Crispim , meu Santo Antônio.... a minha cachorrinha tá doente.... e tudo isso é curpa de vocês!! Agora pode chamá o padre pra benzer minha cachorra. JOÃO GRILO: Num sei não dona... MULHER: i o que é qui vocês estão esperando.... se a minha cachorrinha morrer eu mato vocês (entra na padaria) Ai minha cachorrinha... JOÃO GRILO: E ele vem mesmo? Estou desconfiado Chicó. CHICÓ: Que isso, João, juro que ele vem, o problema é que o bispo está aí e o padre não vai querer benzer a cachorra. JOÃO GRILO: quer dizer que você acha que o padre vem? CHICÓ: Só pode vir. O doutor diz que não sabe o que o bicho tem, o jeito é apelar para o padre. Hora de se chamar padre é hora de morte, de modo que ele tem de vir. Padre João! Padre João! JOÃO GRILO: (ajoelhando, em tom lamentoso): AUTO DA COMPADECIDA PRIMEIRO ATO Lembra-te de nosso senhor, Chicó. Chicó, Jesus I vai contigo e tu vais com Jesus. Lembra-te dele o PALHAÇO: (voz alta) Auto da compadecida! O chicó... calma Chicó, você não está sozinho, siga o julgamento de alguns canalhas, entre os quais um teu caminho... sacristão, um padre e um bispo, para exercício da CHICÒ: o que tem eu nessa história João? moralidade JOÃO GRILO: (erguendo-se) Ah, e você está vivo? PALHAÇO: A intervenção de Nossa Senhora no CHICÓ: estou , que é que está pensando? momento propício, para triunfo da misericórdia. JOÃO GRILO: Você disse que hora de chamar JOÃO GRILO: Ela diz a misericórdia, por que sabe padre é hora de morte, eu só podia pensar que que, se fôssemos julgados pela justiça, toda a estava lhe dando agonia. nação seria condenada. CHICÒ: Padre João! PALHAÇO: Silêncio! O distinto público imagina a JOÃO GRILO: Padre João! Padre João! sua direita uma igreja, da qual o centro do palco III será o pátio. A saída para a sua é a sua esquerda e PADRE: (aparecendo na igreja) Que gritaria é essa há uma padaria logo ao lado e o resto é com os CHICÒ: Mandaram avisar que uma pessoa vai atores. Que se abrem as cortinas e comece o trazer um cachorro para o senhor benzê. espetáculo. PADRE: para eu benzer? (Toca uma música alegre e o palhaço sai CHICÒ: Sim dançando. Entram Chicó e João Grilo) PADRE: (com desprezo) Que maluquice! Que II besteira! JOÃO GRILO: Será que a gente fala....(voltando) JOÃO GRILO: Mas padre, no dia em que chegou o CHICÓ: Vai João... (empurrando) motor novo do major Antônio Morais o senhor JOÃO GRILO: Sei não, e se ela brigar comigo. não benzeu? (nessa hora Chicó empurra pra dentro da igreja) PADRE: Motor é diferente, é uma coisa que todo MULHER: O que? mundo benze, mas benzer cachorro? CHICÓ: É isso mesmo que a senhora ouviu...(eles JOÃO GRILO: É Chicó, o padre tem razão, benzer o cachorro do Major Antônio Morais não pode. conta. (Para o major) Ora viva, seu Major Antônio PADRE: Como? E o dono do cachorro é Antônio Morais, como vai Vossa Senhoria? Veio procurar o Morais? padre? (Major, silencioso e terrível, encaminha-se JOÃO GRILO: É. Eu não queria vir, com medo de para a igreja mas João toma-lhe a frente) É que eu que o senhor se zangasse. queria avisar para vossa senhoria não ficar PADRE: (sorrindo) Zangar nada, João! espantado: o padre