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Introdução

Fornecer às crianças um contexto real pode ajudá-las a conferir significados às suas


aprendizagens, transferindo-as e integrando-as. Um contexto que pode ser extremamente
encorajador para as crianças (sobretudo para as mais pequenas) é a Natureza. Estas
adoram explorá-la. No entanto as actividades ligadas à Natureza associam-se quase
exclusivamente às Ciências Naturais. Mas a Matemática ocorre naturalmente na Natureza e
muitas coisas nesta podem ser usadas para aprender Matemática e, simultaneamente,
também ciência: as folhas podem ser classificadas; as cores dos insectos podem
evidenciar um padrão, as árvores podem ser medidas, as pétalas podem ser contadas e
comparadas com as de outras flores... As crianças podem utilizar objectos encontrados na
Natureza para construir e compreender, ao mesmo tempo, conceitos matemáticos e
científicos.

De facto, na educação pré-escolar, a Matemática e a ciência são fundamentais para


aprender; e para as crianças nesta idade, estas disciplinas são como uma só. Esta
combinação ajuda a criança a descrever o mundo; a resolver problemas; a
compreender e relacionar informações. Separar a Matemática da ciência é ir contra o
processo natural de pensamento das crianças. É importante desenvolver desde cedo uma
visão da Matemática enquanto elemento integral das Ciências Naturais.

Ao usar a Natureza como um instrumento de aprendizagem, os processos de exploração, de


compreensão das crianças são facilitados, pois esta fornece um conjunto de materiais
concretos que se podem encontrar por todo o lado. Estes objectos ajudam a criança a
explorar e compreender os conceitos matemáticos que lhes pretendemos transmitir.

As actividades que se seguem demonstram como as actividades ao ar-livre podem ser


usadas para consolidar as aprendizagens Matemáticas, em crianças dos 3 aos 5 anos.
Nestas propostas, as crianças investigam conteúdos como a construção/exploração de
padrões, as relações espaciais, a geometria, a construção do número, a contagem ou a
recolha de dados, que poderão levar à construção de tabelas e gráficos.

Seleccionamos este tema e estas actividades, entre tantas possíveis, porque consideramos
essencial estabelecer pontes entre os conceitos mais abstractos e a realidade, de modo a
que, desde cedo, as crianças possam encarar a Matemática como um mundo de
descobertas, aliciante e repleto de significado.1

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As actividades foram seleccionadas e adoptadas do livro Mathematic in the Earlier Years (1999).

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Proposta de Actividades

1ª Actividade: «Vamos Descobrir formas no


jardim»
• INTRODUÇÃO: A classificação é uma característica importante da resolução de problemas e
é um elemento essencial nas experiências pré-numéricas. As crianças pequenas podem
aprender a classificar uma variedade de objectos na Natureza, por exemplo, em relação: à
forma, cor, textura.
• OBJECTIVO PRINCIPAL: identificação, reconhecimento e procura de formas diferentes no
contexto real.
• MATERIAL: três diferentes tipos de massa alimentícia, materiais para pintar, desenhar, colar
e cortar.
• Para crianças entre os de 3 e os 4 anos de idade.
• MODO DE DESENVOLVER A ACTIVIDADE: Esta actividade pode começar com um diálogo deste tipo:
EDUCADORA: Eu tenho três tipos de massa CRIANÇA 1: Com o direito porque é o mais
diferentes: direito, curvo e um tipo especial fácil.
chamado espiral. A nossa tarefa é encontrar EDUCADORA: Porque pensas que é o mais
alguma coisa, no jardim da nossa escola, fácil?
que se pareça com cada um destes tipos de CRIANÇA 1: Porque eu consigo ver coisas
massa! Com qual é que querem começar? direitas em todo o lado.

É importante verificar nesta fase se as crianças conseguem identificar rapidamente linhas


direitas, se são capazes de diferenciar linhas curvas, e se são capazes de decidir qual é o
tipo de linha que é mais fácil ver no jardim. A actividade procede com a educadora e as
crianças a organizar uma tabela, com as categorias de objectos que conseguiram
encontrar, colocando os objectos directamente no cartão. É importante que se anote onde
foram encontrados os objectos. Deste modo está-se também a trabalhar alguns conceitos
topológicos (ex: dentro/fora de), as relações espaciais (ex: em baixo, por cima, atrás). A
partir dos dados da tabela, poderia realizar-se um pictograma ou um gráfico de
superfície, por exemplo.

