040963-5, de Xanxerê Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira
RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE.
PUBLICAÇÃO DE INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA DOS NOMES DAS PARTES. NULIDADE. PRELIMINAR QUE NÃO CARACTERIZA PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE DO RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIMENTO DESTE. Nas publicações de intimações é imprescindível o nome das partes sob pena de nulidade (§1º, do artigo 236 do "Codex" Adjetivo). É possível o recurso adesivo quando houver sucumbência recíproca, como forma de desestímulo para recursos desnecessários, quando, então, a parte que deixar de recorrer de sua sucumbência poderá aderir ao eventual recurso interposto pela parte adversa(artigo 500 do C.P.C.), o que significa dizer que a simples alegação de preliminar de intempestividade do recurso de apelação não preenche o pressuposto de admissibilidade deste recurso. ERRO MÉDICO. SENTENÇA CRIMINAL IRRECORRÍVEL FAZ COISA JULGADA NO CÍVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD CAUSAM" DO CONDENADO. MORTE DE GESTANTE E NASCITURO. DANO MORAL E SUA AVALIAÇÃO. PENSÃO ALIMENTÍCIA COM BASE EM DEPENDÊNCIA DOS SERVIÇOS DOMÉSTICOS. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. JUROS DE MORA. SENTENÇA MANTIDA. O condenado em ação criminal com trânsito em julgado tem legitimidade passiva "ad causam" para responder ação civil de indenização pelo mesmo ato ilícito. Segundo a aplicação da teoria da eficácia preclusiva panprocessual, a condenação penal irrecorrível faz coisa julgada no cível para efeito de reparação do dano, não se podendo mais discutir a respeito do "an debeatur", mas somente sobre o "quantum debeatur" (artigo 935 do Código Civil). Comprovado o erro médico mediante sentença penal condenatória com trânsito em julgado, na modalidade de negligência e imperícia, por deixar de tomar as medidas necessárias no atendimento de urgência de gestante em estado avançado de gravidez, deve o médico arcar com danos morais e pensão alimentícia, mesmo que neste caso comprovado somente os serviços domésticos da gestante. Na "avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só a extensão da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação econômica das partes, vez que não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado." (KARL LARENZ, em sua obra DERECHO DE OBLIGACIONE, t. II, p.642). A constituição de capital está prevista no artigo 475-Q "caput" do Diploma Adjetivo e seu objetivo é garantir obrigações futuras. Os juros de mora estão previstos no artigo 398 do Diploma Civil e Súmulas 54 e 186 do S.T.J., sendo indiferente se o ato ilícito foi praticado com dolo ou culpa.
Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.
2008.040963-5, da comarca de Xanxerê (1ª Vara Cível), em que é apelante Pedro Bueno do Prado e apelados Lauro Alves da Maia e Andréia Tonello da Maia.
ACORDAM, a Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação
unânime, rejeitar a preliminar de intempestividade, conhecer do recurso de apelação e negar provimento e não conhecer o recurso adesivo. Custas na forma da lei.
RELATÓRIO
Trata-se de ação de indenização julgada parcialmente procedente.