está meio doido. JOÃO GRILO: (cortante) Quer dizer que benze, MAJOR: (parando) Está doido? O padre? não é? JOÃO GRILO: (animando-se) Sim, o padre. Está PADRE: Não vejo mal nenhum em se abençoar as com a mania de benzer tudo, hoje mesmo eu criaturas de Deus. Diga ao Major que venha. Eu fiquei espantado quando ele falou :hoje eu benzo estou esperando. (entra na igreja) até o cachorro do Major Antônio de Morais. IV MAJOR: Pois vamos esclarecer a história. Quanto CHICÓ: Que invenção foi essa de dizer que o a mania de benzer, não faz mal, ele me será até cachorro era do Major? útil. Meu filho mais moço está doente e quer a JOÃO GRILO: Era o único jeito de fazer com que o benção do padre. Padre João! Padre João! padre bezesse, tem medo da riqueza do Major. (Chicó tenta fugir mas João o agarra pelo Não viu a diferença? Antes era “Que maluquice pescoço) que besteira!”, agora “não vejo mal nenhum em V se abençoar as criaturas de Deus!” MAJOR: Ah! Padre, você está aí? Procurei-o por CHICÒ: IH.. Vejo como você agora tá apegado ao toda a parte. patrão. PADRE: Ora quanta honra! O que trouxe aqui? Já JOÃO GRILO: Muito pelo contrário, ainda ei de me sei, não me dia, o bichinho está doente, não é? vingar do que ele e a mulher me fizeram quando MAJOR: É, já sabia? estive doente. Mas fiz o trabalho com gosto só PADRE: Já, aqui tudo se espalha num instante. Já por que se trata de enganar o padre. Mas a está fedendo? qualquer hora eu acerto as contas com o patrão. MAJOR: fedendo? Quem? Eu o conheço o ponto fraco do homem, Chicó? PADRE: O Bichinho? CHICÒ: Qual é? É a besteira? MAJOR: Padre o senhor anda com uns modos de JOÃO GRILO: É a mulher, Chicó, e você sabe muito falar muito esquisitos. bem disso. Você mesmo sabe que a mulher dele... PADRE: Peço que me desculpe, um pobre padre CHICÒ: João, fale baixo, que o padre pode ouvir. sem muita instrução. Qual é a doença? Rabugem? JOÃO GRILO: Mas todo mundo sabe que a mulher MAJOR: Rabugem? do padeiro engana o marido? PADRE: Sim, já vi um morrer disso em poucos CHICÓ: Sabe, mas não sabe que é comigo, dias. Começou pelo rabo e... entendeu? MAJOR: Pelo rabo? JOÃO GRILO: Ainda ei de me vingar dos dois? PADRE: Desculpe, desculpe, devia Ter dito “Pela CHICÓ: João, deixe de ser vingativo que você se cauda”. desgraça. Que qualquer dia você ainda se mete MAJOR: Padre, meu nome é Antônio Noronha de numa embrulhada séria. Brito Morais e esse Noronha de Brito veio do JOÃO GRILO: e o que é que tem isso? Você pensa conde dos Arcos, ouviu? Gente que veio nas que eu tenho medo? caravelas, ouviu? CHICÓ: Permita que eu lhe dê os parabéns, João, PADRE: Ah, bem e na certa os antepassados da por que você acaba de se meter numa danada. bichinha também vieram. JOÃO GRILO: eu ? MAJOR: Claro, se os meus vieram, é claro que os CHICÓ: O Major Antônio Morais vem subindo a deles também. Quer por acaso dizer que a mãe ladeira. Certamente vem procurar o padre. dele... JOÃO GRILO: Ave-Maria! Fique calado sua besta PADRE: Mas uma cachorra!... não diga uma palavra e deixe tudo por minha (O major o segura pelo colarinho) MAJOR: Repita o que disse... PADRE: que é isso, que é