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Erva dentro do canteiro Flor junto ao prédio Ramo da árvore

Topo do poste da luz Joaninha no chão

Pauzinho de gelado perto do


caixote

Tabela1 – Objectos de diferente forma com a localização onde foram encontrados no


jardim

Objecto em forma de
linha
Objecto em forma de
curva
Nota: Cada quadradinho
Objecto em forma de
representa um objecto com
uma forma característicaespiral
e
que está associada a uma cor
diferente

Figura 1 – Exemplo de um gráfico rectangular de superfície organizado com os dados da


tabela1

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Figura 2 – Exemplo de um pictograma organizado com os dados da tabela1

(A conversa continua:)
EDUCADORA: Porque pensam que é importante CRIANÇA 2: Nós podemos ir lá ao sítio e ver se
escrever o sítio onde as coisas foram há mais coisas como estas que encontramos
encontradas? mas que não as vimos logo.
CRIANÇA 2: Porque podemos querer encontrá- EDUCADORA: Já alguma vez foste procurar uma
las de novo. coisa e aconteceu que não a visses?
EDUCADORA: E como é que isso ajuda a CRIANÇA 2: Sim! Quando eu perco alguma
encontrá-las de novo? coisa, a minha mãe diz para eu procurar
debaixo da cama mas eu não consigo
porque está muito escuro!

Neste cenário da Natureza, a educadora começa a compreender como as crianças


concebem as relações espaciais, como as percepcionam e as expressam através do
vocabulário relacional.
As crianças começam a perceber que há uma ligação entre os conceitos abstractos e os
concretos procurando, elas mesmas, exemplos de formas no jardim, e descrevendo, pelas
suas próprias palavras, onde as encontraram.

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2ª Actividade: “O saco misterioso”

• INTRODUÇÃO: A Natureza fornece muitas oportunidades para as crianças desenvolverem o


sentido do número, para examinar as relações entre os números, para fazer
estimativas, bem como a possibilidade para contarem objectos em situações reais no
mundo natural.
• OBJECTIVO PRINCIPAL: Desenvolvimento do sentido do número.
• MATERIAL: Sacos de pano; conchas de diferentes tipos; folhas diferentes de formas; tipos
diferentes de frutos (uma vagem de feijão verde; uma bolota; uma pinha de pinheiro manso
(Pinus pinea); uma vagem de amendoim fechada).
• Para crianças de 4 anos de idade
• MODO DE DESENVOLVER A ACTIVIDADE: A educadora enche o saco com um número de objectos,
variável entre zéro e dez, sendo que todos eles tem qualquer coisa em comum. Por
exemplo, um saco tem 6 conchas de diferentes tipos; outro saco tem 5 folhas de diferentes
formas, e outro saco tem 4 tipos diferentes de frutos (vagem, bolota, pinha e amendoim). A
educadora diz às crianças o que está no saco, mostrando um objecto durante alguns
segundos e depois pergunta: - Querem tentar adivinhar quantos objectos há neste saco?
Depois de dar às crianças hipóteses para estimar, a educador mostra os objectos à criança
e contam-nos em conjunto. As conchas e as folhas são fáceis de contar, mas as sementes
dentro dos frutos são mais difíceis de contar. Pode desenvolver-se, então, um diálogo deste
tipo com as crianças:

EDUCADORA: Quantos pinhões pensam que há EDUCADORA: Poderá ser um ou cem, mas
nesta pinha? provavelmente será um número entre um
CRIANÇA 1: Um. e cem. Alguém sabe um número entre um
CRIANÇA 2: Cem. e cem?

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CRIANÇA 3:Quinze (demonstra como se podem tirar as
EDUCADORA: Pensas que pode haver quinze escamas da pinha).
pinhões nesta pinha? EDUCADORA: Boa ideia! Como sabes que os
CRIANÇA 3: Sim. esquilos conseguem tirar assim os
EDUCADORA: Como pensam que poderíamos pinhões?
descobrir? CRIANÇA 4: Porque me disseste no outro
CRIANÇA 4: Poderíamos fingir que éramos um dia.
esquilo e podíamos tirar estas partes da pinha

Esta actividade inclui várias possibilidades matemáticas com interesse para as crianças. As
crianças podem experimentar fazer estimativas e contagens, começando assim a
experimentar, com moderação e raciocínio, acerca da quantidade do número (sentido
cardinal do número). Esta actividade integra também a Matemática e as Ciências Naturais,
evidenciando que a transferência entre estas pode ocorrer se os trilhos adequados forem
traçados.
A educadora pode prosseguir depois a actividade, mas desta vez o “saco misterioso” está
vazio:

