, IV e V do §1º do art.
225 da Constituição Federal, estabelece normas de segurança e mecanismos de fiscalização de
atividades que envolvam organismos geneticamente modificados – OGM e seus derivados, cria o
Conselho Nacional de Biossegurança – CNBS, reestrutura a Comissão Técnica Nacional de
Biossegurança – CTN-Bio, dispõe sobre a Política Nacional de Biossegurança – PNB e revoga a
Lei 8.974, de 5 de janeiro de 1995, e a Medida Provisória 2.191-9, de 23 de agosto de 2001, e os
arts. 5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10 e 16 da Lei 10.814, de 15 de dezembro de 2003 e dá outras providências.
Diário Oficial da União, Brasília, 28 de março de 2005.

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Esta invisibilidade dos riscos gerada a partir das suas qualidades


diferenciadas e, sobretudo, a partir do seu não reconhecimento pela sociedade e
pelos instrumentos de proteção, faz com que haja um retorno à insegurança, à
era das ameaças desconhecidas, criando um novo “reino das sombras”. Para
Ulrich Beck, estar à mercê de riscos desconhecidos é comparável aos deuses e
demônios da antiguidade, que se escondiam por detrás do mundo visível, pondo
em perigo a vida humana.96
Os riscos da segunda modernidade, quando reconhecidos como tais,
impõem ao Direito a necessidade de apresentar respostas em contextos de
incerteza. A nanotecnologia, por outro lado, faz transparecer a já obsolescência
dos instrumentos de que lança mão o Direito quando da tentativa de oferecer
respostas à segunda modernidade e seus desdobramentos. Não só pela simples
existência dos riscos desconhecidos, mas principalmente pela possibilidade de
sua institucionalização tardia e irreversibilidade de suas conseqüências. Em se
tratando da nanotecnologia, sua vasta gama de aplicações e a sua penetração nos
mais diversos setores da produção e do consumo impossibilitam qualquer
tentativa no sentido de retirar de circulação os nanomateriais ou responsabilizar
quem os introduziu sem os devidos cuidados.
O princípio da precaução, como ora exposto, tem na sua essência a
adoção de medidas preventivas em contextos de incerteza. A partir do momento
em que o ordenamento jurídico adota uma postura permissiva, isto é, admitindo
a inserção de nanomateriais de forma não refletida na sociedade, resta flagrante
a inobservância do referido princípio. É importante a lição de De Giorgi no
sentido de que os princípios consistem em premissas que adquirirão realidade
somente quando da sua aplicação, isto é, através da sua construção na práxis
decisória.97 Enquanto existirem riscos que passam ao largo do debate jurídico,
tais princípios consistirão, somente, em premissas.
Atualmente, no Brasil, é difícil associar a nanotecnologia à idéia de
cidadania. Não é permitido ao cidadão participar da vida política por conta do
seu desconhecimento acerca do assunto. O debate público se faz necessário na
medida em que deve ser garantido à sociedade o direito de exigir avaliações

96
BECK, 1998, op. cit., p. 81.
97
GIORGI, Raffaele de. Direito, Democracia e Risco: vínculos com o futuro. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 1998, p. 158.

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sobre segurança alimentar, saúde e impactos ambientais relacionados à


nanotecnologia. 98 Ao consumidor deve ser assegurado o direito de escolha,
principalmente quando o produto consumido pode gerar riscos à sua saúde. No
nível do indivíduo, um componente fundamental no seu dia-a-dia é o da
escolha. Entretanto, lembra Giddens, não só são seguidos estilos de vida como
em determinado momento os indivíduos são obrigados a fazê-lo. Não há escolha
senão escolher.99
O Direito continua atuando com instrumentos, teorias e matizes
epistemológicos ortodoxos que não são condizentes com o novo modelo de
Estado Ambiental e da sociedade de risco. Isto tem como conseqüência, além da
dificuldade de tomada de decisão em se tratando de novos riscos, a não
institucionalização de outros. Diante das incertezas que emanam da sociedade
contemporânea, o Direito deve estar pronto para oferecer respostas em
contextos de grande instabilidade, bem como institucionalizar determinados
riscos de maneira eficiente. Esta ameaça trazida pela nanotecnologia aos pilares
da lógica e racionalidade sobre os quais repousa o Direito denota a necessidade
de elaboração de um novo paradigma que venha a controlar a modernidade de
riscos e assegurar uma nova segurança social e jurídica.

5) Considerações finais

Na sociedade global do risco, a radicalização da modernização faz com


que a ciência se torne concausa dos riscos de graves conseqüências. A ciência,
que outrora era tida como instância de legitimação do saber, adentra ao campo
da incerteza, pondo em xeque todo o sistema institucionalizado de cálculo de
efeitos colaterais e riscos. Estes riscos, advindos das incertezas produzidas pela
própria ciência, apresentam novas características que fogem à percepção
sensorial e à delimitação espacial ou temporal.

98
NUNES, D. M.; GUIVANT, Julia S.. Nanofood: crer sem ver. In: Anais do IV Encontro da
Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade. Brasília-DF:
Anppas, 2008, p. 10.
99
GIDDENS, Anthony. Modernidade e Identidade. Trad. Raul Fiker. 2. ed. São Paulo: Editora
da Universidade Estadual Paulista, 1997, p. 79.

