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A COMPETENCIA DA COMPETENCIA DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL MIGUEL GALVAO TELES I 1. A expresso «competéncia da competéncia» (Kompetenz-Kompe- tenz) ¢ a cortespondente nogéo surgiram na literatura juridica alema na segunda metade do séc. XIX, a propésito da questéo do sentido ¢ alcance do art. 78.9, n.° 1, da Constituigéo (1867) da chamada Confe- deracéo Germanica do Norte (Norddeutsche Bund) — que era, em tigor, uma federagio — e das relagdes entre Estado Federal e Estados federa- dos (!). Erigido por Albert Haenel em elemento definidor do conceito () © preceito, que se manteve na Constituicao imperial de 1871, dizia que «as alveragies da Constivuigio efectuam-se por via de legislacdo, sendo todavia necesséria uma maiotia de dois tergos dos votos representados no Bundesnats. O que se discutia, antes de mais, era se a disposigio abrangia, ¢ podia abranger, as préprias competéncias respec tivas da Federacio e dos Estados, isto é, nomeadamente, se, por via de revisio constitu- cional nos termos prescritos (e no apenas por acordo ou unanimidade), podia a Federa- s4o alargar as suas competéncias, em tltima andlise, pois, se esta era, nesses termos, senhora da sua propria competéncia. Parece que a primeira utilizagio doutrindria da expresso Kompetenz-Kompetenz, pertence a H. Bohlau, Pode ver-se uma descrigio do estado da questio, a0 tempo, em A. Haenel, «Die vertragsmissigen Elemente der Deuts- cchen Reichsverfassunge, in Studien 2um Deutschen Staatsrechte (Leipzig), 1873, p. 156 ss. Lembre-se que a elabora¢io da Constituigao de 1867 se baseara no Tratado de 18 de Agosto de 1866 celebrado entre a Prissia ¢ 15 «Lander germanicos do norte, na sequéncia da vitéria da primeira na guerra de 1866 contra a Austria, e que, depois de aprovado pela Constituinte eleita em 12 de Fevereiro de 1867 (Reichstag), 0 texto cons- titucional fora submetido & aprovagio das assembleias dos «Linder. Sobre a histéria da formagéo da Constituigio, v., p. ex., G. Anschiitz, «Der Norddeutsche Bund und seine Erweiterung zum Kaiserrcich», in Anschiitz-Thoma, Handbuch des Deutschen Svaatsrecht (Tabingen), I, 1930, p. 63 ss. 106 Miguel Galudo Teles de soberania 2), objecto, nessa fungéo, de reservas por parte de Jelli- nek (°) ¢ ctiticado por Kelsen (4), 0 conceito nao teve a sorte que mere- ©) Die vereragsmdssigen Elemente... cit. p. 149 (sin dieset Rechtsmacht des Staates Uber seine Kompetenz liegt die oberste Bedingung der Selbstgenugsamkeit, der Kernpunkt seiner Suveriineri»). V., ainda, p. 240, onde o autor indica, como sinal supremo de sobcrania, a autodeterminagio jurfdica das suas competéncias por parte do Reich © a determinasao dos limites das competéncias dos Estados (anote-se, de pas- sagem, a formulagio do conceito de cautodeterminacio juridicay, que viria a ser reto- ‘mado por Kelsen — v. «Die Selbstbestimmung des Rechts», 1963, reproduzido em Die Wiener rechtstheoretische Schule, Schriften von Hans Kelsen, Adolf Merkl, Afted Verdross Hans Klecatsky et. al. (ed.) (Wien et al.), 1968 (doravante, WrS], p. 1445 ss.). Hae- nl esteve, porém, longe de elaborar uma teoria sistemdtica da competéncia da com- peténcia. Nao estabeleceu a ligacdo com a problemética do poder constituinte origindrio ¢ no préprio capitulo do Deutsches Staatsrecht (Leipzig), 1892, dedicado soberania (. 108 ss.), parece ter esquecido a ideia, embora a obra contenha uma inteira parte inti tulada «a comperéncia da competéncia e a esséncia do Reich» (p. 71 ss.). Dominado pelo problema das telagdes entre o Reich ¢ os Estados federados, preocupado em excluir desse dominio, tanto quanto possivel, elementos pacticios, s6 incidentalmente se encon- tra no autor «expansio tedrica» da ideia. ©) Die Lebre von den Staatenverbindungen (Wien) 1882, pp. 28-30, a propésito do conceito de soberania. Segundo o autor, a teoria de Haenel «aproximar-se-ia da ver- dade sem a atingir», por virtude do ponto de vista unilateral (0 do Direito do Estado) de que partitia, no dando conta da autolimitacio do Estado nas relagdes internacio- nas, nem em particular de situagées como as de vassalagem internacional ou de pro- tectorado, Na Allgemeine Staatslebre (1911, reimp. da 5.* teimp. da 3.2 ed., 1966, Bad Homburg, pp. 483-484) o autor afirma que 0 conceito de competéncia da com- Peténcia constitui apenas uma «nogio auxiliar» para justficar a possibilidade juridica de actos do Estado que alarguem a respectiva competéncia. Todavia, uma equiparacéo, sem excepglo, da soberania a0 absoluto (pleno) dominio juridico sobre a competéncia seria incorrecta: o alargamento da competéncia estadual encontraria sempre um limite no reconhecimento de outras pessoas juridicas, seja na ordem interna, seja na internacio- nal. S6 na forma estabelecida poder o Estado libertar-se desses limites. E ha casos em que nem isso € possivel: aqueles em que se estabeleca a inalterabilidade de normas constitucionais, Estas apenas podem entio ser modificadas por via de «poder de facto» ou violéncia (Gewalt), no por via juridica. Conforme ¢ sabido, a ideia fundamental trazida por Jellinek (se bem que 0 autor nio deixe de assinalar continuidade, neste ponto, relativamente a Berghohm e a Jhering) €. de autovinculacio (Seléstuerpflichtung) do Estado (v., nomeadamente, Die rechtliche Natur der Staatenvertrige — Fin Beitrag eur juristschen Construction des Volkerrechts, Wien, 1880, passim, em particular p. 9 ss., Die Lebre von den Staatenverbindungen, cit. p. 30 ss. ¢ Allgemeine Staaslehre, cit. p. 367 5.). esse quadro, a soberania aparece definida como qualidade de exclusiva autovinculagéo (Die Lebre von den Staatenuerbindungen, p. 34) ou de exclusiva autodeterminaggo ¢ autovinculacio (Allgemeine Staatslebre, p. 481). (Das Problem der Sowveritniadt und die Theorie des Velkerrechis, 1928 (2.8 reimp., Aalen, 1981), p. 47 ss. (a 2.8 ed. consticui jé mera reimpressdo da primeira, datada de 1920). A critica de Kelsen centia-se na relacio entre os conceitos de competéncia A compettncia da compettncia do Tribunal Constitucional 107 ceria ¢, de certo modo, perdeu-se. Mas a expresso ¢ um conceito, que (embora disso nao se haja em regra tido consciéncia) com aquele pos- suf pelo menos alguma relagio, fizeram caminho na teoria da jurisdi- sao, muito especialmente na das jurisdigdes internacional ¢ arbitral. Trata-se agora da competéncia da competéncia dos tribunais. Avesta me reportarei, com especifica referéncia (depois de algumas consideragées introdutérias) a0 Tribunal Constitucional portugués. A titulo preliminar, quereria chamar a atenc&o para que, no uso da expresso comperéncia da competéncia de um tribunal, a competéncia de primeiro grau € tomada numa acep¢ao ampla, que abrange nao sé a competéncia propriamente dita como também pelo menos os requisitos do seu exercicio. 