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ISSN: 1646-3137
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Conclusão
No mundo há muitas certezas
e a maior das certezas é
a dúvida
Bertolt Brecht
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Por que fazer circular, cada vez mais depressa, um número cada vez
maior de informações? Por que jamais se diz que em nível mundial o
principal beneficiário dessa aceleração do tempo pelos sistemas de
informação foi, em vinte anos, a criação e expansão dessa enorme bolha
financeira especulativa que perturba regular e selvagemente todas as
tentativas de cooperação econômica? [306]
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faria sentido. Mas, a cada segundo, todos estamos consumindo exatamente isso: o
fetiche da velocidade. Pois “o que nos fascina mais? O tempo que se ganha com as
novas técnicas da comunicação. Mas, para fazer o quê?”, pergunta Wolton. “Ganhar
tempo não constitui um projeto” [310] . E projetos são fundamentais simplesmente
porque, diz ele, uma sociedade se organiza em torno de sistemas de valores e não
de sistemas técnicos - donde a falácia de que a onipresença dos sistemas de
informação originam a “sociedade da informação”:
A questão, aqui, é de que o próprio sistema técnico é assumido como valor, e assim
fetichizado. É só aí que faz sentido o contra-senso: a máquina existe para
comunicar, e quanto mais comunica, menos informa. Ao sublinhar a
responsabilidade de uma parcela de intelectuais para a aceitação acrítica da
“sociedade da informação”, Klinenberg indica também as bases sobre as quais se
pode iniciar o questionamento desse modelo:
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a se constituir em jornal assim que outra pessoa as recolhe, até que, no fim do dia,
vão embrulhar verduras, “que é para o que servem os jornais depois dessas
excitantes metamorfoses” [313] . Nesse meio tempo, entretanto, é possível
imaginar que outras metamorfoses já se terão operado na cabeça do leitor, pois as
notícias têm evidente importância na formação da opinião e óbvia influência na vida
pública; e, finalmente, mais metamorfoses transformarão o perecível em
permanente, levando os jornais a arquivos e bibliotecas e tornando-os material de
pesquisa e fonte de consulta capazes de reconstituir uma época (com todos os
riscos e imprecisões que essa empreitada importa). É isso, aliás, o que sintetiza um
famoso anúncio do Jornal do Brasil: “as páginas de um jornal podem ir para o lixo
ou entrar para a história”.
Em segundo lugar, deixando claro que, se a tarefa é dar “a verdade sobre os fatos”,
impõe-se a explicitação do sentido político do jornalismo, o que implica o
reconhecimento dessa atividade como um campo de luta. Luta desigual,
certamente, considerando-se o poder das forças em confronto, e que se traduz, por
exemplo, no tipo de interpretação que será dada a esses fatos, e mesmo na eleição
dos fatos aos quais se dará o status de notícia.
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A investigação, certamente, é “uma coisa sem fim”, e não só porque hoje a rotina da
concorrência exige do jornalista respostas definitivas e bombásticas a cada edição,
mas porque nossas certezas são sempre provisórias. E, se a matéria-prima do
jornalismo é a realidade cotidiana, “domínio do movediço, do impreciso, do mais ou
menos, do cerca de” [316] , um discurso não mistificador precisaria ser menos
afirmativo, menos conclusivo, menos definitivo; precisaria expor as limitações do
trabalho de apuração e aceitar a dúvida como componente desse trabalho. Não a
dúvida sobre o fato objetivo - “a Alemanha invadiu a Bélgica em 1914” -, mas sobre
interpretações sacralizadas desse fato, sobre os consensos estabelecidos. Em suma,
a dúvida que permite outras interpretações, que está na origem de toda
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É nesse sentido que se pode enunciar o conceito de notícia como clinamen, aquele
desvio que Epicuro identificou na rota previsível e mecânica dos átomos e que
rompe com a fatalidade, representando, para a natureza, a possibilidade de criação
do mundo, e, para os homens, a possibilidade de liberdade.
Não é casual que Boaventura de Sousa Santos utilize conceito semelhante, “ação-
com-clinamen”, para designar a rebeldia da ação contrária ao conformismo, “que
reduz o realismo ao que existe”, no enorme esforço teórico empreendido por ele
para “reinventar a democracia” [319] a partir da formação de um “novo senso
comum”. Tratar das relações entre jornalismo e senso comum excede amplamente
os limites deste trabalho, mas caberia ao menos ressaltar que, especialmente para
este autor - como também para Gramsci -, o senso comum é encarado
positivamente, em sua potencial contribuição para um projeto de emancipação
cultural e social [320] . Tal projeto interfere nos rumos do que Sousa Santos chama
de “transição paradigmática”, provocada pelo inconformismo diante da frustração
das promessas da modernidade face à realidade do aumento exponencial da fome,
do desemprego, das violações aos direitos humanos, e assim por diante.
Em sua densa pesquisa em busca de uma teoria “para um novo senso comum”,
porém, Sousa Santos estranhamente deixa de lado o poder da mídia:
explicitamente, sua preocupação é o lugar que a ciência e o direito ocupam na
trajetória do paradigma da modernidade ocidental [321] . Entretanto, parece claro
que a disseminação da crítica à globalização, por exemplo, encontra na mídia uma
poderosa barreira, justamente porque é a mídia o grande divulgador desse
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Haverá mercado para um jornalismo como este? As críticas cada vez mais
freqüentes e consistentes ao trabalho da grande imprensa parecem sugerir que
sim. De todo modo, estas são possibilidades que se pode apenas indicar, e que, para
se realizarem, dependem de uma série de variáveis. Uma delas, crucial,
relaticiona-se às condições de trabalho, pois as melhores intenções se desmancham
diante de impossibilidades práticas como as que se desenham na nova configuração
do profissional multimídia e multitarefa exigido pelo mercado do “tempo real” - daí
a necessidade de reação contra essa exigência, o que pressupõe a mobilização dos
jornalistas em nome de uma causa social, a qualidade da informação que o público
consome todos os dias. Outra das variáveis diz respeito a uma intensa pesquisa no
campo do discurso e sua eficácia na relação com o senso comum - algo passível de
ser levado a efeito em projetos laboratoriais no âmbito da universidade.
Bibliografia
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[318] A. Schmidt. The concept of nature in Marx, 1971, apud Milton Santos. Por
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[320] Boaventura de Sousa Santos. Introdução a uma ciência pós-moderna. op. cit.,
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