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Fora do Arraial
Hanseníase e instituições asilares
em Santa Catarina (1940-1950)
2|Débora Michels Mattos
Conselho Editorial
Colaboração Técnica
Fora do Arraial
Hanseníase e instituições asilares
em Santa Catarina (1940-1950)
Itajaí - 2014
4|Débora Michels Mattos
Editores
José Isaías Venera
José Roberto Severino
Ivana Bittencourt dos Santos Severino
www.editoracasaaberta.com.br
contato@editoracasaaberta.com.br
Rua Lauro Müller, n. 83, Centro, Itajaí - CEP. 88301.400
Fone/Fax: (47) 30455815
Bibliografia: P. 297-315
ISBN: 978-85-62459-46-7
CDU: 616-002.73
Revisão:
karla Leandro Rascke
Agradecimentos
Sumário
Prefácio 15
Sobre a pesquisa documental 21
Introdução 29
Primeira parte:
A hanseníase na história 37
Capítulo 1
Considerações sobre a enfermidade 39
Capítulo 2
A hanseníase no Brasil 63
Segunda parte:
A marcha de triunfo 91
Capítulo 3
A Campanha Nacional contra a “Lepra” 93
Capítulo 4
O combate em Santa Catarina 123
Terceira parte:
O confinamento dos enfermos 163
Capítulo 5
O Hospital Colônia Santa Teresa 165
Fotografias 217
Quarta parte:
O alijamento dos saudáveis 225
14|Débora Michels Mattos
Capítulo 6
O Educandário Santa Catarina 227
Fotografias 287
Anexos 315
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 15
Prefácio
Dizia Walter Benjamin em uma de suas passagens de seu
texto O Conceito de História, que somente a humanidade
redimida poderia “apropriar-se totalmente do seu passado”,
ajuntando que “somente para a humanidade redimida o
passado é citável, em cada um dos seus momentos”.
Acrescentava o filósofo que a história não se desenrolava em
um tempo vazio e homogêneo, mas sim em um “agora”, pleno
de sentido e atualidade. É com esta imagem rica de
significados que quero começar a abordar o livro de Débora
Michels Mattos, Fora do Arraial: hanseníase e instituições
asilares em Santa Catarina (1940-1950), versão revisada de
sua Dissertação de Mestrado, apresentada em 2002, no
Programa de História Social do Departamento de História da
Universidade de São Paulo, sob minha orientação.
O trabalho de pesquisa desenvolvido por Débora Mattos
apresenta-se, sem dúvida, como um esforço pioneiro para
documentar, em Santa Catarina, a emergência das instituições
asilares e, entre elas, aquela voltada ao confinamento do
portador de hanseníase. Estas instituições se materializaram
no contexto das políticas modernizadoras, higienistas e
sanitaristas, que começaram a se desenvolver em nosso país
desde os finais do século XIX, mas que foram particularmente
estimuladas pelos discursos eugenistas-nacionalistas, veiculados
nas décadas de 1930 e que conectavam o desenvolvimento
do país à saúde de seus cidadãos.
16|Débora Michels Mattos
Sobre a pesquisa
documental
Para a realização desta pesquisa muitas foram as fontes
consultadas, tanto aquelas de cunho bibliográfico realizadas
por historiadores, filósofos, profissionais da saúde, as quais
serão referenciadas ao longo do trabalho, quanto as de caráter
documental, como relatórios, prontuários, artigos jornalísticos,
leis, entre outras.
No que concerne à pesquisa de cunho documental
realizada em Santa Catarina foi possível observar a falta de
cuidado com a preservação e manutenção do material que
se pretendia investigar. Nas duas instituições que constituem
o principal objeto deste trabalho, por exemplo, pouco foi
encontrado, dificultando por vezes uma análise mais
aprofundada sobre o que se pretendia pesquisar.
22|Débora Michels Mattos
Fonte:
1
O Instituto Lauro de Souza Lima, antigo Asilo Colônia Aimorés,
hoje constitui o mais significativo centro de pesquisa em
hanseníase no Brasil, sendo também referência para a realização
de investigação histórica sobre o assunto pelo significativo acervo
documental e bibliográfico que possui. Seu endereço na internet
é: <www.ilsl.com.br>
28|Débora Michels Mattos
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 29
Introdução
Ainda hoje recordo os tempos de infância ao lado de minha
família. Vivíamos eu, meu pai, minha mãe, meus três irmãos
e minha avó, em uma casa pequena num bairro de classe
média na parte continental de Florianópolis. Embora eu fosse
a mais nova entre eles, uma criança como qualquer outra
que brincava à frente de casa ou nos terrenos baldios que
por ali eram muitos, conhecedora de quase todas as coisas
que fazem parte do universo infantil, de uma coisa a mais eu
sabia: o significado da palavra “hanseníase”.
Digo isso porque no Brasil muitos desconhecem o que
seja a hanseníase. Para um país que se enquadra na lista
daqueles que apresentam os maiores números de incidência
da doença, perdendo somente para a Índia, que se encontra
em primeiro lugar em número de casos detectados, de acordo
30|Débora Michels Mattos
Fontes:
1
Segundo a Organização Mundial da Saúde, ao findar o ano
2000 os países que apresentaram os maiores índices de
incidência em hanseníase foram a Índia, com 559.938; o Brasil,
com 41.070; Mianmá, com 10.286; Madagascar, com 8.445;
Nepal, com 8.020; e Moçambique, com 6.117. Disponível em:
<http://www.who.int/lep/> Acesso: 03/07/2002. Em 2009 esse
36|Débora Michels Mattos
Primeira Parte
A hanseníase na história
Capítulo 1
Considerações sobre a
enfermidade
De acordo com o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa
(2001), a palavra “lepra” possui significados que ultrapassam
aqueles atribuídos pela medicina moderna em que ela é
traduzida como uma afecção de pele específica e de nome
hanseníase. Se nos detivermos a analisar cada um deles,
veremos que os sinônimos relacionados ao termo acabaram
assumindo feições bem específicas, imputando um caráter
depreciativo à enfermidade e ao seu portador. Na linguagem
popular, a “lepra” está associada à sarna de cachorro; na
linguagem figurativa, ao vício, à permissividade, à imoralidade.
Também ao “leproso”, significados desse gênero podem ser
verificados, como pessoa ruim, nojento, repugnante, corrupto,
garro e impuro. Tais significados acabaram se cristalizando ao
longo da história, auxiliando na edificação de saberes que
culminaram em práticas de rejeição àqueles que foram e são
tidos como portadores da doença.