2. Quanto julgo, foi no dominio da arbitragem de direito inter- nacional piblico que a temédtica da competéncia da competéncia dos tri- bunais despontou. O que antes de mais se perguntava era se, no caso de diferendo entre as partes quanto & competéncia do tribunal arbitral ou ao seu Ambito, este o poderia decidir ou se, pela circunstincia da sim- ples existéncia daquele diferendo, teria necessariamente de abster-se de julgar do fundo ou de parte dele. Ao longo do século passado ¢ das primeiras décadas deste, uma série de casos marcaram a histéria da da competincia ¢ de Kompetenchoheit («capacidade do poder do Estado de determinar a sua propria competéncia»), de um lado, e © conceito de soberania, de outro, Kelsen argui que a modificabilidade das normas nfo é uma caracteristica essencial destas. Pelo contritio, as normas de um sistema juridico s6 poderdo ser alteradas se houver no sis- tema uma, ¢ com estatuto suficiente, que o autorize, Por isso, & pensivel um sistema juridico no qual nao exista competéncia para a determinagéo das competéncias por via de modificagao constitucional (pela circunstancia de as normas constitucionais serem inal- terdveis), sem prejuizo da possibilidade de esse sistema ser qualificado como soberano. Nos fundamentos da critica, Kelsen acolhe pois — sem fazer a devida citagéo, conforme era alids sua prética frequente — a tese de Merkl a que num outro texto («Revolution, Lex Posterior and Lee Nova», in Elspeth Atcwool (ed.), Shapping Revolution, Aberdeen, 1991, pp. 69-70) chamei tese da inderrogabilidade origindria. Formulara-a num artigo de 1917 («Die Unverindedlichkeit von Gesetzen — ein normlogisches Prinzips, hoje em WrS, p. 1079 ss), retomara-a num texto de 1918 («Die Rechtseinheit des dsterrei- chischen States. Bin staatstechtiche Untersuchung auf Grund der Lehre von der lex posterior, Wa, p. 1115 ss.) ¢ vitia a desenvolvé-la em Die Lebre von der Rechtskrafé (Leip- zig-Wien, 1923). A verdade, porém, é que Kelsen, que havia antes sustentado exacta- mente 0 principio contrétio, isto é, 0 da derrogabilidade, como principio normolégico (eReichsgesez und Landesgesetz nach ésterreischischer Verfassungy, 23 (1914), Archiv des iffintlichen Recht, 1914, p, 208), viria a urevogar a adeséo dada & posigéo de Merk. Sobre as posigdes de Kelsen em matéria de lex posterior e a sua instabilidade, v. 0 meu artigo «Revolution, Lex Posterior and Lex Nova», cit. pp. 71-72. 108 Miguel Galuto Teles questio (°), A clara consciéncia doutrindria do tema, directamente sus- citada pela decisAo do Tribunal Misto Hungaro-Romeno de 10 de Janeiro de 1927, pode ser situada em 1928. Sao desse ano os escritos, hoje cléssicos, de Lapradelle, Brierly, Lauterpacht ¢ Verdross (9). Conforme, no entanto, salientou este ultimo, as questées impli- cadas eram duas (pelo menos, acrescento eu): «uma consiste em saber se, em que medida, uma decisio do tribunal arbitral que ultrapasse os poderes deste é obrigatéria para as partes; outra & a de saber se 0 tribu- nal arbitral, em caso de contestacio da sua competéncia por uma das par- tes, pode proceder ao exame de fundo» (7). Noutras palavras e inver- tendo a ordem: um problema o de saber se o tribunal tem compettncia para decidir sobre a sua prépria competéncia (pelo menos sem vin- culagio necessdria & abstengao de decisio de mérito); outro (que se coloca nestes termos apenas no caso de resposta afirmativa ao primeiro) consiste em determinar o valor da deciséo de mérito que se considere nfo caber no Ambito da competéncia do tribunal ¢, por conseguinte, emi- tida na base de uma deciséo sobre a competéncia tida por incorrecta. Com a questéo da competéncia da competéncia associa-se assim a da vali- dade da sentenga. E, como facilmente se observa, embora isso nao haja por regra sido levado em conta, o segundo problema implica ainda © da validade e o do estatuto da deciséo positiva sobre a competéncia. Quanto & primeira das questées atrés referidas — a de saber se 0 tribunal, no caso de divergéncia das partes € no siléncio do compromisso, pode decidir sobre a sua propria comperéncia — foi-se generalizando res- posta afirmativa (8), a0 mesmo tempo alids que o problema ia perdendo () Assim, os casos do Betsey (Lapradelle et Politis, Recueil des Arbierages Inter- nationaux, Patis, 1, 1905, p. 51 ss.) ¢ do Sally (ibid, I, p. 131 ss.), as decisoes da Comissio Mista de Washington instituida pelos EUA e pelo México na base do tratado de 11 de Abril de 1839 e, em especial, a declaragio do Secretério de Estado Webster (ibid, 1, p. 455 ss.) € 0 caso do Alabama (ibid, Ul, 1923, p. 713 s.). (9 Lapradelle, Revue de Droit International, 5 (1928), p. 5 ssi Brierly, «The Hague Conventions and the Nullity of Arbitral Awards», The Brisish Year Book of International Law, 9 (1928), p. 114 ss H. Lauterpacht, «The Legal Remedy in case of Excess of Jurisdiction», BY-B.LL., 9 (1928), p. 117 585 A. Verdross, «Die Verbin- dlichkeit der Entscheidungen internationaler Schiedsgerichte und Gerichte iiber ihre Zustindigheite, Zeisschrift fuer offentliches Recht, VIL (1928), p. 439 ss. e «L'Excés de Pouvoir du Juge Arbitral dans le Droit International Publice, Revue de Droit Interna- sional et de Legislation Comparte, 1X (1928), p. 225 ss. ©) Lewcés de Poswwir..., cit, p. 228. V. tb. Die Verbindlickheit,.., cit, pp. 439-440. (8) O princtpio do reconhecimento do poder do arbitro de decidir sobre a sua competéncia encontrava-se previsto no art. 14 do «Projet de réglement pour Parbitrage A competéncia da competéncia do Tribunal Constitucional 109 importancia prética, em virtude de os compromissos arbitrais haverem, em regra, passado a conter cldusula explicita, De todo © modo, hé quem fale'na formagéo de um costume (de natureza interpretativa) (°). No que toca & segunda questéo, desenhou-se 2 propenséo para considerar que a decisio de competéncia néo precludiria absolutamente a possibilidade de invalidade da decisio de mérito por «excesso de poder», embora os fundamentos daquela se houvessem de restringir 2 casos de erro mani- festo ou grave na primeira deciséo. A ideia recebeu recentemente a autoridade resultante de haver sido acolhida pelo ‘Tribunal Internacio- nal de Justiga, no seu acordo de 12 de Novembro de 1991 sobre 0 «Caso relativo & Sentenca Arbitral de 31 de Julho de 1989» (Guiné-Bis- sau c. Senegal) (9). internationale» adoptado pelo Instituto de Diteito Internacional em 1875 (Annuaire de Unstitut de Droit International, 1 (1877), p. 126 ss.) — «(Ves arbitres doivent se pro- noncer sur les exceptions tirées de l'incompétence du tribunal arbitral, sauf le recours dont il est question & l'art. 24, 2éme al, et conformément aux dispositions du com- promis» ¢ «(dans Je cas ot fe doute sur la compétence dépend de l'interprétation d'une clause du compromis, les parties sont censées avoir donné aux arbitres la faculté de rancher la question, sauf clause contraires. Veio depois a ser consagrada na Conven- fo da Haia de 1899 (Convention pour le réglement pacifique des conflits internationau, signée a la Haye le 29 juillet 1899), art. 48 — «()e Tribunal est autorisé & déterminer sa compétence en interprétant le compromis ainsi que les autres traités qui peuvent étre invoqués dans la matiére et en appliquant les principes du droit international» — e pelo art. 73, com o mesmo teor do referido art. 48, da Convencio 1907 (Convention pour le réglemene des conflits internationaus, signée & la Haye le 18 octobre 1907). Pot fir, esté consignado no art. 9 do Modelo de regras sobre processo arbitral, adoptado pela CDI sobre a base do projecto Georges Scelle — «Le Tribunal arbitral, maftre de sa com- pétence, dispose des pouvoirs les plus larges pour interpréter le compromis» (Annuaire de la Comission du Droit International, 1952, Ml, p. 2 ss.) ©) V., p. ex, Georges Berlia, «Jurisprudence des tribunaux internationaux en ce qui concerne leur compétences, RC.A.D.L., 88 (1955-1), p. 110 ss., pasim, nomea- damente p. 154. (9) Acérddo de 12 de Novembro de 1991, TI, Recueil, 1991, p. 69, pars. 47-48. Note-se que, sobre o ponto em causa, as partes se encontravam de acordo, Aquilo que a Guiné-Bissau sustentava era que, mau grado a sua defeituosa reduecio e até por forca da interpretagio que as préprias partes lhe haviam dado, o art. 2.