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INSTITUTO NACIONAL DE E PESQUISAS EDUCACIONA TUDOS DIRETOR Divonzir Arthi REVISTA BRASILEIRA DE ESTUDOS PEDAGOGICOS _ 176 MEC-INEP Res, Est, peda. 74,0176, pl 268, jansabe 1993 duas légicas: de um lado, a légica empresarial, que exige a apropria privada dos resultados do projeto de que participa, prescrvando-o ‘mediante clusulas de uso resirito e de segredo; de outro lado, a légica universitiria, de inequivoca base iluminista, que pretende a apropriag: coletiva do saber mediante sua mais ampla celebrados neste hegemon nossos: momento de globa miséria e a don 1991 nos anos 80: 0.43, Public policies for Tare Londo: n.2, 1990, Jo: process ten ory Siciedad, é professor da Universidade Fed minense(UFF). Traducaio A Idéia da Universidade: Processos de Aprendizagem* Jiirgen Habermas 1 Universidade de Heidelberg em 1945: Karl Jaspers. “A Renovacao da Universidade”. Coma énfase do recomego suscitada pela situagdo historica do momento, Jaspers ret idéia central do scu escrito sobre “A Idéia da Us To reapareceu numa nova vers Jaspers continua a partir candidamente de premissas que radicam na sociologia implicita do idealismo alemio. De acordo com elas, as estruturas ‘io formagdes do espirito objective. Uma G0 s6 mant ncionalidade na medida em que seja capaz de forma viva a idgia que The & inerente. Logo que o espirito uma instituigio cristaliza em qualquer coisa de meramente ico, do mesmo modo que 0 organismo desanimizado se desintegra em matéria morta, ‘Também a universidade deixa de cons do momento em qu ma totalidade a partir \Gos que consolidam a sua consciéneia corporativa is, 4,176, p.403-110 jn ae. 1993, bras. Est, pol se desintegram. As fungdes que a universidade desempenha para a sociedade permaneceriam assim ligadas, como que a partir de dentro, com os objectivos, 0s motivos eas acgdes dos membros que nela colaboram cemregime de divisao de tarefas, ao nivel de uma rede de intengdes comuns Neste sentido, a universidade deve representar enquanto instituigao, ¢ cimentar enquanto centro motivador, uma forma de vida intersub- jectivamente partilhada pelos seus membros, com um estatuto que se pode dizer exemplar. Aquilo que desde Humboldt da pelo nome de “Idéia da Universidade” é 0 projecto de matcrializagiio de uma forma de vida ideal Esta idéia distinguir-se-a ainda de outras idéias fundadoras pelo facto de no remeter apenas para uma das muitas formas de vida patticulares dos comecos da sociedade burguesa, estratificada em corporagées profissionais, mas antes — mercé das suas afinidades com a ciéncia ¢ a verdade— para uma instincia universal anterior ao pluralismo das formas de vida sociais. A idéia da universidade remete para 0s principios culturais segundo 08 quais se constituem fodas as configuragdes do espirito objectivo. ‘Mesmo abstraindo desta excessiva pretensio de exemplaridade, niio sera ji de si irrealista a premissa que pretende que uma estrutura inabarcdivel © incontrokivel como o sistema universitirio moderno deve estar perpassada ¢ ser sustentada pela forma de pensar comum de todos os seus membros? “S6 quem traz em sia idéia da universidade pode pensar c agir de forma adequada cm prol da universidade”: nao deveria Jaspers ter ja aprendido com Max Weber que a realidade organizacional, na qual se sedimentam os sistemas parciais funcionalmente especificados de uma sociedade altamente diferenciada, assenta sobre premissas completamente diferentes? A capacidade funcional de tais organizagdes € instituigées depende precisamente do facto de os motivos dos seus membros estarem. desligados dos objectivos e das fungdes da organizagio. As organizagbes jé nao incarnam idéias, Pretender vinculi-las a idéias significa limitar 0 Sct Ambito operativo ao horizonte relativamente estrcito do mundo da vida (Lebensivelt) intersubjectivamente partilhado pelo seus membros. Um dos muitos artigos com que o jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung (FAZ) homenageou a Universidade de Heidelberg pelo seu sexto centendrio m2 bras, Est po, Bras, 74,1176, . 111-130, jan ab. 1993, chega também a esta conclusio bem sébria: “A profissio de £& em Humboldt é a mentira vital das nossas universidades, pois elas ndo tm qualquer idéia”. De um ponto de vista como este, todos os reformadores universitarios que, como Jaspers, apelaram (e, num tom que vai enfraquecendo, ainda apelam) para a idéia da universidade, se incluem entre aqueles espiritos que, numa atitude meramente defensiva, fazem uma critica civilizacional hostil a modernizagao. Jaspers nfio estava, pois, livre dos tragos idcalistas de um pessimismo civilizacional estranho a sociologia e culturalmente clitista, que o mesmo é dizer da ideologia de fundo dos mandarins alemacs, Mas nao foi o. unico, nem sequer o mais influente entre aqueies que, nos anos sessenta, clamaram pela permanéncia de uma reforma da universidade retomando as idéias dos reformadores prussianos. Em 1963, dois anos depois da nova verstio do escrito de Jaspers, entrava em cena Helmut Schelsky, com um livro de marca inconfundivel j4 no proprio titulo: “Solidao e Liberdade”. E dois anos mais tarde aparece a versio final de um memorando (primeiramente apresentado em 1961) da Liga dos Estudantes Socialistas Alemacs (SDS) com o titulo “A Universidade na Democracia”. Trés escritos reformadores provenientes de trés geragdes e de trés perspectivas diferentes. Eles assinalam uma distancia cada vez maior em relagiioa Humboldt — e uma crescente sobriedade de marca sociolégica em relagio a idéia da universidade. Apesar da distiincia entre geragdes ¢ da mudanga de mentalidades entretanto verificada, nenhum destes trés intervenientes abandonou a perspectiva de uma renovagio critica precisamente daquela idéia, Vinte anos ¢ uma reforma organizativa da universidade, tibia e em parte renegada, nos separam hoje destas tentativas de encontrar uma nova forma para a universidade a Juz da sua ideia renovada, Que aprendemos nés com estes vinte anos? Tudo parece indicar que quem tinha raziio eram aqueles realistas que, como nota Jaspers, logo a seguir a Primeira Guerra proclamavam: “A idéia da universidade esta morta! Deixemo-nos de ilusdes e de perseguir fantasmas!” Ou sera que nao entendemos ee bras Es pode. Bri, 24, 11-130 jan ab, 1993 113 correctamente o papel que uma tal idéia poderia continuar a desenipenhar na formagiio de uma consciéneia propria dos processos de aprendizagem a nivel universitério? Teria a universidade que deixar cair, como um invélucro vazio, nessa sua caminhada para a especializagio funcional adentro de um sistema cientifico em diferenciagao acelerada, aquilo a que em tempos chamara a sua idéia? Ou seré que a forma universitéria dos processos de aprendizagem cientifica organizados depende, ainda hoje, de um feixe convergente de fungdes que nao exige necessariamente um modelo dominante mas, com certeza, uma certa comunhiio na imagem que de si projectam os membros da universidade — que o mesmo € dizer uni resto de consciéncia corporativa? Por via deste curioso feixe de fungdes, as universidades esto ainda enraizadas no “mundo da vida”. No entanto, os fenémenos gerais de socializagio, da transmissio de saberes ¢ da formagio de uma vontade de integragio social, através dos quais o “mundo da vida” se reproduz, continuam-se no interior da universidade apenas sob as condigdes, altamente artificiais, de um processo de aprendizagem cientifica programado para a obtengiio de conhecimentos objectivos. Enquanto esta unidade de fungdes se ndo desagregar completamente, a idéia da universidade nio estara totalmente morta. E preciso no subestimar a complexidade ¢ a diferenciagao interna deste complexo coeso. Na hora do nascimento da universidade classica alemi, os reformadores prussianos conceberam-na 4 luz de uma imagem que sugere desde logo uma relagio ainda muito simplificada, entre os processos de aprendizagem ciemtifica e as formas de vida das sociedades modernas. O que eles fizeram, a partir da sua perspectiva de uma filosofia ideatista da reconciliagao, fot atribuir A universidade uma forga de totalizagiio que desde logo se revelaria ser uma exigéncia a que esta instituigdio no podia corresponder. Foi em grande. parte a este impulso que a idéia de universidade na Alemanha ficou a dever o seu fascinio — até aos anos sessenta do nosso século. Para clarificara complexidade das articulagdes entre a universidade eo “mundo da vida", proponho-me libertar o cere da idéia da universidade de uma série de “cascas” que o envolvem ¢ que foram simplificando i excessivamente aquela idéia. Comeso por retomar a idéia clissica de Schelling, Humboldt e Schleiermacher, para depois me debrugar sobre as, tts variantes da sua renovagiio, com Jaspers, Schelsk e os reformadores do SDS. u Humboldt ¢ Schiviermacher associam 4 idéia de universidade dois Pensamentos centrais. Em primeiro lugar preocupa-os 0 problema das possibilidades de institucionalizagiio da cigneia moderna, liberta das tutelas da religito ¢ da Igreja, de modo a que a sua autonomia no seja posta em Perigo por outras instincias — quer clas sejam as imposigdes da autoridade do Estado, que possibilita a existéncia exterior da ciéneia, quer se trate das pressdes da sociedade burguesa, interessada nos resultados titeis do trabalho cientifico. Humboldt ¢ Schiciermacher véem a sohigio do problema numa autonomia cientifica com organizagio estatal, que protegeria as instituigdes cientificas contra as intervencdes politicas ¢ contra os imperativos soviais. Por outro lado, interessa-Ihes explicar também porque raziio & do proprio interesse do Estado garantir & universidade essa imagem exterior de uma liberdade ilimitada no seu inte- for. ideia de um tal “Estado de cultura” recomendar-se-ia pelas proprias Consequéneias benéficas que derivariam da forga unificadora ¢ totalizante deuma ciéncia institucionalizada sob a forma da investigacao. Basta que © trabalho cientifico se entregue & dindmica interna dos processos de investigagdo: assim — disso estavam ambos convencidos — a cultura ‘moral ¢ toda a vida espiritual da nagio convergiriam nas instituigdes cicntificas superiores como num foco. Estas duas idéias fundem-se na ideia da universidade ¢ explicam algumas das mais ébvias caracteristicas da tradigdo universitéria alema. Permitem, em primeiro lugar, compreender a relagao afirmativa com o Estado por parte de uma ciéneia universitéria que se apresenta como apolitica; em segundo lugar, a atitude defensiva da universidade para com praxis no plano profissional, particularmente em relagdo as exigéncias de uma funcdo formativa, que poderia por em risco o principio da unidade 14 bras Est pei, Bras, 74,176, 111-130, jn abe. 193 bras. Es. ped, Brasilia «74, 111-130, jan 1993 us de ensino ¢ investigagio; e, em terceiro lugar, a posigio central das faculdades de ciéneias humanas no émbito da universidade, bem como a énfase posta na importancia da ciéncia para a cultura ¢ a sociedade em geral. Da idgia da universidade resulta, portanto, de um lado, aacentuagio da idéia — muito susceptivel de desenvolvimento posteriores, porque remete para a especificidade funcional do sistema cientifico — da autonomia da ciéncia (uma autonomia que deve ser entendida apenas na “Solidio e Liberdade” da distincia em relagiio a sociedade burguesa ¢ a0 espaco piiblico politico); do outro lado, a forga universal e culturalmente determinante de uma ciéncia que concentraria em si, reflexivamente, a totalidade do “mundo da vida” Os reformadores da altura podiam coneeber 0 proceso cientifico como um processo circular de ensino ¢ investigagio narcisisticamente fechado, uma vez. que a filosofia do idealismo alemiio, em si mesma, exigia a unidade de ensino e investigagdo. Enquanto que hoje separamos a discussio sobre o estdo actual da investigagiio da exposigaio desse nivel do conhecimento no mbito do ensino, Schelling mostra, nas suas “Ligdes sobre o Método do Estudo Académico”, que a construgao do pensamento filos6fico gera a forma da sua transmissto pedagégica: esta concep¢io de tcoria exigia, assim, um processo de construgao estraturante que coincidia com a sua exposi¢io curricular De forma semelhante se entendia que a universidade devia a sua ligacdo interna com o “mundo da vida" forga totalizante da cigncia. Estes reformadores atribuiam a filosofia uma forga unificadora com referencia a trés aspectos a que hoje chamariamos tradigao cultural socializagdo e integragio social. A ciéneia filos6tica fundamental era, em primeiro lugar, de base enciclopédica e estava por isso em condigdes de assegurar a unidade na diversidade das disciplinas cientiticas, bem como a tinidade da ciéneia com a arte e a critica, por um lado, ¢ 0 direito ¢ a moral, por outro lado. A filosofia apresentava-se como a forma de reflextio da cultura no seu todo. Em segundo lugar, 0 seu fundo plaronisia asseguraria a unidade dos processos de investigagiio ¢ dos processos de formagao humana. Pensava-se, de facto, que as ideias, ao serem apreendidas, se tornam simultaneamente constitutivas do caricter ético 16 bres. Es pea, Brasilia, 74,176, p 111-130, jana. 1993, do sujeito de conhecimento, libertando-o assim de toda a unilateralidade. A clevagao ao absoluto abre caminho para o desenvolvimento universal ¢ pleno da individualidade. Como o convivio com este tipo de ciéneia é um factor de razio, “os viveiros da ciéncia podem também ser instituigdes de cultura geral”. Finalmente, o fudamento de reflexdo filésofica de toda a construgiio tebrica prometia a unidade de ciéncia e esclarecimento critico (Aufkléirung). Enquanto que hoje a filosofia se transformou numa disciplina que atrai 0 interesse esotérico de especialistas, uma filosofia que se fundamentava na relagdo do sujeito de conhecimento consigo proprio ¢ desenvolvia todos os contetidos de conhecimento por via de uma dinémica reflexiva de pensar, estava em condigdes de satisfazer, simultaneamente, © interesse esotérico do especialista pela ciéncia ¢ o interesse exotérico do Ieigo no conheeimento de si ¢ no esclarecimento critico, Aprendendo © seu tempo na idcia, a filosofia, dird mais tarde Hegel, deve substituir a forga socialmente integradora da religiio pela forga reconciliadora da raziio. Por isso, Fiehte péde ja ver na universidade, que se limita ainda a institucionalizar uma ciéneia deste teor, 0 bergo de uma sociedade ‘emancipada futura, e mesmo um forum de formagao nacional, Uma ciéncia que assim propicia 0 exercicio da reflexdo leva a clarificagio, nao das coisas que nos permanecem estranhas, mas sim das raizes mais profundas da nossa propria vida, O risco ¢ o cardcter inverossimil da idéia de universidade que nos surge naqueles célebres documentos de fundagio sé se manifestam em toda a sua extenstio quando pensamos nas condigdes exigidas para a institucionalizagao de uma tal ciéncia — uma ciéncia que, como se viu, possibilitaria c garantiria, apenas através de sua estrutura interna, a unidade de ensino ¢ investigagio, a unidade das ciéncias ¢ da cultura geral e ainda a unidade de ciéncia e esclarecimento critico (Aufkliirung). A unidade de investigagio c ensino, entendida no seu sentido mais especifico, significa que sé se ensina e se aprende medida das necessidades do processo inovador do progresso cientifico. A ciéncia deve também poder reproduzir-se a si propria, significando isto que os professores devem formar a sua propria descendéncia cientifica. O futuro investigador é 0 tinico objectivo em fungi do qual a universidade dos sébios investigadores assume tarefas formativas. Apesar de tudo, esta limitagao da formagao R bras. st po, Bras, 7, p.111-130, jan abe, 1993, 7 profissional na universidade a preparagdo de novas geragdes de cichtistas, manteye uma certa plausibilidade, pelo menos para as faculdades de ciéneias humanas, enquanto 0 corpo de professores era complementado a partir do circulo dos professores liceais por eles formados. Por outro lado, a ideia da unidade das ciéncias s6 poderia afirmar- se se as faculdades superiorcs se submetessem A lideranga cientifica de ‘uma faculdade de artistas totalmente transformada, ¢ se filosofia, que ai tinha o seu lugar, avancasse realmente para a posicio de cigncia funda mental de uma liga das ciéncias da natureza edo espirito. E este o sentido da polémica contra as ciéncias utilitirias (ou ciéneias “yanha-psio"), contra 1a dispersio em escolas especializadas, contra o cariicter meramente derivado daquelas faculdades “que encontram a sua unidade, nio directamente no conhecimento, mas numa actividade da vida exterior”. A. consequéncia necessdria destas posigies, desde logo imposta i revelia dos faetos, foi a da reivindicagio da hegemonia das faculdades de filosofia, “uma vez que todos os membros da universidade, sem distingtio de faculdades, nelas tém de encontrar as suas raizes” (Schleiermacher’. ‘A unidade de cigncia ¢ cultura geral tinha como pressuposto institucional a unidade de mestres ¢ discipulos: “A relagio professor-aliuno mudou completamente: nao € 0 primeiro que serve 0 segurido, ambos servem a cigncia”. Esta relacio de tipo complementar, fundada na cooperagao e essencialmente igualitiria, haveria de ganhar corpo nas modalidades de funcionamento dos seminirios. E era incompativel com a estrutura personalizada que, em breve, se delinearia nos institutes hicrarquicamente organizados, para uma investigagao orientada pelo modelo das ciéncias naturais experimentais. Foi, finalmente, empolada um tanto a idéia da unidade entre a cigneia ¢ 0 esclarecimento critico (Aufkldrung), a partir do momento em que se sobrecarregou a autonomia da ciéncia com a expectativa de que a universidade pudesse, intramuros ¢ como que numa espécie de microcos- ‘mos, antecipar uma sociedade de homens livres ¢ iguais. A cigncia filoséfica parecia concentrar de tal modo em si as competéncias gerais da espécie que, da perspectiva de Humboldt, as instituigdes cientifieas superiores constituiam, no apenas o topo de todo 0 sistema educativo, mas também a“ciipula da cultura moral da nagéio”. O certo é que desde 0 principio nao ficou claro como iria conciliar-se a missao critico-emancipatdria com a abstingneia politica, que cra afinal 0 prego que a universidade tinha de pagar pela organizacio estatal da sua liberdade. Estes pressupostos institucionais para a implementagdo da ideia fundadora da universidade alema, ou nunca estiveram verdadciramente Presentes, ou se revelaram, a0 longo do século XIX, cada vez menos coneretiziveis na pritica. Um sistema diferenciado de actividades exigia desde logo a preparagio cientifica para cada vez mais profissbes académicas. A longo prazo, as escolas técnicas superiores, as eseolas comerciais, as escolas superiores de pedagogia, as escolas de belas-artes, nao podiam manter-se4 margem da universidade. Depois, as ciéncias empiricas, nascidas no seio das faculdades de filosofia, passaram a seguir um ideal de racionalidade meiodolégica que condenava ao fracasso qualquer tentativa de integragao enciclopédica dos seus contcidos numa hermenéutica filosética global, Esta emancipagao das ciéneias empiricas marcou a decadéncia das interpretagdes monistas ¢ metafisicas do mundo, e, no meio de um pluralismo de forgas ideolépicas, a filosofia perdeu também 0 seu monopélio como base interpretativa da cultura em geral, Em terceito lugar, a cigncia ganhou terreno como forga produtiva importante da sociedade industrializada, Pensando no Instituto Liebig em Gieben, 0 governo do Estado de Baden acentnava, por exemplo “a importéncia da quimica para a agricultura”, jé em 1850. As eiéneias da natureza perderam parte da sua fungiio de suporte de uma imagem do mundo a favor da produgio de saber tecnicamente aplicaivel. As condigdes de trabalho da investigagdo organizada em institutos favoreciam mais os imperativos fuuncionais da economia e da administragaio do que os da cultura geral Por fim, a formagdo académica serviu na Alemanha de factor de demarcagaio social para uma camada da burguesia culla, orientada pelo modelo do funciondrio superior. Esta consolidagao da diferenciagio profissional enire formagio escolar geral e formagio académica veio, porém, reafirmar estruturas de classe que desmentiam definitivamente ns bs. Est po, Bros, 74,0176, p 112-130, jana 1999 Ras. Es pea, Bra 274, p11 130, jana 1993 ng contetido universalista da idéia da universidade ¢ as promessis de emancipagio social global a cla associadas. Quanto mais estas contra-correntes eram consciencializadas, tanto mais a idéia da universidade tinha de se afirmar contra os factos — ¢ acabou por degenerar em ideologia de uma camada profissional com clevado prestigio social. No que diz respcito as ciéncias sociais ¢ humanas, Fritz K. Ringer situa a decadéncia da cultura dos madarins alemdes no periodo entre 1890 ¢ 1933. Na esfera de uma intcrioridade protegida pelo poder, que era a desses mandarins, 0 ideal cultural neo-humanista transformou-se na consciéncia, perpassada pela ideia de uma aristocracia do espirito, apolitica ¢ acomodaticia, propria de uma Escola toda voltada para a investigagao, distante da praxis ¢ endogenamente autonoma. E claro que também temos de ver 0 lado positivo. A idéia da universidade contribuiu, nas suas duas formas — enquanto idéia ¢ enquanto ideologia — para o esplendor ¢ 0 éxito internacional incomparivel da universidade alema e da sua cigncia durante © século XIX e até aos anos trinta do nosso século. Com a sua organizagio estatal da autonomia cientifica, cla transferiu a diferenciagiio das disciplinas cientificas para a dindmica interna, livre dos proprios processos de investigagaio. A Sombra de um humanismo cultural $6 superficialmente absorvido, as ciéneias da natureza ganharam rapidamente a sua autonomia ¢ transformaram-se, com o seu trabatho de investigag’o organizado em institutos, num modelo que deu frutos também, no plano das ciéncias sociais ¢ humanas funcionando em regime de seminarios, isto apesar de todo 0 peso do seu espirito positivista. Ao mesmo tempo, a ideologia dos mandarins alemaes proporcionou a universidade uma forte conseiéneia de si enquanto corpo, programas de apoio por parte das instincias culturais do Estado ¢ uma posigao socialmente reconhecida, E— “last but not feast” —o exeedente utdpico inerente a idia de universidade permitiv: manter ainda um potencial critico que convergia com as convicgdes, a um tempo universalistas & individualistas, do racionalismo ocidental — ec que, de tempos a tempos, pOde ser reanimado com vista a uma renovagiio da instituigao. Mt Era assim, de qualquer modo, que pensavam os reformados nos comegos da década de sessenta. Depois de 1945, 0 primeiro impulso para a renovagio tinha sido insuficiente. Para além de um esgotamento em termos materiais, tinha-se esgotado nessa altura também a consciéneia corporativa. A idéia da universidade, na sua forma tradicional da ideologia dos mandarins, tinha sobrevivido também ao nazismo. Mas, pela sua comprovada impoténcia contra o regime nazi ou mesmo pela cumplicidade com ele, provou-se aos olhos de toda a gente que ela era wma idéia sem substdneia, Apesar de tudo, depois de 1945, os apaniguados tradicionalistas da idéia humboldtiana tiveram mesmo na defensiva, forga suficiente para retardar tentativas de reforma bem intencionadas, ¢ para se entenderem com os pragmatistas do Conselho para a Ciéncia, fundado no fim dos anos 50. O inevitavel erescimento quantitative das universidades processou-se entaio como uma expanstio adentro de estruturas inalteradas E numa situag’o como esta que Jaspers regressa a Humboldt ¢ que Schelsky c os estudantes do SDS tentam uma apropriagao critica da mesma heranga, munidos de um instrumentério sociolégico que Ihes permite uma maior distanciagio, ¢ que explica 0 facto de fazerem anteceder as suas Propostas de reforma de um s6brio diagnéstico das mudangas estruturais eniretanto verificadas na universidade. Como fundo, reeonhecem-se ji as comparagdes, a nivel internacional, dos sociélogos da cultura, as anilises econémicas do mercado de trabalho, os postulados civicos dos responsiveis pela politica cultural ¢ cducativa. Tudo isto é sintetizado por Schelsky na sua formula dos “postulados objectivos”. E que estes Processos tém um cardcter sistémico ¢ geram estruturas que se autonomizam em relag’o ao “mundo da vida": esvaziam a consciéncia corporativa da universidade ¢ destréem aquelas fiegdes de unidade que Humboldt, Schleiermacher e Schelling pretendiam fundamentar com a forga totalizante da reflexdo cientifica. © curioso ¢ que nem Schelsky nem os reformadores de esquerda se decidem por wma mera adaptagao das universidades aos postulados objectivos do momento: cles nao. apostam no tipo de reforma teenocritica permanente, que entretanto comegava 130, jan abe. 1993, 120 bras. Est poi, Brasilia, 74,196, pl brs. Est pag, Brasil, ¥.24,p.111-130 jb. 1993 21 realmente a dominar a cena, Num autor como Schelsky, a sua teorla da tcenocracia, desenvolvida na altura, deixaria mesmo esperar uma opciio desse tipo. Em vez disso, porém, Schelsky retoma as idéias de Humboldt c apela para a necessidade de “dar forma” (gestalten) a esses postulados objectivos: “O facto essencial € que estas tendéncias objectivas do desenvolvimento sio unilaterais... € que por isso devem ser activadas, tanto numa ligagio a tradi¢ao, como por forgas esiruturantes de sinal contririo, que niio sio Sbvias, € a que so pode chegar através de um ‘grande esforgo criativo”, Insiste-se em que o sistema cientifico diferenciado iio deve desenvolver-se apenas em ligagiio com a economia, a técnica ¢ ‘administra, mas antes, por meio da sua tradicional convergéneia de fiangdes, manter-se enraizado no “mundo da vida”, E uma vez mais esse feixe convergente de fungdes deve encontrar a sua legitimagiio na propria estrutura da cigneia AS iniciativas de reforma de maior exigéncia te6rica nos comegos da década de 60 voltam, como se vé, a partir de wma idéia de ciéneia a que se pode ainda atribuir uma qualquer forga unificadora; e uma vez mais a universidiade € entendida apenas como a sua forma exterior ¢ organizati iva, E claro que a posicdo relativa da filosofia perante as ciéncias se tinha entretanto alterado de tal modo que ela deixara de ser o centro das cigneias especializadas ¢ diferenciadas, Mas quem iria ocupar 0 lugar deixado vago? E seria mesmo necessirio continuar agarrado a idéia da unidade das cigncias? A forga totalizante do processo cientifico niio podia com certeza continuar a ser pensada como sintese, nem hipostasiada com recurso a uma relagiio objectal de tipo metafisico com o absoluto ou com a totalidade do mundo, Uma teoria que arriscasse © recurso a uma totalidade — directamente ow no percurso através das ciéneias especificas —era agora inconcebivel. ‘A resposta de Jaspers ¢ relativamente convencional, Concede que a racionalidade das ciéneias empiricas, de objectivos abertos e determinadas apenas pelo método, ¢ meramente processuall e ndo pode ji fundamentar uma unidade de conteiido num cnone de disciplinas que se vio diferenciando de forma inprevisivel; mas, 4 filosofia, que comegou por ser empurrada para a periferia © depois se viu confinada as tarefas do 122 bast pag rai, 4, 9.176, p.1 11-130 jan abr. 1993 esclarecimento da situacZo existencial ¢ da andlise de uma globalidade nao objectivavel, estaré destinado no escrito de Jaspers ainda um papel especial frente as disciplinas libertas. As cigncias precisario até da lideranga da filosofia, porque sé ela é garante do motivo da vontade absoluta de saber ¢ do habito das formas de pensamento cientifico pela reflexio, ¢ 86 ela poderia assegurar 0 pressuposto ca certeza das idéias condutoras de uma investigagiio. Menos idealistas so as consideragdes de Schelsky, que substitui a filosofia por uma teoria das eigncias. Parte de uma tripartigdo do cénone de disciplinas em cigneias da natureza, sociais ¢ humanas. As disciplinas descnvolvem-se de forma auténoma, mas aqueles trés grupos esto, nas suas formas de saber especificas, funcionalmente articulados de forma diferente com a sociedade moderna. Nao podem ja ser abarcados na sua totalidade pela reflexio filoséfica; 0 que acontece é que a filosofia “emigra” para as varias ciéncias e aninha-se nelas como uma forma de aurto-reflex.io de uma dada disciplina. Nasce assim um equivalente para as unidades da universidade humboldtiana, entretanto ficticias: “Derivando das ciéncias especificas” © ‘ranscendendo-as criticamente na medida em que as transforma em seu objecto, a filosofia volta a apoderar-se indirectamente da totalidade da civilizagio cientifica como seu objecto. Analisando os limites ¢ as condigdes de cada cigneia particular, ela confere-the uma abertura face ao estrangulamento das suas “relagdes com o mundo” Eu proprio me assumi, pela mesma altura, como paladino de uma critica material da ciéncia, cuja fungiio era a de esclarecer a articulagio entre fundamentos metodolégicos, pressupostos globais de fundo © contextos objectivos de aplicagio pritica, Eu tinha, como Schelsky, a esperanga de que, a este nivel de auto-reflexiio critico-cientifiea, se pudessem clarificar, a partir de si proprias, as relagdes dos processos de investigagdo com 0 “mundo da vids" —e no apenas as relagdes com os processos de aplicagio pritica da informagio cientifica, mas sobretucto as relagdes com a totalidade cultural, como os processos gerais de socializagio, a continuidade das tradigdes ¢ 0 esclarecimento politico do espago piblico. Rtas. Est pag, Bras 178, pT 11-130, jane 1993 123 Hé ainda um outro elemento da heranga humboldtiana que renasceu com estas iniciativas para uma reforma. Refiro-me ao significado exem- plar atribuido & autonomia da cigncia, independentemente da garantia constitucional da liberdade de ensino ¢ investigagio. Jaspers entendia por autonomia cientifica a concretizagio de uma rede comunicativa a nivel internacional, que protegeria os Estados livres dos totalitdrios. Schelsky empresa a esse conccito uma nota personalista-existencial: autonomia cientifica seria a distanciagdo, exercida na soliddo do dever, ¢ a atitude cticamente soberana, em relagao a coergdes praticas como as reificagdes de ordem sistémica que resultavam das deficiéncias estruturantes dos postulados objectivos da sociedade moderna. E para os autores do memorando do SDS, como em geral para os reformadores de esquerda, ¢ fiquilo que na altura defencliamos como democratizs universidade, niio exactamente a transposigio para a universidade de modelos institucionais de formagio de uma vontade politica, ndo a constituigao de um Estado dentro do Estado, mas com certeza a ra de uma capacidade de acgao politica exemplarmente entendida como uma forma de auto-gestio participada, Numa adenda ao seu livro, Schelsky explica em 1970 o fracasso_ das reformas pelo facto de o sistema cientifico se ter diferenciado em alto grau sob a pressio de uma complexidade cada vez maior, e por isso “nao pode ser sustentado, nas suas diversas fungdes, por um modelo referencial (Leitbild) aghuinador”. A expressio “modelo referencial” demuncia certas premissas que talvez fossem demasiado ingénuas para poderem acompanhar a dinfmica diferenciadora da investigagao. Irrealista era claramente a suposigio de que seria possivel implantar no seio de uma investigac’o organizada em disciplinas uma forma de reflexdo que nio emergisse da prdpria légica da investigagio cientifiea. A historia das ciéneias empiricas modemas ensina-nos que a “normal science” se caracteriza por priticas de rotina e por um objectivismo que protege o dia-a-dia da investigagio de possiveis _problematizagdes. Os impulsos para a reflexio siio desencadeados por crises, mas mesmo nessas alturas a rejeigdo de paradigmas em degenerescéncia em favor de novos paradigmas faz-se normalmente de forma espontiinea. Nos casos, porém, em que se verifica uma prética continua de reflexao sobre os fundamentos. i | | | i ¢ de critica da ciéncia, estas tendem a estabclecer-se — como a propria filosofia —como disciplinas proprias paralelamente a outras. Nzio menos irrealista foi a expectativa de que a auto-gestdo colegial das universidades, 86 pela acco de uma participagaio funcionalmente organizada dos grupos intervenientes, aleangaria uma dinamizagio ¢ uma capacidade de acgio politicas — sobretudo quando se sabia que a reforma teria de ser conseguida por via administrativa, contra a vontade dos professores. Mas se nem mesmo a luz destas premissas se pode salvar a cocsio interna da universidade, ndo seremos nés entio forgados a reconhecer que esta instituigdio pode perfeitamente viver sem aquela idéia que um dia teve de si e a que tio fortemente se apegou? Iv A teoria socioldgica dos sistemas assume, ja na escolha dos seus conccitos fundamentais, uma posig’o aprioristica: pretende que todos os campos de acgio social abaixo do nivel das orientagdes normativas devem asua coestio a acgiio de mecanismos de controlo valorativamente neutros, como 0 dinhciro ou o poder administrativo. Para a teoria dos sistemas, a forga integradora de ideias ¢ instituigdes insere-c aprioristicamente na superestratura mais ou menos funcional de um substrato de fluxos de acgio ¢ comunicagio, sistematicamente coordenados ¢ podendo prescindir de normas. Considero precipitada esta posigio aprioristica puramente metodologica, As normas e as orientagdes valorativas inserem-se sempre em contextos de vida pritica, e por mais diferenciados que estes sejam, eles sio a totalidade de fundo, ¢ reabsorvem por isso todos os processos de diferenciagiio no amplexo da sua totalizagao, A actividade cientifica continua, até hoje, a desenvolver-se no fimbito de um sistema de instituigdes com fingdes muiltiplas e convergentes em escolas superiores cientificas que de modo nenhum nasceram do horizonte do “mundo da vida” como as empresas capitalistas ou os organismos intemacionais, Estamos ainda para saber se os grandes pojectos ea investigaciio fundamental, deslocados para fora da universidade, serio capazes de se libertar totalmente do processo generativo da ciéncia organizada no mbito dessas universidades, se essas Formas de investigagiio 124 brs. Es pos, Bra, 74,0176 p. 111-190, jane 1993, 1. bras. Fst, peda, Brasil, 74, p111-130,janJbe 1993, 125 conseguiriio andar por si préprias, ou se manteriio um estatuto parasitério. Contra a sobregencralizagio da teoria dos sistemas fala desde logo a experigneia que Schelsky refere nos seguintes termos: “O que hil de tinico na historia institucional da universidade modema é 0 facto de neste caso ‘a diferenciagao de fungdes se processar adentro da mesma instituigdo, & assim se no verificarem praticamente perdas funcionais devido 8 entrega de tarefas a outras organizagées, Pelo contririo, pode até falar-se'de um enriquecimento funcional, ou pelo menos de um aumento da importincia e de um alargamento do Ambito das fungdes da universidade na sua evolugio ao longo dos tiltimos cem anos”. Também Talcott Parsons, no seu livro ainda hoje determinante para uma sociologia da universidade americana, parte muito simplesmente do principio de que o sistema universitirio preenche simuliancamente quatro fungSes: a fungo central (a) da investigagio ¢ da formagio de novas ‘geragdes cientificas acompanhadas de perto (b) a preparagao para a carreira académica (ea produgao de saber tecnicamente aplicavel), bem como (c) tarefas que se prendem com a cultura em geral e (d) contributos para a criaco de uma conscigneia cultural propria e para o proceso de formagiio intelectual critica, Parsons tem como horizonte de referéncia o sistema universitirio americano, institucionalmente mais diferenciado, e atribui as és primeiras fungdes a diferentes instituigdes — graduate schools, professional schools e colleges. Mas eada uma destas instituigées 6, em Si, tio diferenciada que se desdobra ¢ reparte, com variagdes de énfase, por todas as fungées. $6 a quarta fungio nZo tem uma instituigio que especificamente a suporte: realiza-se através da actividade intelectual dos professores, Atentemos no facto de que Parsons integra nestas quatro fungdes duas coisas cssenciais: ndio apenas o trabalho de esclarecimento ¢ formagio critica, voltado para fora e dirigido ao espago piiblico, mas também a reflexo sobre o papel proprio das ciéncias ¢ sobre a relagdo entre as esferas de valor culturais da ciéncia, da moral ¢ da arte. Teremos entio de concluir que este catilogo de fungdes propde, sob Jorma nova, precisamente aquilo que os reformadores prussianos, no scu tempo, tinham feito valer como “unidades”: unidade de investigagiio e ensino, unidade de cigncia ¢ cultura geral, unidade de cigncia ¢ esclarecimento critica (Aufkléirung) e unidades das ciéncias. E um facto que esta tiltima idéia perdou muito da importincia que tivera: a pluralidade abertamente difereneiada das disciplinas ciemtiticas nao constitui ja, em si, um meio capaz. de articular todas aquelas fungdes. Mas os processos de aprendizagem universitiria nfio s6 mantém a sua interacg’io como a economia ¢ a administrago, como também continuam em estreita ligagtio com as fungdes de reproducio do “mundo da vida”. Para la de prepararem para a carteira académica, a pratica que propiciam de uma forma de pensamento cientifico (isto é de uma atitude hipotética face a factos e normas) permite-Ihes dar o scu contribute para 6 proceso. geral de socializagaio; para la do saber especializado, contribuem para a formagio critica intelectual, com as suas Ieituras fundamentadas dos acontecimentos actuais c as sua tomadas de posigo politica objectivas; para 14 da reflexdio sobre métodos ¢ fundamentos, contribuem, com as ciéncias humanas, para uma continuidade hermenéutica das tradigées, e com as teorias da ciéneia, da moral ¢ da arte ¢ literatura para a formagdio de uma consciéncia propria das ciéncias no fimbito geral da cultura. E & ainda a forma universitiria de organizagio dos processos de aprendizagem cientificos que permite que as disciplinas especializadas, para além de Preencherem estas diversas fungées, simultaneamente se cnraizem no “mundo da vida”, E certo quea diferenciagao das disciplinas exige uma diferencingao igualmente maior no interior da universidade, Trata-se de um processo que ainda continua — por exemplo com a instalagio de “Graduate Col- leges” (Escolas de pés-graduagio), recomendada pelo Conselho para a Cigncia, Diversas fungées sio assumidas por diferentes grupos de pessoas em diferentes lugares institucionais ¢ com diversos pesos relatives. A consciéncia corporativa dilui-se assim na consciéncia intersubjectivamente partilhada de que uns fazem coisas diferentes dos outros, mas que, todos Juntos, fazendo de uma ow outra forma trabalho cientifico, preenchem, no uma fungiio, mas um feixe de fungdes convergentes, Apesar deste proceso de actividade cientitica com divisdo de trabatho, essas fungdes 126 brs, Es pa, Bras, ¥74,9.176,p.111-130, jan 1993 R. brs. Fst. pedo. Bras $74, pA 130, Jabs 1993 127 nao deixam de se articular umas nas outras. Mas a interacgo convergente de fungdes no pode hoje ser fundamentada, como Schelsky queria, na forga unificadora do modelo normativo da universidade alema. Perguntamo-nos mesmo s¢ isso seria desejavel — E certamente itil aproveitar a comemoragio do sexto centensirio da fundagdio de uma universidade para recordar a idéia da universidade e aquilo que dela ainda resta, Talver. isso contribu para consolidar 0 “es- prit de corps”, de uma maneira ou de outra enfraquecido, dos membros da universidade. Mas isto sé acontecer’ se esse trabalho de rememoragao assumira forma de uma anilise cientifica, nao se ficando meramente pelo cerimonial, como forma de compensar, com emogdes dominguciras, 0 dia-a-dia tecnocratico da universidade. Mal andaria a universidade se a conscigncia de si como