O presente capítulo tem como objetivo elucidar algumas
das representações constituídas acerca da “lepra” de forma
que possamos compreendê-las como resultado de um
conjunto de particularidades históricas que induziram à
elaboração dos instrumentos para combater a enfermidade e
40|Débora Michels Mattos
Formas de tratamento
Origem e disseminação
Fonte:
1
Chalmoogra é uma designação dada a várias plantas da família
das flacourtiáceas, especialmente as do gênero Hydnocarpus,
de cujas sementes eram retiradas o óleo que por muito tempo
foi utilizado no tratamento da lepra e outras dermatoses. Nativa
do Sudeste Asiático sob a denominação científica Hydnocarpus
Kurzzi, no Brasil foi denominada Carpotrochi Brasiliensis
(HOUAISS, 2001). De acordo com Queiroz (1997), o
chalmoogra já havia sido utilizado há muito pelos orientais no
tratamento da “lepra”. Por volta do século XIX, a Europa
também passou a usá-lo como remédio para a doença e isso
acabou incentivando a que diversos outros lugares seguissem a
mesma prescrição. Aplicado externa e internamente, o óleo de
chalmoogra causava reações fortes no indivíduo que culminavam
em sérios distúrbios gastrointestinais . Além disso, sua aplicação
acabava resultando em lesões cutâneas irreversíveis que
aumentavam ainda mais as marcas deixadas pela doença (SÃO
THIAGO, 1992. mimeo).
2
A Lei Federal nº 1.045 concedia alta aos doentes internados
nas instituições asilares e admitia a suspensão temporária das
prescrições de confinamento dispostas nas leis anteriores.
(DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO. Lei nº 1.045 de 02 de janeiro
de 1950. Rio de Janeiro, Imprensa Oficial, 23 de janeiro de
1950).
3
A associação da Rinfampicina e da Clofazimina à Sulfona (ou
Dapsona) visa impossibilitar o desenvolvimento de mecanismos
de resistência ao medicamento. A utilização de apenas um tipo
62|Débora Michels Mattos
Capítulo 2
A hanseníase no Brasil
As expansões ultramarinas assinalaram a introdução da
cultura europeia nas terras além-mar. Junto com ela, práticas
constituídas na civilização ocidental acabaram sendo
internalizadas na colônia portuguesa, como o modelo de
tratamento que foi imputado ao enfermo de “lepra” durante
a Idade Média. Esse modelo, aliado às teorias eugênicas de
aprimoramento da raça, acabou se cristalizando à medida
que o Brasil foi assumindo feições mais modernas. Tal fato
revela a linha tênue que separa passado, presente e futuro
em relação à história. A problemática da hanseníase serve-
nos de exemplo.
Neste capítulo, buscaremos demonstrar como se deu a
introdução da doença no país e os princípios que nortearam
as discussões sobre ela durante o século XX, como o papel da
medicina social, os divergentes posicionamentos acerca dos
instrumentos utilizados no combate, as teorias racistas alçadas
durante o século XIX e os ideais eugênicos de aprimoramento
da raça perpetrados a partir dessas teorias.
Primeiras ocorrências
O advento das grandes navegações assinalou a chegada
da hanseníase na América. Segundo Araújo (1946), alguns
64|Débora Michels Mattos
Falas diferenciadas
O discurso da raça
Fontes:
1
Um exemplo é o da irmandade da Santa Casa de Misericórdia
de São Paulo, primeira ordem a preocupar-se com o problema
da enfermidade na região. Durante muito tempo, sua assistência
deteve-se a dar auxílio em dinheiro aos portadores da doença
na garantia de que eles não circulassem nos espaços públicos,
levando ameaça ao restante da população. Posteriormente, com
ajuda de autoridades, um hospício foi construído. Mantido por
auxílios de fontes variadas, atendia a um número reduzido de
enfermos, ficando o restante no abandono. Outro exemplo é o
do governador do Rio de Janeiro, Gomes Freire de Andrade.
Também denominado Conde de Bobadella, edificou um lazareto
por volta de 1740 que foi chamado de Sítio São Cristóvão.
Marcado por construções extremamente precárias em forma
de choupanas, abrigava cerca de cinquenta enfermos também
assistidos por religiosos (MACHADO, 1978).
2
No final do século XVIII a preocupação com os casos de
hanseníase no Brasil aumentou. Os vice-reis Conde da Cunha
e Conde Rezende, empenhados no combate ao problema,
acabaram criando estatutos para legitimar a segregação do
enfermo. Embora os estatutos contivessem inúmeras
especificidades, até mesmo em relação ao tratamento médico
ao doente, quase nada se modificou, como por exemplo, a
inexistência do atendimento médico (ARAÚJO, 1946, v. 1).
3
Heráclides César de Souza Araújo foi médico hansenólogo de
peso no cenário brasileiro durante os anos 30, professor da
Faculdade de Medicina do Rio, assistente do Instituto Oswaldo
Cruz, integrante da Academia Nacional de Medicina e diretor
do Serviço Nacional de Lepra durante o ano de 1926. Além
disso, escreveu significativas obras acerca da hanseníase, como
A História da Lepra no Brasil e Lepra: estudos realizados em
40 países. Belisário Penna foi diretor do Departamento Nacional
de Saúde, personagem de confiança do governo Vargas e porta-
voz da política isolacionista implantada no Brasil (MONTEIRO,
1995).
4
Entre os muitos projetos criados para a consolidação do
isolamento compulsório do enfermo, havia os que fomentavam,
como Belisário Penna, a segregação em dois municípios
independentes, autônomos e afastados entre si. Outros, como
Adelardo Caiuby, propunham a concentração total dos doentes
88|Débora Michels Mattos
Segunda Parte
A marcha do triunfo
Capítulo 3
A Campanha Nacional
contra a Lepra
Acampanha nacional que foi implementada no combate
à “lepra”, a partir da década de 30, foi resultado de um longo
período de inquietações marcado pela crescente presença da
enfermidade no seio da sociedade brasileira. Animadas com
a possibilidade do Brasil se constituir uma nação forte e
desenvolvida, a exemplo do que havia ocorrido com alguns
países da Europa, como França, Inglaterra e Alemanha,
diferentes vozes brasileiras discutiam o real significado das
enfermidades para um país que almejava se desenvolver.
