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Cuad. herpetol.

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RÉPTEIS SQUAMATA DE REMANESCENTES FLORESTAIS DO


CAMPUS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO
NORTE, NATAL-RN, BRASIL

RAUL FERNANDES DANTAS DE SALES; CAROLINA MARIA CARDOSO


AIRES LISBOA & ELIZA MARIA XAVIER FREIRE
Laboratório de Herpetologia, Departamento de Botânica, Ecologia e Zoologia, Centro de Biociências, Uni-
versidade Federal do Rio Grande do Norte, Campus Universitário Lagoa Nova, CEP 59072-970, Natal,
RN, Brasil. Corresponding author: Raul Fernandes Dantas de Sales, email: raulsales17@gmail.com

R E S U M E N. — Inventários faunísticos são fundamentais para o conhecimento da biodiversida-


de e, conseqüentemente, para o planejamento e tomada de decisões sobre estratégias de conser-
vação. Para conhecer a diversidade e composição dos répteis Squamata, assim como a distribuição
das espécies por microhábitat em três fragmentos florestais na área do Campus da Universidade
Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), efetuaram-se excursões quinzenais diurnas, de março a
junho de 2008. As buscas ativas foram realizadas ao longo de transecções percorridas aleatoriamen-
te, efetuando-se os registros das espécies, dos microhábitats e do horário de observação. Um total
de 92 espécimes, correspondentes a 10 espécies, foi coletados nas três áreas estudadas. A consulta
da Coleção Herpetológica da UFRN possibilitou adicionar outras oito espécies, totalizando 18 espé-
cies para o Campus da UFRN. As espécies mais abundantes foram Mabuya heathi, Hemidactylus
mabouia e Tropidurus hispidus. O coeficiente de similaridade faunística binário de Sorensen
mostrou 59 % de similaridade com os Squamata do Parque Estadual das Dunas do Natal (PEDN),
área de conservação contígua com a área estudada. Apesar do grande adensamento urbano, os
fragmentos florestais do Campus Central da UFRN abrigam espécies de formações abertas e de
áreas florestadas, com destaque para os primeiros registros de Coleodactylus natalensis e de
Amphisbaena heathi nessa vegetação relictual, fatos que justificam a preservação desses fragmen-
tos em prol da manutenção destas espécies endêmicas do Rio Grande do Norte.
PALAVRAS CHAVE: Lagartos, serpentes, anfisbênias, diversidade, fragmentos florestais.

A B S T R A C T. — Fauna inventories are crucial for increasing knowledge of biodiversity as


well as for planning and conservation strategies. To assess the taxonomic composition and
microhabitat distribution of squamate reptiles in three forest fragments on the campus of the
Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), field collections were carried out
quarterly from March through July 2008. Active search for specimens was conducted randomly
along transects. Both time of capture and microhabitat were recorded for each specimen. A
total of 92 specimens belonging to 10 species were documented in the study area. Further
examination of material deposited in the herpetological collection of UFRN uncovered eight
additional species recorded for the area, totaling 18 species of squamate reptiles on the UFRN
campus. The most abundant species recorded in the study area were Mabuya heathi,
Hemidactylus mabouia and Tropidurus hispidus. According to the Sorensen Similarity index,
squamate fauna from the UFRN campus showed 59% similarity with those recorded in the
Natal Dune State Park (Parque Estadual das Dunas do Natal), a conservation area bordering
the campus. In spite of heavy urban encroachment, the forest fragments on the UFRN campus
harbor species typical of open and forested areas. The records of Coleodactylus natalensis and
Amphisbaena heathi, both in relictual forest fragments, further justify efforts to preserve these
fragments for the maintenance of these endemic species in the campus area.
KEYWORDS: Lizards, snakes, amphisbaenians, diversity, forest fragments.