Alega o suplicado, ora apelante, em síntese: 1.Preliminarmente: Ilegitimidade passiva: Que não praticou nenhum ato ilícito, pois fez de tudo para salvar as vítimas. 2.Mérito: Que não agiu com culpa. Que não existem provas dos danos morais e materiais aos apelados. Que o valor do dano moral foi exorbitante. Que os juros compostos são devidos somente na hipótese de dolo, o que não ocorreu no caso em lide. Que não existe fundamento para o pagamento de pensão alimentícia em um salário mínimo, ou que este valor seja reduzido. Que o autor não tinha dependência econômica em relação à sua mulher, ou que este valor seja reduzido à terça parte do salário mínimo. Que é desnecessária a constituição de capital em função da
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solvabilidade do apelante. Diante disso, requereu o provimento da sentença para julgar improcedente o pedido, ou alternativamente sejam reduzidos os valores dos danos morais e pensão alimentícia, bem como sejam excluídos os juros compostos. Por outro lado, afirmam os autores, ora apelados, em resumo: 1.Preliminarmente: a)-Intempestividade: Que, conforme a certidão de fls.427, o prazo do recurso terminou em 26 de julho de 2007. Que existiam outros procuradores em conjunto, que sabiam que o procurador do apelante tinha deixado de advogar em 23 de maio de 2005. b)-Ilegitimidade passiva: Que existe sentença criminal à respeito, com trânsito em julgado, o que caracteriza a legitimidade do apelante. 2.Mérito: Que com a sentença criminal, com trânsito em julgado, não se permite mais a discussão em torno da culpa. Que a indenização do dano moral e a pensão alimentícia foram fixados de acordo com o prejuízo e capacidade financeira do apelante. Ante o exposto, requereu o não conhecimento do recurso, ou o desprovimento deste. Os autores, ora apelados, interpuseram recurso adesivo, afirmando os mesmos motivos da referida preliminar de intempestividade, o que não houve contra-razões do apelante. Interveio o Representante do Ministério Público "ad quem" que opinou pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação e pelo não conhecimento do recurso adesivo. O recurso seguiu todos os trâmites legais.
VOTO
1.O recurso do apelante é tempestivo, pois nas publicações de
intimações de fls. 422 e 427 não constam os nomes das partes, o que tornam-se estas nulas de acordo com a norma insculpida no §1º, do artigo 236, do Diploma Instrumental. 2.Referente à legitimidade passiva "ad causam" do suplicado, ora apelante, não resta dúvida, pois existe sentença penal condenatória deste, com trânsito em julgado. 3.Quanto ao "meritum causae", as discussões relacionadas à culpa pela ocorrência dos fatos restam prejudicadas diante da aplicação da teoria da eficácia preclusiva panprocessual dos efeitos da sentença penal condenatória, equacionada no art. 935 do Código Civil, verbis: "A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".
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Segundo esta teoria, a jurisdição criminal influencia na civil quando a sentença proferida naquela tenha caráter condenatório, hipótese em que faz coisa julgada no cível, impedindo nova discussão acerca da matéria decidida (ACV n. 99.000215-2 – Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento). No caso presente, o apelante, ora suplicado foi condenado como incurso nas sanções previstas no artigo 121, §3º, combinado com o §4º(primeira parte) do Código Penal, ao cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade pelo período de 03(três) anos e 04(quatro) anos e à prestação pecuniária ao companheiro e filhos da vítima, no montante de 40(quarenta) salários mínimos vigentes na data da presente sentença(fls.327/348). O referido apelante interpôs apelação criminal contra a sentença, decidindo a c. Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, dar parcial provimento ao recurso para adequar a pena para 02(dois) anos, 02(dois) meses e 20(vinte) dias de detenção, mantidas a substituição e demais cominações da sentença(fls.373/387), cujo acórdão foi assim ementado: "PENAL E PROCESSUAL - HOMICÍDIO CULPOSO - IMPERÍCIA E NEGLIGÊNCIA ATRIBUÍDAS A MÉDICO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CULPA PELA DEFESA - CONFISSÃO ESPONTÂNEA QUE NÃO SE APLICA - CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO. Age com culpa manifesta, nas modalidades de negligência e imperícia, o médico que, podendo fazê-lo, deixa de empregar os cuidados necessários no trato da paciente, e, em três oportunidades, regras técnicas de diagnóstico a que estava obrigado, para comodamente insistir em medicamentos sem resultado positivo, inócuos, em paciente grávida, que vem a falecer. Quem infringe um dever pessoal de cuidado, podendo prever a ocorrência do resultado, e não toma as medidas para evitá-lo, age com culpa." O referido aresto transitou em julgado no dia 15 de março de 2005 (fls.389). Assim, a sentença penal condenatória prolatada no juízo criminal, já transitada em julgado, fez coisa julgada no cível, de sorte que não é mais possível questionar ou discutir sobre a culpa do apelante pela ocorrência do sinistro, porquanto decidida a controvérsia, na esfera penal. Tocante aos efeitos da condenação criminal, o inciso I do art. 91 do "Codex" Repressivo, prescreve que torna "certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime", restando apenas deliberar sobre o pleito indenizatório. Miguel Kfouri Neto, em sua obra Responsabilidade Civil do Médico, 5ª edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, p.109, ao tratar do dano moral, ressalta que: "Nos dias que correm, nenhuma dúvida há quanto à plena possibilidade de se compensar o dano moral, ou seja, o dano decorrente da privação ou diminuição daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os demais sagrados afetos [...] dano que afeta a parte afetiva do patrimônio moral (dor, tristeza, saudade etc); e dano moral que provoca direta ou indiretamente dano patrimonial (cicatriz deformante etc.), e dano moral puro (dor, tristeza etc.). O art. 186 do novo CC brasileiro, consagrou, agora também no âmbito infraconstitucional, a
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plena reparabilidade do dano, ainda que exclusivamente moral." A jurisprudência é pacífica quanto à possibilidade de condenação por danos morais, no caso de responsabilidade civil do médico: "INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. ESQUECIMENTO DE CORPO ESTRANHO NO ORGANISMO DO PACIENTE. DANO MORAL. Comprovando o erro médico, ao esquecer corpo estranho (agulha) no organismo da paciente, cabe indenização por danos morais, nos termos do art. 159 do CC, na modalidade de negligência e/ou imperícia. O Tribunal, à unanimidade de votos, conheceu do apelo e do recurso adesivo, provendo parcialmente o primeiro e improvendo o segundo". (TJGO, Ap. Civ. 50678-1/188, 3ª Câmara Cível, Piracanjuba, Rel. Des. Gercino Carlos Alves da Costa, julg. 10-05-2001, DJ 23-05-2001, p. 13). Portanto, não há nenhuma dúvida quanto à possibilidade de se compensar o dano moral, ou seja, o dano que atinge a honra, a saúde, a boa fama, a paz, a liberdade individual, a integridade física, etc. A natureza jurídica da condenação ao pagamento pelos danos morais é tanto intimidatória como reparatória-penalizante, pois, ao mesmo tempo que acarreta um maior acautelamento nas relações interpessoais, procura reparar a lesão moral sofrida, amenizando os efeitos psicológicos e a própria dor, servindo também de punição ao infrator. A morte da mulher e do filho(nascituro) causou profundo abalo moral ao autor, ora apelado, o que por certo passou e está passando por grande dor e transtorno psíquico. O dano moral não se confunde com o material, como bem observa o mestre YUSSEF SAID CAHALI (Dano e Indenização, Editora Revista dos Tribunais, SP, 180, p.26), "no dano patrimonial busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro pelo valor equivalente, ao passo que o dano moral a reparação se faz através de uma compensação ou reparação satisfativa". Quanto ao valor da reparação do dano moral, ensina KARL LARENZ: "Que na avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só a extensão da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação econômica das partes, vez que não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado." (DERECHO DE OBLIGACIONE, t. II, p.642). Assim sendo, referente ao valor da indenização do dano moral, levando-se em conta os critérios ora delineados pela doutrina e jurisprudência, o que também adoto, observa-se que os autores são beneficiários da assistência judiciária, o que equivale dizer que pertencem a classe baixa. Respeitante à condição do suplicado, apesar de não existir prova à respeito, mas por tratar-se de médico pertence no mínimo a classe média. A culpa do demandado foi grave, pois a paciente chegou no hospital de Faxinal dos Guedes, a primeira por volta das 19:00 horas e a segunda por volta da meia noite, do mesmo dia, reclamando de muitas dores, mas, mesmo assim, aquele não tomou as providências necessárias, prescrevendo apenas medicamentos, dispensando-se em seguida, não levando em consideração tais sintomas e nem o período de gravidez que já estava bem avançado(terceiro trimestre de gravidez). Só