° do'compromisso arbi- tral impunha, com nitidez suficiente, que o Tribunal Arbitral, depois de haver julgado © Acordo de 26 de Abril de 1960 como vinculativo entre as partes no que toca aos espa~ gos a que se referia (mar territorial, zona contigua c plataforma continental), se pro- nunciasse wex novon sobre a delimitacio da ZEE e viesse porventura a estabelecer uma fronteira tinica final de sintese — ¢ nisso 2 maioria do TIJ n4o a acompanhou, consi- derando que 0 entendimento segundo 0 qual o Tribunal arbitral no teria de passar & delimitagéo da ZEE ¢ & eventual fixagio de uma linha tinica nao era, face a0 compro- misso, uma interpretagio que envolvesse, por parte do Tribunal Arbitral, «méconnattre 0 Miguel Galvao Teles Observe-se, no entanto, que o carécter consensual da jurisdicao internacional implica que possa nao haver tribunal que subsequente- mente decida (11). O que quer dizer que as questées da propria exis- téncia, no caso concreto, de comperéncia da competéncia, da validade da decisio que a exerca ¢ da validade da eventual decisto de mérito podem ficar simplesmente como questées em aberio. 3. Os problemas mencionados podem reproduzir-se ¢ reprodu- zem-se, néo s6 no campo da jurisdiggo permanente de direito interna- cional piiblico (#2), como no dominio das arbitragens de direito privado, manifestement sa compétencer (pp. 70-72, pars. 50-60). Outra alegagio da Guiné-Bis- sau consistia em que, verdadeiramente, © Tribunal Arbitral nfo decidira sobre a sua pré- pria competéncia, conforme resultaria da circunstincia de o pat. 87 constar da motivacéo, © nio do dispositivo, corroborada pela declaracio do presidente junta a0 acérdio. Isso abritia uma questéo nova na teoria da competéncia da competéncia dos tribunais arbi- trais: a das consequéncias, designadamente no que toca ao estatuto da decisio de fundo, da abstencéo de decisio em questéo de competéncia suscitada (v. as minhas interven- @es nos dias 4 de Abril de 1991, CR [provisério} 91/3, e no dia 9 de Abril, CR {pro- vis6rio] 91/7). O TY, reconhecendo embora que «la sentence est de ce point de vue construite d'une maniére qui pourrait donner prise & la critiques, julgou que, apesar de tudo, 0 par. 87 contetia uma decisio aprovada por maioria ¢, por isso, nfo se pronunciow sobre a questo mencionada, (1) No processo atris referido, a Guiné-Bissau invocou, como fundamento da competéncia do TIJ, ¢ em correlagio com as declaragées de aceitagao da jurisdigao pelas partes, a al. 6) do n.° 2 do arc. 36 do Estatuto, que fala de stout point de droit international», Em declaragio do voto, o jutz. ad hoe designado pelo Senegal ¢ antigo vvice-presidente do Tribunal, Mbaye, procurou introduzir reservas 20 valor do acérdao como precedente em materia de competéncia para conhecimento de questbes de validade de sentengas arbitrais (lembre-se que 0 tinico outro caso apreciado pelo TI] — o da Sen- tenga Arbitral da Rei de Espanha de 23 de Dezembro de 1906, Honduras c, Nicaragua, Recueil, 1960, p. 192 ss. — fora submetido com base em tratado ¢, portanto, nos ter~ mos do n.° 1 do art. 36), sublinhando que o Tribunal assinalara que o Senegal néo havia contestado a sua competéncia (p. 62, par. 24). Todavia, o TI] aceitou a competéncia na base do n.° 2 do art. 36 e no, sequer em alternativa, pelo menos explicitamente, com fundamento em forum prorrogasum (Regulamento, art. 38, n.° 5). Mais precisamente, © sem prejutzo de alguma cautela que o Tribunal revelou, 0 entendimento do juiz Mbaye s6 parece poder justificar-se se vier acompanhado de ideia de que a excepgio de incompeténcia do Tribunal ratione materiae nfo € do conhecimento oficioso, que no se afigura fundada (sobre o problema, v., p. ex., G. Abi-Saab, Les Exceptions Préliminaires dans la Proctdure de la Cour Internationale de Justice, Patis, 1967, p. 205 ss.) (2) O ne 6 do art. 36 do Estatuto do TIJ estabelece que, «(e)n cas de contes- tation sur le point de savoir si la Cour est compérente, Ia Cour décides. ‘Tem-se enten- dido que o preceito confere ao Tribunal a competéncia da sua competéncia (v., nomea- damente, 0 Acérdéo de 18 de Novembro de 1953 proferido no Caso Nottebohm, A compettncia da competéncia do Tribunal Constitucional aun internacionais ou internas, com a especificidade resultante de af haver tribunal com competéncia para intervir subsequentemente, seja no plano do réconhecimento ou da execugao da sentenga, seja no de um conten- cioso de validade. Assinale-se que a lei portuguesa sobre arbitragem voluntéria (Lei n.° 31/86, de 29 de Agosto), ao mesmo tempo que expressis verbis attibui a0 tribunal arbitral a competéncia para se pro- nunciar sobre a sua prépria competéncia (art. 21.9), reconhece, sem nenhum limite material, a incomperéncia daquele como fundamento de invalidade da sentenca (art. 27.9) (13). 4, Também os tribunais estaduais possuem a competéncia da sua competéncia. Nao existe, no nosso Cédigo de Processo Civil, disposi- Go directa nesse sentido. Mas 0 princ{fpio decorre de numerosos pre- ceitos, desde os que regulam a arguigo eo conhecimento da incom- peténcia, absoluta ou relativa (CPC, arts. 101.° e segs.), até aos que, agora também no que respeita as condigées do exercicio da competéncia, se reportam & arguicéo e conhecimento das excepgées dilatérias e & absol- vigdo da instincia (CPC, arts. 288.°, 289.° ¢ 493.° a 495.°). Os tribunais estaduais integram-se, porém, em sistema, ¢ isso con- duz a algumas particularidades, face as jutisdigdes internacionais ¢ mesmo, embora em medida menor, as prdprias arbitragens internas. Antes de mais, as decisées sobre a competéncia ou as condigées do seu exercicio podem estar sujeitas a recurso, Tal significa que a defini- sfo final da competéncia de um determinado tribunal ou das condigées do seu exercicio pode vir a ser heterénoma. Mas, no limite, alguém exer- cera, a titulo final ou pretendidamente final, a competéncia da sua competéncia — que mais nao seja, a competéncia de declarar se ¢ ou nio competente para decidir da competéncia de outros tribunais. Por outro lado, a integracao sistemdtica dos tribunais conduz a que a deci- séo de um tribunal sobre a sua propria competéncia possa envolver ¢ enyolva normalmente, pelo menos de forma implicita, um jufzo sobre a competéncia de outros tribunais. Daf que se tornem possiveis conflitos de competéncia, positivos ou negativos, e que se formulem regras com Liechtenstein ¢, Guatemala, Recueil, 1953, pp. 119-120; eft. Sir Gerald Fitzmaurice, The Law and Procedure of the International Court of Justice, Cambridge, 1986, II, p. 451 ss.). (3)_-V,, ainda, p. ex. 0 art. 16.%, n.° 1, da Lei Modelo da CNUDCI sobre a Asbitragem Comercial Internacional e Maria Angela Bento Soares e Rui Moura Ramos, Arbirragem Comercial Internacional, Anélise da Lei-Modelo da CNUDCI de 1985 (sep. do BMJ, Documentacio ¢ Dircito Comparado, n.° 21 de 1985), 1986, pp. 279-280. 12 Miguel Galuto Teles vista & sua resolugdo (designadamente, CPC, arts. 115. e segs.). Ainda por esta via se pode chegar a uma definigéo heterénoma da competén- cia. Mas também neste caso alguém exercerd ou pretenderd exercer, em tltima andlise, a competéncia da sua prépria competéncia. TI 5. Assim chegamos ao Tribunal Constitucional. E permitam-me que me cinja ao dominio da fiscalizagao concreta da inconstitucionali- dade (ou de modalidades qualificadas de ilegalidade). Tribunal Constitucional insere-se no sistema dos tribunais esta- duais portugueses. O problema da competéncia da competéncia hé-de pois pér-se, quanto a ele, no quadro geral que é préprio destes. © mesmo sucederé com outros tribunais constitucionais, nas respectivas ordens juridicas. Resta, contudo, e por um lado, saber se nao se verifica, quanto ao Tribunal Constitucional portugués, particularidade que o distinga de outros tribunais constitucionais, com consequéncias na matéria que nos ocupa. E importa por outro lado perguntar se 0 modo de intervengao do Tribunal Constitucional introduz ou nao alguma especificidade em con- fronto com 0 modo como a questéo da competéncia da competéncia normalmente se coloca relativamente’aos demais tribunais portugueses. 