R e c i b i d o : 1 5 / 1 2 / 0 8 — A c e p t a d o : 2 5 / 0 9 / 0 9
E d . a s o c . : F . L o b o
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INTRODUÇÃO (PEDN) (Freire, 1996; Lisboa, 2005), e


na Estação Experimental Rommel Mes-
Os répteis constituem um dos grupos quita de Faria, ou Mata do Jiqui (Sousa,
de destaque entre as principais taxoce- 2007); esta última um fragmento de Flo-
noses terrestres (Dixo & Verdade, resta Estacional, situado no município
2006), com cerca de 8860 espécies con- de Parnamirim-RN (Cestaro, 2002). No
hecidas (Uetz et al., 2006). Para o Bra- entanto, para áreas urbanizadas, espe-
sil, são registradas atualmente 708 espé- cialmente situadas no entorno do
cies de répteis, sendo 666 de Squamata PEDN, como a área do Campus Central
(64 anfisbênias, 237 lagartos e 365 ser- da UFRN, nenhum estudo foi efetuado.
pentes; Bérnils, 2009). Essa riqueza Devido à construção do Campus Uni-
pode ser ainda maior, frente às grandes versitário, no início da década de 1970,
lacunas geográficas a serem amostra- houve destruição parcial da vegetação
das, bem como às freqüentes descrições nativa. Até os dias atuais, a área do
de novas espécies a cada ano. Campus vem sofrendo grande adensa-
Nesse contexto, inventários faunísti- mento urbano, principalmente na última
cos são fundamentais para o conheci- década. Da vegetação original, restaram
mento acerca da biodiversidade e, con- apenas alguns fragmentos distribuídos
seqüentemente, para o planejamento e irregularmente. É relevante, portanto,
tomada de decisões sobre estratégias de investigar a composição e diversidade
conservação (Haddad, 1998; Santos et al., de espécies de Squamata destes frag-
2005), especialmente de remanescentes mentos e compará-las com a da área
florestais nordestinos (Freire, 2001). não urbanizada do PEDN.
A Mata Atlântica, um dos biomas
mais ricos em biodiversidade do planeta,
originalmente cobria cerca de 15% do te- MATERIAL E MÉTODOS
rritório nacional e atingia até o Paraguai
e a Argentina. No entanto, o uso e ocu- Área de estudo.— O Campus Central da
pação desordenada desse bioma levou à Universidade Federal do Rio Grande do
redução de cerca de 93% de sua área na- Norte ocupa uma área de 123 hectares
tural (Myers et al., 2000). Reduzida a e está localizado na porção sul da cida-
cerca de 7% da área original, encontra-se de de Natal, circundado pela área urba-
bastante fragmentada e reduzida a vários na desta cidade e tendo como limite, ao
arquipélagos de remanescentes florestais leste, o PEDN (Fig. 1).
muito pequenos e isolados, dificultando o Situado a sotavento do PEDN, vem
trânsito de espécies, as trocas genéticas sofrendo significativo adensamento urba-
necessárias à manutenção da biodiversi- no nos últimos anos (Carvalho, 2005).
dade e ainda impedindo a conservação Antes de sua construção, na década de
numa perspectiva de longo prazo (Taba- 1970, a área ocupada atualmente pelo
relli et al., 2005). No entanto, várias no- Campus apresentava cobertura vegetal
vas espécies de répteis têm sido descri- nativa contínua com a do PEDN; desta
tas destes remanescentes, especialmente vegetação original, restaram apenas al-
do Nordeste (Freire, 1999; Ferrarezzi & guns fragmentos florestais de tamanhos
Freire, 2001; Rodrigues et al., 2005; variados distribuídos irregularmente em
Freire et al., 2007a). meio às edificações. Esta vegetação re-
Quanto à fauna de répteis dos rema- manescente é caracterizada por árvores
nescentes de Mata Atlântica do Estado e arbustos típicos de ecossistemas cos-
do Rio Grande do Norte, estudos sobre teiros, inclusive da Mata Atlântica.
a diversidade e distribuição espacial das
espécies de Squamata foram efetuados Metodologia de coleta e de análises eco-
no Parque Estadual das Dunas do Natal lógicas.— Para o inventário das espé-
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Figura 1. Foto aérea do Campus Central da UFRN, destacando o Parque Estadual das Dunas
do Natal à direita, e as três áreas estudadas no Campus.
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cies, foram investigados os remanescen- coletores. As buscas ativas foram reali-


