enquanto botava os pratos na mesa. Tito estava sentado apenas observando os movimentos da colega. Os olhos acompanhavam os afazeres da moça, porém a cabeça estava muito longe dali. Esta pergunta não saia de sua mente: por que fiz? Os olhos desviavam-se dos copos, talheres e pratos ajeitados com esmero para fustigarem alguns aspectos do apartamento de Nina. Não era maior que o seu, apenas um quarto, sala cozinha e banheiro, porém mais desleixado. Alguns objetos pessoais atirados por sobre o sofá e roupas dependuradas por qualquer canto apontavam para uma mulher ‘bagunceira’ embora o local fosse limpo. Tito tinha o hábito de conferir, sorrateiramente, a cozinha de seus anfitriões quando era convidado para jantar. Nina fora aprovada. Tudo muito limpo, mas as coisas fora de lugar confirmavam as suspeitas de que se tratava de uma mulher instável. Não era bom em psicologia, mas imaginava que a casa de alguém refletia seu interior. E Nina não deixava a desejar; achava-a meio maluquinha, portanto não podia encontrar nada diferente do que já não havia imaginado. Tito sempre manteve seu apartamento limpo e organizado, justamente para que tivessem uma boa impressão sua quando recebesse alguma visita. Afora isto, sempre gostou de organização, detestava bagunça. Pensou mesmo, observando ao redor, se poderia se dar bem com Nina numa eventual relação. A moça agora o servia um bocado de macarrão tirado de uma travessa que colocara no meio da mesa. Tito num ato quase autômato pegou a garrafa de vinho e mesmo sentado colocou- a em meio às pernas, ‘parafusou’ o saca-rolha e puxou. Nina que há muito reparava na apatia do rapaz comentou – Sinceramente, não sei se foi uma boa idéia lhe trazer para minha toca. Pensei que você melhoraria, mas acho que me enganei. Saiba, também estou chocada com a morte do Caveira, afinal éramos colegas, embora não fosse lá muito com a cara dele. Mas não vou me sentir culpada pelo fato do evento não tirar minha fome – falou isto e começou a comer. Tito então comentou:
– Você não entende... se eu não tivesse
atirado naquele cara lá em cima... eu tinha a escolha de não atirar. No entanto, decidi matá-lo; o próprio Caveira havia me dito momentos antes, que se nós apenas atirássemos mesmo que em ninguém, provavelmente nada nos aconteceria. E ele só queria voltar para casa, tinha filhos pequenos. Sim Nina, eu atirei para matar. Escolhi a dedo minha vitima, pude fazer mira... vi o corpo desabar da lage! Vi o corpo espatifar-se na lama! Eu decidi que aquele cara iria morrer, assim como poderia decidir que deixaria viver. Pensei que depois disso me sentiria melhor, sei lá... um homem melhor. Porra! Tenho instintos também não tenho? Quem nunca pensou em matar? Quantas vezes isso já ocorreu comigo? Quando garoto, quis ver no inferno uns três ou quatro meninos! Quem nunca quis? Quem nunca quis ver morto um professor déspota? Ou um político? Isso não seriam as tais pulsões? Temos que engolir estas pulsões, sempre, pela vida toda? Eu não... bom, pelo menos pensei...
- Você está louco! – interrompeu Nina
veemente – do que você está falando? Por acaso já imaginou se todo mundo levasse ao pé da letra tudo o que vem na cabeça? Seria o caos, meu filho! Por isso os homens criaram este grande acórdão chamado civilização! Caramba! Você trabalha justamente para que este acordo seja cumprido. Acho que terá de escolher de que lado vai ficar neste negócio. Já tem vagabundo demais nas ruas metendo fogo em gente de bem! Você matou um bandido, pronto! Você é policia, pronto! Agora, se quer começar a matar em série para dar vazão a seus ‘instintos assassinos’, é bom primeiro certificar-se que os possui. E lhe digo, olhando para você neste instante posso lhe garantir, não é o caso. E me permita dizer: você não é o Epaminondas. – isto foi como um tapa na cara de Tito, o rapaz enfureceu-se e levantou-se da mesa esbravejando.