isso! PADRE: Mas não é mesmo uma cachorra? MULHER: Sabe o que é isso? MAJOR: Padre, não o mato agora mesmo por que (Mostra o cachorro pra ele) o senhor é padre e está louco, mas vou me PADRE: Um cachorro! queixar ao bispo. (ela joga o cachorro no chão) PADRE: (Aflitíssimo) Mas me digam pelo amor de MULHER: ISSO QUE EU ESTOU FALANDO, É a voz Deus o que foi que eu disse. da verdade, padre João. O senhor agora vai ver JOÃO GRILO: Nada padre, nada. Esse homem só quem é a mulher do padeiro! pode estar louco com essa mania de ser grande. JOÃO GRILO: Ai, ai, ai, e a senhora o que é do Até o cachorro ele quer dar a carta de nobreza! padeiro? Padre, eu queria um favorzinho do senhor. MULHER: A vaca.... PADRE: Eu já estava esperando por uma dessas. CHICÓ A Vaca?! Diga João. MULHER: A vaca que eu mandei para cá, tem que JOÃO GRILO: O cachorro do meu patrão está ser devolvida hoje mesmo. muito doente e ele queria que o senhor benzesse PADRE: Mas até a vaca? Sacristão, Sacristão! o bichinho. (entra em cena o sacristão) PADRE: E quem é o seu patrão afinal? JOÃO GRILO: Sacristão a vaca da mulher do JOÃO GRILO: É o padeiro. padeiro tem que sair! (gritos da mulher do lado de fora) SACRISTÂO: Um momento. Em primeiro lugar os JOÃO GRILO: É a velha, com o cachorro. cuidados com os arredores da casa de Deus. O CHICÒ: Como é o senhor benze ou não benze? que é isso? Um cachorro morto no pátio da igreja! PADRE: Pensando bem, acho melhor não benzer. PADEIRO: Morto? O bispo está aí e eu só benzo se ele der a MULHER: MORTO? permissão. SACRISTÂO: Morto sim; Vou reclamar a (A mulher e o padeiro entram trazendo o prefeitura. cachorro) MULHER: Ai, ai ai ai ai ai ai ai meu cachorrinho VI morreu? MULHER: Ai, padre, pelo amor de Deus, não deixe CHICÓ: É verdade, o cachorro morreu. Por que o me cachorrinho morrer. tudo que é vivo, morre. Tadinha, Olha só como PADEIRO: O senhor benze o cachorro padre João? geme... JOÃO GRILO: Não pode ser. O bispo tá aí e o MULHER: ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai, ai. padre só ia benze se fosse o cachorro do Major SACRISTAO: Que é isso? Que é isso? Que barulho Antônio de morais, gente mais importante. é esse na porta da casa de Deus? MULHER: (Furiosa) Quer dizer, que quando era o MULHER: Se o senhor tivesse benzido o bichinho, cachorro do major, já estava tudo pensado, para a essas horas ele ainda estaria vivo. Mas tem uma benzer o meu é essa complicação! Olhe que o coisa, agora o senhor enterra o cachorro e tem meu marido é presidente da Irmandade das que ser em latim. Almas! E Eu vou pedir a demissão dele! PADEIRO: É, em latim não serve. PADEIRO: Vai pedir a minha demissão! MULHER: Em latim é que serve. MULHER: E de hoje em diante não me sai lá de PADEIRO: Isso mesmo é em latim que serve. casa nem um pão para a Irmandade! PADRE: não enterro. PADEIRO: Nem um pão! MULHER: Decida-se padre João. MULHER: E olhe que os pães que vêm para aqui PADRE: Não me decido coisa nenhuma. Vou é me são de graça! trancar na igreja e de lá ninguém me tira. PADEIRO: São de graça! JOÃO GRILO: é ... Desse jeito, vai ser difícil MULHER: E olhe que as obras da igreja é ele