tes de vegetação mais significativos ain- zadas ao longo de transecções percorri-
da encontrados no Campus da UFRN das aleatoriamente por toda a área,
(Fig. 1): a Área 1, com aproximadamen- quando foram efetuadas observações e
te 1,9 hectares; a Área 2, com cerca de registros dos espécimes, dos hábitats e
1,5 hectares; e a Área 3, com cerca de microhábitats utilizados, além da data e
5,2 hectares. horário do registro.
As três áreas estão constituídas por Os espécimes foram coletados ma-
mosaicos de vegetação litorânea, porém nualmente, acondicionados em sacos
com algumas diferenças específicas en- plásticos e levados ao laboratório de
tre elas relacionadas à forma de distri- Herpetologia do Departamento de Botâ-
buição das árvores e arbustos, incidên- nica, Ecologia e Zoologia (DBEZ) da
cia solar, altura das árvores, entre UFRN, onde foram identificados, fixados
outras. Na Área 1 e na Área 3, oco- em formalina a 10%, mantidos em ál-
rrem árvores isoladas com altura média cool a 70% e tombados na Coleção Her-
de 4 metros, destacando-se Anacardium petológica do Departamento de Botânica,
occidentale. Predominam arbustos de Ecologia e Zoologia (CHBEZ).
cerca de 2 metros, intercalados por Para complementar a listagem de
grandes áreas cobertas por vegetação Squamata do Campus Central da UFRN,
herbácea. Observa-se na Área 3 brome- foram incorporados os dados da CHBEZ
liáceas e cactáceas. Na Área 2, não se sobre os Squamata coletados anterior-
observam arbustos e as árvores são mente na área do Campus. Para avaliar
mais altas, completamente isoladas a efetividade do esforço de coleta, foi fei-
umas das outras, alcançando mais de 6 ta uma curva de acumulação de espécies
metros de altura. As espécies de árvo- para cada área, baseada em horas-ho-
res não são nativas, predominando Ter- mem de trabalho em campo. Para calcu-
minalia catappa; o solo é coberto por lar a diversidade de espécies obtidas na
gramíneas e/ou folhiço. área do Campus, foi utilizado o índice de
Os lagartos, serpentes e anfisbênias Shannon (H’), com o auxílio do programa
foram amostrados através de excursões Ecological Methodology (Kenney &
quinzenais diurnas, de março a junho Krebs, 2000). Esse resultado foi compara-
de 2008, pelo método de busca ativa li- do com o obtido para o PEDN no estudo
mitada por tempo, com esforço de seis realizado por Lisboa (2005).

Tabela 1. Lista de espécies e número de espécimes registrados nos diversos microhábitats de


fragmentos florestais do Campus Central da UFRN, de março a junho de 2008.
(A) Sobre folhiço no solo, vegetação arbórea; (B) Vegetação herbácea (gramíneas); (C) Troncos
em decomposição; (D) Galhos ou troncos de árvores; (E) Sob casca ou fenda de árvore; (F)
Sobre o folhiço no solo, sob moita arbustiva; (G) Sob folhas de palmeira em decomposição no
solo; (H) Sob amontoado de folhas secas e frutos em decomposição; (I) No solo sobre areia
nua; (J) Sob folhiço no solo; (L) Construções humanas (asfalto, cercas, muros).
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A similaridade faunística entre a área ventário, totalizando 18 espécies para o