6. No que ao primeiro aspecto diz sespeito, o que hé de caracte- Histico — e julgo que tinico relativamente a tribunais constitucionais pro- priamente ditos — consiste na circunstancia de, entre nés, 0 acesso 20 ‘Tribunal Constitucional se efectuar por via de recurso, € nao por via de incidente (em sentido estrito). A diferenga dos sistemas no acarreta con- sequéncias logicamente necessétias no tocante ao ambito da competén- cia da competéncia do tribunal constitucional. Mas pode dizer-se que existem solugdes mais consentancas com um ¢ com outro. No regime de incidente, 0 tribunal constitucional possuiré, em medida mais ou menos vasta, competéncia para, havendo-lhe sido sub- metida pelo tribunal a go questo de inconstitucionalidade ou tida por tal, julgar se € ou néo competente pata decidi-la ou, eventualmente, se as condigées de exercicio da sua competéncia se encontram ou nfo preen- chidas. Mas 0 que, pelo menos nos principais sistemas de controlo inci- dental (Austria, Alemanha, Itdlia, Espanha), 0 tribunal constitucional nfo pode é pronunciar-se, independentemente do tribunal onde se encon- tra a questo principal ou contra ele, no sentido de que uma questo Ihe deve ser submetida e fazer que Iho seja. Basta a circunstincia de as par- A compettneia da compesincia do Tribunal Constitucional 113 tes ndo terem, para efeitos de iniciativa, acesso directo ao tribunal consti- tucional. A questéo de inconstitucionalidade tem de Ihe ser deferida pelo tribunal a quo, seja na base de um jutzo de inconstitucionalidade, seja na de um jutzo de divida, seja mesmo na de um mero juizo de nao manifesta desrazoabilidade de uma arguicao de inconstitucionalidade (#4). No fundo, o deferimento da questio de inconstitucionalidade ao tri- bunal constitucional pelo tribunal @ quo representa n&o sé condicdo da competéncia do primeiro, como condigéo do exercicio por ele da com- peténcia da sua competéncia, Esta fica assim circunscrita. 7. A esséncia do sistema de recurso pertence a possibilidade de iniciativa, pelas partes ou eventualmente também por quem assegure o interesse puiblico, da submissdo da questéo de inconstitucionalidade a0 tribunal constitucional. A natureza do sistema jé nao exige necessaria- mente que a decisao final sobre a admissibilidade do recurso caiba ao tri- bunal ad quem. Tal é, porém, o regime geral do nosso Direito, expresso na possibilidade de reclamacio para o tribunal ad quem da decisio do tribunal a quo que nao admita o recurso (CPC, arts. 687.° a 689.9). E, se nada teria impedido o legislador de, no dominio da jurisdicao constitucional, haver derrogado esse regime geral, a verdade é que nao © fez, Bem pelo contrario: tanto o Estatuto da Comissio Constitu- cional (art. 42.°) como a Lei do Tribunal Constitucional (arts. 76.9, no 4, € 77.2), esta com a cobertura explicita da parte final do n.° 4 do art, 280.° da Constituigio, consignaram expressis verbis a possibilidade de reclamagio para 0 orgio de jurisdi¢ao constitucional da decisio do tribunal @ quo que nao admita o recurso interposto (15). A este cabe deci- (4) A primeira situagao (necessidade de juizo de inconstitucionalidade por parte do tribunal a gua) € 2 que se verifica na Alemanha (y., p. ex., E. Benda, «Die Verfas- sungsgerichtsbarkeit der Bundesrepublik Deutschland», in C. Stark/A. Weber (ed.), Verfassungegerichtsbarkeit in Westeuropa, Baden-Baden, I, 1986, p. 132, e W. Zeidler, Rela- tério em Justica Constisucional e Espécies, Conteiido e Efeitos das Decisaes sobre a Consti- tucionalidade de Normas, Vil Conferéncia dos Tribunais Constitucionais, Tribunal Constitucional, Lisboa, 1987, Parte IT, p. 53)s a segunda sicuagio (necessidade de jutzo de diivida) ¢ aquela que ocorte na Austria (v. K. Korinek, «Die Verfassungsgerichtsbarkeit in Osterreichn, Verfissungscerichtsbarkeit..., cit. I, pp. 161-162) e em Espanha (A. Latorre Segura e L. Diez-Picazo, Relatério em jtustipa Constitucional..., cit., Paste Ul, pp. 186-187); © terceiro regime € 0 que vigora em Itdlia, nos termos expressos do art. 1.° da Lei Constitucional n° 1, de 9 de Fevereiro de 1948, sem prejutzo, conforme af igualmente previsto, de a questéo ser suscitada oficiosamente pelo juiz a quo. (5) A reclamagéo para o Tribunal Constitucional encontra-se regulada pelo art. 77.2 da LTC (redacgio da Lei n.° 85/89, de 7 de Setembro). Diferentemente do a 114 Miguel Galudo Teles dir a final sobre a admissibilidade do recurso, quer o tribunal a quo 0 haja admitido (LTC, art. 76.9, n.° 3), quer ndo. Isto significa que © acesso ao Tribunal Constitucional — que mais no seja para a decisio sobre a admissibilidade do recurso — se encon- tra, entre nés, muito mais facilitado do que nos sistemas de incidente. Mas significa ainda — e € que aqui importa — que a competéncia da competéncia do Tribunal Constitucional portugués é bem mais vasta do que a da generalidade dos seus congéneres. 8. Tanto no regime de incidente como no de recurso, o tribunal de constitucionalidade apenas conhece de questo prévia suscitada por questo principal cuja deciséo incumbe a outros tribunais. Isso implica, na passagem da resolugéo da questio prévia para a da questio principal, a intermediagio de outro tribunal e envolve que a decisio do tribunal constitucional nao seja ela propria — perdoe-se o alargamento do con- ceito — titulo executivo, embora haja de fazer caso jullgado, pelo menos no processo (18). E ébvio que 0 tribunal constitucional néo poderd sobrepor-se ao tribunal competente para a questio principal na deciséo desta. Mas pode perguntar-se se nao Ihe haverd de caber, ou poder caber, julgar se 0 tiltimo, na decisio da questo principal, respeitou a deci- so proferida sobre a questao de constitucionalidade. O problema é, por enquanto, de competéncia, no de competéncia da competéncia. 9. A possibilidade de controlo, pelo tribunal constitucional, do respeito das suas decisées por parte do tribunal competente para o jul- gamento da questéo principal, pelo menos quando no resultasse da propria iniciativa deste ultimo, seria axiologicamente contraditéria com que sucede no processo civil, a decisio pertence, nio ao presidente do Tribunal, mas 8 seagio e faz caso julgado no processo (sobre as especialidades do regime da reclama- 40 para o Tribunal Constitucional, v. Ac. TC n.° 318/93, adiante referido). Problema melindrosissimo no aspecto «institucional» foi aquele que se suscitou no processo em que veio a ser proferide @ acérdio acabado de mencionar, relacionado com a divergéncia entre © Tribunal Constitucional ¢ 0 Supremo Tribunal de Justica acerca da necessidade de, tratando-se de processo laboral, o despacho do relator ser presente & conferéncia no ST]. © TC, embora sem prescindir do set entendimento, acabou, prudentemente, e invo- cando o legitimo interesse do reclamante, por aceitar conhecer da reclamagio sem cum primento da formalidade prévia de submissio & conferéncia no wibunal @ quo. (9) José Manuel Cardoso da Costa, A Justiga Constitucional no quadro das fun- sies do Estado vista t luz das espécies, contetido e efeito das decisoes sobre constitucionali- dade das normas juridicas, Lisboa, 1987, p. 66. A competéncia da compettncia do Tribunal Constitucional 1s a propria razo de ser do regime de incidente, desenhado nos termos atrés referidos. Se 0 drgio de constitucionalidade apenas pode intervir, para julgar 2 questio prévia, por iniciativa de um outro tribunal, nao se compreenderia que, sem essa iniciativa, pudesse pronunciar-se sobre 0 respeito das suas decis6es. Jé num sistema de recurso, como o portu- gués, tal incompatibilidade nao existe. Mas a racionalidade do sistema também nao impée, por si, a necessidade de que o respeito das decisées do tribunal constitucional possa ser por ele proprio controlada. Nem a Constituigio nem a LTC prevéem, entre nés, meios espe- officos de controlo pelo Tribunal Constitucional da execugao das suas sen- tengas. Nestes tetmos, o problema da possibilidade de intervengéo sub- sequente do Tribunal Constitucional restringe-se a saber se, apesar de jé ter havido deciséo sobre a questo de inconstitucionalidade, cabe ainda recurso, para ele, com algum dos fundamentos indicados no art. 280.