EDUCADORA: Quantas coisas pensam que há neste saco? (a educadora pega no saco mas não
revela nada acerca do seu conteúdo)
CRIANÇA 1: Cinco
CRIANÇA 2: Dez
CRIANÇA 3: Cem
CRIANÇA 4: Um milhão (note-se que as crianças não perguntam nada acerca do conteúdo;
simplesmente começam a dizer números).
EDUCADORA: O que acham se eu abanar o saco? Agora quantos objectos pensam que há no
saco?
CRIANÇAS: Vinte, duzentos, quinze...
CRIANÇA 4: Não há nada no saco!
EDUCADORA: Correcto! Diz-se que há zéro objectos no saco.

Esta actividade é uma maneira simples e divertida de introduzir o conceito de zéro. As


crianças podem descobrir outros exemplos de zéro: uma vagem vazia, uma concha sem
nada (com zéro animais dentro dela), ou uma pinha sem pinhões, que tenha sido ruída por
um esquilo. A educadora deve estar atenta a estes momentos em que a criança descobre o
zéro e prôpor questões que encorajam a criança a raciocinar: - Porque pensam que a
concha está vazia? Porque não vive lá ninguém? Porque pensam que a pinha não tem mais

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pinhões? Porque estará a vagem vazia? Mais uma vez o uso adequado de questões pode
ajudar a integração natural entre a Matemática e as Ciências Naturais.

3ªActividade: “Os padrões que vi no jardim”

• INTRODUÇÃO: Os padrões existem em todo o lado. A Matemática e as Ciências Naturais


procuram padrões para resolverem os seus problemas. As crianças pequenas podem
começar a procurar padrões na Natureza, através do seu reconhecimento, descrição e
extensão (recriação).
• MATERIAL: cubos de encaixe de várias cores
• OBJECTIVO PRINCIPAL: Construção e reconhecimento de padrões.
• Para crianças de 5 anos de idade
• MODO DE DESENVOLVER a ACTIVIDADE: Nesta actividade, a educadora, antes de ir para o jardim,
vai pedir as crianças que criem um padrão com os cubos de encaixe, e que depois, cada
criança vai tentar encontrar o seu padrão no jardim. Um diálogo deste tipo pode depois
ocorrer:
CRIANÇA 1: Encontrei um insecto com o meu padrão!
EDUCADORA: Como sabes que é o mesmo que o teu?
CRIANÇA 1: Olha! (aponta para o insecto) – preto, amarelo, preto, amarelo (e segurando os
seus cubos) – preto, amarelo, preto, amarelo.
EDUCADORA: Há alguma coisa diferente no teu padrão em relação ao do insecto?
CRIANÇA 1: O meu padrão é maior que o dele.
EDUCADORA: Porque será tão pequeno?
CRIANÇA 1: Porque se fosse maior partia as flores.
EDUCADORA: Porque achas que tem esse padrão?
CRIANÇA 1: Porque precisa de crescer.
(Outra criança tem um padrão preto-laranja-preto-laranja):
CRIANÇA 2: Vou procurar uma borboleta monarca (diz antes de ir para o jardim).
EDUCADORA: Porquê?
CRIANÇA 2: Porque nós temos uma no jardim da nossa casa e eu sei que tem este padrão.

Este exercício simples mostra como uma actividade sobre construção/exploração de


padrões se pode tornar extremamente aliciante para as crianças, quando se faz a
transferência, para a Natureza, das construções que fizeram no contexto da sala. Os seus
padrões ganham vida e significados.

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• Objectivos e Conteúdos explorados no Domínio da Matemática

«O educador deve propor experiências diversificadas e apoiar a reflexão das crianças,


colocando questões que lhe permitam ir construindo noções Matemáticas» (OCEPE, pág.75)

1ªActividade: Construção do número: Classificação; formação de conjuntos;


equivalência de conjuntos com o mesmo cardinal; Correspondência um a um.
Construção e interpretação de gráficos: noções de alinhamento, direcção;
interpretação de resultados; desenvolvimento do sentido de grandeza e unidade de
medida; abordagem das operações adição, subtracção (mais um, menos um, igual);
primeiras noções de sistematização do conhecimento obtido; organização e registo de
dados; Comparação; Ordenação; Seriação dos resultados. Estudo das formas (a
exploração do espaço permite reconhecer e encontrar formas (linhas curvas, direitas,
espirais). Abordagem de conceitos topológicos (ex: dentro/fora de; noção de cerco/
região) e das relações espaciais (ex: em baixo, por cima, atrás).

2ªActividade: Desenvolvimento da construção e do sentido do número: Conservação;


Correspondência um a um. Contagem. Exploração das relações entre números. Fazer
estimativas. Noção de zéro. Estruturação do pensamento matemático.

3ªActividade: Oportunidade de reconhecimento, construção, descrição, extensão,


significação de padrões, formando assim sequências que tem regras lógicas
subjacentes e que apoiam o desenvolvimento do raciocínio matemático.

• Integração dos conteúdos das Actividades com outras Áreas

• Domínio da linguagem oral e abordagem à escrita: Nestas actividades, a


educadora incentiva fortemente situações de diálogo e propõe situações problemáticas,
que vão permitir que as crianças encontrem as suas próprias soluções, que as debatam
oralmente, apoiando a explicitação do porquê da sua resposta, comunicando as suas
conclusões e observações, favorecendo assim o diálogo em diferentes situações de
comunicação e o consequente desenvolvimento da linguagem oral. Por outro lado, a
criança desenvolve a capacidade de representação, ao falar sobre o representado,
estabelecendo ligações com a situação real, pois as aprendizagens Matemáticas, para
além de estarem ligadas a apropriação do conceito, exigem também a sua designação.

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• Domínio da expressão motora: As crianças desenvolvem a destreza e
motricidade fina na elaboração da tabela, pictograma e gráfico, e na manipulação de
vários objectos.
• Domínio da expressão plástica: São desenvolvidas também a destreza e a
motricidade fina. Estudo das cores; das texturas. Utilização de diferentes materiais
na elaboração da tabela, do gráfico e do pictograma. Desenvolvimento do sentido
estético, no contacto com a Natureza (Educação estética).
• Área de conhecimento do Mundo: Exploração do meio. Possibilidade de
contacto directo com a Natureza; oportunidade de inúmeras descobertas e
explorações de plantas e de animais (alertar para a biodiversidade: diferentes formas,
cores, padrões, texturas, tamanhos). Desenvolvimento da capacidade de observar; do
desejo de experimentar, da curiosidade de saber. Desenvolvimento de uma atitude
crítica face à realidade. Educação ambiental: alerta para a necessidade da preservação
e manutenção do meio ambiente; discussão de algumas normas para cuidar do espaço
exterior.

Conclusões Finais

Acreditamos que o exterior pode ser uma fonte fantástica para o desenvolvimento do
raciocínio matemático. Usando a ciência e a Natureza como veículos para a aplicação de
princípios matemáticos, as crianças podem experimentar muitas coisas, que não
poderiam em contexto de sala de aula.

Ao utilizar o ar livre como contexto natural, no qual a criança pode integrar o currículo
facilmente, estamos a fornecer à criança um ambiente, não só para aprender, mas
também para transferir o que aprenderam.

Os educadores precisam de procurar novos caminhos para ensinar Matemática num


formato contextualizado, que seja tão próximo da realidade das crianças quanto possível
As crianças precisam de resolver problemas e descobrir a Matemática, realizando
actividades que sejam coerentes com a sua cultura e com a sua maneira de ver o mundo.
Deste modo, haverá lugar mais adequado para descobrir a Matemática do que a Natureza,
onde esta ocorre naturalmente? Talvez, deste modo, as crianças possam chegar a adultos
não vendo a Matemática como algo separado da sua realidade, distante, irreal, até
assustador, pois a Matemática é a porta para a compreensão do mundo e da própria
Natureza; e, para as crianças pequenas a matemática e a natureza são como uma coisa.
Porque haveremos nós, educadores, de as separar?

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Referências Bibliográficas

DACEY, ESTON (1999). Growing Mathematical ideas in kindergarten. USA: Math Solutions

Publications.

LICHTENBERG, TROUTMAN (1995). Mathematics, a good beginning: strategies for

teaching children (5ed). USA: Brooks/ Cole Company.

MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO (1997). Orientações Curriculares para a Educação Pré-

Escolar. Lisboa: M.E. (DEB/NEP).

NATIONAL COUNCIL OF TEACHERS OF MATHEMATICS (1999). Mathematic in the Earlier

Years. Reston: NCTM(NAEYC)

ZABALZA, M.(1998). Qualidade em educação infantil. Porto Alegre: ArtMed.

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