estudada e a do PEDN foi avaliada uti- Campus Central da UFRN (Tabela 2).
lizando-se o Coeficiente de Similaridade Estes espécimes tombados na CHBEZ
Binário de Sorensen (Krebs, 1999): Ss = foram coletados nas Áreas 1 e 3, mas
2A/(2A + B + C), onde A é o número de também em áreas com grande circu-
espécies comuns a ambas as áreas; B é lação de pessoas no Campus, próximos
o número de espécies presentes na Área aos setores de aula ou nas estradas
1, mas ausentes na Área 2; C é o nú- calçadas, possibilitando uma amostragem
mero de espécies presentes na Área 2, geral dos Squamata da área do Campus
mas ausentes na Área 1. O índice varia Central.
de 0 (dissimilaridade máxima) a 1 (simi- Nas três áreas, os espécimes foram
laridade máxima). encontrados nos seguintes microhábitats:
sobre folhiço no solo, vegetação arbórea;
sob folhiço no solo; vegetação herbácea
RESULTADOS (gramíneas); troncos em decomposição;
galhos ou troncos de árvores; sob casca
Durante 25 horas de trabalho em ou fenda de árvore; sobre o folhiço no
campo (111 horas homem), foram regis- solo, sob moita arbustiva; sob folhas de
trados 92 espécimes de Squamata no palmeira em decomposição no solo; sob
total das três áreas, correspondendo a amontoado de folhas secas e frutos em
10 espécies (sete de lagartos, uma de decomposição; no solo sobre areia nua; e
anfisbênia e duas de serpentes; Tabela em construções humanas (asfalto, cer-
1). O exame do material depositado cas, muros). A distribuição por microhá-
CHBEZ, obtido anteriormente, possibili- bitat dos espécimes de Squamata regis-
tou adicionar mais 8 espécies a este in- trados é mostrada na Tabela 1.

Figura 2. Curva de acumulação de espécies: número de espécies obtidas por horas homem de
trabalho em campo, de março a junho de 2008. A) Total das áreas estudadas. B) Área 1. C)
Área 2. D) Área 3.
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Na curva de acumulação de espécies na curva nas últimas horas.homem de


para as três áreas juntas (Fig. 2A), em- coleta, indicando que a área não foi
bora aparente uma assíntota, quatro das bem amostrada. Analisando as curvas de
dez espécies foram obtidas após 86 acumulação de espécies para cada área
horas.homem, promovendo uma subida separadamente (Fig. 2B, 2C e 2D), ob-

Tabela 2. Composição dos Squamata do Campus Central da Universidade Federal do Rio Gran-
de do Norte (UFRN), do Parque Estadual das Dunas do Natal (PEDN), e da Estação Experi-
mental Rommel Mesquita de Faria (EERMF). Dados obtidos de Lisboa (2005) para o PEDN e de
Sousa (2007) para a EERMF.
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serva-se que apenas a curva da Área 3 entre a assembléia de Squamata do


aparenta uma assíntota. Campus Central da UFRN e a do
Quanto à abundância de indivíduos, PEDN, das 18 espécies presentes no
as espécies mais abundantes nesse estu- Campus, 16 também já foram registra-
do, somando-se as três áreas, foram das para o PEDN, com exceção de
respectivamente: Mabuya heathi, Hemi- Thamnodynastes sp. e Leptotyphlops
dactylus mabouia e Tropidurus hispidus borapeliotes. Atualmente são conhecidas
(Fig. 3). Essas três espécies juntas co- 36 espécies para o PEDN, sendo 20 não
rrespondem a 73% do total de indiví- registradas para o Campus. O Coeficien-
duos de Squamata amostrados. Analisan- te de Similaridade Binário de Sorensen
do as áreas de estudo separadamente, (Krebs, 1999) entre essas duas áreas foi
as espécies mais abundantes foram: na 0,59, indicando 59% de similaridade en-
área 1, Mabuya heathi (45 %) e Gymno- tre as áreas.
dactylus geckoides (22 %); na área 2, Também foi calculada a similaridade
Hemidactylus mabouia (40 %) e Am- faunística entre o Campus Central da
phisbaena heathi (16 %); e na área 3, UFRN e a Estação Experimental Rom-
Tropidurus hispidus (66 %) e Hemidac- mel Mesquita de Faria (Mata do Jiqui),
tylus mabouia (22 %). outro remanescente de Mata Atlântica
Quanto à diversidade, obteve-se para da região metropolitana de Natal. Onze
esse estudo um índice de Shannon (H’) espécies são comuns entre as duas
de 2,64 para o total das áreas estuda- áreas, e o Coeficiente de Similaridade
das. Individualmente para cada área, os Binário de Sorensen revela 61% de si-
índices apontaram a Área 2 como a milaridade entre elas. A comparação
mais diversa, com um índice de 2,43, entre a composição dos Squamata atual-
contra o de 2,02 para a Área 1 e 1,22 mente conhecida para o Campus Cen-
para a Área 3. tral da UFRN, o PEDN e Mata do Ji-
Analisando a similaridade faunística qui são expressas na Tabela 2.