° da Constituigéo ¢ no art. 70.° da LTC (17), Daqui resulta que s6 nesse estrito Ambito 0 problema da salvaguarda, pelo proprio Tribunal Cons- titucional, do respeito das suas decis6es se possa por © problema que ora se refere é susceptivel de se suscitar tanto quando a intervencéo precedente consista numa declaragio de incons- titucionalidade com forga obrigatéria geral como quando se traduza em decisio sobre a questéo de constitucionalidade tomada no préprio pro- cesso, pot via de fiscalizagao concreta. ‘A Comisséo Constitucional considerou ¢ 0 Tribunal Constitucional tem considerado admissivel 0 recurso no primeito tipo de situagées (18), (°?) Assim, explicitamente, p. ex., Acs. TC n.* 318/93 ¢ 462/94 (DR, Il, de 2 de Outubro de 1993 ¢ 21 de Novembro de 1994). Sobre a execugio das decisées do Tribunal Constitucional, v., em particular, Anténio Rocha Marques, «O Tribunal CConstitucional e os outros tribunais: 2 execugio das decisdes do Tribunal Constitucionale, Estudos sobre a Jurisprudéncia do Tribunal Constitucional (Lisboa), 1993, p. 455 ss. No texto falarei de seguida apenas de questo de inconstitucionalidade, mas o que a seu res- peito se diz poder ser transposto para as questdes de silegalidade qualificada» (Const., art, 280.°, n. 2€ 5, e LTC, art. 70.9, n° 1, als. ¢) af). (®)V., p. ex., para além dos arestos citados por Jorge Miranda (Manual de Direito Constitucional, Tl, 3. ed, (Coimbra), 1991, p. 445, nota 4), Acs, CC no 415 447 (Ap. DR de 18 de Janciso de 1983) € Acs. TC ns 257/89 (Acérdéos TC, 13. Il, p- 799), 214/90 (ibid., 16.°, p. 581), 251/90 ¢ 253/90 (inéditos), 186/91 (DR, Ul, de 10 de Setembro de 1991) e 318/93 (DR, Il, de 2 de Outubro de 1993). Situagéo curiosa é aquela a que se refere 0 Ac. n.° 94/90 (Acérditos TC, 15.9, p. 333): estava em ‘causa 0 respeito de decisio anterior, proferida em fiscalizagio concreta (Ac. n.° 281/88, DR, Il, de 22 de, Fevercito de 1989), que mandara ja reformar decisio impugnada em conformidade com declaragio de inconstitucionalidade dotada de forga obrigatéria geral 16 : Miguel Galvao Teles ¢ a doutrina tem dado, em geral, 0 apoio a essa orientagio (19), As espé- cies jurisprudencias séo diversificados. De comum apresentam a circuns- tancia de ter existido declaragao de inconstitucionalidade com forga obri- gatéria geral ¢ de esta possuir alguma relagdo com o recurso interposto para o Tribunal Constitucional. Mas a relacéo varia. Nuns casos encon- tra-se em causa a aplicagdo de norma que fora declarada inconstitucional (p. ex., Acs. n.°° 339/86, 257/89 e 186/91). Noutros, a declaragao de inconstitucionalidade fora parcial e o que antes de mais se discutia era se na sua aplicaco se respeitaram ou nao os seus termos (Ac. CC n.° 415). Noutros ainda, houvera ressalva nos termos do n.° 4 do art. 282.° da Constituigéo ¢ perguntava-se se 0 caso se encontrava ou nfo abrangido por essa ressalva (Acs. n.°° 214/90, 251/90 e 253/90) (2%). Noutro finalmente, muito delicado, o problema residia, em tiltima andlise, no respeito da ressalva genética dos casos julgados constantes do n.° 3 do art, 282.° da Constituiga0, tendo o Tribunal negado provimento A recla- magSo por nfo caber recurso com fundamento em inconstitucionali- dade (directa) de decisGes judiciais (Ac. n.° 318/93). ‘Também jé por mais de uma vez foi suscitado o problema da con- formidade da decisio da questéo principal com jufzo anterior pro- nunciado no préprio processo — em fiscalizagio concreta, por conse- guinte — sobre a questéo de inconstitucionalidade. Nunca 0 orgio (Ac. n.° 131/88, Acérdéos TC, 11.°, p. 465). Assinale-se ainda que o Tribunal admi- tiu a equiparagio & declaragio de inconstitucionalidade emitida pot si proprio da decla- rasio de inconstitucionalidade efectuada pelo Conselho da Revolugéo, anteriotmente & revisio de 1982 (Ac. n.° 3391/86, Acérdios TC, 8., p, 629). Nas referencias feitas con- sideram-se indiferentemente casos em que o Tribunal deu provimento ao recurso (p. ex., ‘Acs. n.% 257/89 € 186/91) ¢ casos em que nfo deu e mesmo — quando era essa a situa gio — casos em que deu ¢ ndo deu provimento a reclamasio. O que importa € que © Tribunal haja aceite conhecer da contradig&o, se esta existir. Veja-se todavia a deli- mitagio feita pelo Ac. n.° 318/93, adiante referido no texto, () No sentido da admissibilidade do recurso, Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituigao Anotada, 3.9 ed. (Coimbra), 1993, p. 1025; Gomes Canotilho, Direito Constitucional, 5. ed. (Coimbra), 1991, p. 1082, nota 25; Jorge Miranda, loc. cit, p. 445; Cardoso da Costa, A Jurisdigiio Constitucional em Portugal, 2.* ed. (Coimbra), 1992, p. 29, nota 28, € Paulo Otero, Ensaio sobre o caso julgado inconstitucional (Lis- boa), 1993, p. 99. Contra, Afonso Queiré, Revista de Legislagto ¢ de Jurisprudéncia, ano 115, pp. 153-154, e Vitalino Canas, «O Ministério Piiblico ¢ a Defesa da Cons- tituigion, Reviste do Ministéria Pédblica, 20 (1984), pp. 68-69. () O que implica — e parece que correctamente — reconhecer valor vin- culativo (geral) & ressalva estabelecida a0 abrigo do n.° 4 do art. 282.9, de tal modo que 6s tribunais, incluindo 0 proprio Tribunal Constitucional, ficaréo obrigados a aplicar as normas, apesar de inconstitucionais, no dominio ressalvado. A compettncia da compettncia do Tribunal Constibucional 7 de constitucionalidade, que adoptou toda a prudéncia, veio a reconhe- cer a existéncia de desconformidade. Mas a verdade também é que em nenhuma das espécies considerou exclufda, pot razdo de principio, a possibilidade de julgar (1). 10. Quando (como sucedia nas espécies a que respeitam os Acs. da CC n° 415 e do TC n.° 163/95) aquilo que se encontrar arguido for @!)_V,, além dos j& referidos Ac. CC n° 447 ¢ Ac. TC n° 94/90, Acs. TC 1 330/92 (inédito) e 462/94 (DR, I, de 21 de Novembro de 1994). Caso particular G aquele a que se refere o Ac. TC n.° 163/95 (ainda inédico). O Tribunal Constitu- cional julgou inconstitucional, no préprio proceso, a norma do n.° 1 do art. 8.° do Dec.-Lei n.° 138/85, de 3 de Maio, em cerca interpretagio, que fora utilizada pelo tri- bunal a quo, isto é, naquela segundo a qual, estando em causa eréditos de origem labo- ral, 0s «tribunais comuns» a que o preceito se refere sio os tribunais civeis (inconsti- tucionalidade orginica por violagéo da al. g) do n.° 1 do art. 168.° da Constituigao, redacedo de 1982). Subsequentemente, alids, foi proferida declaraggo de inconstitu- Gionalidade com forga obrigatéria geral, nos mesmos termos (Ac. n.° 151/94, DR, LA, de 30 de Margo de 1994). Remetidos os autos 20 Supremo Tribunal de Justiga, este manteve a decisio no sentido da competéncia dos tribunais civeis, apesar do julge- mento sobre inconstitucionalidade, invocando agora 0 n.° 4 do art. 43.° do Dec-Lei n° 260/76, de 8 de Abril (anterior & Constituicéo), sustentando (ao contrétio do que pressupusera 0 Tribunal Constitucional) que nfo se encontrava revogado (revogagio sistemdtica) pela Lei n.