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Apelação Cível n. 2008.

040963-5, de Xanxerê
Relator: Des. Gilberto Gomes de Oliveira

RECURSO DE APELAÇÃO. INTEMPESTIVIDADE.


PUBLICAÇÃO DE INTIMAÇÃO DA SENTENÇA. AUSÊNCIA
DOS NOMES DAS PARTES. NULIDADE. PRELIMINAR QUE
NÃO CARACTERIZA PRESSUPOSTO DE ADMISSIBILIDADE
DO RECURSO ADESIVO. NÃO CONHECIMENTO DESTE.
Nas publicações de intimações é imprescindível o nome das
partes sob pena de nulidade (§1º, do artigo 236 do "Codex"
Adjetivo).
É possível o recurso adesivo quando houver sucumbência
recíproca, como forma de desestímulo para recursos
desnecessários, quando, então, a parte que deixar de recorrer de
sua sucumbência poderá aderir ao eventual recurso interposto
pela parte adversa(artigo 500 do C.P.C.), o que significa dizer que
a simples alegação de preliminar de intempestividade do recurso
de apelação não preenche o pressuposto de admissibilidade
deste recurso.
ERRO MÉDICO. SENTENÇA CRIMINAL IRRECORRÍVEL
FAZ COISA JULGADA NO CÍVEL. LEGITIMIDADE PASSIVA "AD
CAUSAM" DO CONDENADO. MORTE DE GESTANTE E
NASCITURO. DANO MORAL E SUA AVALIAÇÃO. PENSÃO
ALIMENTÍCIA COM BASE EM DEPENDÊNCIA DOS SERVIÇOS
DOMÉSTICOS. CONSTITUIÇÃO DE CAPITAL. JUROS DE
MORA. SENTENÇA MANTIDA.
O condenado em ação criminal com trânsito em julgado tem
legitimidade passiva "ad causam" para responder ação civil de
indenização pelo mesmo ato ilícito.
Segundo a aplicação da teoria da eficácia preclusiva
panprocessual, a condenação penal irrecorrível faz coisa julgada
no cível para efeito de reparação do dano, não se podendo mais
discutir a respeito do "an debeatur", mas somente sobre o
"quantum debeatur" (artigo 935 do Código Civil).
Comprovado o erro médico mediante sentença penal
condenatória com trânsito em julgado, na modalidade de
negligência e imperícia, por deixar de tomar as medidas
necessárias no atendimento de urgência de gestante em estado
avançado de gravidez, deve o médico arcar com danos morais e
pensão alimentícia, mesmo que neste caso comprovado somente
os serviços domésticos da gestante.
Na "avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só
a extensão da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação
econômica das partes, vez que não há no dano moral uma
indenização propriamente dita, mas apenas uma compensação
ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao
prejudicado." (KARL LARENZ, em sua obra DERECHO DE
OBLIGACIONE, t. II, p.642).
A constituição de capital está prevista no artigo 475-Q "caput"
do Diploma Adjetivo e seu objetivo é garantir obrigações futuras.
Os juros de mora estão previstos no artigo 398 do Diploma
Civil e Súmulas 54 e 186 do S.T.J., sendo indiferente se o ato
ilícito foi praticado com dolo ou culpa.

Vistos, relatados e discutidos estes autos de Apelação Cível n.


2008.040963-5, da comarca de Xanxerê (1ª Vara Cível), em que é apelante Pedro
Bueno do Prado e apelados Lauro Alves da Maia e Andréia Tonello da Maia.

ACORDAM, a Câmara Especial Regional de Chapecó, por votação


unânime, rejeitar a preliminar de intempestividade, conhecer do recurso de apelação e
negar provimento e não conhecer o recurso adesivo. Custas na forma da lei.

RELATÓRIO

Trata-se de ação de indenização julgada parcialmente procedente.


Alega o suplicado, ora apelante, em síntese:
1.Preliminarmente:
Ilegitimidade passiva:
Que não praticou nenhum ato ilícito, pois fez de tudo para salvar as
vítimas.
2.Mérito:
Que não agiu com culpa.
Que não existem provas dos danos morais e materiais aos apelados.
Que o valor do dano moral foi exorbitante.
Que os juros compostos são devidos somente na hipótese de dolo, o
que não ocorreu no caso em lide.
Que não existe fundamento para o pagamento de pensão alimentícia em
um salário mínimo, ou que este valor seja reduzido.
Que o autor não tinha dependência econômica em relação à sua mulher,
ou que este valor seja reduzido à terça parte do salário mínimo.
Que é desnecessária a constituição de capital em função da