Figura 3. Abundância absoluta de indivíduos por espécie no total das áreas estudadas do Cam-
pus da UFRN.
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DISCUSSÃO (Freire, 1999), vem sendo encontrado


em outros remanescentes de Mata At-
As curvas de acumulação de espécies lântica do Rio Grande do Norte, como a
para cada área estudada separadamente, Estação Experimental Rommel Mesquita
mostram que apenas a curva da Área 3 de Faria, Parnamirim-RN (Sousa, 2007),
aparenta uma assíntota. A curva assin- o Parque da Cidade Dom Nivaldo Mon-
tótica para a Área 3, no entanto, não te, Natal-RN (Freire et al., 2007b) e o
significa que esta foi bem amostrada, Parque Estadual Mata da Pipa, Tibau do
uma vez que apenas 3 espécies foram Sul-RN (Sousa & Freire, 2009). Durante
registradas durante todo o período estu- este estudo, foram registrados apenas
dado. Como esta área é a que apresenta dois indivíduos, ambos associados ao fol-
vegetação mais densa e a única onde hiço denso, na Área 3, o maior rema-
registrou-se Coleodactylus natalensis, nescente de vegetação ainda presente
espécie umbrófila da Mata Atlântica, é no Campus. No PEDN, essa espécie
provável que o reduzido número de es- possui uma alta abundância, inclusive
pécies registradas resulte da maior difi- em áreas com vegetação de restinga, o
culdade de avistamento de espécies em que pode resultar de pré-adaptação a
áreas florestadas, especialmente em um ambientes mais abertos (Freire, 1999;
curto período de tempo (Freire, 2001). Lisboa, 2005).
Portanto, a riqueza de espécies na área
do Campus pode ser maior que a regis- Espécies de áreas abertas.— Briba brasi-
trada. liana é uma espécie típica do Cerrado e
No que se refere à diversidade, no das Caatingas, onde é considerado raro
estudo efetuado no PEDN (Lisboa, (Vanzolini et al., 1980; Vitt, 1995; Lis-
2005), o índice de Shannon (H’) foi de boa, 2005). Apenas um exemplar coleta-
3,03. A diversidade do Campus realmen- do no Campus da UFRN está deposita-
te é menor (H’=2,64), e isso se deve do na CHBEZ, coletado em ambiente
provavelmente à destruição parcial da antropizado.
vegetação original, que antes era contí- Cnemidophorus ocellifer é um teiídeo
nua com a do PEDN. No entanto, ape- de ampla distribuição geográfica, muito
sar da grande urbanização, muitas espé- comum em áreas abertas (Vanzolini,
cies permanecem na área do Campus. 1988; Vitt, 1995; Freire, 1996). Foi en-
Destaca-se o registro de Coleodactylus contrado nas áreas 1 e 2 de amostra-
natalensis, descrita como endêmica do gem no Campus, apresentando abundân-
PEDN (Freire, 1999) e de Amphisbaena cia relativamente baixa. No entanto, é
heathi, outra espécie endêmica do Rio muito comum e bastante observado nas
Grande do Norte. áreas próximas aos setores de aula do
A composição da fauna de Squamata Campus, associado principalmente a
do Campus Central da UFRN compre- gramíneas. Vale destacar a ausência de
ende espécies que ocorrem predominan- Ameiva ameiva na área do Campus, es-
temente em áreas de formações abertas pécie da família Teiidae comum no
(94,5%); apenas Coleodactylus natalensis PEDN. A. ameiva é uma espécie heliófi-
é habitante de áreas florestadas e endê- la, de ampla distribuição geográfica, ha-
mico de remanescentes do Rio Grande bitando tanto as formações abertas
do Norte (Freire, 1999; Lisboa, 2005, como bordas e clareiras da floresta, mas
2008; Sousa et al., 2007). não é comum em áreas francamente
abertas (Vanzolini et al., 1980; Freire,
Espécie de floresta.— Coleodactylus na- 2001).
talensis é registrado pela primeira vez Diploglossus lessonae é um lagarto
para a área do Campus da UFRN (Área encontrado em baixa abundância no
3). Descrito como endêmico do PEDN PEDN (Lisboa, 2005; Freire, 1996). Em-