Entre essas vozes, aquelas que representavam a elite científica,
sobretudo médica, promoveram discursos acerca das medidas
que deveriam ser tomadas em relação ao problema. Embora
essas elites assumissem posicionamentos diferenciados quanto
ao modelo de combate a ser adotado, as transformações
políticas que atravessaram o país após 1930, com a dissolução
do federalismo e a centralização do poder nas mãos de um
forte representante de Estado, influenciaram a legitimação
94|Débora Michels Mattos
Algumas preliminares
A campanha
Um movimento de solidariedade
Fontes:
1
Ver capítulo 2 deste trabalho.
2
O Asilo Santo Ângelo, localizado em Mogi das Cruzes e
construído em 1928; o Pirapitingui, construído em Itu no ano
de 1931; o Cocais e o Aimorés, ambos localizados nas cidades
de Bauru e edificados nos anos de 1932 e 1933 (MONTEIRO,
1995).
3
Alice Tibiriçá nasceu em 1886, em Ouro Preto, Minas Gerais.
Sua vida foi dedicada a inúmeras atividades de caráter social e
político. Representante das mulheres na luta pela participação
feminina em diversas questões relativas à sociedade, encabeçou
o movimento de combate à hanseníase no estado de São Paulo,
movimento esse que posteriormente criou ramificações por todo
o Brasil. Porta-voz da ideia de progresso nacional, envolveu-se
com questões relativas à saúde do povo brasileiro. Assim, fundou
o Instituto Carlos Chagas, voltado à assistência médica e social,
e em 1944 integrou a Federação de Combate à Tuberculose
(SHUMAHER, 2001).
4
Os objetivos da Sociedade foram dispostos no seu Boletim,
publicado em abril de 1929, pela Imprensa Oficial de São Paulo.
122|Débora Michels Mattos
5
Eunice Weaver nasceu em 1904, na cidade de São Manuel,
São Paulo. Filha de fazendeiros, teve seu primeiro contato com
a problemática da hanseníase por volta dos 13 anos, quando
foi residir em Piracicaba, presenciando a constante mendicância
de enfermos. Casada com um professor que em 1929 foi
designado para lecionar numa universidade flutuante, Eunice
conheceu inúmeros lugares onde a hanseníase era endêmica,
como Havaí e Filipinas. Ao voltar para o Brasil, residindo em
Juiz de Fora, deu início a uma campanha em favor dos doentes,
que posteriormente, associar-se-ia ao movimento encabeçado
por Tibiriçá. Eugenista e partidária do isolamento compulsório
do enfermo, Eunice também defendia a construção de
instituições preventoriais à infância sadia. Assim, em 1935,
assumiu a presidência da Federação das Sociedades de
Assistência aos Lázaros, permanecendo no cargo por
aproximadamente 15 anos (GIBSON, 1965).
6
Os boletins eram acompanhados de fichas de inscrição em que
o interessado, previamente seduzido pelas propostas de
progresso, higiene e modernização do país enfatizadas em quase
todas as suas páginas, tornava-se sócio da entidade através de
doações mensais ou anuais de quantias em dinheiro não
estabelecidas. Ver Boletins da Sociedade de Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra de 1929 a 1935.
7
Ver Carta nº. 18 da Presidência da Federação das Sociedades
de Assistência aos Lázaros contra a Lepra, com resumo das
atividades dos meses de novembro e dezembro de 1941.
(APESC, 1942, p. 225).
8
Sobre as colônias agrícolas e os preventórios elucidaremos o
papel representado por cada um deles nos dois últimos capítulos
desta dissertação em que a problemática das instituições asilares,
sobretudo aquelas que foram edificadas em Santa Catarina,
será abarcada.
9
A Escola de Aprendizes e Marinheiros e a oficina dos detentos
da Penitenciária Pedra Grande fizeram a doação de um
conjunto de móveis que foram a leilão. O governo do estado
deu um terreno no valor de trinta contos de réis e firmou a
disponibilidade de uma porcentagem da arrecadação do
imposto lotérico ao movimento. Por fim, artistas musicais
organizaram um festival, revertendo a renda para a campanha
(SOCIEDADE, 1938).
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 123
Capítulo 4
O combate em
Santa Catarina
Acampanha contra a hanseníase, em Santa Catarina,
constituiu-se a partir de um movimento organizado por
representantes das elites catarinenses que, de acordo com os
auspícios de preservação da raça e bem-estar coletivo
fomentados pela Federação das Sociedades de Assistência aos
Lázaros e Defesa contra a Lepra, auxiliaram na construção
das instituições asilares voltadas ao alijamento daqueles que
faziam parte do universo da doença.
No âmbito da prole sadia do enfermo, a Sociedade de
Assistência aos Lázaros de Santa Catarina se fez o principal
instrumento para a edificação do abrigo preventorial. A partir
dos discursos amplamente divulgados na imprensa e das
atividades desenvolvidas pela Sociedade, obteve-se um
significativo respaldo popular, tendo como resultado a
inauguração da obra no ano de 1941.
Mas o Educandário Santa Catarina se configurou como
parte de um mecanismo mais amplo de profilaxia que foi
implementado sob a direção dos serviços públicos de saúde.
Com base nisso, tentaremos explicitar, neste capítulo, os
124|Débora Michels Mattos
A montagem do sistema
O esquadrinhamento
Para que isso pudesse ser obtido era preciso que o doente
tivesse confiança no médico censitário. Através de conversas,
esclarecimentos, afirmações por vezes isentas de veracidade,
aumentava-se a lista de pessoas dispostas a contribuir na
procura de enfermos. Mesmo que alguns casos suspeitos
fossem confundidos com outras afecções de pele, como a
psoríase e a leishmaniose, todos passavam pela análise do
profissional encarregado (SÃO THIAGO, 1996).
Munido de um automóvel, fichas impressas para a
notificação dos enfermos e material instrumental para exame
clínico dermatológico, o médico recenseador contava com a
presença de um motorista apto a desempenhar função de
enfermeiro no caso de alguma eventualidade. O acesso a
alguns lugares nem sempre era fácil, o que dificultava a
agilidade do recenseamento. Outro fator que se constituía
num obstáculo aos profissionais designados à realização do
censo eram os boatos que chegavam ao conhecimento dos
enfermos e seus parentes acerca das medidas que o governo
do Estado estava tomando em relação aos portadores da
doença. O medo do contágio e a veiculação de que a polícia
estava à procura de enfermos para que fossem internados,
presos ou exterminados faziam com que pessoas próximas
ao doente a escondessem em lugares de difícil acesso (SÃO
THIAGO, 1996). Como menciona o paciente G, asilado em
dezembro de 1940 com quinze anos de idade, a crença de
que o Serviço de Profilaxia da Lepra intencionava a eliminação
das pessoas que eram portadoras da doença de fato existia:
Até antes de eles irem lá buscar nós, tinha umas crianças que
brincavam lá com nós, não é?! Comigo, com os meus irmãos.