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solvabilidade do apelante.
Diante disso, requereu o provimento da sentença para julgar
improcedente o pedido, ou alternativamente sejam reduzidos os valores dos danos
morais e pensão alimentícia, bem como sejam excluídos os juros compostos.
Por outro lado, afirmam os autores, ora apelados, em resumo:
1.Preliminarmente:
a)-Intempestividade:
Que, conforme a certidão de fls.427, o prazo do recurso terminou em 26
de julho de 2007.
Que existiam outros procuradores em conjunto, que sabiam que o
procurador do apelante tinha deixado de advogar em 23 de maio de 2005.
b)-Ilegitimidade passiva:
Que existe sentença criminal à respeito, com trânsito em julgado, o que
caracteriza a legitimidade do apelante.
2.Mérito:
Que com a sentença criminal, com trânsito em julgado, não se permite
mais a discussão em torno da culpa.
Que a indenização do dano moral e a pensão alimentícia foram fixados
de acordo com o prejuízo e capacidade financeira do apelante.
Ante o exposto, requereu o não conhecimento do recurso, ou o
desprovimento deste.
Os autores, ora apelados, interpuseram recurso adesivo, afirmando os
mesmos motivos da referida preliminar de intempestividade, o que não houve
contra-razões do apelante.
Interveio o Representante do Ministério Público "ad quem" que opinou
pelo conhecimento e desprovimento do recurso de apelação e pelo não conhecimento
do recurso adesivo.
O recurso seguiu todos os trâmites legais.

VOTO

1.O recurso do apelante é tempestivo, pois nas publicações de


intimações de fls. 422 e 427 não constam os nomes das partes, o que tornam-se
estas nulas de acordo com a norma insculpida no §1º, do artigo 236, do Diploma
Instrumental.
2.Referente à legitimidade passiva "ad causam" do suplicado, ora
apelante, não resta dúvida, pois existe sentença penal condenatória deste, com
trânsito em julgado.
3.Quanto ao "meritum causae", as discussões relacionadas à culpa pela
ocorrência dos fatos restam prejudicadas diante da aplicação da teoria da eficácia
preclusiva panprocessual dos efeitos da sentença penal condenatória, equacionada
no art. 935 do Código Civil, verbis: "A responsabilidade civil é independente da
criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem
seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal".

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Segundo esta teoria, a jurisdição criminal influencia na civil quando a
sentença proferida naquela tenha caráter condenatório, hipótese em que faz coisa
julgada no cível, impedindo nova discussão acerca da matéria decidida (ACV n.
99.000215-2 – Rel. Des. Wilson Augusto do Nascimento).
No caso presente, o apelante, ora suplicado foi condenado como incurso
nas sanções previstas no artigo 121, §3º, combinado com o §4º(primeira parte) do
Código Penal, ao cumprimento da pena de prestação de serviços à comunidade pelo
período de 03(três) anos e 04(quatro) anos e à prestação pecuniária ao companheiro
e filhos da vítima, no montante de 40(quarenta) salários mínimos vigentes na data da
presente sentença(fls.327/348).
O referido apelante interpôs apelação criminal contra a sentença,
decidindo a c. Primeira Câmara Criminal, por unanimidade, dar parcial provimento ao
recurso para adequar a pena para 02(dois) anos, 02(dois) meses e 20(vinte) dias de
detenção, mantidas a substituição e demais cominações da sentença(fls.373/387),
cujo acórdão foi assim ementado:
"PENAL E PROCESSUAL - HOMICÍDIO CULPOSO - IMPERÍCIA E
NEGLIGÊNCIA ATRIBUÍDAS A MÉDICO - ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE CULPA
PELA DEFESA - CONFISSÃO ESPONTÂNEA QUE NÃO SE APLICA -
CONDENAÇÃO MANTIDA - RECURSO DESPROVIDO.
Age com culpa manifesta, nas modalidades de negligência e imperícia, o
médico que, podendo fazê-lo, deixa de empregar os cuidados necessários no trato
da paciente, e, em três oportunidades, regras técnicas de diagnóstico a que estava
obrigado, para comodamente insistir em medicamentos sem resultado positivo,
inócuos, em paciente grávida, que vem a falecer.
Quem infringe um dever pessoal de cuidado, podendo prever a ocorrência do
resultado, e não toma as medidas para evitá-lo, age com culpa."
O referido aresto transitou em julgado no dia 15 de março de 2005
(fls.389).
Assim, a sentença penal condenatória prolatada no juízo criminal, já
transitada em julgado, fez coisa julgada no cível, de sorte que não é mais possível
questionar ou discutir sobre a culpa do apelante pela ocorrência do sinistro, porquanto
decidida a controvérsia, na esfera penal.
Tocante aos efeitos da condenação criminal, o inciso I do art. 91 do
"Codex" Repressivo, prescreve que torna "certa a obrigação de indenizar o dano
causado pelo crime", restando apenas deliberar sobre o pleito indenizatório.
Miguel Kfouri Neto, em sua obra Responsabilidade Civil do Médico, 5ª
edição, São Paulo, Revista dos Tribunais, p.109, ao tratar do dano moral, ressalta
que:
"Nos dias que correm, nenhuma dúvida há quanto à plena possibilidade de se
compensar o dano moral, ou seja, o dano decorrente da privação ou diminuição
daqueles bens que têm um valor precípuo na vida do homem e que são a paz, a
tranqüilidade de espírito, a liberdade individual, a integridade física, a honra e os
demais sagrados afetos [...] dano que afeta a parte afetiva do patrimônio moral (dor,
tristeza, saudade etc); e dano moral que provoca direta ou indiretamente dano
patrimonial (cicatriz deformante etc.), e dano moral puro (dor, tristeza etc.). O art. 186
do novo CC brasileiro, consagrou, agora também no âmbito infraconstitucional, a

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plena reparabilidade do dano, ainda que exclusivamente moral."
A jurisprudência é pacífica quanto à possibilidade de condenação por
danos morais, no caso de responsabilidade civil do médico:
"INDENIZAÇÃO. ERRO MÉDICO. ESQUECIMENTO DE CORPO ESTRANHO
NO ORGANISMO DO PACIENTE. DANO MORAL. Comprovando o erro médico, ao
esquecer corpo estranho (agulha) no organismo da paciente, cabe indenização por
danos morais, nos termos do art. 159 do CC, na modalidade de negligência e/ou
imperícia. O Tribunal, à unanimidade de votos, conheceu do apelo e do recurso
adesivo, provendo parcialmente o primeiro e improvendo o segundo". (TJGO, Ap.
Civ. 50678-1/188, 3ª Câmara Cível, Piracanjuba, Rel. Des. Gercino Carlos Alves da
Costa, julg. 10-05-2001, DJ 23-05-2001, p. 13).
Portanto, não há nenhuma dúvida quanto à possibilidade de se
compensar o dano moral, ou seja, o dano que atinge a honra, a saúde, a boa fama, a
paz, a liberdade individual, a integridade física, etc.
A natureza jurídica da condenação ao pagamento pelos danos morais é
tanto intimidatória como reparatória-penalizante, pois, ao mesmo tempo que acarreta
um maior acautelamento nas relações interpessoais, procura reparar a lesão moral
sofrida, amenizando os efeitos psicológicos e a própria dor, servindo também de
punição ao infrator.
A morte da mulher e do filho(nascituro) causou profundo abalo moral ao
autor, ora apelado, o que por certo passou e está passando por grande dor e
transtorno psíquico.
O dano moral não se confunde com o material, como bem observa o
mestre YUSSEF SAID CAHALI (Dano e Indenização, Editora Revista dos Tribunais,
SP, 180, p.26), "no dano patrimonial busca-se a reposição em espécie ou em dinheiro
pelo valor equivalente, ao passo que o dano moral a reparação se faz através de uma
compensação ou reparação satisfativa".
Quanto ao valor da reparação do dano moral, ensina KARL LARENZ:
"Que na avaliação do preço da dor deve-se levar em conta não só a extensão
da ofensa, mas também o grau da culpa e a situação econômica das partes, vez que
não há no dano moral uma indenização propriamente dita, mas apenas uma
compensação ou satisfação a ser dada por aquilo que o agente fez ao prejudicado."
(DERECHO DE OBLIGACIONE, t. II, p.642).
Assim sendo, referente ao valor da indenização do dano moral,
levando-se em conta os critérios ora delineados pela doutrina e jurisprudência, o que
também adoto, observa-se que os autores são beneficiários da assistência judiciária,
o que equivale dizer que pertencem a classe baixa. Respeitante à condição do
suplicado, apesar de não existir prova à respeito, mas por tratar-se de médico
pertence no mínimo a classe média.
A culpa do demandado foi grave, pois a paciente chegou no hospital de
Faxinal dos Guedes, a primeira por volta das 19:00 horas e a segunda por volta da
meia noite, do mesmo dia, reclamando de muitas dores, mas, mesmo assim, aquele
não tomou as providências necessárias, prescrevendo apenas medicamentos,
dispensando-se em seguida, não levando em consideração tais sintomas e nem o
período de gravidez que já estava bem avançado(terceiro trimestre de gravidez). Só