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bora não se tenha registrado essa espé- formações abertas. Nesse estudo, foi
cie nesse estudo, alguns exemplares co- encontrado em ambientes com grande
letados na Área 3 do Campus nos últi- densidade de gramíneas, e foi a espécie
mos cinco anos estão depositados na mais abundante, ao lado de H. mabouia.
CHBEZ. A grande maioria dos registros foi du-
Gymnodactylus geckoides é habitante rante o período de 9h às 12h, com ape-
das Caatingas do Nordeste, desde a nas um registro de indivíduo à tarde
Bahia até o Rio Grande do Norte (Van- (16h50min). Estudos sobre período de
zolini, 1953, 1968, 1974; Freire, 1996). atividade e forrageio apontam um pa-
Foi encontrado apenas na Área 1, sem- drão de atividade bimodal para esse la-
pre associado à vegetação herbácea, fol- garto, com picos de atividade no meio
hiço e arbustos. No PEDN, ocorre em da manhã e no meio da tarde (Sado et
simpatria com Gymnodactylus darwinii al., 2007). Foi coletada uma fêmea grá-
(Lisboa, 2005), uma espécie de floresta. vida, com 56 mm de comprimento ros-
A ausência de G. darwinii na área do tro-cloacal, no dia 29/03/08; três filhotes
Campus da UFRN provavelmente está nasceram uma semana depois no labo-
relacionada à grande urbanização desta ratório, com comprimentos rostro-cloa-
área. cais e caudais, respectivamente, de: 30
Hemidactylus mabouia é um geconí- mm e 46 mm (filhote 1), 30 mm e 43
deo introduzido da África e muito co- mm (filhote 2) e 28 mm e 25 mm (fil-
mum em ambientes periantrópicos, oco- hote 3). Em outros trabalhos, M. heathi
rrendo igualmente em florestas e áreas não apareceu dentre as mais abundan-
abertas, devido à sua grande habilidade tes (Vitt, 1995; Recoder & Nogueira,
de colonização, podendo ser encontrado 2007; Sousa, 2007).
na área nuclear de todos os domínios Micrablepharus maximiliani é um
morfoclimáticos do Brasil e áreas transi- gimnoftalmídeo habitante de formações
cionais (Vanzolini, 1978; Freire, 1996). abertas de climas mais amenos do Ma-
No Campus da UFRN, H. mabouia foi ranhão ao Paraguai (Vanzolini et al.,
registrado nas três áreas de amostra- 1980; Freire, 1996). Um exemplar cole-
gem, em todos os horários do dia (em- tado na vegetação de entorno da Resi-
bora não estivesse sempre ativo), oco- dência Universitária do Campus está
rrendo na maioria dos microhábitats, depositado na CHBEZ.
mas principalmente em ambientes úmi- Tropidurus hispidus é uma espécie
dos e sombreados, como na base de generalista de hábitat (Freire, 1996;
troncos de árvores. No PEDN, essa es- Rodrigues, 2003), e foi encontrada nas
pécie também ocupa todos os hábitats e três áreas de amostragem, associado
a maioria dos microhábitats (Freire, principalmente a ambientes antropiza-
1996; Lisboa, 2005). Sua abundância sig- dos, em todos os horários diurnos. Foi a
nificativa nesse estudo confirma seu ca- terceira espécie mais abundante nesse
ráter de espécie invasora. estudo, confirmando seus hábitos de ge-
Iguana iguana possui uma vasta dis- neralista em vários de seus aspectos
tribuição geográfica, sendo encontrada ecológicos.
na Mata Atlântica, na Amazônia, nos Amphisbaena alba é uma anfisbênia
Cerrados e nas Caatingas (Vanzolini, comum na área do Campus, e apesar de
1974, 1988; Vanzolini et al., 1980; Lis- ser fossorial, frequentemente são encon-
boa, 2005). No Campus, foi registrado trados indivíduos que emergem à super-
um indivíduo adulto termorregulando fície em áreas urbanizadas. Alguns
sobre a areia nua, próximo a uma via exemplares coletados no Campus estão
pavimentada. depositados na CHBEZ.
Mabuya heathi é uma lagarto vivípa- Amphisbaena heathi foi outra espécie
ro estritamente terrícola associado a registrada pela primeira vez para o
86 R. F. D. S ALES et al.: Répteis Squamata do Campus da UFRN, Brasil