° 82/77 (Lei orginica dos tribunais judiciais). Interposto novo recurso para o Tribunal Constitucional, 20 abrigo da al. 4) do n.° 1 do art. 280.° da Constituigao ¢ da al. a) do n.° 1 do art. 70.° da LTC, este considerou que o Supremo recusara implicitamente a aplicagio do preceito do n.° 1 do art. 8.° do Dec-Lei n° 138/85 nao apenas com o sentido em que o mesmo fora julgado inconstitucional, ‘mas em qualquer interpretago possivel. Socorrendo-se do poder de proferir sentengas interpretativas (em fiscalizagéo concreta) que lhe confere 0 n.° 3 do art. 80.° da LTC, 6 Tribunal Constitucional considerou agora constitucional a refetida disposigao com 0 sentido segundo o qual a expresso «tribunais comuns... deve, apés a Lei n° 82/77, de 6 de Dezembro, ¢ quando estejam em causa créditos oriundos de relagées laborais, enten- der-se como correspondendo aos tribunais de trabalho», ¢ dew provimento ao recurso. ‘Caso préximo encontrava-se em causa no processo em que foi proferido 0 Ac. n.° 164/95 (também ainda inédito), com a diferenga de que no havia, nesse processo, decisio cemitida em antetior fiscalizagio concreta, relevando apenas a precedente decistio com forca obrigatéria geral. AG porém, foi recusado provimento ao recurso, porque este havia sido interposto ndo ao abrigo da al. a), mas 20 da al. 6) do n.° 1 do art. 280.° da Consti- tuigio e do ne 1 do art. 70.° da LTC. V., ainda, Cardoso da Costa, A Jurisdipdo..., cit., p. 57; nota $3-b, ¢ Ribeiro Men- des, «© Conselho da Revolugio ¢ 2 Comisséo Constitucional na fiscalizagio da cons- titucionalidade das leis (1976-1983), in Mario Batista Coelho (ed.), Portugal — O Sis- tema Palftico e Constitucional 1974-87 (Lisboa), pp. 937-938, e Recursos em Procesio Civil, 2.8 ed. (Lisboa), 1994, p. 337. 18 ____ Miguel Galvito Teles : cuma aplicagéo da deciséo da questéo de inconstitucionalidade para além dos seus limites», ndo vejo (apesar da critica do Prof. Afonso Queird a0 primeiro dos arestos referidos) dificuldade de maior. A deli- mitaggo do exacto alcance da anterior deciséo ¢ apenas, para o préprio Tribunal Constitucional, uma questo prévia. Se a sentenga impug- nada nfo se encontrar «coberta» pela precedente decisio, o fundamento atendivel de recurso nfo consistiré no «excesso relativamente & deciséo anterior em matéria de constitucionalidade», mas — consoante muito correctamente reconheceu 0 Ac. n.° 163/95 — em desaplicagéo de norma por inconstitucionalidade (al. a) do n.° 1 do art. 280.° da Constituiggo edo n° 1 do art. 70.° da LTC) ou em aplicacio de norma cuja incons- titucionalidade haja sido suscitada anteriormente durante 0 processo, se 0 houver sido (al. 4) dos referidos preceitos), conforme for 0 caso. A questéo haverd de ser julgada ex novo pelo Tribunal Constitucional. Se, porém, o que estiver em causa for o puro e simples desres- peito, pelo tribunal que julgue a questéo principal, da decisio proferida sobre questo de inconstitucionalidade, isto é se o que estiver em causa for a aplicacio de norma que haja sido julgada inconstitucional, no ambito em que o houver sido, ou a desaplicagéo, com fundamento em inconstitucionalidade, de norma que o Tribunal Constitucional, em decisio proferida no proceso, nfo tenha julgado inconstitucional, e no Ambito em que no o tiver feito, o problema torna-se melindrosissimo. A favor da possibilidade de nova decisio pelo Tribunal Constitucional poder alegar-se que estard sempre em jogo ou desaplicaggo de norma por inconstitucionalidade ou aplicagéo de norma cuja inconstituciona- lidade haja sido suscitada durante 0 processo (se 0 houver sido) e que, por isso, 0 recurso caberé ou na al. a) ou na al. 6) do n.° 1 do art. 280° da Constituigao e do n.° 1 do art. 70.° da LTC. Actescentar-se-& que, se a decisao precedente for no sentido da inconstitucionalidade, valer ainda o fundamento do n.° 5 do art. 280.° da Constituigéo e da al. g) (ou #)) do n.° 1 do art. 70,° da LTC (aplicagao de norma jé anterior- mente julgada inconstitucional) 2), E invocar-se-4, como 0 fez o Tii- (2) Note-se que, a0 contrério do que sustenta Jorge Miranda (loc. cit, p. 443), no se me afigura que © recurso previsto no n.° 5 do art. 280.° da Constituigéo haja sido estabelecido «por uma necessidade de harmonia de julgados ¢ para defesa da auto- ‘dade do Tribunal Constitucional» (vide, ainda, declaragio de voto do Conselheiro José de Sousa Brito nos Acs. n.** 214/90, 251/90 e 253/90). Tais razdes nao justifi- cariam que 0 recurso nao abrangesse igualmente os casos em que a questo de incons- titucionalidade houvesse sido apreciada pelo Tribunal Constitucional e este no se hou- A compettncia da compettncia do Tribunal Constitucional 1g bunal Constitucional (Ac. n.° 338/89), que, se o n.° 5 do art. 280.° abre via de impugnacao quando a deciséo anterior nfo gozar de forca obri- gatéria geral, por maioria de razo se justificaré o recurso, quando a deci- sto possuir tal autoridade. Acontece, todavia, que, se a decisio anterior houver sido proferida no proprio proceso em que 0 recurso se inter- ponha, existe, neste, caso julgado sobre a questao de inconstitucionalidade (LTC, art. 80, no 1). E poderd entender-se que autoridade de caso jul- gado possui ainda a declaracao com forca obrigatéria geral. A pergunta que ento se torna legitima ¢ a de saber se a intervencdo de caso julgado n&o modifica as coisas. Poderd o Tribunal Constitucional, apesar dele, pronunciar-se outra vez, ainda que apenas para repetir 0 julgado? Ou seré que o tribunal se encontra impedido de repetir a decisio? Na segunda hipétese, o recurso sé poderia ser concebido como recurso por violagto de caso julgado, com o alcance de visar a revogagao da decisio recortida por virtude de ofensa de res judicata. Simplesmente, esse recurso nao esté, como tal, previsto nem na Constituigéo, nem na lei. ‘Alegar-se-d que a violagio de caso julgado sobre questo de inconsticu- cionalidade se traduz em ofensa da Constituiggo0 — no caso de decla- ragdo com forca obrigatéria geral, ofensa do art. 281.9, n.° 1, no caso de caso julgado em fiscalizacéo concreta, ofensa do art. 280.°, na medida em que se entenda que o valor de res judicata da decisio do Tribunal Constitucional resulta implicitamente daquele preceito. Simplesmente, e além do mais, néo ser que af nos encontrarfamos perante um recurso por inconstitucionalidade de decisto judicial, inadmisstvel segundo cons- tante jurisprudéncia do Tribunal Constitucional? A resposta & questo bésica aqui envolvida implicaria uma reand- lise da teoria do caso julgado em geral — que avaliasse designadamente © exacto alcance da qualificagéo da excepgao de caso julgado como excepgio peremptéria, feita pelo Cédigo de Processo Civil (art. 496.°) — € do caso julgado sobre questao de inconstitucionalidade em particular. Uina tal reandlise nao cabe obviamente neste estudo e nao escondo que vvesse pronunciado pela inconstitucionalidade. B certo que, nessa hipétese, caberé sem- pre o fundamento da al. 4) do n.° 1. Mas no se compreenderia que o recurso nos ter- mos do n.° 5 seja sempre obrigatdrio para o Ministério Publico, quando, nos termos da al. a) do n° 1, s6 0 € se a norma a que houver sido recusada aplicagéo constar de convensio internacional, de acto legislativo ou de decreto regulamentar. Julgo que 0 no 5 se liga a um propésito de defesa da Constiuicéo. Entendeu-se que, quando ja tiver havido decisfio no sentido da inconstitucionalidade, nao s6 se legitima a possibi- lidade de recurso pela parte, ainda que nio haja suscitada a questio durante o processo, como o recurso haverd de ser obrigatério, no interesse da Constitu 120 Miguel Galvao Teles se trata de matéria sobre a qual nao tenho ideia assente. Limitei-me a tentar apontar alguns problemas (3). De qualquer modo, se o Tribunal Constitucional admitir os recur- sos em que esteja em causa 0 respeito das suas decisées, proferidas no proprio processo ou em fiscalizagao abstracta, estar a exercer a com- peténcia da sua competéncia. O instrumento seré sempre a faculdade de decidir a final sobre admissibilidade dos recursos para ele interpos- tos, mediante reclamacio, se for caso disso. 