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A nanotecnologia, enquanto uma das tecnologias representativas do novo


paradigma técnico-econômico inaugurado pela sociedade de risco, tem
permitido uma especificação e diferenciação produtivas até então impensadas.
Nanomateriais estão presentes em alimentos, cosméticos, eletrônicos e
medicamentos, não sendo possível delimitar, com exatidão, em que proporções
estes já estão presentes na vida dos seres humanos. Em que pese a sua grande
inserção na linha de produção e consumo, a nanotecnologia ainda não possui
um papel significativo na agenda de debates públicos acerca dos seus riscos à
saúde humana ou ao meio ambiente.
As incertezas manufaturadas levam todo o aparato institucional
produzido na primeira modernidade a um quadro de severo atordoamento.
Todos os instrumentos de controle e proteção dos riscos, outrora construídos
sobre as bases das certezas científicas e apegados à racionalidade técnica, agora
estão às voltas com riscos cuja própria existência é incerta, mas cujas
conseqüências são extremamente danosas. Como resultado disso, estudos
científicos passam a conduzir seus resultados em consonância com os interesses
econômicos e o Estado, por sua vez, institucionaliza tais estudos, gerando um
quadro de irresponsabilidade organizada.
Coube ao Direito Ambiental, assim, uma reformulação dos seus
instrumentos de proteção. Agora, tais instrumentos voltam-se às novas
configurações do direito ao ambiente, permeado pelos valores ecossistêmicos e
de solidariedade intergeracional, e principalmente contemplando os elementos
da incerteza e do risco. O princípio da precaução determina que as incertezas
científicas não devem postergar a adoção de medidas preventivas pelos Estados.
Enquanto desdobramentos do referido princípio, novos delineamentos foram
dados aos institutos da responsabilização civil por dano ambiental e ao tempo
do dano ambiental. Agora, também são considerados, para efeitos de
responsabilização, os danos futuros e potenciais.
Tais mudanças denotam a tentativa do Direito Ambiental em se adaptar
aos novos desafios impostos pela sociedade global do risco. Entretanto, estas
medidas possuem pouca ou nenhuma efetividade enquanto existirem riscos,
como a nanotecnologia, que sequer são reconhecidos como tais. A
nanotecnologia, atualmente, não é regulamentada por nenhuma lei federal. Os
regulamentos do Ministério da Ciência e Tecnologia a ela concernentes dizem
respeito, somente, a questões relativas aos aspectos econômicos e tecnológicos.

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O Projeto de Lei nº. 5.076/2005 pode ser citado como uma tentativa de
institucionalizar e trazer a nanotecnologia para o debate público. Este projeto
contemplava a implementação de uma Política Nacional de Nanotecnologia em
resposta à necessidade de prevenção dos danos e de resposta aos riscos da
nanotecnologia. Instrumentos como a autorização para comercialização e
estudos de impacto ambiental relativos aos derivados de nanomateriais também
foram contemplados pelo projeto legislativo. A dimensão participativa do
Direito Ambiental também fora observada na medida em que o projeto também
estabelecia a obrigatoriedade de constar, nos rótulos, informações acerca da
presença de nanomateriais nos produtos. Entretanto, tal Projeto de Lei, ao ser
arquivado, fez com que a nanotecnologia permanecesse invisível para o debate
jurídico. Vale ressaltar, contudo, que a instituição de um marco regulatório para
a nanotecnologia representaria somente uma das etapas do processo de
construção social do risco.
A invisibilidade dos riscos gerada por suas qualidades diferenciadas e,
principalmente, em face de seu não reconhecimento pela sociedade e pelos
instrumentos de proteção, gera o retorno à insegurança da era das ameaças
desconhecidas. A permanência da nanotecnologia à margem do debate jurídico
significa ficar à mercê dos mesmos instrumentos de proteção ambiental que, a
priori, não ofereceram respostas céleres o bastante para as questões relativas à
nanotecnologia. O princípio da precaução, que tem sua razão de ser fundada no
agir preventivo, não fora observado. A responsabilização por danos futuros ou
potenciais de todos os responsáveis pela difusão de nanomateriais é improvável,
diante da grande diversidade de aplicações envolvidas. Retirar de circulação
todos os produtos que utilizam nanomateriais também é, de certa forma,
inviável.
Desta forma, a nanotecnologia faz transparecer a obsolecência dos
instrumentos de proteção ambiental. Não somente no que diz respeito à
necessidade de apresentar respostas em contextos de incerteza, mas também
quando se trata da necessidade de institucionalizar e inserir na agenda de
debates públicos questões relativas aos riscos ambientais. Atualmente, não é
permitido ao cidadão participar da vida política por conta do seu
desconhecimento acerca do assunto. Os indivíduos têm o seu direito de escolha
cerceado diante da omissão estatal.
O Direito Ambiental contemporâneo continua agrilhoado aos
instrumentos, teorias e matizes epistemológicos que não são condizentes com os
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novos delineamentos da sociedade que emerge da segunda modernidade. A


permanência nanotecnologia à margem do Direito, por sua vez, ameaça os
pilares epistemológicos da lógica e racionalidade sobre os quais este foi
construído. Faz-se necessária, assim, uma reformulação dos seus paradigmas,
com vistas a assegurar uma nova segurança jurídica e social.

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