Campus. Essa espécie é endêmica do LITERATURA CITADA


Rio Grande do Norte, e também ocorre
no PEDN (Freire, 1996). Foram coleta- BÉRNILS, R. S. (org.). 2009. Brazilian
dos cinco exemplares em um dia chuvo- reptiles - List of species. Disponí-
so, sob o folhiço, na Área 2. Como tra- vel em http://www.sbherpetologia.
ta-se de uma espécie de hábito fossorial, org.br/. Sociedade Brasileira de
provavelmente, devido o solo estar en- Herpetologia. Acessado em 24 de
charcado nesse dia, os indivíduos subi- Agosto de 2009.
ram à superfície. CARVALHO, S. O. 2005. Análise bioclimá-
Leptotyphlops borapeliotes é uma ser- tica como ferramenta para imple-
pente bastante encontrada no Campus mentação do Plano Diretor do
da UFRN, com muitos exemplares de- Campus Central da UFRN. Uni-
positados na CHBEZ. Foi coletado um versidade Federal do Rio Grande
exemplar dessa espécie sob uma moita do Norte, Brasil, 171 pp.
de gramíneas secas. CESTARO, L. A. 2002. Fragmentos de
Philodryas nattereri possui ampla dis- florestas atlânticas no Rio Grande
tribuição geográfica, habitando a Mata do Norte: Relações estruturais,
Atlântica, as Caatingas, o Cerrado e florísticas e fitogeográficas. Uni-
outras formações abertas até o Paraguai versidade Federal de São Carlos,
(Vanzolini et al., 1980, Freire, 1996; Brasil, 153 pp.
França & Araújo, 2006; França et al., DIXO, M. & V. K. VERDADE. 2006. Her-
2006). É uma serpente comum no Cam- petofauna de serrapilheira da Re-
pus, aparecendo eventualmente nos se- serva Florestal de Morro Grande,
tores de aula. Foram encontradas duas Cotia (SP). Biota Neotropica 6 (2):
mudas de pele intactas dessa serpente 5-25.
em meio ao folhiço na Área 2. FERRAREZZI , H. & E. M. X. FREIRE.
Além das duas espécies de serpentes 2001. New species of Bothrops
obtidas neste estudo, mais quatro depo- Wagler, 1824 from the atlantic fo-
sitadas na CHBEZ foram adicionadas ao rest of northeastern Brazil (Ser-
presente inventário, sendo três perten- pentes, Viperidae, Crotalinae). Bo-
centes à família Dipsadidae (Apostolepis letim do Museu Nacional 440, 1-
cearensis, Oxyrhopus trigeminus e 10.
Thamnodynastes sp.) e uma à família FRANÇA , F. G. R. & A. F. B. ARAÚJO.
Elapidae (Micrurus ibiboboca). Todas es- 2006. The conservation status of
sas espécies têm ampla distribuição nos snakes in Central Brazil. South
diferentes ecossistemas; Apostolepis cea- American Journal of Herpetology
rensis é a mais comum no Campus. 1 (1): 25-36.
FRANÇA, F. G. R.; D. O. MESQUITA &
COLLI, G. R. 2006. A checklist of
AGRADECIMENTOS snakes from Amazonian Savannas
in Brazil, housed in the Coleção
Aos colegas de trabalho Honara Mor- Herpetológica da Universidade de
gana, Luana Mayra, Maria Jaqueline Brasília, with new distribution re-
Andrade e Túlio Araújo pela ajuda no cords. Occasional Papers Oklaho-
trabalho em campo e a Pedro Leite pelo ma Museum of Natural History
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