11. Quanto se disse mostra que — goste-se ou néo — o Tribunal Constitucional, tal como foi configurado pela nossa ordem jurfdica, & ngo sé um tribunal supremo — no sentido de que das suas decisées nao cabe recurso —, mas, de algum modo, ¢ mais até do que o Tribunal de Conflitos, um supremo dos supremos, ainda que de competéncia espe- ializada e situado fora das varias ordens de tribunais, A competéncia da competéncia que lhe é conferida nao difere sig- nificativamente daquela que cabe aos supremos tribunais que, por via da faculdade de rever as decisdes sobre a admissibilidade dos recursos, nomeadamente através de prontincia sobre reclamagio, acabam por ter © poder final de decidir dos recursos que admitem. E evidente que se podem abrir conflitos ¢ que, sobretudo se 0 Tii- bunal Constitucional se considerar competente para conhecer (por qual- quer via que scja) da ofensa de caso julgado, se torna concebivel um inter- mindvel «ping-pong». A verdade, porém, é que isso pode igualmente acontecer — para nao ir mais longe — em qualquer ordem de tribu- nais, em particular quando o recurso possua, a semelhanga do que acon- tece com o recurso para o Tribunal Constitucional, caracterfsticas cas- satérias (4), O melindre prético resulta de o Tribunal Constitucional ser de alguma sorte estranho as diversas ordens de tribunais. TL 12. Permitam-me ainda breves observagées de duas ordens: uma de natureza tedrica, outra prudencial. Saliente-se, para que nao haja equi- ) Outro ser o de saber — fora agora jd do ambito do problema da recor- ribilidade para 0 Tribunal Constitucional — se 0 art. 675.° do CPC € aplicével no caso de contradigio entre a decisio da questio de inconstitucionalidade ¢ a decisto da ques- tio principal. Tenderia a responder negativamente: fora do processo, a deciséo da questéo de inconstitucionalidade, como a de outra questo prévia, fica consumida pela decisio da questo principal, (9%) V. A. Ribeiro Mendes, Recwrs0s.... cite, p. 142. A comperéncia da compettncia do Tribunal Constitucional 121 vocos, que a primeira, na medida em que se refere aos tribunais, respeita a tribunais de qualquer natureza ¢ nfo apenas ao ‘Tribunal Constitucional. conceito de competéncia da, competéncia contém um momento reflexivo e a proposi¢ao que afirma a competéncia da competéncia de um tribunal é autoreferente (parcialmente autoreferente) (25). Isso conduz, desde logo, a que tal proposico envolva uma série infinita. Seja a norma: o tribunal A tem competéncia para julgar se € competente para julgar os casos que Ihe sejam submetidos. Na totalidade da sua exten- so, tal norma significard, relativamente, por exemplo, a um caso X, que o tribunal A é competente para julgar se € competente para julgar © caso X; que o tribunal A ¢ competente para julgar se € competente para julgar se € competente para julgar 0 caso X; ¢ assim sucessivamente (25), (5) Conforme é sabido, o problema da autoreferéncia foi trazido para 0 domi- nio juridico pelo génio de AIF Ross (On Law and Justice [London], 1958, pp. 80-81, 6 jd. com resposta a criticas e novos desenvolvimentos, «On self-reference and a “puzzle” in Constitutional Law», Mind, LXXVIIL, n.° 309, 1969, p. 1 ss.). Mas 0 problema de base, respeitante & aplicagio das normas de revisio constitucional & sua prépria altera- (Glo, fora jd formulada na Theorie der Rechisquellen (Leipzig-Wien), 1929, nomeada- mente pp. 261-262 ¢ 356. A utilizagio da teoria Idgica da autoreferéncia e a questio das suas consequéncias no que toca & revisio constitucional foram objecto de alguma importante discussio no mundo dos juristas — v., em particular, Hart, «Self-referring Laws» (1964), hoje em Essays in Jurisprudence and Philosophy (Oxford), 1983, p. 170 ss.3 Raz, «Professor A. Ross and Some Legal Puzzles», Mind, LXXXI, n.° 323, 1972, p. 415 ssi; N. Hoerster, «On Alf Ross alleged Puzzle in Constitutional Law», ibid, p- 422 ss, Recentemente a temética foi revista, com vastidao, por P. Suber, The Para- dox: of SelfAmendment (New York et al, 1990 (v., ainda, a stimula «O Paradoxo da Auto-Revisio em Direito Constitucional», sep. RFDUL, 1990). A questo da autore- feréncia veio a ter um papel fundamental na teoria autopoiética do Direito (v. G. Teub- net, Recht als autopoietisches System (Frankfurt a. M.), 1989, p. 9 ss., trad. portuguesa de J. Engricia Antunes, O Direito como Sistema Autopoittico (Lisboa), p. 4 ss.). No dom nio légico, Ross baseou-se niio s6 na andlise clissica de Bertrand Russel como, em larga medida, no estudo de J. Jorgensen, «Some reflections on reflexivity» (Mind, LXU, n° 247, 1953, p. 289 ss,), onde se sustenta que as proposigdes autoreferentes sio des- providas de sentido, Introduziu-se depois (nomeadamente Mackie, Truth, Probability and Paradox [Oxford], 1973, p. 285 ss. v. tb. Hart, loc. cit.) uma distingo entre auto- referéncia total e parcial, alegando-se que as proposicées apenas parcialmente autorefe- rentes tém sentido, embora conduzam a uma série infinita. Néo resisto, porém, a cha- mar a atengio para que hé uma (possivelmente uma tinica) proposi¢go toralmente autoreferente dotada de sentide. E a proposigéo: «esta proposicfo nao tem sentido». © ponto mereceria teorizacio légica, se no a tem jd. 9) E, aliés, ficil tornar paradoxal uma proposigéo sobre a competéncia da com- peténcia: A tem a competéncia para decidir da sua competéncia; logo A tem a compe- téncia para decidir que nao tem a competéncia para decidir da sua competéncia, Tra 122 Miguel Galvao Teles A série infinita, em si mesma, nfo poria problemas insuperdveis, Mas a situagao complica-se quando se faga intervir a relagdo entre funda- mentado ¢ fundamento. A competéncia da competéncia, em qualquer grau, implica que o fundamentado decida sobre o préprio fundamento, A alternativa a circularidade é a auto-afirmagio. A situagio mostra-se clara no caso de compromissos arbitrais, particularmente quando celebrados no quadro de um Diteito «difuso» — e foi por isso que a consciéncia dos problemas suscitados pela ideia de competéncia da competéncia dos tribunais surgiu a propésito das arbitragens de direito internacional piblico, Admita-se que 0 compro- misso arbitral ¢ 0 tinico titulo de competéncia, apenas se dispondo, para além dele, de um regra do tipo pacta sunt servanda, Se a vali- dade ou o sentido do titulo forem postos em questio, como pode set ele, que est em causa, o fundamento da autoridade para decidir? Supo- nha-se que hé no compromisso uma cldusula atribuindo ao tribunal arbitral a competéncia para decidir da sua competéncia. E se forem ques- tionados o sentido ou a validade de tal cléusula? Em «Direitos com- plexos», com intervenc&o nomeadamente da lei, a5 apotias tornam-se menos notérias, mas nfo desaparecem. Suscita-se a questo de saber se a norma X confere competéncia ao tribunal A para julgar certo caso. Invoca-se a norma Y, que se afirma atribuir ao tribunal a competéncia para decidir da sua competéncia. Mas se esta prépria norma for posta em causa, em que é que o tribunal se pode fundar? Nessa mesma norma Y? Seria circular, Numa norma Z? O problema pode ser rea- berto perante ela. ‘A questio que assim se coloca nio é no essencial diferente nao s6 daquela em relaco com a qual surgiu inicialmente a teoria de