E eles diziam:
– Vocês sabem para aonde vocês vão? – e eles para mim. [...]
E eu pelo menos não estava sabendo de nada.
– Não.
– Vão levar vocês para um lugar que vão matar vocês! Vocês
vão morrer!
136|Débora Michels Mattos
Tabela 1
Recenseamento de Hansenianos em Santa Catarina
Número de Casos (1937-1941)
Anos Enfermos Suspeitos Comunicantes Localidades
1937 69 03 210 11
1938 250 15 702 178
1939 70 04 214 64
1940 107 36 331 Dispensários
1941 23 20 173 Dispensários
Total 519 78 1.630 253
Fonte: São Thiago (1945).
Gráfico 1
Gráfico 2
Gráfico 3
Tabela 2
Estado de Santa Catarina
Proporção de Hansenianos no Âmbito da Cor em Relação à
População Sadia (1941)
Cor População de SC Hansenianos Percentual10
em 1940 em 1941
Brancos 1.112.809 466 0,041
Negros e 65.338 53 0,081
Pardos
Fonte: São Thiago (1945).
A “caça” e o internamento
Tabela 3
Hospital Colônia Santa Teresa
Distribuição dos Internos de Acordo com a Profissão (1940-1950)
Profissão Int. Profissão Int. Profissão Int.
Alfaiate 04 Esmoler 02 Militar 01
Almoxarife 01 Estudante 42 Militar 02
Reformado
Ambulante 02 Farmacêutico 01 Mineiro 03
Aposentado 01 Fazendeiro 01 Motorista 01
Aprendiz 01 Feitor 01 Músico M 01
Marinheiro
148|Débora Michels Mattos
Gráfico 4
Tabela 4
Hospital Colônia Santa Teresa
Procedência dos Internos
(1940-1950)
Gráfico 5
Tabela 5
Hospital Colônia Santa Teresa
Nacionalidade dos Internos
(1940-1950)
Nacionalidade Número de Internamentos
Alemanha 3
Argentina 1
Itália 2
Holanda 1
Polônia 2
Rússia 3
Suíça 1
Síria 1
Ucrânia 1
Brasil 811
Total 826
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos do
Hospital Colônia Santa Teresa.
Gráfico 6
Gráfico 7
Tabela 6
Hospital Colônia Santa Teresa
Média de Idade dos Internos
(1940-1950)
Média de Idade Internos
0 a 5 anos 6
6 a 10 anos 27
11 a 15 anos 54
16 a 20 anos 85
21 a 25 anos 78
26 a 30 anos 117
31 a 35 anos 82
36 a 40 anos 103
41 a 45 anos 87
46 a 50 anos 56
51 a 55 anos 49
46 a 60 anos 38
61 a 65 anos 13
66 a 70 anos 18
71 a 75 anos 4
76 a 80 anos 2
81 a 85 anos 0
86 a 90 anos 4
Sem Referência 3
Total 826
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos do
Hospital Colônia Santa Teresa.
Notas:
1
Ver Memorial da Diretoria de Higiene do Estado de Santa
Catarina. APESC. D. PG/IJ, out./ dez. 1921, p. 50.
2
Ver Documentos avulsos. APESC. Caixa 9B, p. 15.
3
Ver Documentos avulsos. APESC. Caixa 9B, p. 15.
4
Ver Ofício 260. APESC. D PG/IJ, ago/set. 1922, p. 162.
5
Com a criação do Departamento Nacional de Saúde Pública e
do Serviço de Profilaxia da Lepra em 1920, as diretrizes
nacionais para resolver o problema da enfermidade passaram
a propagandear o isolamento dos doentes em leprosários,
hospitais ou colônias do tipo agrícola. Junto à edificação dessas
instituições, os Serviços de Profilaxia dos Estados deveriam se
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 161
Terceira Parte
O confinamento dos
enfermos
Capítulo 5
O Hospital Colônia
Santa Teresa
Nas primeiras décadas do século XX uma série de discursos
acerca dos mecanismos de profilaxia que deveriam ser
instituídos no campo da hanseníase passaram a ser postulados
por leprólogos e cientistas. Embora alguns desses discursos
tenham se posicionado contra a ideia do isolamento
compulsório defendida nos congressos internacionais de
leprologia realizados entre os anos de 1900 e 19301, a teoria
do contágio, a observação de uma maior incidência dentro
do âmbito familiar e o caráter evolutivo da enfermidade
acabaram dando força àqueles que se posicionavam a favor
da prática isolacionista (GOMIDE, 1991).