que cumprir o testamento do cachorro. está custeando! SACRISTÃO: Que isso? Que isso? E o cachorro PADEIRO: (Fala quase chorando) Sou eu! tinha testamento? JOÃO GRILO: É claro, treze contos, deixou dez PADRE: (levantando) UM PADRE! contos para o padre e três para o sacristão. SEVERINO: ótimo. Nunca tinha matado um padre, SACRISTÃO: (Enxugando uma lágrima) Que animal o senhor vai ser o primeiro. inteligente! Que sentimento nobre! PADRE: (desmaia) JOÃO GRILO: e o bichinho vai ser comido pêlos SEVERINO: (dando-lhe pontapé) levante-se e urubus! deixe de chamego. Xilique comigo não pega. SACRISTÂO: (cortante) Que é isso? Que é isso? Mostre os bolsos. (tira o dinheiro) Seis contos! Não há motivo para essas lamentações. Deixem Mas é possivel já vi que o negócio de reza está tudo comigo. prosperando pro aqui. (Entra os dois na igreja) JOÃO GRILO: Depois que começou a enterrar PADEIRO: Que história é essa de treze contos de cachorro então, faz é gosto! testamento? SEVERINO: E isto tudo foi para enterrar um JOÃO GRILO: que história é essa de cachorro cachorro? enterrado em latim? JOÃO GRILO: foi ( nessa hora o sacristão sai da (Sacristão e padre saem da igreja) igreja) VII SACRISTÃO: O que está acontecendo aqui? SACRISTÃO: Mas ,eu já disse que fica tudo por SEVERINO: Ah mais um pra lista pode entrar aí na minha conta? Eu faço tudo. fila... PADRE: Vocês faz tudo? CHICÒ: (entrando em cena) Até que fim SACRISTÂO: Faço! conseguimos enterrar aquele cachorro... MULHER: Em latim? SEVERINO: MAIS um , vixe que hoje o trabalho vai SACRISTÃO: Em latim rende muito... vai passando o dinheiro... PADEIRO: Você acha que está tudo bem? CHICÓ: Eu não tenho não, quem tem é o MULHER: Acho! sacristão.. PADEIRO: Então eu também acho. SEVERINO: Deixa vê, quatro Contos. O cachorro SACRISTÂO: Se é assim, vamos ao enterro. Como bom danado. Já estou pensando em sair do se chamava o cachorro? cangaço.. MULHER: Xaréu. MULHER: Mas é uma grande idéia, Severino. SACRISTÃO: Absolve, domine, animas omnium Venha trabalhar comigo a padaria. Garanto que fidelium defuctorum ab amni vinculi delictorum você não se arrependerá. Todos menos a MULHER: Amém SEVERINO: Que vergonha, uma mulher casada na MULHER: ai, ai, ai,a i,ai,ai,ai,ai,ai igreja se oferecer desse jeito. Aliás já tinha ouvido (Sons de tiros) falar que a senhora enganava seu marido com PADRE: Meu Deus, que terá sido isso? todo mundo. JOÃO GRILO: Corre que é cangaceiro mesmo. PADEIRO: O que? é possível? PALHAÇO: Vamo imbora moçada que o negócio JOÃO GRILO: É tá ficando tarde e eu tenho mais o ali atrás tá ficando perigoso. que fazer. Vamos embora Chicó. MULHER: Valha-me Deus! Socorro seu padre tão SEVERINO: Um momento amarelinho, senta aí. querendo robá a igreja. Você vai morrer junto com os outros. PADRE: Ave Maria! Valhe-me Nossa Senhora! PADRE: Quer dizer que vai matar a todos? MULHER: É severino de Aracajú, ai meu Deus! SEVERINO: Tenho que garantir o meu sustento.. PADEIRO: Ai meu Deus! PADRE: È um louco! PADRE: Onde está severino? SEVERINO: Só por causa disso Vossa Exelencia via SEVERINO: Aqui. a ser o primeiro, e leve o sacristão junto. PADRE: (Desmaiando) SACRISTÃO E PADRE: Nâo! SEVERINO: Um momento, ninguém corra. O SEVERINO: É a chegada a vez do senhor padeiro, primeiro que tentar fugir, morre. O que é isso que que terá a honra de morrer junto a sua esposa. está deitado aí? PADEIRO: Antes de morrer tenho um pedido a fazer. padrinho? SEVERINO: O que é? JOÃO GRILO: Vê, não vê, Chicó? PADEIRO: Quero que ela morra primeiro para eu CHICÒ: Vê demais, Está lá, vestido de azul, com ver. uma porção de anjinhos ao redor. Ele até estava SEVERINO: Concedido. Mate a mulher primeiro dizendo: “Diga a Severino que eu quero vê-lo” MULHER: A safado! SEVERINO: Ai, eu vou, ATIRE, atire! PADEIRO: SE ao menos fosse uma pessoa de CANGACEIRO: Mas capitão, quer que eu atire respeiro! Mas até chicó! mesmo? CHICÒ: Até chicó o que? SEVERINO: Atira, cabra frouxo eu estou PADEIRO: você me desgraçõu. Caminhe na frente! mandando! Faço questão de ver você morrer! CANGACEIRO: Capitão! MULHER: E então? Pensa que vou fazer cara feia? SEVERINO: Atire! Está muito enganado, tenho mais coragem do JOÃO GRILO: Atire logo homem, pelo amor de que muito homem safado que tem por aí. (ao Deus! cangaceiro) está pronto? (O cangaceiro aponta o rifle e atira. Severino cai e CANGACEIRO: ESTOU. o cangaceiro pega a gaita e toca duas vezes e (nessa hora o padeiro sai correndo e abraça a nada) mulher e os dois morrem juntos) CANGACEIRO: Capitão! Ah, Grilo amaldiçoado, CANGACEIRO: Ia matar a mulher primeiro, como você matou o capitão. o senhor mandou, mas no momento em que ia JOÃO GRILO: Em cima dele Chicó. puxar o gatilho, o homem correu, abraçou-se com (Chico pega a arma do Severino disfarçadamente a mulher e morreram juntos. e atira no cangaceiro.) SEVERINO: Chega então a vez de sua CHICÒ: João meu filho você é grande! (João vai desgracencia, o amarelo mais amarelo que já tive até o corpo de Severino e tira o dinheiro) a honra de matar. Pode ir que a casa é sua. CHICÓ: Vamo embora, João. JOÃO GRILO: Um momento. Antes de morrer, JOÃO GRILO:Que isso rapaz eu só saio daqui com quero dar-lhe esta gaita de presente. o testamento do cachorro. SEVERINO: Um gaita? Para que eu quero uma CHICÒ: João danado vamos embora pelo amor de gaita? Deus! JOÃO GRILO: Essa gaita foi benzida por Padre JOÃO GRILO: Já vou, Chico!(Fala isso indo Cícero, pouco antes de morrer. E tem o poder de embora) reviver os que já morreram... (O cangaceiro reergue dificilmente a cabeça, pega SEVERINO: Nossa Senhora! Só sendo abençoada o rifle, atira em João e morre. João entra em cena por meu padrinho Padre cícero. segurando o espinhaço e senta-se no chão. Chicó CHICÒ: Já aconteceu isso comigo, morri e João volta correndo.) grilo tocou a gaita. Fiquei 1 minuto morto e vi o CHICÓ: O que foi isso João? padre Cícero... JOÃO GRILO: O cabra estava vivo ainda e atirou SEVERINO: mas em tão pouco tempo? Como foi? em mim. CHICÒ: Não sei, só sei que foi assim. CHICO: Ai, minha Nossa Senhora, será que você JOÃO GRILO: Eu lhe darei uma oportunidade de vai morrer, João? conhecer meu padrinho Padre Cícero. JOÃO GRILO: Acho que vou, Chicó, estou ficando SEVERINO: Como? com a vista escura. JOÃO GRILO: Seu cabra lhe dá