compe- téncia da competéncia (a que titulo pode a Federasio, por si, alterar as suas relagées com os Estados federados, em termos que podem até con- duzir & supressao da estrutura federal 2), como daquela que Alf Ross des- cobriu a propésito da aplicagao das normas de tevisio constitucional & sua propria modificagao. Para além das questdes ldgicas ligadas & auto- referéncia, 0 problema que nessa aplicagao verdadeiramente est4 em ia provavelmente de um paradoxo do tipo do «paradoxo do mentiroso» cuja dis- solugdo se poderia porventura obter a partir de uma distingio de «escaloes» & maneira de Tarski: a segunda proposigio atcés mencionada respeita a uma competéncia da com- peténcia de primeiro grau ¢ pressupée 0 exercicio de uma competéncia da competén- cia de segundo grau, que por ela nfo & negada. Mas os problemas que no texto de seguida sumariamente se indicam no desaparecem. A competincia da competincia do Tribunal Constitucional 123 jogo ¢ 0 da reverséo do fundamentado (poder de revisio constitucional) sobre o fundamento (normas que atribuem esse poder) (27). No caso dos tribunais, trata-se da relagéo entre 0 poder de adizerem 0 que & a lei» (fundamentado) ¢ a préptia «lei» (fundamento). 13. Poderd afirmar-se que a competéncia da competéncia dos tri- bunais é derivada, enquanto a competéncia da competéncia do cha- mado poder constituinte (origindrio) a que noutro estudo aludi ¢ que se manifesta naquilo a que chamei sistemas juridicos fundacionais (°8) & origindria, Num caso € noutro existe auto-afirmacéo ou auto-impo- siggo. Varia o grau. Nenhum sistema jurfdico pode funcionar sem que se mantenha ou reestabeleca consenso quando & competéncia da competéncia dos tribunais, Questées de competéncia da competéncia de segundo grau sao necessariamente questées em aberto, insoltiveis pelo sistema. Se 0 que for posto em causa for a competéncia da competéncia origindria (ou 0 principio de omnicompeténcia em que o sistema se bascie, caso seja néo-fundacional), passa-se aquilo a que chamaria «estado de natureza de segundo grau». Poderd dizer-se que o direito ¢ antopoiétice. O problema vem depois ¢ € 0 do estatuto da validade juridica. 14, Passemos a observacio de natureza prudencial. Assinale-se, também para evitar quaisquer equivocos, que nao hé, em meu juizo, razio minima para pér em diivida, no nosso Direito, a competéncia da competéncia do Tribunal Constitucional e, por conse- @)_V. 0 meu artigo «Revolution, Lex Posterior and Lex Nova», cit, pp. 73-75. @)_V. 0 citado estudo, pp. 74-76, onde fiz uma distingao entre sistemas juri- dicos fundacionais ¢ ndo-fundacionais. Hoje comecaria por separar sistemas baseados num principio de heteronomia e sistemas baseados num principio de autonomia (se é que estes tiltimos sio verdadeiros sistemas — se 0 forem, possuirdo um grau mfnimo de sistematicidade). A distingio entre sistemas fundacionais ¢ nao fundacionais restringe-se a primeira categoria. Por outro lado, tetia hoje divide em utilizar 0 conceito de com- peténcia da competéncia, ligado ao poder constituinte, ainda que numa forma mista de competéncia da competéncia origindria e derivada, a propésito dos sistemas nao-fun- dacionais (p. ex., o sistema britanico). Porventura af o ponto de partida ser, ndo a ideia de competéncia da competéncia, mas a de «omnicompeténcian. Restard saber se a comperéncia da competéncia origindria no representa um momento de «autolimitagZon de uma comnicompeténcia» pressuposta (lembre-se, em particular, 0 caso das cartas constitucionais, que tanto interessou Ross). Todas as dificuldades desembocariam, a final, no paradoxo da omnipoténcia. 124 Miguel Galvio Teles guinte, para abrir uma insoltivel questéo de competéncia da compe- téncia de segundo grau. Mas no penso que, apesar de todas as cautelas que a pratica tem revelado, possa ignorar-se o melindre de um regime que permite, com facilidade, a cassagio das decisées dos supremos tri- bunais de cada ordem. E, no fundo, o préprio sistema de recurso cons- titucional que merece ser repensado, na sua prépria manutengio ou pelo menos na sua organizacao. Talvez valha a pena um apontamento histérico. Creio que néo hd hoje inconveniente em que o diga, fui, com o meu querido amigo ¢ yice-presidente do Tribunal Constitucional, Conselheiro Luis Nunes de Almeida, co-autor do texto que o Conselho da Revolugio veio, nos princfpios de 1976, a apresentar aos partidos e que serviu de base A segunda Plataforma de Acordo Constitucional entre aquele ¢ estes (9). Era dado assente que 0 Conselho da Revolucio interviria no controlo da constitucionalidade. Por isso se propés a criagao, junto dele, de uma Comisséo Constitucional, composta em parte por magistrados judiciais, em parte por juristas no magistrados. No dominio da fisca- lizago concteta da inconstitucionalidade, a intervengao far-se-ia em regime de incidente. Um partido (0 PPD), com receios na altura porventura compreen- siveis mas que julgo que os factos no confirmaram, quis limitar a pos- sibilidade de acesso & Comissio Constitucional 20 caso em que tivesse existido recusa, por um tribunal, de aplicagio de norma com fundamento em inconstitucionalidade (tratar-se-ia de uma salvaguarda contra 0 «governo dos juizes»). E em ligagdo com isso surgiu a ideia, que tinha alids entre nés algum passado (9), do recurso para a Comissio Constitu- cional. Na negociagio que se seguiu, além de se ter excluido qualquer intervenggo do Conselho da Revolugio na fiscalizagio concreta, os funda- mentos de recurso foram alargados & hipétese de decisio de um tribu- nal contréria a anterior decisio da Comisséo Constitucional no sentido da inconstitucionalidade — mas seguindo-se sempre a via de recurso. Com a tevisio de 1982, Conselho da Revolucio e Comissio Cons- titucional foram extintos ¢ criou-se Tribunal Constitucional. Os fun- ©) A «Contraproposta inicial do Conselho da Revolucion encontra-se publicada em Jorge Miranda, Fontes e Trabalhos Preparatérios da Constisuigao (Lisboa), 1978, vol. II, p. 1210 ss. (v. pontos 3.7 a 3.9). Quanto & 2.4 Plataforma de Acordo Cons- titucional, ibid, I, p. 204 ss. (v. pontos 3.10 a 3.12). ©) V. 0 meu artigo «A concentracéo da competéncia para o conhecimento jurisdicional da inconstitucionalidade das leis», O Direito (103), 1971, p. 194 ss. A competincia da competéncia do Tribunal Constitucional 125 damentos de intervencao da instincia de constitucionalidade foram alar- gados ao caso de a questo de inconstitucionalidade haver simplesmente sido ‘suscitada no processo. O regime de incidente passava a ser, pelo menos, to «natural» como o de recurso. Este tltimo foi, porém, man- tido. A FRS havia proposto que se transitasse para a férmula do inci- dente, mas a proposta foi rejeitada, com o argumento principal de que «desligaria» os tribunais em geral da Constituicao (3). Nio escondo 0 meu desacordo com qualquer solugo que entre nds viesse a dificultar excessivamente 0 acesso ao Tribunal Constitu- ional e sou sensfvel aos argumentos aduzidos em 1982 contra o regime de incidente. Mas nao disfargo também alguma preocupagéo com as pos- sibilidades de tensio entre Tribunal Constitucional e supremos tribunais, embora a prética possa tender para acomodagies. Poderia pensar-se em solugées intermédias, em que pelo menos se procurasse que, quanto possivel, 0 recurso em matétia de inconstitucionalidade fosse interposto antes que o proceso chegasse ao supremo tribunal da respectiva ordem. De qualquer modo, julgo que o tema dos modos de fiscalizagao concreta da constitucionalidade merece reponderacia. @!)" V. DAR, II, Suplem. 20 n° 72, de 27 de Margo de 1982, pp. 1330(1) a 1330(24).

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