166|Débora Michels Mattos
A lógica institucional
Tabela 7
Situação do Problema da Lepra no Brasil em 1933
Leprosos
Estados Fichados Isolados Estimativa
Amazonas 1.436 310 3.000
Pará 3.612 850 4.000
Maranhão 848 100 1.500
Piauí 50 27 200
Ceará 524 208 1.000
Rio Grande do Norte 181 98 150
Paraíba 121 - 200
Pernambuco 427 203 1.350
Alagoas 23 - 100
Sergipe 8 - 100
Bahia 80 42 300
Espírito Santo 390 10 800
168|Débora Michels Mattos
Tabela 8
Hospital Colônia Santa Teresa
(Tabela de vencimentos dos funcionários doentes)
Cargos Vencimentos
Mensal Anual
Prefeito 100$000 1:200$000
Professor 80$000 960$000
Delegado de Polícia 60$000 720$000
Enfermeiro – Chefe 60$000 720$000
Escriturário 50$000 600$000
Almoxarife 50$000 600$000
Ajudante de Almoxarife 35$000 420$000
Carcereiro 40$000 480$000
Guarda 45$000 540$000
Barbeiro 50$000 600$000
Enfermeiro 40$000 480$000
Copeiro 30$000 360$000
Pedreiro 50$000 600$000
Ajudante de Pedreiro 30$000 360$000
Servente 20$000 240$000
Bombeiro 50$000 600$000
Eletricista 50$000 600$000
Carpinteiro 50$000 600$000
Feitor 40$000 480$000
Campeiro 40$000 480$000
Jardineiro 30$000 360$000
Zelador de Cemitério 40$000 480$000
Encarregado de Limpeza 30$000 360$000
Contínuo 25$000 300$000
Roupeiro 35$000 420$000
Passadeira 25$000 300$000
Fonte: ESTADO DE SANTA CATARINA. SC, 1937.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 175
Tabela 9
Serviço de Profilaxia da Lepra
(Tabela de vencimentos dos funcionários sadios)
Cargos Vencimentos
Mensal Anual
Assistente Técnico Médico 1:800$000 21:600$000
Auxiliar Técnico Médico 900$000 10:800$000
Médico Especialista Visitador 900$000 10:800$000
Médico Laboratorista 880$000 10:000$000
Médico Especialista (moléstias 500$000 6:000$000
intercorrentes)
Farmacêutico 600$000 7:200$000
Auxiliar de Farmacêutico 300$000 3:600$000
Dentista 600$000 7:200$000
Auxiliar de Laboratório 300$000 3:600$000
Enfermeiro 330$000 3:960$000
Ajudante de Enfermeiro 250$000 3:000$000
Auxiliar de Dispensário 250$000 3:000$000
Superintendente 500$000 6:000$000
Administrador de Almoxarife 400$000 4:800$000
Escriturário 330$000 3:960$000
Auxiliar de Escrita (datilografia) 240$000 2:880$000
Mestre de Cultura 350$000 4:200$000
Parteira 320$000 3:840$000
Servente 240$000 2:880$000
Chauffeur 255$000 3.060$000
Cozinheiro 200$000 2:400$000
Ajudante de Cozinha 120$000 1:440$000
Encarregado de Lavanderia 150$000 1:800$000
e Desinfetório
Eletricista e Encarregado 300$000 3:600$000
de Motores
Telefonista 120$000 1:440$000
176|Débora Michels Mattos
Gráfico 8
Serviço de Profilaxia da Lepra de Santa Catarina
Comparativo de V encimentos (em Réis) entr
Vencimentos entree
Funcionários Sadios e Hansenianos
Ele disse:
– Você pode ir. Você vai, vai, mas você tome as suas
providências e quando eu voltar eu tomarei as minhas...
gente. Naquela época era triste, né?! Mas galinha, porco, essas
coisas assim podia vender. [...] Tinha uma olaria. Fazia tijolo,
né?!, tijolo. Vendia tijolo pra fora também (Depoimento de GB.
22 jan. 2002).
Na pequena cidade à parte em que se constituiu o Hospital
Colônia Santa Teresa, o enfermo se configurou morador sujeito
às normas, regras e leis organizacionais relativas àquele lugar.
O asilo institucional a que foi submetido e os preceitos
idealizados para que o enfermo o observasse como um lugar
perfeito para se viver vislumbraram a criação de órgãos a fim
de garantir os direitos e os deveres dos que ali residiam. Assim
nasceu a Administração Sub-Distrital, pelo Decreto de Lei nº
1.276, de 09 de fevereiro de 1945 (ESTADO DE SANTA
CATARINA, 1946). De acordo com o decreto a criação do
Sub-Distrito tinha como objetivo atender aos internos do
Hospital Colônia Santa Teresa dos pontos de vista civil, criminal
e jurídico, uma vez que o acesso a esse instrumento havia
sido vetado em face do alijamento compulsório. Sendo assim,
o Sub-Distrito Colônia Santa Teresa, ligado ao Distrito de São
Pedro de Alcântara, localizado na comarca de São José, foi
composto de dois juízes de paz e um escrivão.
Aos juízes de paz competia o exercício das funções inerentes
à autoridade policial, como flagrantes e exames de corpo
delito, prisão, nomeação circunstancial de auxiliares (tradutor,
intérprete, perito e oficial de justiça), cumprimento de
mandados e precatórias, tomada de depoimentos, arrecadação
e acautelação de bens de ausentes, aplicação de penalidades
prescritas. Além disso, realização de casamentos e qualquer
atribuição relacionada por lei ao cargo de juiz de paz.
Ao escrivão competia funcionar nos processos realizados
pelo juiz e exercer funções relativas à oficialização dos registros
civis de pessoas físicas, jurídicas, de títulos e documentos, de
policiais e de tabelionato, ficando a seu cargo o desempenho
de todas as funções relativas ao escrivão de paz e geral
(ESTADO DE SANTA CATARINA, 1946).
Conforme o Decreto de Lei nº 1.276, embora as atividades
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 191
O confinamento
levar à morte.
As experiências com o óleo de chalmoogra foram muitas e se
desenvolveram praticamente por duas décadas, durante as quais
acreditou-se ser esse o caminho que deveria ser percorrido em
busca da cura. Esse método acarretava uma série de efeitos
colaterais, tais como diarréia intensa e caquexia, que poderiam
levar a óbito (MONTEIRO, 1995, p. 304).
De acordo com a prática adotada em Santa Catarina, a
aplicação do chalmoogra era feita por via oral e injetável. As
administrações orais, subcutâneas e intramusculares eram
realizadas pelos internos do Hospital Santa Teresa, capacitados
para exercer a função de enfermeiros. As intramusculares
eram administradas pelos médicos que trabalhavam na
instituição, sendo elas a principal causa dos efeitos colaterais,
sobretudo as que deixavam marcas irreversíveis de sinalização
da doença.
Com agulhas curtíssimas para penetrar 1 mm sob a pele, levando
uma gotícula do medicamento, eram feitas fisgadas distantes 1
cm das outras sobre as máculas em atividades, ficando uma
“placa” rendada de furos de vários tamanhos, conforme a lesão,
indo ate 10 ou mais cm de diâmetro. Quando a mácula era
infiltrada, muito ativa e sensível, com em geral ocorria, o
paciente suportava momentos de dor, mas se submetia com
esperança vã de uma futura libertação. Com o tempo surgia
uma “placa” indelével, castanho escura, rendada, cicatricial,
que disfarçava a lesão, pois outras surgiam em outros pontos
da superfície cutânea e tudo recomeçava num ritmo trágico e
desgastante. Muitos diagnósticos retrospectivos foram feitos por
hansenologistas em egressos ou evadidos de colônias com base
nessas clássicas cicatrizes que tinha o efeito desvendador das
fácies leoninas (SÃO THIAGO, 1992, p. 8-9. mimeo).