um tiro de rifle, e CHICÒ: Ai, meu Deus, pobre do João Grilo vai você vai visita-lo. Então eu toco a gaita e você morrer! volta. JOÃO GRILO: Deixa de latomia, chicó, parece que SEVERINO: Sua idéia é boa, mas por segurança nunca viu homem morrer! Nisso tudo eu só entregue a gaita a meu cabra. (João entrega a lamento Ter perdido o testamento do cachorro. gaita) Agora eu levo um tiro e vejo meu (Morre) CHICÓ: João! João! Morreu! Ai meu Deus, eu dar um jeito nisso? morreu, pobre João Grilo! Tão amarelo, tão TODOS: Queremos João. safado e morrer assim! Que é que eu faço no ENCOURADO: É isso que eu quero ver. mundo sem João? João! João! Não tem mais jeito, JOÃO GRILO: Eu apelo para a mãe da justiça!! João morreu. Ai meu Deus, o que vou fazer da ENCOURADO, rindo: Ah, mãe da justiça! Quem é vida sem João! João!. (Sai de cena) essa? MANOEL: Não ria que ela existe. AUTO DA COMPADECIDA SEGUNDO ATO SACRISTÃO: E Quem é? MANUEL: A misericórdia. PALHAÇO: Peço desculpas ao distinto público que CANGACEIRO: Foi coisa que eu nunca vi. teve de assistir a essa pequena carnificina, mas SEVERINDO: Onde mora? E como chamá-la? ela era necessária ao desenrolar da história. JOÃO GRILO: Ah isso é comigo. Vou fazer um Agora a cena vai mudar um pouco. Agora vai ser o chamado especial, em verso. Garanto que ela julgamento daqueles que morreram a alguns vem. tempos atrás.... Valha-me Nossa Senhora, (Sai o palhaço) Mãe de Deus de Nazaré! JOÃO GRILO: (Para o cangaceiro) Ei por que você A vaca mansa da leite, me matou? A braba dá quando quer. CANGACEIRO: E você não me matou primeiro? A mansa da sossegada, JOÃO GRILO: eu sei, mas você já estava A braba levanta o pé. desgraçado mesmo, podia Ter me deixado vivo. Já fui barco, fui navio, SEVERINO: eu, por mim, agora que já morri Mas hoje sou escaler mesmo. Estou achando até bom. Já fui menino, fui homem JOÃO GRILO: É, estão todos muito calmos por que Só me falta ser mulher. ainda não repararam naquele freguês que está ali, ENCOURADO: Vá vendo a falta de respeito viu? na sombra, esperando que nós acordemos. JOÃO GRILO: Falta de respeito nada! Esse foi o (Toca música espantosa) versinho que minha mãe me ensinou. PADRE: Quem é? Já fui barco, fui navio, JOÃO GRILO:Você ainda pergunta? Desde que Mas hoje sou escaler cheguei aqui comecei a sentir um cheiro ruim Já fui menino, fui homem danado. Essa peste deve ser o Diabo. Só me falta ser mulher. ENCOURADO: (saindo das sombras) Calem-se Valha-me Nossa Senhora, todos. Chegou a hora da verdade. Vocês vão Mãe de Deus de Nazaré! pagar por tudo que fizeram. (NOSSA SENHORA ENTRA) PADRE: Mas o que foi que eu... ENCOURADO: Lá vem a compadecida! Mulher em ENCOURADO: Silêncio! Chegou a hora do silêncio que tudo se mete! para vocês e do comando para mim. Que COMPADECIDA: E para que você me chamou, vergonha! Todos tremendo! Tão corajosos antes João? tão covardes agora! O senhor sacristão, tão cheio JOÃO GRILO: É que esse filho de chocadeira quer de dignidade, o padre, o valente severino.. E você, levar a gente para o inferno. Eu só poderia me o grilo que enganava todo mundo, tremendo apegar com a senhora mesmo. como qualquer safado! Vocês vão todos para o ENCOURADO: As acusações são graves. fogo do inferno, para padecer comigo. Vamos COMPADECIDA: Ei sei das acusações. todos para dentro. ENCOURADO: E então? JOÃO GRILO: Ah, você acha que me entreguei? COMPADECIDA: (volta-se para manoel) Interceda MANOEL: E com quem você vai se apegar? por esses pobres que não tem ninguém por eles, JOÃO GRILO: Com alguém que está mais perto de meu filho. Não s condene. nós, por gente que é gente mesmo. Querem ver MANOEL: Todos eles tem pecados graves. COMPADECIDA: Sei que não são dos melhores. JOÃO GRILO: Purgatório não... eu quero ir pro Mas sei que eles fizeram isso por medo. céu... ENCOURADO: Medo? Medo de quê? COMPADECIDA: Deixa comigo.. Peço-lhe então, PADRE: Medo do sofrimento. muito simplesmente, que não condene o João SACRISTÃO: Medo da fome. MANOEL: O caso é duro. Acho que não posso PADEIRO: Medo da solidão. salvá-lo. MULHER: Medo dos obstáculos. COMPADECIDA: Então de-lhe outra oportunidade. SEVERINO: Medo de Ter medo MANUEL: Você se dá por satisfeito. MANOEL: Mas esse dois? Você sabe o que o JOÃO GRILO: demais. Quem deve estar danado é padeiro e a mulher faziam com João.. o filho de chocadeira. (o encorado se aproxima de JOÃO GRILO: Se é por mim, eu já me esqueci. João a compadecida entra na frente e o MANOEL: Pode alegar alguma coisa em favor encourado da um grito furioso e sai de cena) deles? JOÃO GRILO: Que foi que deu nele meu Deus! COMPADECIDA: O perdão que o marido deu à COMPADECIDA: Se mordeu de raiva. mulher na hora da morte, morreram juntos. JOÃO GRILO: então deixa eu ir que está ficando MANUEL: Isso a favor dele, mas e ela? tarde. ENCOURADO: Enganava o marido com todo MANOEL: Você só volta se conseguir fazer uma mundo. pergunta que eu não souber responder. MULHER: E você não se meta... JOÃO GRILO: Deixa eu ver, humm... quando vai PADEIRO: A Prece que fiz a ela antes de morre, ser sua próxima ida ao mundo? deve Ter alguma validade. MANOEL: Ah João, isso é um mistério... COMPADECIDA: Eu alego em favor dos dois. JOÃO GRILO: Quer dizer que posso voltar MANOEL: Está recebida a alegação. Pode sair por MANOEL: Pode joão.Vá com Deus. ali. JOÃO GRILO: Deus e Nossa Senhora COMPADECIDA: Quanto ao severino e o cabra (João grilo sai) dele MANOEL (Saindo de cena de braços dados com a MANOEL: Os dois estão salvos. Saiam por ali. mãe) SE a senhora continuar a interceder desse ENCOURADO: É um absurdo contra qual eu... jeito por todos, o inferno vai terminar sem MANOEL: Protesto negado. ninguém, feito repartição pública, que existe mas PADRE: E nós? não funciona ENCOURADO: E eles? Qual a sentença? MANOEL: Espere... JOÃO GRILO: Posso falar senhor? MANOEL: Fale João! JOÃO GRILO: os dois ultimos lugares do purgatório estão desocupados? MANOEL: Estão. JOÃO GRILO: então mande esses dois para lá COMPADECIDA: Eu ficaria muito satisfeita MANOEL: Está concedido. Podem ir vocês dois. E você João Grilo? JOÃO GRILO: Eu acho que meu caso é salvação direta. ENCOURADO: E as suas trapaças? MANOEL: É João isso foi grave... COMPADECIDA: Ó meu filho, ele já sofreu como nós, não o condene, deixe o João ir para o purgatório.