corpo assentasse em qualquer coisa como wm ‘modelo normativo: as idcias, assim como vem, assim se vilo. O curioso na velha idéia da universidade estava precisamente em que cla se pretendia assente sobre algo de estabilizador — precisamente 0 proprio processo Cientifico definitivamente diferenciado, Mas se hoje a cigncia no serve ji de incora ideal, porque a pluralidade de disciplinas nao comporta ja uma forga totalizante, sea laa de uma ciénciaflosotiea Fundamental deambito universal ou apenas a de uma forma de reflexio da critiea material da ciéncia, oriunda das préprias disciplinas — nao sendo assim, qual seri entiio-o fundamento de uma consciéncia propria ¢ integradora desta “corporaciio”? . : ‘A tesposta encontramo-la jé em Schleiermacher: “O principio primeiro de todo 0 esforgo voltado para o conhecimento é 0 da comunicagio; e, dada a impossibilidade de produzir seja 0 que for, ainda que s6 para nés proprios, sem linguagem, a propria natureza formulou de forma incquivoca esse principio. Por isso se terio de constituira partir de puro impulso de conhceimento todas as relagdes nevessiias para a sua realizagao funcional, ¢ as diversas formas de comunicagao e de interacg’io entre as virias actividades”. Apoio-me, scm sentimentalismos, nesta passagem das “/déias soltas sobre as universidades de wn ponto de vista alemio”, de Schleiermacher, porque acredito verdadeiramente que sio as formas comunicativas da argumentagao cientifica que afinal permitem dar coesio ¢ unidade aos processos de aprendizagem universitiria nas suas diversas fungdes. Scheleiermacher considera que é “uma ilusio oca pensar-se que um individuo que se dedica a actividade cientitica pode viver isolado com o seu trabalho € os seus projectos”: por mais que pareca que ele trabalha isolado na biblioteca, ai secretiria ou no laboratério, os seus processos de aprendizagem inserem-se inevitavelmente numa comunidade comunicativa e piblica dos investigadores. Como o projecto de cooperagio na procura da verdade remete para estas estruturas de uma argumentagao publica, a verdade —ou, digamos, apenas a reputagio alcangada na “community of investigators” — nunca se podera transformar. mum mero factor de comando de um subsistema auto-regulado. As disciplinas cientificas constituiram-se em espagos piiblicos internos a cada uma delas, & s6 adentro destas estruturas elas poderdo manter a sua vVitalidade. Esses espagos piblicos internos surgem em conjunto e voltam a dispersar-se no programa de actividades publicas da universidade. O velho titulo do “professor ordindrio pablico” lembra o cardcter publico das ligdes, dos seminarios e da cooperacio cientifica nos grupos de trabalho dos institutos associados. O que Humboldt dizia da convivéncia comunicativa entre professores ¢ estudantes aplica-se, tanto A forma ideal do scmindrio, como a forma normal do trabalho cientifico: “se eles (os estudantes e os colegas mais novos) se nao juntassem espontaneamente & Sua volta, cra o professor que deveria procurd-los para chegar mais perto do seu objectivo, através da unio do elemento experimentado, mas por isso mesmo ji mais unilateral e menos vivo, com os mais fracos e ainda ousadamente empenhados numa procura descomprometida em todas as direcgdes”. Posso assegurar-vos que este principio se confirma, tanto para a forma de funcionamento, mais rigidamenté organizada, de um Instituto Max Planck, como num seminario de filosofia. Mesmo fora da universidade, os processos universitirios de aprendizagem mantém algo da sua forma universitaria original. Todos eles vivem da forga estimulante € produtiva de uma disputa discursiva que traz consigo a “nota promisséria” do argumento surpreendente. As portas eso abertas, a cada ‘momento pode surgir um novo rosto ¢ uma idéia inesperada, Nao gostaria, no entanto, de repetir o erro de apresentar como ex- emplar @ comunidade comunicativa dos investigadores. No conteiido 128 bas. Et pp, Dri, 74,2176, 9.211130 jan, 1993, bras Es, peda. asi, 74,9, 130,jandabe 1993 129 io € universalista das suas formas de arg ago gdnham form mentagdo ga i rsalist igualit expressio apenas as normas da actividade cie ; social. Mas elas participam de forma marcante iaeotae comunicativa através de cujas formas as sociedades modernas ~ ito & no cristalizadas e libertas de modelos dominantes — terdo de g consciéncia de si proprias Departamento de Estudos Alemiies da F e Humanas da Universidade Nova de Lisboa 130 bras Est. pea. Questiio em Debate Paradigmas em Educagio Paradigmas Filoséficos e Conhecimento da Educagao: Limites do Atual Discurso Filoséfico no Brasil na Abordagem da Tematica Educacional. Antonio Joaquim Severino Universidade de So Paulo (USP) Partindo da premissa de que a temética politico-educacional constitui elemento intrinseco da reflexdo filoséfica, discute a situagao do atual discurso filoséfico no Brasil, enquanto mareado pelo fato de continuar construido sobre os paradigmas universais da filosofia ocidental, nao priorizando essa temética nas suas expressdes culturais. A anilise foi feita com base nos resultados de pesquisa realizada sobre 0 aleance politico-educacional do discurso filosdfico no Brasil, concluida em 1992. Procurou-se explicitar as inspiragées que marcam o pensamento Siloséfico atual no Brasil, elencando-se os pensadores que integram os diferentes modelos e destacando-se a contribuigdo de um representante ‘mais significativo de cada tendéncia, Introdugio O objetivo deste trabalho é colocar a questo da presenga das dimensdes politica ¢ educacional no discurso filoséfico que vem ee brs, Est. pod, Brasilia, 74, 9.131-164, jan Jar. 1993, 131

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