Esse tratamento, como qualquer outro que fosse prescrito
pelo serviço profilático, constituía-se obrigatório, mesmo com
seus efeitos contrários. A não aceitação do tratamento só era
permitida mediante a assinatura de um termo de
responsabilidade que eximia o Hospital Colônia de suas
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 201
O cotidiano asilar
Mecanismos de contraposição
– Eu não posso dar licença, mas você sai pelo rio. Sai pelo rio.
ao meio social.
Seriam eles de fato incapazes, se analisarmos as inúmeras
atividades que desenvolveram dentro da instituição? Seriam
eles de fato ameaça, ao ponto de terem de ser afastados de
sua família e confinados compulsoriamente na “cidade asilo”?
Acreditamos que não!
Na grande campanha de combate à “lepra” da região
catarinense, alçada com base num movimento maior que se
estabeleceu em todo o Brasil, outra “instituição total” foi
edificada. Denominada Educandário Santa Catarina, esteve
voltada ao atendimento de uma outra categoria de indivíduos:
os filhos sadios dos enfermos.
Fotografias
Acervo particular de AC
Acervo particular da
Congregação
Franciscana de São
José. Internos
preparados para o
escotismo, s.d.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 221
Acervo da Congregação
Franciscana de São José.
Encenação do drama da
Paixão de Cristo pelos
internos, 1950.
222|Débora Michels Mattos
Notas:
1
Os congressos realizados na Alemanha, em 1897, na Noruega,
em 1909, e na França, em 1923, foram decisivos para a escolha
do modelo de tratamento a ser implantado internacionalmente.
Com base nos estudos realizados por Hansen, o de 1897 já
afirmava o caráter infectocontagioso da doença. Ainda sob a
influência da teoria do contágio, o de 1909 estabelecia a adoção
de uma política de segregação compulsória que deveria servir
de base para outros países. Em 1923, durante o Terceiro
Congresso Internacional, o princípio do isolamento continuou
a ser defendido e a partir dele melhor difundido (MONTEIRO,
1995).
2
Ver Capítulo 3 desta obra.
3
Período este em que a prática isolacionista se fez com maior
força e rigor.
4
De acordo com Gomide e segundo nota do autor do trabalho
estatístico, deputado Mário Chermont, os dados se
relacionavam ao ano de 1933 e somente São Paulo
apresentava um número considerável de enfermos internados
em instituição asilar (CHERMONT, 1936, p. 3605. Apud
GOMIDE, 1991, p. 106).
5
Pensamento do Prof. A. Austragésilo, publicado pela Federação
das Sociedades de Assistência aos Lázaros e Defesa contra a
Lepra na Revista de Combate à Lepra.
6
Artigo publicado por Eunice Weaver, intitulado Livrando a
Pátria do Estigma da Lepra.
7
Não existem documentos oficiais sobre a vida e a obra do Dr.
Adalberto Tolentino de Carvalho. Embora tenha assumido
posições de destaque no cenário catarinense, chegando a
prefeito de Florianópolis na década de 40, sua atuação no
Serviço de Profilaxia da Lepra como diretor do Hospital Colônia
Santa Teresa não foi referenciada de forma aprofundada nas
fontes documentais. Nesse sentido, utilizamos para esta
pesquisa os pareceres tecidos por aqueles que tiveram contato
direto com o médico à época da campanha de combate à
doença (grifo meu).
8
Sobre isto veremos mais adiante.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 223
9
Monteiro (1995) nos coloca que as associações filantrópicas,
uma vez que eram elas as intermediadoras das doações,
acabavam decidindo a forma como os recursos obtidos seriam
empregados dentro das instituições asilares. Esse poder de
decisão também era questionado pelo Departamento de
Profilaxia da Lepra de São Paulo.
10
Os réis são substituídos pelo cruzeiro durante o governo de
Getúlio Vargas. Mil réis passam a valer 1 cruzeiro.
11
Dados retirados do livro de registros de internamentos do
Educandário Santa Catarina.
12
Número inicial de irmãs: irmã Heriberta (provincial), irmã
Eduarda (superiora), irmã Bernadete (farmácia), irmã Antonina
(costura), irmã Petronela (cozinha), irmã Serafina (pavilhões
masculinos), irmã Celina (pavilhões femininos), irmã Joaquina
(farmácia), irmã Osvalda (lavanderia e igreja), irmã Cândida
(laboratório), irmã Franciscana (enfermagem), irmã Elígia
(enfermagem), irmã Prudência (lavanderia), irmã Pascoalis
(cozinha).
224|Débora Michels Mattos
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 225
Quarta Parte
O alijamento dos
saudáveis
[...]
baixei os olhos, incurioso, lasso,
desdenhando colher a coisa oferta
que se abria gratuita a meu engenho.
A treva mais estrita já pousava
sobre a estrada de Minas, pedregosa,
e a máquina do mundo, repelida.
Se foi miudamente recompondo,
enquanto eu, avaliando o que perdera,
seguia vagaroso, de mãos pensas.
(Carlos Drumond de Andrade. A Máquina do Mundo)
226|Débora Michels Mattos
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 227
Capítulo 6
O Educandário Santa
Catarina
Um instrumento de prevenção
Tabela 10
Localização dos Preventórios Brasileiros até 1948
Estado Nome Localização
Acre Santa Margarida 3 km de Rio Branco
Alagoas Eunice Weaver Subúrbio de Maceió
Amazonas Gustavo Capanema 5 km de Manaus
Bahia Eunice Weaver 20 km de Salvador
Ceará Eunice Weaver 20 km de Fortaleza
Distrito Federal Santa Maria 20 km do Rio de
Janeiro Capital
Espírito Santo Alzira Bley 14 km de Vitória
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 235
Gráfico 9
Tabela 11
Números de Internos Anuais do Educandário Santa
Catarina (1940-1950)
Ano 1941 1942 1943 1944 1945 1946 1947 1948 1949 1950
Internos 90 105 120 123 128 142 134 120 149 153
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos do
Educandário Santa Catarina.
[...]
Tabela 12
Ração Diária Per-Capita do Educandário Santa Catarina
(observada)
Gêneros Alimentícios Quantidade em Gramas Calorias
Açúcar 40 160
Arroz 80 265,6
Banha 5 43,5
Batata 80 63,2
Carne 135 188,7
Farinha de Mandioca 80 262
Feijão 30 94,2
Leites 200 127
Manteiga 2 17,1
Massas Alimentícias 20 68
Pão 10 200
Verduras - -
Fonte: DANTAS(1945/1946).