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tomou as providências por volta das 6:20 horas, daquele mesmo dia, quando
encaminhou para o Hospital de Xanxerê, mas já era tarde demais, ocorrendo a sua
morte e do nascituro.
Concernente às conseqüências, também foram gravíssimas, pois
ocorreu a morte da mulher do primeiro autor e mãe da segunda suplicante, está ainda
com 05(cinco) anos de idade. Frise-se, ainda, a morte de um bebê(nascituro) que
tinha três trimestres de idade.
Assim, levando-se em conta os parâmetros estudados e porque a
indenização a este título deverá impor ao causador do dano apenas um impacto
suficiente a desestimulá-lo a cometer casos semelhantes, ou, ao menos, justificar a
observância de maiores cuidados na realização de procedimentos semelhantes, o
quantum debeatur pelo dano moral sofrido no valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais),
entendo que é plausível e não se afigura demasiada como também não causará falta
de suporte econômico e financeiro do apelante em cumprir com o ônus imposto.
No que diz respeito à pensão alimentícia, a questão está delineada no
artigo 948, inciso II, do "Codex" Substantivo, em que a vítima Ida Tonello cuidava da
casa e da filha Andréia, o que significa dizer que com a morte desta, o autor passou a
ter despesas com outra pessoa para suprir o seu trabalho doméstico, cujo valor em
um salário mínimo, mensalmente, diante da falta de provas, está de acordo com a
doutrina e jurisprudência, inclusive desta Câmara:
"...
Se a vítima exercia atividade remunerada ou contribuía com o trabalho
doméstico, é devido o pensionamento ao marido, independente da comprovação de
dependência econômica, diante da sua presunção.
...
Não havendo nos autos comprovante da renda mensal auferida pela vítima, a
pensão deve ser arbitrada com base no salário mínimo.
..." (Apelação cível nº 2006.024148-4, de Xanxerê, Rel. Des. Saul Stein, julg.
em 13/11/2009).
A única questão que dispensa censura é o pagamento indefinidamente
até os 65 anos de idade, pois na hipótese do autor vir a constituir novo
relacionamento, deve ser cessada esta obrigação.
Referente à constituição de capital, agiu corretamente o Juízo "a quo",
pois tal questão está prevista no artigo 475-Q"caput" do Diploma Adjetivo e seu
objetivo é garantir o pagamento das prestações alimentícias. Acrescente-se, não
existe nenhuma prova nos autos de outra garantia por parte do apelante, para
dispensar tal determinação.
Os juros de mora foram fixados de acordo com o artigo 398 do Código
Civil e Súmula 54 do Superior Tribunal de Justiça, sendo indiferente se o ato ilícito foi
praticado com dolo ou culpa, pois ambas as formas de culpabilidade estão sujeitas a
mesma penalidade. Ainda, disciplina a Súmula 186 do Superior Tribunal de Justiça:
"Nas indenizações por ato ilícito, os juros compostos somente são devidos por
aquele que praticou o crime."
4.É possível o recurso adesivo quando houver sucumbência recíproca,
como forma de desestímulo para recursos desnecessários, quando, então, a parte

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que deixar de recorrer de sua sucumbência poderá aderir ao eventual recurso
interposto pela parte adversa(artigo 500 do C.P.C.).
No caso "sub judice", o apelente está usando o referido recurso apenas
para atacar seu entendimento de intempestividade, o que não deve ser conhecido,
pois tal questão não diz respeito à sucumbência, pois trata-se de preliminar que não
preenche os pressupostos de admissibilidade deste recurso.

DECISÃO

Ante o exposto, por votação unânime, rejeitar a preliminar de


intempestividade, conhecer do recurso de apelação e negar provimento e não
conhecer do recurso adesivo.
O julgamento, realizado no dia 25 de março de 2010, foi presidido pelo
Exmo. Desembargador Cesar Abreu, com voto, e dele participou o Exmo.
Desembargador Jorge Luiz de Borba. Funcionou como representante do Ministério
Público o Exmo. Dr. João Fernando Borrelli.
Chapecó, 12 de abril de 2010.
Gilberto Gomes de Oliveira
RELATOR

Gabinete Des. Gilberto Gomes de Oliveira

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