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tomou as providências por volta das 6:20 horas, daquele mesmo dia, quando encaminhou para o Hospital de Xanxerê, mas já era tarde demais, ocorrendo a sua morte e do nascituro. Concernente às conseqüências, também foram gravíssimas, pois ocorreu a morte da mulher do primeiro autor e mãe da segunda suplicante, está ainda com 05(cinco) anos de idade. Frise-se, ainda, a morte de um bebê(nascituro) que tinha três trimestres de idade. Assim, levando-se em conta os parâmetros estudados e porque a indenização a este título deverá impor ao causador do dano apenas um impacto suficiente a desestimulá-lo a cometer casos semelhantes, ou, ao menos, justificar a observância de maiores cuidados na realização de procedimentos semelhantes, o quantum debeatur pelo dano moral sofrido no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais), entendo que é plausível e não se afigura demasiada como também não causará falta de suporte econômico e financeiro do apelante em cumprir com o ônus imposto. No que diz respeito à pensão alimentícia, a questão está delineada no artigo 948, inciso II, do "Codex" Substantivo, em que a vítima Ida Tonello cuidava da casa e da filha Andréia, o que significa dizer que com a morte desta, o autor passou a ter despesas com outra pessoa para suprir o seu trabalho doméstico, cujo valor em um salário mínimo, mensalmente, diante da falta de provas, está de acordo com a doutrina e jurisprudência, inclusive desta Câmara: "... Se a vítima exercia atividade remunerada ou contribuía com o trabalho doméstico, é devido o pensionamento ao marido, independente da comprovação de dependência econômica, diante da sua presunção. ... Não havendo nos autos comprovante da renda mensal auferida pela vítima, a pensão deve ser arbitrada com base no salário mínimo. ..." (Apelação cível nº 2006.024148-4, de Xanxerê, Rel. Des. Saul Stein, julg. em 13/11/2009). A única questão que dispensa censura é o pagamento indefinidamente até os 65 anos de idade, pois na hipótese do autor vir a constituir novo relacionamento, deve ser cessada esta obrigação. Referente à constituição de capital, agiu corretamente o Juízo "a quo", pois tal questão está prevista no artigo 475-Q"caput" do Diploma Adjetivo e seu objetivo é garantir o pagamento das prestações alimentícias. Acrescente-se, não existe nenhuma prova nos autos de outra garantia por parte do apelante, para dispensar tal determinação. Os juros de mora foram fixados de acordo com o artigo 398 do Código Civil e Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, sendo indiferente se o ato ilícito foi praticado com dolo ou culpa, pois ambas as formas de culpabilidade estão sujeitas a mesma penalidade. Ainda, disciplina a Súmula 186 do Superior Tribunal de Justiça: "Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por aquele que praticou o crime." 4.É possível o recurso adesivo quando houver sucumbência recíproca, como forma de desestímulo para recursos desnecessários, quando, então, a parte
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que deixar de recorrer de sua sucumbência poderá aderir ao eventual recurso interposto pela parte adversa(artigo 500 do C.P.C.). No caso "sub judice", o apelente está usando o referido recurso apenas para atacar seu entendimento de intempestividade, o que não deve ser conhecido, pois tal questão não diz respeito à sucumbência, pois trata-se de preliminar que não preenche os pressupostos de admissibilidade deste recurso.
DECISÃO
Ante o exposto, por votação unânime, rejeitar a preliminar de
intempestividade, conhecer do recurso de apelação e negar provimento e não conhecer do recurso adesivo. O julgamento, realizado no dia 25 de março de 2010, foi presidido pelo Exmo. Desembargador Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo. Desembargador Jorge Luiz de Borba. Funcionou como representante do Ministério Público o Exmo. Dr. João Fernando Borrelli. Chapecó, 12 de abril de 2010. Gilberto Gomes de Oliveira RELATOR