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 251
Tabela 13
Ração Diária Per-Capita do Educandário Santa Catarina
(indicada)
Gêneros Alimentícios Quantidade em Gramas Calorias
Açúcar 100 400
Arroz 100 344,6
Banha 10 86,4
Batata 100 104
Carne 200 281
Farinha de Milho 80 260
Feijão 50 157
Frutas - -
Leite 500 295
Manteiga 10 76,5
Massas Alimentícias 50 153,6
Ovos 14 67
Pão 200 400
Verduras - -
Temperos - -
Total 1.464 2.782,1
Fonte: DANTAS (1945/1946).
Gráfico 10
lembro bem o que ela fez, me parece que ela tinha arrumado
um namoradinho, né?!, então eles rasparam o cabelinho dela,
ela tinha uma cabeleira linda, rasparam e ela ficou com aquela
cabeça raspada durante muito tempo, até crescer o cabelo
(Depoimento de VM. 02 mai. 2002).
O mecanismo de amparo e profilaxia objetivava ser perfeito
nos seus mais diferentes aspectos, inclusive no resguardo da
integridade moral. Logicamente, na visão das administradora,
confiadas ao trato diário com os internos, designadas ao
provimento de sua educação, de sua saúde, de sua proteção
física, o namoro poderia resultar em problemas mais sérios,
como uma gravidez, o que seria imperdoável, uma vez que
as falhas não eram compatíveis com o sistema idealizado.
Com efeito, a questão da sexualidade já não era algo que
as irmãs sabiam lidar com desenvoltura. Até mesmo no âmbito
da menstruação os encaminhamentos ficavam a cargo das
internas maiores, que ensinavam às menores os procedi-
mentos a serem tomados quando o primeiro ciclo surgia, como
o cuidado em relação à higiene pessoal. Embora a vigilância
no que concerne ao namoro fosse exercida sobre todos, ela
se constituía ainda maior sobre as meninas, quando estas
davam mostras de estarem entrando na mocidade.
Olha, era um pouquinho complicado, mas as irmãs
procuravam, era uma época que isso tudo era meio tabu, se já
era difícil de os pais falarem, para elas também não era fácil.
Mas havia as maiores, não é?!, [...] porque quando eu entrei
no Educandário, eu entrei com oito anos mas já tinha meninas
[...] que entraram com seus quinze, dezesseis, que já eram
mocinhas [...]. Engraçado é que quando a gente ia se
aproximando dos doze anos elas já estavam com as toalhinhas
higiênicas todas preparadas. Isso já era tudo já preparado.
Naquela época ainda não havia o modess e era muito
complicado. [...] Eu me lembro, assim, de elas mostrarem mais
regras de higiene, como é que deveríamos fazer a higiene pessoal.
[...] A gente fazia a higiene também das toalhas [...]. Isso era
complicado porque a gente deveria fazer com a máxima
discrição pra não deixar as pequenas perceberem, porque elas
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 265
O lugar da rigidez
– O papai também está indo para um hospital onde ele vai ser
muito bem tratado e ele disse pra você ficar contente porque
você vai para o colégio onde ele queria que você fosse
(Depoimento de AS. 23 abr. 2002).
De acordo com o depoimento acima, em relação à
locomoção da criança que era internada na instituição
preventorial, podemos observar que não havia cuidado em
se preservar a sua saúde, uma vez que ela era transportada
junto com pessoas enfermas e em condições de extrema
precariedade. Esse fato revela a linha tênue que unia os
mecanismos de profilaxia alçados para o filho sadio do
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 269
Ele disse:
[...] Mas ele ficou desesperado, fugiu pro mato [...]. Depois
ainda altas horas da noite, lá pelas oito, nove horas, fomos lá
atrás dele, procurar o rapaz no mato. Aí obrigamos a vir. Ele
chorava:
a) falecimentos;
b) doença de lepra;
Tabela 14
Educandário Santa Catarina
Internos Acometidos com a Hanseníase
(1940-1950)
N.º Ano Idade Ano Idade Tempo p/
Interno Interna- Acome- Manifes-
mento timento tação
Tabela 15
Educandário Santa Catarina
Incidência de Óbitos dos Internos por Idade
(1940-1950)
Idade Número de Óbitos
Recém-nascidos a menores de 1 mês 7
1 mês a menores de 6 meses 10
6 meses a menores de 1 ano 5
1 ano a menores de 2 anos 1
2 anos a menores de 3 anos 1
3 anos a menores de 4 anos 0
4 anos a menores de 5 anos 0
5 anos a menores de 10 anos 0
10 anos a menores de 15 anos 1
15 anos a 18 anos 1
Total 26
irmão, 2 tios e uma avó, tal fato nos causou indagação, uma
vez que o preventório objetivava abrigar filhos sadios de
hansenianos que tinham seus pais asilados no hospital colônia,
evitando, assim, o abandono da criança. É provável que esses
internos estivessem sob a tutela dessas pessoas por inúmeros
motivos, inclusive a morte dos pais, fazendo com que fossem
integrados ao estabelecimento em face da enfermidade do
tutor.
No âmbito da idade do internamento, esta variou entre
0 e 18, sendo que para alguns casos também não foi
possível precisar. O maior número de internamentos
ocorreu entre 6 e 10 anos, seguido dos recém-nascidos na
colônia asilar para os enfermos, como podemos verificar
na tabela de número 17:
Tabela 17
Educandário Santa Catarina
Média de Idade dos Internos
(1940-1950)
Idade Número de Internados
Recém-Nascidos 59 *
Entre 1 mês e 11 meses 16
De 1 a 5 anos 53
De 6 a 10 anos 96
De 11 a 15 anos 62
De 16 a 18 anos 11
Sem Referência 4
Total 301
* Os 59 recém-nascidos tiveram a Colônia Santa Teresa como local de
procedência. Eles eram entregues ao Educandário até no máximo um
dia após o seu nascimento, não tendo, nesse sentido, contato com a
mãe doente após o seu nascimento. Computam essa categoria as crianças
de até vinte e oito dias.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 281
Gráfico 11
Tabela 18
Educandário Santa Catarina
Procedência dos Internos
(1940-1950)
Procedência Número de Crianças Internadas
Araranguá 6
Caçador 1
Campo Alegre 2
Campos Novos 13
Canoinhas 5
Chapecó 8
Concórdia 5
Criciúma 3
Curitiba 1
Florianópolis 16
Gaspar 1
Hamônia 8
Ibirama 4
Imaruí 1
Imbituba 9
Itaiópolis 11
Itajaí 27
Jaguaruna 4
Jaraguá 3
Joaçaba 2
Joinville 5
Lages 15
Laguna 14
Mafra 6
Palhoça 15
Porto União 2
Rio Grande do Sul 1
Rodeio 3
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 283
São José 2
Taió 1
Tubarão 27
Colônia Santa Teresa 64
Sem referência 16
Total 301
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos do
Educandário Santa Catarina.