- De onde tirou essa idéia? Por que não posso
ser eu mesmo? Serei tão fraco e débil assim para não ter idéia própria? Não pensar por minha conta? De onde tirou esse negócio de Epaminondas?
- Tirei de sua fascinação pelo cara! E aquelas
histórias que o Santos contou, de que ele era um matador contumaz! Se você quer angariar respeito seja você mesmo e esqueça o negrão, isto não pode dar certo. Cada um na sua. Você está acabrunhado, se sentindo culpado por duas mortes a do vagabundo e a do colega. Fosse o Epaminondas, ele estaria cagando para remorsos, possivelmente esta hora estria fodendo as putas dele e enchendo os cornos de cachaça! - Estive com ele ontem. – disse Tito, sentando-se novamente à mesa com um ar sério e cansado.
- Como assim? Você vai insistir com o que
me disse ao telefone, que esteve com ele durante a madrugada? O que! Ele ficou comovido com sua ligação e resolveu lhe fazer uma visita? Hummm.... meio complicado não acha?
- Ele me disse que ninguém iria acreditar, –
disse o rapaz com um olhar perdido no nada – ele tem razão. Deixe assim.
- Desculpe-me, – disse Nina, arrependida –
mas me parece que você teve um sonho. Às vezes nossos sonhos são tão reais que ao acordarmos confundimos as coisas, e você... bem, convenhamos, nunca vi ninguém ficar tão impressionado ao conhecer uma pessoa quanto você ficou com o negrão.
- E por isso então, agora confundo sonho com
realidade! Fiquei demente. Tá bom. Pensei que ao menos você acreditaria em mim. Mas o cara é mais esperto do que se imagina, faz a coisa direito, não deixa pistas, e se alguém falar que esteve com ele vai parecer loucura. Realmente ele não quer nada com sóbrios. Estes só servem para diverti-lo, desde que seja de longe. Acho que não posso culpá-lo.
- Cuidado garoto, quem brinca com fogo
pode se queimar. Esse cara não é flor. Não é à toa que é um eremita. Pelo que me consta não gosta de pessoas de bem; nem consegue conviver com elas. Creio mesmo que gostaria que o Sol não nascesse para poder andar por ai aterrorizando, matando e trepando. É um monstro. Como pode alguém viver à sombra? Não gostar de Sol? E aquela gargalhada? Nem parece humana! Nos olha como se fossemos vermes que rastejam de dia, e ele... bem, ele se acha o deus da noite. É uma aparição macabra, nunca me habituei com sua presença. Nas poucas vezes que tive o desprazer de vê-lo, senti um frio na espinha, algo como se um perigo iminente de alguma coisa, sei lá o que, estivesse para acontecer. Aquela cara de sapo, aquele olhos injetados, às vezes penso que ele poderá a qualquer momento soltar sua língua de réptil e num só golpe catar a todos e engolir. Tenho medo dele, para mim ele é o próprio demônio. Sim, apesar de tudo tenho um fascínio por ele, admito, mas não quero mais fazer parte disto, me desculpe. Se ele levou você é porque quer você, não a mim. De minha parte a aventura termina por aqui. Você esteve dentro da boca do sapo então? O que encontrou lá? Algum pentagrama? Alguma imagem de Baphomet?
- A imagem do que?
- Ora, neguinho, são símbolos do ocultismo.
Você não viu por lá a imagem de um bode com tetas e um imenso pau duro? Não viu uma estrela de seis pontas? Ou o seu Mefistófeles não faz uso dessas coisas.
- Falou grego pra mim minha filha, não
entendi nada do que você disse; na verdade não vi nada disso por lá, porém, vi mil demônios que riam sem parar, se você quer saber. Mulheres nuas que dançam com mascara de diabo, vi um sátiro que dança tocando flauta de bambu. Coisas que você nunca verá. Não me admira que tenha dado para trás, mas não lhe culpo, afinal realmente é muito assustador. Fico mais tranqüilo com você fora disso, mas tenho de admitir que fiquei fascinado. Quero que ele me busque novamente; preciso voltar lá.
- O que quer dizer com ‘quero ele me busque
novamente’? ele mandou um carro lhe apanhar em casa? Puxa, que chique hein? Vá gostar de um novato assim lá no inferno! – divertiu-se Nina.
- Apesar de suas gracinhas, eu lhe digo que
realmente aconteceu. Aquela noite eu estava terrivelmente exausto, como você pôde ver; quando cheguei em casa desabei na cama de roupa e tudo, nem a arma eu retirei. Mas ele a retirou, tanto que quando acordei estava sem ela. Dei de cara com o negrão em meio a todas estas coisas de que lhe falei agora. Bebemos tanto que adormeci, quando acordei já era de manhã e eu estava em meu apartamento. Foi uma grande aventura lhe garanto, espero que aconteça novamente.
- Só espero, meu caro, que você não esteja
sofrendo de nenhum surto esquizofrênico. A ser verdade o que você diz, deveria abrir seu olho; eu não ficaria tranqüila com esse cara ou qualquer de seus asseclas entrando em minha casa ao seu bel prazer para me levar dormindo a lugares lúgubres sem meu consentimento. Vai comer ou não vai? – perguntou Nina interrompendo o assunto abruptamente. - Não tenho fome. Estou com duas mortes na minha conta... a do vagabundo já seria suficiente para me tirar o sono por uns bons dias. Você não entende? Eu tive opção de escolha, porra! Eu matei o cara com uma frieza que não é minha. Nunca me imaginei capaz de atirar em alguém que nem ao menos estava me vendo. Foi um tiro traiçoeiro e covarde. É isto que sinto agora, mas não bastasse este sentimento de remorso, quem recebeu o troco pela minha atitude foi o Caveira. O cara tinha família, filhos pequenos, é difícil imaginar que por causa de uma atitude bem pensada, agora duas crianças estão órfãs de pai. Estou me odiando por isso. Só queria voltar o tempo, faria o que ele disse, atiraria em direção ao topo do morro, se pegar pegou.
- Fez o seu trabalho – Nina levantou-se, e
começou a recolher os pratos – se todos os policiais agissem como você agiu, escolhendo com critério em quem vai atirar, talvez os vagabundos pensassem duas vezes antes de matar pai de família. Eu conhecia o policial da terceira que morreu, também tinha filhos, você acha realmente que eles se importam com isso? Quanto a Caveira, escolheu a profissão de policia, quem tá na chuva... – a moça foi à cozinha com os pratos e Tito acompanhou-a com os olhos. Estava com uma calça justa que lhe fazia jus às belas formas. O rapaz cravou os olhos na bunda bem torneada da policial. Não estava com disposição para fazer qualquer investida, porém, sentia algo estranho, uma espécie de tesão súbito que fez suas faces arderem. Pensou então, que seria até uma espécie de desrespeito pelos mortos e suas famílias, ter aquele tipo de pensamento neste momento de luto e culpa. Mas Nina voltou da cozinha e os olhares se entrelaçaram num abraço lúbrico. Não havia mais nada a fazer, o sexo já começara através do clima exalado pelos olhos travessos da moça. Esta se aproximou, retirou o copo de vinho da mão de Tito, que permanecia sentado, e baixando o rosto beijou-o com delicadeza, no que foi correspondida. Foram esquentando suas libidos, a ponto de não saberem mais onde botar mãos ou bocas. Tito escancarou os seios de Nina que saltaram ruidosamente livres; não eram grandes, porém, eram alvos e suculentos; os mamilos eriçados denunciavam o estado de excitação da moça. Abocanhou-os com sofreguidão e uma doce cegueira instintiva tomou conta daqueles corpos. Desabaram no tapete, Nina sabia que não podia se dar ao luxo de levá-lo ao quarto, pois qualquer descuido e a arisca presa poderia voar. Trabalhou em zíper e botões enquanto beijava ardentemente a boca de sua vítima; não, ele não poderia mais lhe escapar, sentiu na mão a rigidez da pica de Tito como um troféu pela sua vitória. O rapaz correspondeu em tudo, e corpos que se cheiravam, lambiam, beijavam e mordiam, flanaram pela madrugada adentro naquela deliciosa e lasciva expedição da descoberta do outro.