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Cena 1

Chicó: Ô de Casa!

Eurico: Ô de fora, quem é?!

Chicó: Sô eu é, sô eu mesmo. Ouvi dizer que o senhor tá precisando de ajudante.

Eurico: Oxi! Quer me ajudar é? Pois pode ajudar! Ajuda e dinheiro são duas coisas não se enjeitam!

Chicó: O quanto o senhor paga?

Eurico: Eu tô fazendo o favor de deixar você me ajudar, você quer mais o quê?

João Grilo: Não disse que você tinha cara de besta?

Dorinha: Cê tá parado é?

Chicó: Parado, esfomeado e aperreado!

João Grilo: E doido pra ajudar!

Chicó: Doidinho!

Dorinha: Pois o emprego é seu!

Eurico: Tudo bem, o emprego é seu.

João Grilo: E quanto ao salário?

Dorinha: O salário é pouco...

Eurico: Mas em compensação, o serviço é muito.

João Grilo: Serviço muito tem que ter dois ajudantes.

Eurico: Só se for pelo preço de um.

João Grilo: E quanto é o preço de um?

Eurico: E quanto é?

Dorinha: 5 tostões!

Eurico: 5 tostões.

João Grilo: 5 tostões, tá bom pra tu Chicó?!

Chicó: Pra mim tá!

João Grilo: Então vamos fazer essas contas! Chicó trabalha por 2 ganha 5 tostões que é o preço de um!

Chicó: E eu vou dar conta de tudo sozinho, é?

João Grilo: Claro que não Chicó, mas da metade cê dá conta né?

Chicó: Ah... Da metade, vá-lá!

João Grilo: Está arranjado. Chicó trabalha por 2 ganha o preço de um e dá conta da metade do serviço, eu trabalho por
mais 2 ganha o preço de outro e dou conta da outra metade

Eurico: Nada disso. Eu disse 2 pelo preço de 1!

João Grilo: Mas o senhor está ganhando 4 pelo preço de 2 patrão, o que não ia dar no mesmo?!

Eurico: E é, é?

Dorinha: Oxente! Não sabe fazer conta não?


Eurico: Então tá fechado!

Cena 2

Dorinha: Oh minha bichinha, come pra ficar forte, vai!

João Grilo: Desculpe perguntar, mas a senhora fala com cachorro, é?

Dorinha: Falo sim, por que? Quer falar comigo, é?

Chicó: Mas ela escuta?

Dorinha: Escutar ela escuta, mas não me dá ouvido! Desde ontem que eu digo pra essa danada comer e ela nada.

Chicó: Se ela não quiser, eu quero!

Dorinha: Tadinha, não comeu quase nada hoje!

João Grilo: Então tá melhor do que eu, que não comi nem o quase!

Dorinha: De manhãzinha, comeu só um cuscuizinho com leite.

Chicó: Ah... Um cuscuizinho com leite...!

Dorinha: Um tantinho assim de macaxeira!

João Grilo: Um tantinho assim de macaxeira…

Dorinha: E um tiquinho de galinha grisada!

Chicó: Ai... Uma galinha grisada!

Dorinha: Coisa pouca, só por que eu adulei muito!

João Grilo: Se a senhora me adular um pouquinho, eu juro que eu como!

Chicó: Mas se não adular, não tem problema não, a gente come do mesmo jeito!

Dorinha: Mas olha só quis cara lisa, e vocês não já têm o cumê de vocês? A gente serve do bom e do melhor, paga 5
tostões por esse servicinho fuleiro e ainda vem uns mal-agradecido desse!

João Grilo: Bife passado na manteiga, Chicó!

Chicó: Não sei se como logo, ou se fico olhando mais um cadinho

Chicó: JOÃO, TÁ DANDO A PILORA NA CACHORRA!

João Grilo: Tá cá gota, deve ter sido a comida!

Chicó: Valei-me Deus, será que a nossa comida tava envenenada?

João Grilo: DEMÊNCIA! Pra quem só come filé, nossa gororoba é veneno!

Chicó: Acho melhor tu ser ligeiro e dar a notícia logo pra patroa.

João Grilo: Dona Dora! Aconteceu algo muito desagradável com um ente muito querido seu...

Dorinha: Pois eu quero é que Eurico se dane!

João Grilo: Não, eu estou falando é da sua cachorrinha!

Dorinha: Ave Maria, o que aconteceu com bolinha?!


Dorinha: Socorro que minha cachorrinha tá doente! Valei-me meu São, meu São... Ave Maria, qual é o santo que protege
os cachorros?

João Grilo: Eu tenho pra mim que é São Francisco, que era o Santo que falava com os bicho!

Dorinha: Valei-me meu São Francisco de... Mas é de Paula ou de Assis?

João Grilo: Aí eu já não sei, melhor perguntar pro padre!

Dorinha: Isso, vá chamar Padre João pra benzer minha cachorrinha!

Chicó: Benzer?

Dorinha: É!! Pra aliviar minhas dores, vou pra quermesse espairecer um pouco.

Cena 3

João Grilo: Padre João, a gente queria te pedir um favor, mas não pode ficar nervoso

Padre João: Pode pedir, se for do meu alcance...

Chicó: É que a gente queria que o senhor benzesse uma cachorra...

Padre João: Uma cachorra?!

Chicó: Sim

Padre João: Pra eu benzer?

Chicó: Sim!

Padre João: Que maluquice, que besteira!

João Grilo: Cansei de dizer a Chicó que o senhor não benzia, benze por que benze, vim com ele!

Padre João: Não benzo de jeito nenhum!

João Grilo: Mas Padre João, no dia que chegou o motor novo do Major Antônio Moraes o Senhor não benzeu?

Padre João: Motor é diferente, é coisa que todo mundo benze, mas cachorra eu nunca ouvi falar... E quem vai ficar
engraçado sou eu, benzendo cachorra!

João Grilo: É, deixa pra lá Chico, o padre tem razão! Quem vai ficar engraçado é ele, porque uma coisa é benzer o motor
DO MAJOR ANTÔNIO MORAES, outra coisa é benzer a cachorra DO MAJOR ANTÔNIO MORAES!

Padre João: Como?!

João Grilo: Eu disse que uma coisa era o motor, outra coisa é benzer a cachorra do Major Antônio Moraes!

Padre João: MININO! E o dono da cachorra que vocês estão falando é o Major Antônio Moraes, é?

João Grilo: É Padre, eu não queria vir com medo que o senhor se zangasse, por que o Major é rico e poderoso, estou
trabalhando na fazenda dele, com medo de perder meu emprego, fui forçado a obedecer. Mas eu disse a Chicó, o padre
vai se zangar!

Padre João: Zanga nada João! Quem é o ministro de Deus pra ter o direito de se zangar?

João Grilo: Então quer dizer que benze né?

Padre João: E você o que é que acha?

Chicó: Eu não vejo nada demais.

Padre João: Nem eu... Não vejo mal nenhum em se abençoar as criaturas de Deus!
João Grilo: Então tá tudo na paz do Senhor, com a cachorra benzida e todo mundo satisfeito.

Chicó: Então vamos voltar pra padaria, dar a notícia pra patroa?

João Grilo: Ela tá na festa jumento!

Chicó: Então vamos pra lá!

Cena 4

Cabo 7o: Esquerda, direita! Esquerda, direita! Esquerda, direita! Soldados, alto! Vigésimo pelotão de infantaria se
apresentando ao povo da cidade!

Dorinha: Eita que Taperoá já pode declarar guerra ao Brasil!

Cabo 70: Cabo 70 pra servi-lo no que for preciso!

Chicó: João, tu não acha meio perigoso usar o nome de Antônio Moraes nesse teu plano maluco não? Vai que o homem
aparece na cidade.

João Grilo: Se acalme Chicó, porque no dia que esse homem aparecer na cidade galinha cria dente!

Antônio Moraes (A.M): Eu digo que quem engole cobra é cabra frouxo! Anda roubando muito a freguesia Seu Eurico?

Eurico: Major Antônio Moraes! Há quanto tempo não aparece em nossa cidade!

A.M: Isso aqui tá pior que merda de gato, só venho por obrigação! Se alembra da minha filha Rosinha?

Eurico: Oxi! É Claro!

Antônio Moraes: A pois, Rosinha andou meio adoentada e chegou do Recife para descansar na fazenda, mas como tudo
que é mulher tem mania pela igreja, me pediu que viesse com padre para lhe dar benção enquanto ela dá uma volta
pela quermesse.

João Grilo: Eita Chicó, vamos impedir o homem de se encontrar com o padre!

Chicó: Vá você! Não foi tu que inventou essa história?

João Grilo: Mas tu foi mais eu encomendar a benza da cachorra.

Chicó: Antônio Moraes pode até ter o cavalo bento, mas ele de bento não tem é nada. Não me meta nessa história não.

Cena 5

João Grilo: Ora viva, seu Major Antônio Moraes, como vai vossa senhoria?

A.M: Do jeito que você tá vendo.

João Grilo: Bem demais, veio procurar o padre...?

A.M: Tá perguntando muito!

João Grilo: Se vossa senhoria quiser eu posso chama-lo.

A.M: Se eu quisesse eu já tinha mandado.

João Grilo: Vou lhe contar um negócio, não se espante não, é que o padre está meio doido!

A.M: O padre?! Doido?!

João Grilo: O padre está de um jeito que não respeita mais ninguém. Tá com mania de benzer tudo e chamar a gente de
cachorro!
A.M: Que história é essa? Você tem certeza?

João Grilo: Certeza plena, está doidinho o pobre padre!

Cena 6

Padre: Ora quanta honra, uma pessoa como o senhor na Igreja. O que te trouxe aqui? Não me diga eu já sei, a bichinha
está doente.

A.M: É, já sabia?

Padre: Já, aqui as coisas se espalham num instante não sabe?! Já está fedendo?

A.M: Fedendo? Quem?!

Padre: A bichinha.

A.M: Não, mas o que é que o senhor quer dizer?

Padre: Nada não, é apenas um modo de falar.

A.M: Pois o senhor anda com um modo de falar muito esquisito!

Padre: Qual é a doença Major, rabugem?

A.M: Rabugem?

Padre: Sim, já vi uma morrer disso em poucas horas, começou pelo rabo, e espalhou-se pelo corpo inteiro.

A.M: Pelo rabo?!

Padre: Ai me desculpe, eu devia ter dito pela cauda, devemos respeito aos enfermos, mesmo sendo da mais baixa
qualidade.

A.M: Baixa qualidade?! Padre!!! Veja bem com quem está falando, a igreja é coisa séria como garantia da sociedade.
Mas tudo tem um limite!!!

Padre: Mas o que foi que eu disse?!

A.M: Baixa qualidade... Fique sabendo que meu nome veio nas caravelas, ouviu?!

Padre: Sem dúvida! Na certa os antepassados da bichinha também vieram nas caravelas, não é isso?

A.M: É claro! Se os meus antepassados vieram, os dela vieram também! O que o senhor tá querendo insinuar, que por
acaso a mãe dela...?

Padre: Uma cachorra.…

A.M: O quê...?!

Padre: Uma cachorra...

A.M: Repita!

Padre: eu vejo mal nenhum em repetir, mas ela não é mesmo uma cachorra?

A.M: Padre, eu só não lhe mato porque o senhor é padre e está louco!

Cena 7

Dorinha: Mas que conversa é essa Padre? (Chicó entra na igreja) Oh Cabra dismamado, eu num mandei tu ficar cuidando
da bichinha?
Chicó: Mandô sim!

Dorinha: E como é que ela tá?

Chicó: Tá lá com quatro patas, um rabo, um focinho...

Dorinha: Não me diga que ela piorou!

Chicó: Digo nada!

João Grilo: Vai homem, diga!

Chicó: E pra dizer ou pra não dizer?

Dorinha: Num me diga que você deixou bolinha morrer!

Chicó: Eu não deixei não, mas a senhora sabe como Bolinha é desobediente.

João Grilo: Oh Chicó, tu não tinha nada que sair de junto da cachorra!

Chicó: Mas se eu ficasse lá com a defunta quem é que ia vir avisar que ela morreu?

Dorinha: AI, AI, AI, AI! Quer dizer que minha cachorrinha morreu? (correm pra padaria, inclusive o padre)

Dorinha: Se o senhor tivesse benzido a bichinha, a essas horas ela ainda estava viva!

Padre: Ah qual, qual! Quem sou eu?

Dorinha: Agora tem uma coisa, Padre! O senhor vai enterrar a cachorra

Padre: Enterrar a cachorra?

Dorinha: Vai enterrar e tem que ser em latim, de outro jeito não serve!

Eurico: É em latim não serve!

Dorinha: Em latim é que serve!

Eurico: É em latim é que serve

Padre: Vocês estão loucos, não enterro de jeito nenhum.

Dorinha: Está cortado o rendimento da irmandade!

Padre: Não enterro!

Eurico: Está cortado o rendimento da irmandade!

Padre: NÃO ENTERRO!


Dorinha: Eurico se considera demitido da presidência!

Padre: NÃO ENTERRO!

Eurico: Eu me considero demitido da presidência!

Padre: Não enterro!

Dorinha: A vaquinha que eu mandei pra fornecer leite ao vigário vai sair da igreja imediatamente!

Padre: Oh mulher sem coração...

Dorinha: Sem coração? Sem cora... O senhor quer ver minha cachorrinha ser comida pelos urubus? Enterra ou não
enterra?

Padre: Se fosse pela lei de Deus a gente dava um jeito, mas com o bispo não tem conversa.

Dorinha: Pão agora para o vigário, só sai daqui dormido e com o dinheiro na frente.
Padre: Oh mulher cruel. (padre sai)

Cena 8

Eurico: O meu amor, ela já tá começando a cheirar mau.

Dorinha: Então saia você de casa, quem sabe a catinga aqui dentro melhora.

João Grilo: Se o senhor me desse carta branca eu enterrava a cachorra!

Eurico: Tem a carta!

João Grilo: Posso gastar o que quiser?

Eurico: Pode!

Chicó: João, o que é que tu vai arrumar agora?

João Grilo: Vou arrumar é um jeito da cachorra ser enterrada, e vai ser em latim.

Cena 9

João Grilo: Oh Padre João, a mulher do padeiro me pediu que eu viesse buscar a vaquinha!

Padre: Oh mulher desalmada! Se eu pudesse eu enterrava a cachorra, o gato, o diabo! Mas o bispo está pra chegar!

João Grilo: Esse povo é tudo doido! A cachorra tinha até um testamento onde deixava uma parte de dinheiro pro padre!

Padre: Que isso, que isso??? Cachorra com testamento?!

João Grilo: Bolinha era uma cachorra inteligente, todos os dias, botava os olhos bem compridos toda vez que o sino
batia, até que meu patrão entendeu que ela queria ser enterrada como cristã e teve que prometer que em troca do
enterro, acrescentaria 3 contos de réis para o padre!

Padre: Que animal inteligente! Que sentimento nobre!

João Grilo: Só que infelizmente o testamento não poderá ser cumprido, agora a cachorrinha vai ser comida pelos urubus.

Padre: Comida ela? De jeito nenhum! E o testamento onde está?

João Grilo: Já foi passado em cartório, coisa garantida!

Padre: Uma cachorra dessa não pode ser comida pelos urubus!

João Grilo: Apoiado!

Cena 10

Padre: Bispo?! Não esperava vossa reverendíssima aqui!

Bispo: Estou de "passouns", como dizem os franceses... Mas há coisas que eu não posso deixar passar com essa
facilidade.

Padre: Não estou entendendo.

Bispo: Mas entenderá quando eu disser que Antônio Moraes veio reclamar da sua brutalidade, pois o senhor chamou a
mulher dele de cachorra!

Padre: Eu?!

Bispo: O próprio!
Padre: Eu juro que eu nunca chamei a mulher dele de cachorra!

Bispo: Chamou Padre João!

Padre: Não chamei seu bispo!

Bispo: Chamou Padre João!

Padre: Não chamei seu bispo!

Bispo: Chamou Padre João!

Padre: Chamei seu bispo.

Bispo: mas afinal de contas, o Senhor chamou ou não chamou?

Padre: Eu não chamei, mas se vossa reverendíssima diz que eu chamei é porque sabe mais do que eu.

Bispo: Então não é verdade! Antônio Moraes falou para mim que ele queria que o senhor abençoasse a filha dele e o
senhor chamou a mulher dele de cachorra!

Padre: COMO?

Bispo: Isso mesmo que ouviu...

Padre: Era só a filha que ele queria abençoar?

Bispo: Não é isto que eu estou lhe dizendo?

Padre: Mas o Grilo tinha me dito que ele também queria que abençoasse a cachorra doente e…

Bispo: Que história é essa de Grilo com cachorra? Quem está começando a não entender nada sou eu!

Padre: Vossa Reverendíssima me perdoe, mas agora estou entendendo tudo!

Cena 11

Padre: Seu amarelo safado, venha aqui! Agora explique para o bispo a safadeza que tu fizeste me fazendo chamar a
mulher de Antônio Moraes de cachorra.

João Grilo: Ah... E a safadeza é essa? Muito pior é enterrar a cachorra em latim como se fosse cristã e nem por isso eu
vou chama-lo de safado!

Bispo: Mas o que foi?

Padre: Uma dor que me deu assim de repente, HHHHH! Oh meu querido João Grilo me acuda que eu estou morrendo,
AHHHH!

João Grilo: Eu? Quem sou eu pra socorrer padre? Eu um amarelo muito safado!

Bispo: Então houve isso? Uma cachorra enterrada em latim?

Padre: Enterrada em latido seu bispo, AU AU AU!

Bispo: Não sei não senhor! E nunca vi cachorra morta latir! Padre João, o senhor será suspenso! Enquanto a você, seu
João Grilo, vai se arrepender de suas brincadeiras, jogando a igreja contra Antônio Moraes, é uma vergonha!

João Grilo: É mesmo, uma vergonha! Uma cachorra safada daquela se atrever a deixar 3 contos de réis pro Padre e 6 pro
Bispo, é demais!

Bispo: Como?

João Grilo: Ainda não sabe da história do testamento não?

Bispo: Testamento? Que testamento?


João Grilo: O testamento da cachorra!

Padre: Sim, a cachorra tinha um testamento, maluquice da sua dona sabe, onde deixou 3 contos para a Paróquia e 6 para
a Diocese.

Bispo: E por isso que eu sempre digo que os animais também são criaturas de Deus... Que animal inteligente, que
sentimento nobre!

Padre: Até senhor Bispo, a pedido da dona eu permiti que acompanhasse o enterro.

Bispo: Em latim?

Padre: Que nada, eu disse 4 ou 5 coisas, coisa pouca não sabe...

João Grilo: Nu-sei-o-quê, Nu-sei-o-quê, defutórium, amém!

Bispo: Vamos deliberar, é assunto pra se discutir com muito cuidado!

Cena 12

Padre: Meu Deus, que será isso?

Chicó: É TIRO!

João Grilo: Agora desceu pro morto, sem poder dar uma carreira.

Chicó: Ai meu Deus, vai morrer todo mundo é agora.

Padre: Ave maria, nós vamos morrer de bala.

Chicó: Ave maria, acho que antes eu vou morrer é de medo.

Severino: Todo mundo quieto! (atira) Quem correr não corre mais. Quem gritar não grita mais. E o primeiro que tentar
fugir morre!

Padre: A igreja é um lugar sagrado se o senhor me permite...

Severino: Permissão negada. Eu não tenho ordens a receber de ninguém.

Padre: Mas capitão...

Severino: E deixe de me chamar de capitão que eu não gosto!

Padre: E como devo chama-lo então?

Severino: Severino, que é meu nome de batismo.

Ou Severino de Aracaju que é meu nome de guerra.

Padre: É que nós não temos coragem de chamar uma pessoa tão importante de Severino.

Severino: Isso tudo é porque quem está com o rifle sou eu. Se fosse qualquer um de vocês, eu era chamado era de Biu.
Deixem de conversa, que isso comigo não vai. Você pega o punhal e futuca a boca do defunto pra ver se ele não tem um
dente louro.

Ajudante do Severino (A.S): Mas capitão..

Severino: Deixe de sua frouxura cabra.

A.S: Eu não gosto de perturbar morto não, pertubo mas não gosto.

(A.S se aproxima de João Grilo com um punhal na mão)

João Grilo: AAAAAAH IRMÃOS!


A.S: Oxi, ressuscitou?

Severino: Deixa que eu mato de novo!

João Grilo: Um momento Severino! Eu vim lhe trazer um recado de meu "padinho padi ciço"

Severino: Você conheceu padi ciço?

João Grilo: Então? Quem mais ia ter poder para me ressuscitar?

Severino: Quem mais pode é Deus! E depois dele meu padinho padi ciço.

João Grilo: Por isso ele ficou um pouco aborrecido com o senhor quando o senhor disse ainda agora que não recebe
ordem de ninguém. E mandou uma ordem do céu pro senhor!

Severino: Se é do meu padinho eu obedeço!

João Grilo: Diga ao capitão Severino...

Severino: Ele me chamou de capitão?

João Grilo: Chamou, por que? O senhor não gosta?

Severino: Fiquei gostando agora.

João Grilo: Diga ao capitão Severino que se ele quiser provar sua devoção é pra suspender imediatamente o ataque a
cidade de Taperoá.

Severino: E que motivo é esse?

João Grilo: E sem pedir explicação que é pra ordem ficar mais bem obedecida.

Severino: Manda quem pode, obedece quem tem juízo. CABRAS! Vamos fazer uma retirada temporária, por comando do
céu, que Severino de Aracaju só recua diante de Deus!

Cena 13

Chicó: Estou completamente arriado por ela João. Até a fome perdi...

João Grilo: Por que você não fala isso pra ela?

Chicó: Pobre do jeito que eu sou...

João Grilo: Casando com ela você fica rico e seu fastio acaba. E de sobra pra matar a fome tu ainda ganha uma porca
cheinha de dinheiro que a bisavó da Dona Rosinha deixou pra ela.

Chicó: Se você arranjar esse casamento metade é sua.

João Grilo: Está arranjado, com o plano que eu tenho aqui tu bota os dois pra correr e de sobra ainda casa com Rosinha!

Cena 14

João Grilo: Seu major? Desculpe a impertinência mas eu queria apresentar um conhecido meu lá de Serra Talhada,
pretendente de Dona Rosinha.

A.M: Tem que ser no mínimo fazendeiro ou então doutor.

João Grilo: Pois esse é fazendeiro e é doutor!

A.M: Muito prazer seu...

Chicó: É... Chicó!

A.M: Rosinha!!!
Rosinha: Senhor?

A.M: Venha cá, venha conhecer um pretendente seu.

Rosinha: Pretendente?

A.M: Sim e já foi promovido.

Rosinha: Eu gosto de outro meu pai e não posso mandar no meu coração.

A.M: Então deixa que eu mando. Você tem uma semana pra esquecer um e gostar do outro...

Rosinha: Meu pai eu prefiro morrer! Mas já que o senhor insiste.

A.M: Mudou de ideia rápido!

Rosinha: Eu tenho mais é que lhe obedecer meu pai.

Padre João: Boa tarde!

João Grilo: Pois veja só! Falando em casamento chega o padre!

Padre João: Casamento de quem? Chicó?

(A.M): O senhor já conhece?

João Grilo: Todo mundo conhece Seu Chicó! Vai ser o casamento do ano, a igreja vai ser até reformada pra esse evento!

Padre João: E vai?

João Grilo: E o senhor não acha que precisa?

Padre João: Demais! Menino, a igreja está caindo aos pedaços, não sabe, acho que 12 contos de réis daria.

(A.M): Pode fazer a reforma que Seu Chicó manda pagar.

Chicó: 12 contos de réis?

João Grilo: Ele não está acostumado com dinheiro pouco. 10 contos Doutor! Aquilo que o senhor deu à sua empregada
pra ir à Serra Talhada buscar o resto do dinheiro! Deu o que tinha no bolso!

(A.M): Venha comigo que eu lhe empresto o dinheiro pro senhor adiantar pro padre. Não sei muito de tu não então
vamos trocar um papel entre nós. Você (Chicó) assine este contrato passando a propriedade pro meu nome caso não
pague a dívida.

João Grilo: Pra quê escritura Seu Major? Pode escrever ai que se ele não lhe pagar em uma semana o senhor pode...
Arrancar uma tira de couro das costas de Chicó.

(A.M): Cabra macho! Assine aqui! Assine você também como testemunha!

João Grilo: Eita que eu estou ficando importante!

Chicó: Eita que eu tô ficando lascado.

Cena 15

Severino: 1... 2... 3... 4... 5... Quem vai ser o primeiro?

Padre: Primeiro as damas.

Dorinha: Primeiro as damas nada aqui só tem uma.

Eurico: O senhor podia começar por ordem de idade.

Chicó: Os mais velhos primeiro.


Bispo: Primeiro os mais jovens.

João Grilo: Se preparem pra morrer, Severino de Aracaju acaba de chegar!

Dorinha: Oxente e agora tem dois é?

(A.S): Eita, mas se ele é o senhor, o senhor quem é?

Severino: Eu sou eu, uai!

(A.S): Se o senhor é o senhor, ele quem é?

Severino: Isso é o que vamos ver agora! Quem é esse toco de amarrar jegue?

Eurico: Como é isso hein?

João Grilo: Isso é apenas uma visão, vocês tão vendo dois mas na verdade só tem um! Ele! Com licença...

Severino: Um momento amarelinho! Quero falar com você!

João Grilo: Oh, não sei qual conversa você quer ter comigo, o dinheiro que eu ia ter não tenho porque a mulher do
padeiro não me pagou o combinado pra eu convencer Chicó a se encontrar com ela. Pode cobrar ele de Dona Dora.

Eurico: Então você andava mesmo enfeitando a minha testa sem eu saber, que pelo menos fosse com alguém de
respeito, mas até Chicó!

Chicó: Chicó o quê? Eu tô arrependido de ficar falado andando com essa mulher pra lá e pra cá.

João Grilo: Agora vamos sair Chicó que o calor aqui está aumentando.

Severino: Nada disso, agora você fica e vai morrer com os outros. Vamos começar com o excelentíssimo seu padeiro
dessa cidade.

(A.S): É agora!

Severino: E ainda terá a súbita honra de morrer ao lado de sua excelentíssima mulher sem vergonha, tenha a bondade
de sair pra fora que Severino de Aracaju não mata ninguém dentro da igreja.

(A.S: Se tem uma coisa que eu não gosto é de matar mulher, mas se é o jeito...

Dorinha: Pode deixar, tenho mais coragem que muito homem safado.

Severino: E agora chegou a vez do... Bispo!

Bispo: Não! Pode cuidar dele primeiro...

Padre: Nada disso, a vez é do senhor!

Severino: Pra não haver mais discussão vai os dois juntos!

(A.S): Não gosto de matar padre não, nem bispo, que dirá os dois de uma vez.

Severino: Você acabe com sua frouxura! E vocês sustentem as pernas! Que vergonha, chega dá desgosto matar uns
homens desse. Muito bem, quais são os nomes de vossas senhorias?

Chicó: O meu é Chicó se for do seu agrado.

João Grilo: João Grilo!

Severino: Pois está muito bem, chegou a hora de João Grilo, o amarelo mais amarelo que eu já tive a honra de matar...

João Grilo: Um momento, antes de morrer eu quero lhe fazer um grande favor.

Severino: Qual é?

João Grilo: Dar-Ihe essa gaita de presente.


Severino: Uma gaita? Pra quê que eu quero uma gaita?

João Grilo: Essa gaita foi benzida por Padre Ciço pouco antes de morrer.

Severino: Só acredito vendo.

João Grilo: Pois veja. Queira vossa excelência me ceder o punhal. Agora vou dar uma apunhalada na barriga de Chicó.

Chicó: Na minha não.

João Grilo: Deixe de moleza Chicó! Depois eu toco a gaita e você fica vivo de novo (sussurrando) A bexiga, a bexiga.

Chicó: Muito obrigado, mas eu não quero não João.

João Grilo: Homem, sabe do que mais? Vamos deixar de conversa, tome logo!

(João Grilo dá uma apunhalada na bexiga, " (J.G):MORRE DESGRAÇADO" Chicó entende o plano e se joga no chão
fingindo-se de morto)

João Grilo: Está vendo o sangue?

Severino: Estou. Vi você dar a facada, disso nunca duvidei. Agora, quero ver é você curar o homem.

João Grilo: É já.

(Começa a tocar na gaita e Chicó começa a se mover no ritmo da música)

Severino: Nossa Senhora! Só tendo sido abençoada por Meu Padrinho Padre Cícero. Você não está sentindo nada?

Chicó: Nadinha.

Severino: E antes?

Chicó: Antes como?

Severino: Antes de João tocar na gaita.

Chicó: Ah, eu estava morto.

Severino: Morto?

Chicó: Completamente morto. Vi Nossa Senhora e Padre Cícero no céu.

Severino: Mas em tão pouco tempo? Como foi isso?

Chicó: Não sei, só sei que foi assim.

Severino: E que foi que Padre Cícero lhe disse?

Chicó: Disse: "Essa é a gaitinha que eu abençoei antes de morrer. Vocês devem dá-la a Severino, que precisa dela mais
do que vocês"

Severino: Ah meu Deus, só podia ser Meu Padrinho Padre Cícero mesmo. João me dê essa gaitinha!

João Grilo: Então me solte e solte Chicó.

Severino: Não pode ser, João. Eu matei o bispo, o padre, o padeiro e a mulher e eles morreram esperando por você. Se
eu não o matar, vêm-me perseguir de noite, porque será uma injustiça com eles.

João Grilo: Mas mesmo eu lhe dando essa gaita? Estou lhe dando uma oportunidade de conhecer Meu Padrinho Padre
Cícero e você me paga desse modo!

Severino: De conhecer Meu Padrinho? Como?

João Grilo: Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, você vai visitá-lo. Então eu toco na gaita e você volta.

Severino: E se você não tocar?


João Grilo: Não está vendo que eu não faço uma miséria dessa? Garanto que toco.

Severino: Sua ideia é boa, mas por segurança entregue logo a gaita a meu cabra. Agora eu levo um tiro e vejo Meu
Padrinho?

João Grilo: Vê, não vê, Chico?

Chicó: Vê demais. Está lá, vestido de azul, com uma porção de anjinhos em redor. Ele até estava dizendo: "Diga a
Severino que eu quero vê-lo"

Severino: Ai, eu vou. Atire, atire!

(A.S): Capitão...

Severino: Atira, cabra frouxo, eu não estou mandando?

(A.S): Capitão!

Severino: Atire!

João Grilo: Homem atire logo pelo amor de Deus!

(A.S): Ai eu não gosto de matar chefe não, mas se é o jeito.

Severino: Espere não se esqueça de tocar na gaita.

(A.S): Tenha cuidado não, capitão...

Severino: Então atire!

(A.S): Eita os macacos estão chegando.

(O ajudante do Severino toca a gaita)

João Grilo: Deixe o capitão falar mais um cadinho com Padre Cícero.

(A.S): Capitão, capitão! Ah seu grilo safado, você matou o capitão.

Chicó: Venha logo homem!

João Grilo: Deixe eu pegar o dinheiro pra pagar a tua dívida..

Chicó: Corre homem!

(A.S): Filho da égua, pela primeira vez na minha vida vou matar alguém com gosto.

(O ajudante do Severino atira em João Grilo)

Chico: João? João? Será que você vai morrer João?

João Grilo: Acho que vou Chicó, estou ficando com a vista escura..

Chicó: Ai meu Deus, pobre do João Grilo vai morrer!

João Grilo: Deixe de latomia Chicó, parece que nunca viu homem morrer. Isso tudo é só lamento de perder o dinheiro da
porca que você vai ganhar quando casar com Rosinha.

Chicó: João? JOÃO? João? João? Ai meu Deus do céu, morreu o pobre do João Grilo, um amarelo tão safado morrer
assim, o que eu faço agora sem João? O que eu faço agora sem João? JOÃO? JOÃO? Não tem mais jeito, João Grilo
morreu.

Cena 16

Severino: João, seu cabra safado!


João Grilo: Mas será possível que nem aqui o senhor me deixa em paz?

Severino: Já rodei, rodei, rodei e não encontrei meu padrinho!

João Grilo: Pelo visto ele está com muita gente pra atender e vem chegando mais, olhe ali mais quatro que o senhor
despachou

Severino: Por falar nisso, o que é que o senhor está fazendo aqui que não está lá embaixo?

João Grilo: estou morto que nem você!

Severino: olha o respeito falando de morrer

João Grilo: o senhor não se lembra da história da gaita?

Severino: É mermo! E o que é que aquele cabra tá fazendo pra demorar tanto pra tocar a gaita?

João Grilo: Eita Severino veio besta! Já viu gaita pra envivecer os outros leseira!

Severino: olha o respeito se não eu te mato, amarelo

João Grilo: mata como se eu já morri? Não vou ficar escutando desaforo de ninguém não, agora não tem pobre nem
rico, nem valente nem frouxo. É todo mundo igual diante de Deus até do diabo.

(Diabo aparece)

Diabo: Por que essas caras de espanto? Vocês me acham um monstro?

Bispo: de jeito nenhum! Estamos até impressionados com sua elegância!

Dorinha: Parece até artista de cinema

Diabo: estão vendo? O diabo não é tão feio assim!

João Grilo: pode até ser, mas esse cheirinho de enxofre! Estou pra ter uma pilora com esse fedor! (Severino tapa a boca
de João Grilo)

Diabo: VOCÊS AGORA VÃO PAGAR POR TUDO QUE FIZERAM! VOU MANDAR TODOS PARA O QUITO DOS INFERNOS!

João Grilo: eu ouvi dizer que antes das pessoas serem condenadas, devem ser ouvidas!

Diabo: Besteira!

João Grilo: Besteira nada! Eu apelo pra quem pode mais! VALEI-ME NOSSO SENHOR JESUS CRISTO!

(Emanuel aparece e todos se ajoelham, exceto o diabo)

Diabo: Quem é? Será Emanuel?

Emanuel: sim, Emanuel. Filho de Davi. Venham todos, pois vão ser julgados.

João Grilo: O senhor é Jesus? (rindo) Não é lhe faltando com respeito não, mas eu pensava que o senhor era menos
queimado.

Emanuel: e você, pode preparar o seu relatório começando pelo bispo.

Diabo: Negociou com um cargo aprovando o enterro de uma cachorra em latim, porque o dono lhe Deus 6 contos.

Bispo: E é errado?

Diabo: se é errado eu não sei, o que eu sei é que você achava que era e de repente achava que não era. E tudo que se
disser do bispo pode ser aplicado ao padre.

Emanuel: E o padeiro?

Diabo: Ele e a mulher foram os piores patrões que Taperoá já teve


Dorinha: É mentira!

João Grilo: É verdade! Três dias eu passei...

Jesus: Em cima de uma cama com febre e nem um copinho D'água lhe mandaram. Eu já sei João, todo mundo sabe
dessa história de tanto ouvir você contar.

João: Mas eu posso? Me diga mesmo se eu posso?

Diabo: Avareza do marido. Adultério da Mulher.

Jesus: Acuse Severino.

Diabo: E Precisa? Matou mais de Trinta.

Jesus: E agora. O que é que você tem a dizer em sua defesa? (em direção a João Grilo)

João: O senhor vai me desculpar mas eu não fui acusado de coisa nenhuma.

Jesus: Não?

Diabo: Foi mesmo não. Mas agora você me paga, amarelo. Tramou o enterro da cachorra. Encorajou encontros de chico
com uma mulher casada. Arquitetou a Morte de Severino.

Jesus: É João. Realmente, você passou da conta

Diabo: De modo que o caso dele é sem jeito. É o primeiro que eu vou levar.

João: Ah, você pensa que eu me entreguei? Pode ser que eu vá, mas não é assim não. Eu vou apelar.

*O encourado começa a escrever no livro mas é interrompido por Jesus

Jesus: Espere. A quem você vai se apegar João?

João: Eu vou pedir pra alguém que está mais perto de nós. Por gente que é gente.

João: Valha-me Nossa senhora, Mãe de Deus de Nazaré, a vaca mansa da leite, a braba da quando quer, a mansa da
sossegada, a braba da quando quer. Já fui barco, fui navio, agora sou escalé. Já fui menino, fui homem, só me falta ser
mulher. Valha-me nossa senhora, Mãe de Deus de Nazaré.

*Uma forte luz branca surgiu atrás de Jesus, e logo em seguida viu-se surgi uma mulher.

Diabo: Lá vem a compadecida. Mulher em Tudo se mete. Grande coisa esse chamego que ela faz pra salvar todo mundo.
Termina desmoralizando tudo.

Severino: Você fala assim por que nunca teve mãe.

João: É mesmo. Um sujeito ruim desse, só sendo filho de chocadeira.

N. Senhora: Pra que você me chamou João?

João: É que esse filho de chocadeira quer levar a gente pro inferno. Eu só podia me apegar com a senhora mesmo.

N. Senhora: Vou ver o que eu Posso fazer.. Intercedo por esses pobres meu filho, que não tem ninguém por eles. Não os
condene.

Diabo: EU APELO PRA JUSTICA.

João: E eu pra misericórdia.

N. Senhora: É preciso levar em conta a pobre e triste condição do homem. Os homens começam com medo coitados, e
terminam por fazer o que não presta, mas quase sempre sem querer. É medo.

Diabo: Medo... Medo de que?


N. Senhora: Medo de muitas coisas. Do sofrimento, da solidão e no fundo de tudo... Medo da morte. Na oração da Ave
Maria, os homens me pedem para eu olhar para eles na hora da morte. E eu olho e rezo. E vejo que muitas vezes é na
hora da morte que eles encontram o que procuraram a vida toda. Foi o que aconteceu com Eurico e Dora. Por isso, alego
em favor dos dois o perdão que o marido deu a mulher na hora da morte. O mais ofendido pelos atos que ela praticava
era ele, e no entanto, ele rezou por ela.

Jesus: Está recebida a Alegação. Enquanto ao Padre e ao Bispo?

N. Senhora: Na hora da morte, eles também tiveram sua revelação. Eles seguiram seu exemplo meu filho, perdoando
seus assassinos. Enquanto a Severino...

Jesus: Quanto a esse, deixe comigo. Não foi sua morte que o redimiu e sim a de seus pais. Com oito anos ele conheceu a
fúria que existe no coração dos homens. Ele não era responsável pelos seus atos. Está Salvo!

Diabo: ISSO É UM ABSURDO

Jesus: você não entende nada dos planos de Deus. Severino está salvo. Severino meu filho, pode ir por ali.

* Severino sai...

Bispo: E nós?

João: Um momento senhor. Eu posso dar uma palavra?

Jesus: Minha mãe, o que acha?

N. Senhora: Deixa João Falar meu Filho.

Jesus: Fale João!

João: Os quatro últimos lugares do Purgatório estão desocupados?

Jesus: Estão!

João: Pegue esses quatro camaradas e bote lá.

Jesus: Minha mãe, o que acha?

N. Senhora: Ah, eu ficaria muito satisfeita. Dá para eles pagarem o muito que fizeram e ainda assegura a salvação deles.

Jesus: Então está concedido. Podem ir vocês quatro.

*Saem os quatro....

Diabo: Ah, não tem jeito! Homem que mulher governa.

Jesus: E agora nós João Grillo.

Diabo: Pelo menos esse eu faço questão de levar.

*O diabo abre um grande livro sobre a mesa.

Jesus: o que tem a dizer em sua defesa?

João: Nada não Senhor!

Jesus: Como não? Chegou a hora da verdade!

João: É por isso que eu estou lascado. Comigo era tudo na mentira.

Diabo: Ainda bem que reconhece.

*O Diabo bate as mãos e as portas do Inferno voltam a se abrir. João caminha em direção ao Inferno.

N. Senhora: Você mentia para sobreviver, João!

João: Mas eu também gostava. Eu acabei tomando gosto de enganar, aquele povo.
N. Senhora: Não. Por que eles lhe esploravam. A esperteza é a coragem do pobre!

João: Agradeço. Mas devo reconhecer que não vivi como um santo.

N. Senhora: NÃO. NÃO SE ENTREGUE. JOÃO!

Jesus: O caso é duro. Eu compreendo a situação em que João viveu, mas isso também tem um limite. Eu acho que não
posso salva-lo.

N. Senhora: Então. Dê-lhe meu filho, outra oportunidade.

Jesus: Como?

N. Senhora: Deixa João Voltar.

Jesus: Você se dá por Satisfeito?

João: Oxê! Demais! Pra mim é até melhor, que eu tomo cuidado com a hora de morrer e não passo nem pelo purgatório,
que pra não dá gosto ao Cão.

*Nesse instante, o diabo assume um forma aterrorizante e avança em João. Mas Nossa Senhora toma sua frente e o
encourado é lançado no Inferno. As portas do Inferno se Fecham...

João: Meu Deus, o que ele teve?

N. Senhora: Na raiva, ele olhou para você e me viu!

João: Quer dizer que eu posso voltar?

Jesus: Pode João. Vá com Deus!

João: Com Deus e com Nossa Senhora que foi quem me Valeu. Até a vista, grande Advogada, e não me deixe de mão
não. Estou decidido a tomar jeito, mas a senhora sabe que a carne é fraca.

N. Senhora: Até a Vista João!

João: Obrigado senhor! Até a vista.

Jesus: Até a vista João. João!

João: Senhor?

Jesus: Veja como se porta.

João: Sim senhor.

*João vai embora...

Cena 17

Chicó: Quando eu penso que João não teve nem um enterro no cemitério como os outros. Coitado, tá mais abandonado
que o cachorro do Padeiro.

João Grilo: Um padre nosso e uma Ave Maria pra uma alma que aqui pena.

Chicó: Ai meu Deus, é o João! JOÃO! Dizei-me o que quereis, se estais no céu, no inferno ou no purgatório!

João Grilo: Tenha vergonha Chicó! Estou vivo.

Chicó: Aaaaah, é alma das ruim, daquelas que dizem que estão vivas! Ai minha Nossa Senhora!

João Grilo: Levante Chicó! Não está vendo que sou eu? Estou vivo rapaz!

Chicó: Só acredito vendo!

João Grilo: Pois veja.


Chicó: É mesmo! Como é que foi isso, João?

João Grilo: Não sei, eu acho que a bala entrou de raspão. Fiquei com a vista escura, quando acordei, estava aqui.
Vivinho! Eu perdi o dinheiro que estava no meu bolso.

Chicó: Fique descansado João. Eu tirei do seu bolso antes de te enterrar.

João Grilo: então quer dizer que estamos ricos!

Chicó: Minha Nossa Senhora! Burro, burro, burro! Eu pensei que você tinha morrido João!

João Grilo: E o que que tem isso homem?

Chicó: Tem que eu, achando que você tinha morrido, prometi dar todo o dinheiro a nossa Senhora se você saísse
daquela!

João Grilo: Ai meu Deus! Ai minha Nossa Senhora! Que promessa desgraçada! Que promessa sem jeito!

Cena 18

A.M.: Tá enrolando demais! Diga logo se tem o dinheiro!

Chicó: Tenho! (Rosinha agarra nos braços dele) Quer dizer, tinha! (Rosinha agarra os braços do pai) É porque eu prometi
tudo a Nossa Senhora se João Grilo escapasse.

A.M.: Não tem dinheiro, não tem problema. (Rosinha agarra os braços de Chicó) Cumpre o contrato comigo, ou eu
arranco seu coro!

João Grilo: Vai fazer uma desgraça dessa com o seu próprio genro?

A.M.: Que genro o que... Pra casar com a minha filha, tem que ser rico ou valente!

Rosinha: Então está resolvido, porque Chicó é o cabra mais valente de Taperoá! Ele colocou pra correr Vicentão e Cabo
70 de uma vez só!

A.M.: Eu vou dar uma chance pra você provar que é macho, que gosta da minha filha. Você casa com ela e cumpre o
contrato comigo, ou desiste dela e eu perdoo a dívida! (sai)

Chico: Sabe o que é dona Rosinha, eu gostaria muito de casar com a senhora, mas a verdade é que eu sou mais frouxo
que calça de porta de loja.

Rosinha: Oxi, e eu não sei?

João Grilo e Chicó: Sabe como?

Rosinha: Faz tempo que eu descobri. Mas ai era tarde e eu já estava doidinha pra casar contigo.

Chicó: Quem disse que eu tenho coragem?

Rosinha: A porca!

Chicó: A porca?

João Grilo: A PORCA!

Chicó: Que porca?

João Grilo: A porca que Rosinha vai ganhar de presente de casamento homem!

Chicó: E o que que a porca tem a ver com meu corinho?

Rosinha: A gente se casa, meu pai te da a porca, você paga o que deve e livra o seu coro!

João Grilo: Chicó, você encontrou uma companheira no amor, e eu achei uma parceira na inteligência!
Cena 19

João Grilo: Não se esqueça que a metade é minha!

Chicó: Mas que dinheiro é esse?

João Grilo: Essas moedas são do tempo do Ronca!

Rosinha: Vala-me meu santo Cristo! Não vale mais nem um tustão de hoje!

João Grilo: Mas como foi que eu não imaginei isso antes! Como eu sou burro, BURRO! Imagina eu! Estou cansado dessa
agonia de fica rico, fica pobre, fica rico, fica pobre!

Chicó: E eu tô cansado dessa agonia de ficar inteiro, ficar sem tira, ficar inteiro, ficar sem tira!

A.M.: A festa está muito boa, mas tá na hora de cumprir o contrato!

Chicó: É cedo...

A.M.: Não tá não, que a faca tá amoladinha!

Chicó: O senhor não teria uma anestesia?

Rosinha: Perai meu pai! O que que estava no contrato mesmo?

A.M.: Dez contos de réis ou uma tira de couro!

Rosinha: Dez contos de réis ou uma tira do couro dele?

A.M.: Isso!

João Grilo: Couro, couro?

A.M.: COURO, COURO!

João Grilo: Uma tirinha só, sem nenhuma gota de sangue, pois não estava no contrato!

A.M.: Que história é essa?

Rosinha: A única palavra que se pronunciou nesse contrato foi couro! Ninguém falou em sangue, não foi?

Chicó: E é mesmo, eu não tinha ligado pra isso antes.

João Grilo: Ou o senhor tira uma tira do couro do Chicó sem nenhuma gota de sangue, ou não tira é nada!

A.M.: Eu devia era lhe rasgar a garganta, seu cabra safado! Só não faço isso, porque o pior castigo que eu posso dar para
a minha filha, é deixar ela casada com uma desgraça que nem você! VAI, VAI, MALAMANHADO!

Chicó: Bondade sua!

A.M.: SUMAM DAQUI ATÉ A SEXTA GERAÇÃO! Eu sou capaz de tacar fogo nessa casa, mas num deixo um tustão pra
senhora DONA ROSINHAAAA!

Chicó: Todo mundo liso de novo.

Rosinha: De novo não, meu filho. Comigo é a primeira vez.

Chicó: É mesmo

João Grilo: Eu estive pensando se não é melhor assim. Quem sabe se eu ficando rico não terminava como o padeiro? E
depois com a desgraça, a gente tá acostumado!

Chicó: Falando nisso, está me dando uma fome da mulestia.

Rosinha: Sorte que eu carreguei um pedacinho de bolo da festa.


João Grilo: Oh dona Rosinha, a senhora está aprendendo a ser pobre!

Mendigo: Uma esmola pelo amor de Deus? É pra tirar a barriga da miséria.

João Grilo: O senhor vai me desculpando, mas aqui, barriga de miséria já é três.

Rosinha: Tome meu senhor! Vá com Deus.

Mendigo: E vocês vão comer.

João Grilo: Danou-se dona Rosinha, foi-se a comida quase todinha!

Chicó: Deixe, ele também é filho de Deus.

Rosinha: Jesus às vezes se disfarça de mendigo pra testar a bondade dos homens.

João Grilo: Pode até acontecer, mas aquele ali não era não!

Chicó: Oxi, como é que você sabe?

João Grilo: Jesus? Preto daquele jeito?

Chicó: Porque não? Eu conheci um sujeito que se encontrou com Jesus.

João Grilo: Aonde Chicó?

Chicó: No céu... Diz que lá a romaria é mil vezes melhor que a de Juazeiro. E diz que o Cristo é escurinho.

João Grilo: E contou como rapaz, se ele já tinha morrido?

Chicó: Não sei, só sei que foi assim!

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