Tabela 19
Educandário Santa Catarina
Média de Permanência dos Internos
(1940-1950)
Tempo de Permanência Número de Internos
Menos de 1 mês 13
De 1 mês a menos de 1 ano 37
De 1 ano a menos de 2 anos 12
De 2 anos a menos de 3 anos 21
De 3 anos a menos de 4 anos 19
De 4 anos a menos de 5 anos 18
De 5 anos a menos de 6 anos 20
De 6 anos a menos de 7 anos 26
De 7 anos a menos de 8 anos 20
De 8 anos a menos de 9 anos 23
De 9 anos a menos de 10 anos 19
284|Débora Michels Mattos
Tabela 20
Educandário Santa Catarina
Motivo para Saída ou Baixa dos Internos
(1940-1950)
Motivo da Saída ou Retirada Número de Egressos
Solicitação da Família 158
Sem Referência 36
Falecimentos 26
Emprego 19
Acometimento com mal de Hansen 17
Rebeldia/Insubordinação/Expulsão 13
Serviço Militar 11
Fuga 8
Casamento 3
Estudos 2
Vida Religiosa 2
Conta Própria 2
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 285
Motivos Particulares 2
Problemas de Saúde 1
Adoção 1
Total 301
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos
do Educandário Santa Catarina.
Tabela 21
Educandário Santa Catarina
Idade dos Internos ao Saírem do Educandário
(1940-1950)
Idade Número de Internos
Menores de 1 ano 24
1 ano 4
2 anos 4
3 anos 5
4 anos 3
5 anos 6
6 anos 4
7 anos 9
8 anos 10
9 anos 10
10 anos 12
11 anos 15
12 anos 10
13 anos 18
14 anos 23
15 anos 26
16 anos 30
17 anos 17
18 anos 19
19 anos 10
286|Débora Michels Mattos
20 anos 4
21 anos 5
22 anos 5
23 anos 2
24 anos 0
25 anos 0
26 anos 1
27 anos 1
Sem Referência 24
Total 301
Fonte: dados encontrados no livro de registros de internamentos do
Educandário Santa Catarina.
Notas:
1
A irmã Rodolfa foi professora e diretora da Seção Escolar do
Educandário Santa Catarina enquanto as irmãs franciscanas
administraram a instituição. De acordo com depoimentos de
egressos, ela foi a principal responsável pelo desenvolvimento
educacional dos internos, articulando o aprimoramento dos
estudos fora do estabelecimento preventorial e estimulando a
inserção de crianças e adolescentes em grupos de canto, música
e teatro (grifo meu).
2
Sobre as fases da hanseníase ver Capítulo 1.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 291
Considerações finais
A história da hanseníase no mundo ocidental nos permite
visualizar em que medida concepções e práticas produzidas
no passado podem ser perpetuadas, ainda que de forma
burilada, em nossa atualidade. A “lepra” medieval, dotada
de sinônimos variados, como impureza, desonra, sujeira,
castigo divino ou reflexo do pecado, remodelou-se, no Brasil
moderno, em símbolo de ameaça à constituição do progresso,
permanecendo o estigma depreciativo da enfermidade.
Embora as práticas utilizadas para resolver o problema do
estado de doença também tenham sofrido alterações,
buscando-se, em substituição ao amparo, a promoção da
saúde e da cura, a hanseníase, então denominada “lepra”,
continuou sendo tratada através de mecanismos de exclusão.
Isso pode ser observado a partir das instituições asilares
que foram construídas no Brasil dos anos 30, quando Estado
e sociedade se aliaram no combate à enfermidade com vistas
a salvaguardar o futuro do país. Se por um lado significativos
avanços no campo da medicina permitiram um conhecimento
mais aprofundado sobre a hanseníase já em fins do século
XIX, como a descoberta do agente causador da doença e os
meios de contágio; por outro, em termos de tratamento, esses
avanços não puderam ser observados, prevalecendo a ideia
da segregação.
292|Débora Michels Mattos
Referências e Fontes
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. Instituições médicas no Brasil. Rio de Janeiro:
Graal, 1979.
304|Débora Michels Mattos
Outras Referências:
A Gazeta, Florianópolis
Diário da Tarde, Florianópolis
Diário Oficial, Florianópolis
O Estado, Florianópolis
República, Florianópolis
Anexos
Anexo 1
Nerêu Ramos
Manoel Pedro Silveira
Anexo 2
Da Admissão e Matrícula
decurso da gravidez.
Da Baixa e Saída
Da Direção e Administração
c) um escriturário.
Parágrafo único. Os demais cargos serão criados e
preenchidos pela direção superior à medida das necessidades.
Do Corpo Técnico
Do Ensino
Da Economia Interna
Aos Internados
a) admoestação;
b) repreensão;
c) supressão de passeios, festas, jogos;
d) expulsão no caos de alínea “f” do art. 6.
Aos Empregados
a) admoestação;
b) repreensão;
c) dispensa.
a) admoestação reservada;
b) repreensão;
c) demissão.
Fora do Arraial: hanseníase e instituições asilares em Santa Catarina (1940-1950) | 331
a) admoestação reservada;
b) admoestação por escrito;
c) demissão.
Disposições Gerais
Disposições Transitórias
Anexo 3
programa de ação;
i) promover, nos municípios, a criação de Sociedades
idênticas aos seus fins, bem como obter a filiação das
associações congêneres do Estado.
Dos sócios:
a) honorários;
b) beneméritos;
c) benfeitores;
d) contribuintes;
e) correspondentes;
f) remidos.
Da organização social:
Assembléia Geral:
Conselho Deliberativo:
Da Diretoria:
Do Conselho Técnico:
Disposições gerais: