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Universidade da Amaznia
Um Que Vendeu a
Sua Alma
de Lima Barreto
E-mail: uvb@unama.br
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A anedota que lhe vou contar, tem alguma cousa de fantstica e pareceria
que, como homem de meu tempo, eu no devia dar-lhe crdito algum. Entra nela o
Diabo e toda a gente de certo desenvolvimento mental est quase sempre disposta
a acreditar em Deus, mas raramente no Diabo.
No sei se acredito em Deus, no sei se acredito no Diabo, porque no tenho
as minhas crenas muito firmes.
Desde que perdi a f no meu Lacroix; desde que me convenci da existncia
de muitas geometrias a se contradizerem nas suas definies e teoremas mais
vulgares; desde ento deixei que a certeza ficasse com os antropologistas,
etnlogos, florianistas, socilogos e outros tolos de igual jaez.
A horrvel mania da certeza de que fala Renan, j a tive; hoje, porm, no. De
modo que posso bem vontade contar-lhes uma anedota em que entra o Diabo.
Se os senhores quiserem acreditem; eu, c por mim, se no acredito, no
nego tambm.
Narrou-me o amigo:
Certo dia, uma manh, estava eu muito aborrecido a pensar na minha vida.
O meu aborrecimento era mortal. Um tdio imenso invadia-me. Sentia-me vazio.
Diante do espetculo do mundo, eu no reagia. Sentia-me como um toco de pau,
como qualquer coisa de inerte.
Lembro-me.
Pois sentia aquilo que ele disse e censurou: queria outra vida.
Quem era ?
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O Diabo.
Como o conheceste ?
Espera. Era um cavalheiro como qualquer, sem barbichas, sem chavelhos,
sem nenhum atributo diablico. Entrou como um velho conhecimento e tive a
impresso de que conhecia muito o visitante. Sem cerimnia sentou-se e foi
perguntando: "Que diabo de spleen esse?" Retorqui: " A palavra vai bem mas
falta-me o milho." Disse-lhe isso sem reflexo e ele sem se espantar, deu umas
voltas pela minha sala e olhou um retrato. Indagou: "E tua noiva?" Acudi: "No. um
retrato que encontrei na rua. Simpatizei e..." "Queres v-la j?" perguntou-me o
homem. "Quero" , respondi. E logo, entre ns dois sentou-se a mulher do retrato.
Estivemos conversando e adquiri certeza de que estava falando com o Diabo. A
mulher foi-se e logo o Diabo inquiriu: "Que querias de mim?" "Vender-te minha
alma", disse-lhe eu.
Aceitaste?
Eu... Eu aceitei.
A Primavera, Rio, julho 1913.
Fim